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Poder político, Estado e sociedade





Rogério Gesta Leal*





I. Notas Introdutórias:



Os temas que pretendemos tratar neste ensaio apresentam-se conectados em termos de abordagem no âmbito da filosofia política e mesmo da Teoria do Direito. Significa dizer que partirmos do postulado de que Poder Político, Estado e Sociedade, ao menos em nível de enfrentamento teórico, relacionam-se reciprocamente.



Queremos demonstrar, enquanto escopo fundamental, que é impossível – para uma perspectiva crítica e conseqüente – debater a gestão dos interesses públicos em geral, e no Brasil em particular, fora desses cenários[2].



Todavia, como veremos, grande parte da teoria política contemporânea não tem percebido as relações necessárias aqui identificadas, contribuindo à despolitização da gestão dos interesses sociais e comunitários, no sentido de transformá-los em matéria eminentemente técnica-burocrática, despida de ideologia ou condicionantes políticos os mais variados.



II. Sobre o poder político na modernidade:



As relações entre poder político, sociedade e governo, ao longo da história do Ocidente, encontram-se presentes em todas as esferas da vida, geralmente sob a forma de uma organização política – institucionalizada ou não.[3]



Para alguns teóricos do Estado, esta figura estranha e por vezes insondável surge como uma extensão da natureza humana, necessariamente concebida como manifestação espontânea do indivíduo racional e intrinsecamente social.[4]



Para outros, entretanto, o surgimento do espaço social e mesmo do Estado está ligado ao florescer de uma cultura de produção calcada na exploração de mão-de-obra diferenciada e marginalizante, e, portanto, serve tão-somente para reproduzir determinadas estruturas sociais voltadas para interesses profundamente privados e minoritários no âmbito da coletividade.[5]



Em termos de história, os textos de Platão, Sócrates e Aristóteles dão conta de que o fenômeno social e político das relações sociais vão ser mediados por um determinado modelo de poder que se institucionaliza gradativamente a partir da idéia de competências naturais de agir e de obediência a ordens advindas de lugares oficiais da representação popular/divina.[6]



Estes autores, a despeito da insofismável contribuição legada à nossa cultura , viveram um profundo esforço restaurador de suas histórias, que conta o desenvolvimento do berço da civilização moderna, principalmente quando a pólis grega vai se desfazendo aos golpes desintegradores do princípio cosmopolita e das teses individualistas vigentes.[7]



A sofística, por exemplo, nesse período, surgindo num momento em que as disputas políticas deixam perceber de modo explícito a linha por onde a posição popular se separa das ambições aristocráticas, abaladas pela ascensão da democracia, denunciam que é a luta travada entre nobreza e povo que pauta todo o desenrolar da filosofia política e jurídica da Grécia, evidenciando-se, a partir daí, uma justificativa empírica para a desintegração daquele modelo de comunidade.[8]



De qualquer sorte, o poder político, nesse diapasão, passa a ser entendido como proveniente de um processo histórico e mundano de constituição do social, mediado por mecanismos de gestão operacional dos interesses sociais e privados, e, enquanto tal, vai ser criticamente localizado num tempo e num espaço específico.[9]Nesse tempo e espaço, a Sofística proclama como injusta a desigualdade do cidadão, decompondo o mythos, o logos e a pólis dos velhos tempos, sustentando que nenhum Deus instituiu a cidade/Estado, mas que foi obra exclusiva de homens, e contrapondo ainda aos valores absolutos da verdade, da justiça e da virtude, valores meramente contingentes.



Na verdade, fica patenteado desde o berço de nossa civilização, que tanto o poder político como as leis que regem as relações sociais são forjados pelo espírito objetivo humano[10]- medida de todas as coisas – ( e não por Deus ou seus representantes na terra), que se corporifica, com o passar dos tempos, na figura do cidadão (ser que vive nos limites territoriais da cidade/Estado e, dentro dele, tem direitos e obrigações). De qualquer sorte, o ordenamento jurídico, enquanto somatório das tradições, usos, costumes, arbítrio deste ou daquele tirano, exprimirá uma certa síntese valorativa, condicionamento de todo o Direito, que, por isto mesmo, se apresenta como variável no espaço e no tempo , refletindo sempre o ethos social e político vigente em cada pólis.[11]



Mesmo autores modernos como Souza[12] e Merlin [13] tratam de forma similar o tema do poder político e o conseqüente processo de formação do Estado, da Sociedade e do Governo, na cultura ocidental, a partir de sua vinculação orgânica, por exemplo, com o modelo de produção existente em cada época, ou ao menos com a forma hegemônica de cultura de classes.



Significa dizer, a partir desses elementos, que o poder político moderno necessita ser, a todo instante, racionalmente justificado. Tal justificativa, porém, não pode descurar dos elementos axiológicos e principiológicos presentes e que informam cada cenário social em que opera, sob pena de ver-se descolado dos sujeitos e instituições envolvidos.



O problema central, pois, que a teoria política moderna têm de enfrentar, é como reconciliar o conceito de Estado como uma estrutura de poder impessoal e legalmente circunscrita[14]com novo plexo de direitos, obrigações e deveres dos indivíduos. Em outras palavras, como o Estado soberano deverá se relacionar com o povo soberano, que é reconhecido como a fonte legítima dos poderes do Estado.[15]



Para Rousseau, preocupado com a questão da existência ou não de um princípio legítimo e seguro de governo[16], e contrário às teorias de Hobbes e Locke, as quais afirmam que a soberania é transferida do povo para o Estado, a soberania

não pode ser apresentada, pela mesma razão que não pode ser alienada... os deputados do povo não são, e não podem ser, seus representantes; eles são meramente seus agentes; e eles não podem decidir nada em termos finais.[17]



Neste cenário de idéias, próprias da Idade Moderna, a concepção de poder e de governo atrela-se à figura do indivíduo/cidadão e às condições de possibilidades do seu desenvolvimento econômico, pois o papel do cidadão é o mais elevado a que um indivíduo pode aspirar. O exercício do poder pelos cidadãos, nos estritos termos da Lei e neste período histórico, é a única forma legítima na qual a liberdade pode ser sustentada e efetivada.[18]



Claro que não estamos falando de qualquer Lei, mas exponencialmente daquela que vai ao encontro da fonte matricial do poder estatal, a saber, a norma constitucional. Neste particular, temos, a partir também da Idade Moderna, a Constituição como norma fundamental informativa das possibilidades/necessidades de ordenação do social, demarcando princípios e valores a serem perseguidos pela comunidade e suas representações – oficiais e não-oficiais, e portanto vinculando a todos.



Assim, a parte o fato de que o exercício direto do poder de decisão por parte dos cidadãos não é incompatível com o exercício indireto através de representantes eleitos, como demonstra a existência das constituições e instituições modernas e contemporâneas, tal qual a brasileira vigente- que prevê o instituto do plebiscito e do referendum popular-, tanto a democracia direta quanto a indireta descendem do mesmo princípio da soberania popular, apesar de se distinguirem pelas modalidades e pelas formas com que essa soberania é exercida - matéria que, aliás, faz a diferença em termos de qualidade do modelo.[19]



E quando se fala em formas de exercício da soberania ou do poder soberano, que pressupõe a participação efetiva do indivíduo no processo de decisão política dos temas que lhe dizem respeito, percebe-se que a esfera política e individual está imersa em uma esfera mais ampla, que é a da sociedade como um todo, e que inexiste decisão política que não esteja condicionada ou inclusive determinada por aquilo que acontece na sociedade.[20]



Cumpre agora, de forma destacada, verificar um tema que está presente desde o início de nossa reflexão, de maneira direta ou indireta, mas que necessita ser enfrentado com maior singeleza, a saber: a natureza das relações intersubjetivas e institucionais vinculantes entre Estado e Sociedade.





III. Ainda sobre o pacto social: novas perspectivas:



As relações políticas da era moderna são marcadas pelos índices e âmbitos de racionalidade presentes na organização e justificação do poder político e sua vinculação com o social. Neste sentido, força é reconhecer que a teoria política desse período muito contribuiu para tal debate, auxiliando o desvelamento do ser social e de sua natureza.



Figuras como Thomas Hobbes, Jonh Locke e Jean J. Rousseau, transformaram-se em lugares obrigatórios para a referida discussão, tanto em razão da profundidade de seus estudos pontuais, como em face do ineditismo de abordagem antropológico-política produzida. Divergindo sobre pressupostos de base dos seus discursos e visões de mundo, esses autores trazem aos modernos juristas e cientistas sociais novos argumentos filosóficos sobre a vida humana e sua inexorável tendência ao desencanto.



Com efeito e nesse aspecto, damos destaque ao ideal moral de Rousseau que é a natureza, reino da liberdade, da espontaneidade e da felicidade do homem: a infelicidade deste ser deriva do fato de encontrar-se distanciado da natureza.[21]Assim, distanciando-se do estado de natureza e tendo-se formado o estado de sociedade, no qual ele se degenera e corrompe, o problema é dar a sociedade uma forma tal que o homem recupere nela a própria natureza, ou seja, encontrar uma forma de estado na qual a lei civil tenha o mesmo valor da lei natural, e no qual os direitos subjetivos civis sejam a restituição ao indivíduo - agora cidadão - de seus direitos inatos.[22]

Assim, o problema fundamental do Contrato Social em Rousseau é :

Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes.[23]





Desta forma, o Estado Moderno, para ter legitimidade, deve nascer de um contrato pelo qual todo indivíduo aliene os seus direitos à comunidade: Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, á comunidade toda .. Enfim, cada um dando-se a todos não se dá a ninguém.[24]



Estreitamente relacionado com o conceito de contrato social está o de vontade geral, que não é a vontade de todos, mas a vontade de cada um, aquilo que na vontade de todo indivíduo deve coincidir com a vontade dos demais enquanto membros da sociedade: Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares.[25]



Como corolário, a vontade geral é a única fonte da lei, que não traduz interesses particulares, mas é de todo povo para todo povo. Com efeito,

quando todo o povo estatui algo para todo povo, só considera a si mesmo e, caso estabeleça então uma relação, será entre todo o objeto sob um certo ponto de vista e todo o objeto sob um outro ponto de vista, sem qualquer divisão do todo. Então, a matéria sobre qual se estatui é geral como a vontade que a estatui. A esse ato dou o nome de Lei.[26]







Rosseau refere-se ainda aos requisitos de abstração e generalidade da lei: Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, por isso entendo que a Lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, e jamais um homem como um indivíduo ou um objeto individual.[27]



De se observar, assim, que sendo a lei expressão da vontade geral, à qual pertence a soberania, ninguém pode lhe ser. Neste passo, releva-se o conceito de soberania popular de Rousseau, ou seja, o corpo político está constituído por cidadãos e iguais, portanto, não se admite nenhum tipo de submissão pessoal, isto é, todos participam, todos obedecem.[28]



Significa dizer que a unidade do poder soberano está na reunião de todos os cidadãos (o corpo soberano). A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa.[29]



Diferente do que possa parecer aos menos avisados, o discurso rousseauniano apresenta-se, hoje, como significativamente contemporâneo e pertinente ao atual estado das relações sociais e de poder, principalmente em países de economia mais dependente e fragilizados no âmbito dos direitos humanos e fundamentais mais básicos (como o direito ao trabalho, à saúde, à educação, à habitação, à previdência social). Na dicção de Boaventura de Souza Santos,

O contrato social é a grande narrativa em que se funda a obrigação política moderna, uma obrigação complexa e contraditória porque foi estabelecida entre homens livres e, pelo menos em Rousseau, para maximizar e não para minimizar essa liberdade. O contrato social é assim a expressão de uma tensão dialética entre regulação social e emancipação social que se reproduz pela polarização constante entre vontade individual e vontade geral, entre o interesse particular e o bem comum.[30]





Do todo ponderado até agora, entendemos que o grupo social de uma determinada comunidade, ao menos a partir da Idade Moderna no Ocidente, está obrigado a tomar decisões que, direta ou indiretamente, vinculam a todos os seus membros, com o objetivo de prover a própria subsistência: e, como estas decisões grupais são tomadas por indivíduos- por representação ou não-, para que sejam aceitas como coletivas, mister é que sejam levadas a termo com base em regras que estabeleçam quais os indivíduos autorizados a tomar decisões vinculatórias para todos os membros do grupo e à base de quais procedimentos.[31]



Em outras palavras, são os critérios de inclusão e exclusão desse contrato social que vão demarcar o fundamento da legitimidade da contratualização levada a efeito na constituição (polithéia) do social[32]. É neste sentido que podemos atestar a crise de materialidade da vontade geral em países como o Brasil, fragmentado em seu tecido social, com profundos déficits de políticas públicas comunitárias e com um alto índice de tensão e conflituosidade de sua cidadania, transformando o Estado Nacional em um repositório de estratégias perversas de gestão dos interesses corporativos das elites dominantes.



Vale lembrar que o modelo da democracia representativa ocidental[33], fundada na idéia de representação social – institucional ou não - não se reduz à dimensão simbólica, mas só existe no simbólico, pois é legitimada por significações que encarnam sentidos reconhecidos pelas comunidades/ indivíduos representados, principalmente a crença de que os mandatários serão fiéis às demandas dos mandantes.[34]



Neste aspecto, novamente Bobbio é esclarecedor:

Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.[35]





Um governo ou sociedade pois, nos tempos modernos, está vinculado a um outro pressuposto que se apresenta como novo em face da Idade Antiga e Média, a saber: a própria idéia de democracia. Para ser democrático, pois, deve contar, a partir das relações de poder estendidas a todos os indivíduos, com um espaço político demarcado por regras e procedimentos claros, que efetivamente assegurem o atendimento às demandas públicas da maior parte da população, elegidas pela própria sociedade, através de suas formas de participação/representação[36], tanto as oficiais como as espontâneas, fruto da organização de segmentos comunitários (estamos falando das Organizações Não-Governamentais, das Associações Civis, dos Sindicatos, dos Conselhos Populares – municipais e estaduais).



Para que isso ocorra, contudo, impõe-se a existência e eficácia de instrumentos de reflexão e debate público das questões sociais vinculadas à gestão dos interesses coletivos- e muitas vezes conflitantes, como os direitos liberais de liberdade, de opinião, de reunião, de associação, etc.-, tendo como pressupostos informativos um núcleo de direitos invioláveis conquistados principalmente desde o início da Idade Moderna e ampliados pelo Constitucionalismo Social do século XX até os dias de hoje. Estamos falando, por certo, dos Direitos Humanos e Fundamentais de todas as gerações ou ciclos possíveis.[37]



No âmago desse modelo, todavia, um problema que nos interessa neste ensaio se apresenta à consecução dos possíveis paradigmas da referida sociedade democrática moderna: a tendência cada vez mais burocratizante e centralizadora do processo decisório, que afasta desta sociedade a oportunidade de participação e debate sobre temas que lhe dizem respeito. Seguindo esta tendência é que, no atual governo federal brasileiro, encontramos um forma centralizada de fazer política, localizada no âmbito dos corredores palacianos de Brasília, em nome de uma democracia invisível ou ainda não percebida pela cultura popular tupiniquim.



Para diminuir um pouco estas dificuldades, mister é que se tenham algumas regras estabelecidas, as quais, entendemos, irão informar as condições de possibilidades de um regime democrático.



Tais regras poderiam ser apresentadas a partir da proposta de Cerroni:

1. Regla del consenso. Todo puede hacerse si se obtiene el consenso del pueblo; nada puede hacerse si no existe este consenso. 2. Regla de la competencia. Para construir el consenso, pueden y deben confrontarse libremente, entre sí, todas las opiniones. 3. Regla de la mayoría. Para calcular el consenso, se cuentan las cabezas, sin romperlas, y la mayoría hará la ley. 4. Regla de la minoría. Si no se obtiene lal mayoría y se está en minoría, no por eso queda uno fuera de la ciudad, sino que, por el contrario, puede llegar a ser, como decía el liberal inglés, la cabeza de la oposición, y tener una función fundamental, que es la de criticar a la mayoría y prepararse a combatirla en la próximo confrontación. 5. Regra del control. La democracia, que se rige por esta constante confrontación entre mayoría y minoría, es un poder controlado o, al menos, controlable. 6. Regla de la legalidad. Es el equivalente de la exclusión de la violencia.[38]





Ocorre que os institutos tradicionais da democracia, em especial no Brasil, associam estes mecanismos ou regras de procedimentos das políticas públicas à proteção de uma liberdade e igualdade meramente formal, restritas no espaço e no tempo pelos termos petrificados da lei, pretendendo com isto reduzir a idéia da democracia a uma mera técnica de posturas e comportamentos institucionais.[39]





IV. Estado, Governo e Sociedade:



Estamos convictos de que é na relação entre Sociedade e Estado, enquanto instituição jurídica e política, que se vai encontrar um dos espaços públicos mais ricos e necessários à análise e reflexão dos assuntos polemizados.



Ao se falar de Estado, direta ou indiretamente, fala-se de ordem jurídica, pois, desde Max Weber, é possível reconhecer a forma específica de legitimidade do Estado moderno como sendo a sua reivindicação para que as suas ordens sejam reconhecidas como vinculatórias porque são legais, isto é, porque emitidas em conformidade com normas gerais e apropriadamente promulgadas[40]. Essa figura do Estado com poder de mando, como poder com força imperativa para criar um conjunto de regras de comportamento, postulá-las como obrigatórias e fazê-las cumprir, evidencia o estreito relacionamento que ele mantém com o Direito e mais precisamente com o Direito Público.[41]



Assim, a participação do Estado enquanto pessoa jurídica de direito público na vida social é indiscutivelmente grande em todos os momentos da cultura ocidental, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, tendo ele adquirido um conteúdo econômico e social, para realizar, dentro de seus quadros, a nova ordem de trabalho e distribuição de bens.[42]



Nesse contexto, é possível perceber o surgimento de um discurso ideológico que pretende assegurar uma certa lógica aos poderes instituídos, fazendo com que as divisões e as diferenças sociais apareçam como simples diversidade das condições de vida de cada cidadão, e a multiplicidade de instituições forjadas pelo e no Estado, longe de representar pluralidades conflituosas, surgem como conjunto de esferas identificadas umas às outras, harmoniosa e funcionalmente entrelaçadas, condição para que um poder unitário se exerça sobre a totalidade do social e apareça, portanto, dotado da aura da universalidade, que não teria se fosse obrigado a admitir realmente a divisão efetivada da sociedade em classes.[43]



Lembra Marilena Chaui[44]que:

Para ser posto como o representante da sociedade no seu todo, o discurso do poder já precisa ser um discurso ideológico, na medida em que este se caracteriza, justamente, pelo ocultamento da divisão, da diferença e da contradição.





Quando se fala em Estado de Direito, ao menos no âmbito da era contemporânea, pode-se frisar como características, por um lado, as fornecidas por Elias Diaz[45]

a) império da lei: lei como expressão da vontade geral; b) Divisão dos Poderes: legislativo, executivo e judiciário; c) Legalidade da Administração, atuação segundo a lei e suficiente controle judicial; d) Direitos e liberdades fundamentais: garantia jurídico-formal e efetiva realização material.





Deve se considerar, por oportuno, que, nos países do denominado common law, desde a revolução de Cromwell, encontra-se demarcado os pressupostos do rule of law, sintetizados em três pontos por Dicey[46]: a) a ausência de poder arbitrário por parte do Governo; b) a igualdade perante a Lei; c) as regras da Constituição são a conseqüência e não a fonte dos direitos individuais, pois, os princípios gerais da Carta Política são o resultado de decisões judiciais que determinam os direitos dos particulares em casos trazidos perante as cortes.



É o império da lei que se impõe, devendo significar que o legislador mesmo se vincule a própria lei que cria, tendo presente que a faculdade de legislar não é instrumento para uma dominação arbitrária. Esta vinculação do legislador à lei, entretanto, para os bons homens dotados de boas intenções, só é possível na medida em que ela seja constituída com certas propriedades/pressupostos: moralidade, razoabilidade e justiça, por exemplo.



Entretanto, a história nos mostra que “La validez simplesmente formal de las leyes establece el contraste entre ley y justicia, así como dentro de la recta razón de la ordenación legal con miras al bien común y la voluntad del legislador; o en otros términos, entre el imperio de la ordenación racional y el imperio de la voluntad del hombre”[47].



Contudo, esta leitura do Estado como condições e possibilidades de governos regidos pelos termos da Lei não é suficiente quando se pretende enfrentar os conteúdos reais da existência de sociedades dominadas pelas contradições econômicas e culturais e de cidadanias esfaceladas em sua consciência política.



Em outras palavras, a Democracia Liberal, ao designar um único e verdadeiro padrão de organização institucional baseado na liberdade tutelada pela lei, na igualdade formal, na certeza jurídica, no equilíbrio entre os poderes do Estado, abre caminho à conquista da unanimidade dum conjunto de atitudes, hábitos e procedimentos, os quais, geralmente, refletem a reprodução do status quo . Em tal quadro, compete ao Estado de Direito tão-somente regular as formas de convivência social e garantir sua conservação; a economia se converte numa questão eminentemente privada e o direito, por sua vez, se torna predominantemente direito civil, consagrando os princípios jurídicos fundamentais ao desenvolvimento capitalista, como os da autonomia da vontade, da livre disposição contratual e o da pacta sun servanda[48].



Aliás, no Brasil, há ainda uma série tendência por parte de alguns teóricos de plantão em resistir a própria idéia de politização do chamado Estado de Direito, concebendo, de forma negativa, a Lei como um instrumento político, um meio para a realização de uma política governamental, motivo por que não se legitima por um conteúdo de justiça e sim por ser expressão da vontade política do povo ou do governo. Assim, a politização das leis fere, não raro, a racionalidade do Direito, que gera leis irracionais.



Com tal perspectiva, eminentemente formalista e neutral, há um entendimento majoritário, principalmente na América Latina, de se reduzir o modelo de Estado e do Governo a uma vinculação e controle do ordenamento jurídico vigente, sem, portanto, dar-se atenção ao processo legislativo e principalmente o executivo como um fórum de enfrentamento ideológico e político, mas tão-somente técnico; ou perceber-se que, do mesmo modo que o Estado denominado de Direito, o próprio Direito e a Lei representam uma forma condensada das relações de força entre os grupos sociais que determinam a sua origem, seu conteúdo e a lógica de seu funcionamento[49].



Por tudo isso, é inegável que na maioria dos países de democracia liberal, ou neo-liberal, como o Brasil, o sistema de representação político-institucional vive um processo de crise de legitimidade, que se expressa na abstenção eleitoral, na apatia e não participação político-social, bem como nos baixos índices de filiação partidária.



As causas variam entre os vários países mas, se pode dizer, com Pont, que as principais residem:

- no processo de burocratização e caráter autoritário das administrações e parlamentares;

- a falta de controle dos eleitores e/ou do Partido sobre os eleitos;

- os sistemas eleitorais que distorcem a representação fraudando a vontade popular, através dos mecanismos distritais e/ou barreiras e obstáculos para partidos pequenos;

- a falta de coerência entre projeto e programa eleitoral e a prática dos eleitos;

- as trocas partidárias sem perda de mandato, onde o Brasil deve ser recordista mundial, resguardados pela lei;

- a incapacidade desses sistemas garantirem a reprodução do capitalismo com legitimidade frente a evidência de ser reprodutor da desigualdade e da exploração sociais[50].



Pode-se dizer, enfim, que a idéia de Estado, como o próprio tema da Democracia e do Poder Político, passa pela avaliação da eficácia e legitimidade dos procedimentos utilizados no exercício de gestão dos interesses públicos e sua própria demarcação, a partir de novos espaços ideológicos e novos instrumentos políticos de participação ( por exemplo, as chamadas organizações populares de base, os Conselhos Populares, as parcerias com o setor privado), que expandem, como prática histórica, a dimensão democrática da construção social de uma cidadania contemporânea, representativa da intervenção consciente de novos sujeitos sociais neste processo. Como lembra Warat:

No existe nada de antemano establecido como sentido del Estado de derecho, la enunciación de sus sentidos sera permanentemente inventada para permitir una gobernabilidad no disociada de las condiciones democraticas de existencia[51].





O Estado brasileiro enquanto instituição jurídica e política neste contexto vai ter uma função importantíssima, na medida em que, pelos termos da dicção constitucional vigente, responsabiliza-se pela mediação da ordenação do social e pela garantia de algumas prerrogativas/direitos que irão se ampliar no âmbito do processo de desenvolvimento das lutas sociais e políticas contemporâneas.



O Estado Democrático de Direito brasileiro, assim , pode ter como paradigma o Estado Social de Direito europeu, fruto de tendências ideológicas híbridas, pois, (1) de um lado, advém de uma conquista política do socialismo democrático da experiência alemã com a Constituição de Weimar; (2) de outro, é fruto de um pensamento liberal mais progressista que o concebe como um instrumento de adaptação do aparato político às novas exigências deste capitalismo[52].



A partir daqui, este Estado tem colocado sérias questões a serem respondidas pela teoria política contemporânea, sendo que a principal delas, ao menos no âmbito dos países ditos em desenvolvimento, como o Brasil, é a de saber sobre as condições de se atribuir aos poderes públicos a responsabilidade de proporcionar a toda sociedade e cidadãos as prestações necessárias e os serviços públicos adequados para o pleno desenvolvimento de suas vidas, contempladas não só a partir das liberdades burguesas tradicionais, mas sim a partir das prerrogativas e direitos fundamentais e humanos garantidos pela nova ordem constitucional.



Porém, para nós, revela-se imprescindível conceber o Estado Democrático de Direito proclamado pelo texto constitucional brasileiro, principalmente em seu Título Primeiro, como a maior evidência de que impõe-se a abolição fática da separação entre sociedade e Estado, resultando daí a exigência de que este Estado assuma a responsabilidade de transformar a ordem econômico-social no sentido de viabilizar a efetivação material da idéia de democracia real, baseada no pressuposto da igualdade concreta e existencial.



Cabe tanto aos Poderes instituídos do Estado como à Sociedade tal tarefa, sublinhando aqui o caráter notadamente interventor que toma a Administração Pública nacional em face das disposições constitucionais vigentes.





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[1] Rogério Leal é Doutor em Direito, Advogado, Professor Universitário e Pesquisador das Universidades de Santa Cruz do Sul, Caxias do Sul e Vale do Rio dos Sinos.

[2] Como já fizemos referência em nosso livro LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado: cidadania e poder político na modernidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

[3] Conforme LANDI, Guido. Manuale di Diritto Amministrativo. Milano: Giuffrè, 1990, p.34 e ss.

[4] Esta é a posição de grande parte da filosofia política clássica da Grécia e mesmo Romana, conforme SABINE, George H. Historia de la teoria politica. México: Fondo de Cultura Económica, 1994, p.38 e ss.

[5] Um dos textos clássicos que enfrenta esta reflexão é o de ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Alfa-omega, 1989. Ver também JAEGER, Werner. Paideia. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.

[6] Conforme BARKER, Edmund. Greek Political Theory: Plato and his predecessors. London: Goodwin, 1988, pp.78/91. No texto A Politica. III, 1278 b, Barcelona: Paidós, 1990, Aristóteles refere que En realidad se la polis es una comunidad, y es una comunidad de ciudadanos participantes de una constitución (politeía), cuando la constitución se vuelve específicamente diferente y disímil, parece que necessariametne también la pólis no es ya la misma.

[7] CARNOY, Martin. Estado e Teoria Política. São Paulo: Papirus, 1988, p.46.

[8] Conforme CASSIN, Barbara. Ensaios Sofísticos. São Paulo: Ciciliano, 1990, p.35.

[9] É interessante notar que, por exemplo, CASSIN, Barbara. Ensaios Sofísticos. São Paulo: Siciliano, 1990, p.57 e ss, registra que os Sofistas arruinam os postulados fundamentais da pólis; plantam dúvidas nos espíritos, insinuam a descrença nos valores, levantam mais problemas que resolvem, aniquilando a tradição mítica então operante na cultura da época, apagando o culto dos heróis e afrouxando as tradições doméstice, as; fazem da crença na origem divina das leis um anacronismo pueril.

[10] Apesar de Platão, no diálogo Protagorás, consignar que no pensamento sofista, o justo e bom é o que, como tal, se afigura ao Estado, na medida em que este o assim entender. Veja-se que o mito de Protagorás não implica uma contradição com sua medida relativista e antropológica. O Zeus de Protagorás é o Logos, a razão humana, que está na terra e não no céu, que nada tem a ver com o Zeus da mitologia; é puramente alegórico.

[11] Ver a obra de LEFORT, Claude. As formas da história. São Paulo: Brasiliense, 1979. Queremos dizer que desde a cidade/Estado Grega o âmbito do político e do social é ordenado a partir de um processo de constituição da Lei, que, por sua vez, evidencia-se como um instrumento formal de manejo daquele poder e sociedade; daqui já surgem sinais inexoráveis da figura do cidadão, sujeito de direitos e obrigações.

[12] SOUZA, Herbert de. O Estado e o desenvolvimento capitalista no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

[13] MERLIN, Pierre. L´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1996.

[14] Característica de perfil do Estado Moderno, como lembra TOURAINE, Alain. Comment sortir du libéralisme ? Paris: Arthème Fayard, 1999.

[15] Ao menos para nós que elegemos a matriz teórico-reflexiva rousseauniana.

[16] ROUSSEAU, Jean J. O contrato social. São Paulo: Abril, 1988, p. 49.

[17] ROUSSEAU, Jean J. op. cit., p.141.

[18] Como lembra BOBBIO, Norberto. Origen y fundamentos del poder politico. México: Grijalbo, 1998, p. 22: La teoría política no puede dejar de tomar em consideración primeramente el nulo poder, independientemente de los llamados principios de legitimidad, es decir, de las razones que lo transforman em um poder legítimo, así como la teoría jurídica no puede dejar de tomar em consideración el sistema normativo em su conjunto, como uma serie de normas uma a outra vinculadas según um cierto principio de orden, independientemente del aparato de la fuerza predispuesto para su actuación.

[19] Veja-se que, desde a perspectiva Weberiana que define o Estado (neste caso o reacional-legal) como o detentor do monopólio da força física legítima, tão-somente a força física não é suficiente para justificar o Estado em face da sociedade, mas impõe-se que esta força esteja acompanhada de razões de exercício que façam da obediência dos destinatários do poder não um simples acatamento externo, mas uma aceitação de caráter interno e intelectivo. Em outras palavras, solamente se puede hablar de poder legitimo quando los gobernados por su mismo deseo asumen el contenido del mandato como máximo de su acción, se debe deducir que cuando se presente uma situación em la que el ciudadano obedece al mandato de quien detenta el poder sólo em virtud de la legalidad formal de las prescripciones, la legitimidad de este poder se resuelve completamente em la legalidad de su ejercicio. WEBER, Max. Estado y Sociedad. Op. cit., p.329.

[20] Nesse sentido ver o texto de SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice – o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.

[21] É oportuno lembrar que o conceito de natureza aqui não diz respeito a um estado de solidão ou isolamento do homem, mas, como quer Pufendorf: o estado de natureza é aquele em que se concebem os homens enquanto não têm conjuntamente outra relação moral além da que está fundada nesta relação simples e universal que resulta da semelhança de sua natureza, independentemente de qualquer convenção e de qualquer ato humano que os tenha sujeitado uns aos outros. Com base nisto, aqueles dos quais se diz que vivem em estado de natureza são os que não se acham submetidos ao domínio um do outro, nem dependentes de um senhor comum, e que não recebem uns dos outros nem bem nem mal. DERATHÉ, Robert. Jean-Jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris: Vrin, 1984, p.125.

[22] Ver a obra de DERATHÉ, Robert. Op.cit.,, p.36.

[23] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ouvres Complètes. Paris: Gallimard, 1984. In Du contract social. Livro I, cap. VI:32. Aqui, trata-se de uma liberdade diferente da natural, por óbvio: é a liberdade convencional. No mesmo texto, Rousseau afirma que o homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros (Livro I, cap. I:22), aduzindo que acredita poder resolver a questão de como legitimar a situação do homem que tendo perdido sua liberdade natural, se submeteu ao poder político. A questão é resolvida mediante o instrumento/artifício do contrato social.

[24] Op. Cit., Livro I, cap. VI:33.

[25] Op. Cit.,Livro II, cap. III: 46-47.

[26] Livro II, cap. VI:54. Veja-se que , por mais utópico que pareça ser, esta concepção de Rousseau nos remete ao tema da soberania popular, fonte única e legítima do poder político instituído, bem como o de igualdade enquanto valor maior que está a informar a constituição da cidade/estado. Ver o texto de ULHÔA, Joel Pimentel de. Rousseau e a utopia da soberania popular. Goiânia: UFG, 1996.

[27] Op. Cit., Livro II, cap. VI: 54-55.

[28] Lembramos que, enquanto modalidade ideal de pensar o social e a organização das relações de poder, este elemento utópico é tanto revolucionário no tempo de Rousseau como fundante para um discurso sobre a Democracia.

[29] Op. Cit. Livro III, cap. 107-108.

[30] SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In Os sentidos da Democracia. Petrópolis: Vozes, 1999, p.84.

[31] Há uma reflexão pontual sobre este tema em BOBBIO, Norberto. Democrazia, maggioranza e minoranza. Bologna: Il Mulino, 1981, p.48. O autor sustenta também em outro texto: Origen y fundamentos del poder politico, op.cit., que la fictio del contrato social indica sobre todo que el poder político, cualquiera que sea su origen, se desvanece cuando ya no sea en cierta manera y medida reconocido o aceptado; esto sugiere que la continuidad de un poder coactivo exclusivo se explica no tanto por su misma fuerza, como por la justificabilidad para los consociados. P.50.

[32] Citando novamente Boaventura Santos (op.cit.,p.87), esse contrato social visa, fundamentalmente, criar um paradigma sócio-político que produz, de maneira consistente, quatro tipos de bens públicos: (1) legitimidade da governação; (2) bem-estar econômico e social; (3) segurança; (4) identidade coletiva.

[33] Temos presente aqui que as raízes dos sistemas políticos de representação encontram-se nos regimes constitucionais dos Estados Modernos. Os regimes políticos antigos e medievais, pelo fato de coexistirem com sociedades escravocratas, em tese, não têm identificação com os novos cenários inaugurados com o Estado Moderno. Mesmo com o Absolutismo, em que a idéia de “contrato” já aparece em vários ideólogos do período, e a figura do súdito já seja portador de direitos, sua condição ainda é distante da qualificação de cidadão. Assim, origens dos sistemas representativos nascem de concepções liberais que expressavam o desenvolvimento e amadurecimento das sociedades mercantis e das condições objetivas de acumulação e do trabalho livre. Nesse sentido nosso livro Teoria do Estado, op.cit.. .

[34] Nesse sentido MACPHERSON, C. B. La Democracia Liberal y su época. Madrid: Alianza Editorial, 1991, p.135.

[35] BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987:p.165.

[36] Já defendemos esta idéia em nosso livro LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado, op. cit.

[37] Ver neste sentido nosso livro LEAL, Rogério Gesta. Os Direitos Humanos no Brasil: desafios à democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

[38] CERRONI, Umberto. Reglas y valores en la democracia. México: Alianza Editorial, 1991, p.191.

[39] Conforme FARIA, José Eduardo. Retórica Política e Ideologia Democrática. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

[40] Conforme WEBER, Max. Economía y Sociedad. México: Fonde de Cultura Económica, 1992, p.174.

[41] Compreende-se agora porque a afirmação de que o Estado Moderno é concebido como um muro de contenção ao absolutismo, e a lei como emanação da vontade do povo e não como expressão da vontade do governante, o que precisa ainda ser debatido e recuperado em cada ciclo de nossa história jurídica e política.

[42] Podemos afirmar que este modelo de Estado corresponde ao que se denomina de Social de Direito, uma vez que tenta civilizar mais o mercado e as relações de capital, no sentido de garantir alguns direitos e garantias fundamentais à sociedade. Há uma profunda relação bibliográfica sobre esta matéria, podendo-se buscar maiores informações no livro de STRECK, Lênio Luiz, MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. É certo, porém, que um dos modelos mais clássicos de Estado Social de Direito é o recepcionado pela Constituição de Bonn, em 1949, qualificando a Alemanha como um Estado Democrático e Social de Direito, que busca fundamentalmente a justiça e bem estar social, mesmo que de forma discursiva e notadamente formal. Neste sentido a obra de ABENDROTH, Wolfgang. El Estado Social. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996, p.09/42.

[43] Veja-se que, se tal divisão fosse reconhecida, teria o Estado de assumir-se a si mesmo como representante de uma das classes da sociedade. No entanto, o que temos é ainda a matricial concepção montesquieuniana de tripartição de poderes, harmônicos e independentes entre si.

[44] CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989, p.21.

[45] DIAZ, Elias. Estado de Derecho y Sociedad Democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Dialogo, 1975, p.29.

[46] Ver o texto de DICEY, Carl. Introduction to the study of the law the constitution. London: MacMillan, 1981, p.202.

[47] HURTADO, Juan Guillermo Ruiz. El Estado, el Derecho y el Estado de Derecho. Columbia: Facultad de Ciencias Jurídicas y Socio-Economicas, 1986, p.245.

[48] Conforme FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p.57.

[49] Nesse sentido a obra de FANO, Enrico (org.). Trasformazioni e Crisi del Welfare State. Piemonte: Donato, 1993, p.38.

[50] PONT, Rau. Democracia Representativa e Democracia Participativa. Porto Alegre: www.portoalegre.gov.rs. Neste mesmo texto, adverte o autor, e com ele condordamos, que: A democracia participativa, por seu potencial mobilizador e conscientizador, permite aos cidadãos desvendar o Estado, geri-lo e estabelecer um efeito demonstração para outros setores da sociedade traduzirem o método para outras esferas da luta política e da competência administrativa...... as principais características da nossa experiência(o autor está falando da Administração Pública na cidade gaúcha de Porto Alegre, em que é Prefeito Municipal neste ano de 2000) podem ser resumidas em alguns aspectos suscetíveis de servirem de referência e de método, independente do conhecimento insubstituível de cada realidade, para outras experiências.

A primeira delas é a participação popular, direta ou indiretamente, como no caso de Porto Alegre onde a participação direta no Orçamento Participativo, regional e temática, não é contraditório com uma rede de conselhos municipais formados por representantes de entidades e associações que também influenciam, fortemente, nas políticas públicas.

A segunda característica é a prática direta, a ação insubstituível dos cidadãos nas reuniões, nas discussões e momentos de conhecimento dos dados, dos números para que as pessoas apropriem-se dos elementos necessários para decidir. Formem comissões de controle, de fiscalização e tenham o espaço para a cobrança e a crítica. Quanto mais isto for feito diretamente sem transferir para outros, sejam eles líderes comunitários, sindicais ou vereadores, maior e mais rápido será o avanço da consciência democrática.

A terceira característica da nossa experiência é a auto-organização, expressa na auto-regulamentação construída e decidida pelos próprios participantes num saudável exercício de soberania popular que não fique sempre a mercê de leis e decretos decididos por outros. A experiência da auto regulamentação foi riquíssima, incorporando critérios que vinham da própria prática desenvolvida: Conselheiros com delegação imperativa e substituição ou revogação dos mandatos quando conselheiros ou suplentes abandonam ou não cumprem as funções assumidas.

[51] WARAT, Luis Alberto. Fobia al Estado de Derecho, in Anais do Curso de Pós-graduação em Direito, Universidade Integrada do Alto Uruguais e Missões - URI, 1994, p.18.

[52] Neste sentido LUÑO, Antonio E. Perez. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. Madrid: Tecnos, 1996, p.226.



Disponível em: <http://www.mundojuridicom.adv.br> Acesso em: 04 ago. 2006.