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Controle de Constitucionalidade e Jurisdição Constitucional





José Luiz Quadros de Magalhães*





A existência de mecanismos adequados e eficazes de controle de constitucionalidade é condição fundamental para a supremacia constitucional e a segurança jurídica, essência do moderno estado de direito. De nada adiantam a existência de limites materiais, circunstanciais, temporais e formais que marcam a rigidez constitucional se não existem eficazes meios de controle, e afastamento do ordenamento jurídico e da vida das pessoas, dos atos e leis que contrariam estes limites.



Um outro aspecto relativo ao controle de constitucionalidade é o fato de encontrarmos mecanismos de controle sofisticados como é o brasileiro, ao lado de mecanismo precários e quase que inexistentes como na Holanda, Luxemburgo e Bélgica, ou inexistentes como no Reino Unido. O que explica este fato são diversos fatores que envolvem a tradição constitucional, a participação política, a estabilidade democrática, o grau de organização e de participação da sociedade civil organizada na vida política de cada país. Não há um único fator mas podemos encontrar pistas que nos conduzam a uma compreensão do fenômeno do controle de constitucionalidade, tão importante como mencionamos e ao mesmo tempo tão precário em algumas democracias constitucionais estáveis.



Parece ser obvio que a sofisticação de um sistema qualquer surge da necessidade prática de seu aperfeiçoamento. Desta forma em uma sociedade onde não haja criminalidade não teríamos uma polícia altamente treinada para combatê-la pois não haveria necessidade. Talvez esta comparação seja uma simplificação muito grande mais serve para um contato inicial com a questão.



O fato de encontrarmos apenas mecanismos de auto-controle político da constitucionalidade sem a existência de um controle judicial ou mesmo concentrado por parte de uma corte constitucional em países como Holanda e Luxemburgo pode ser explicado pela estabilização da democracia, pelo alto grau de instrução, organização e participação política, e pela inexistência, por parte do parlamento, da prática de descumprimento da constituição. Neste caso não é que não exista controle mas este é exercido pelo próprio parlamento e pela sociedade civil atenta e ativa e tem sido suficiente. Desta forma pela inexistência de necessidade, não se desenvolveu um mecanismo mais sofisticado.



No caso inglês a explicação é outra. A Inglaterra não tem uma constituição escrita, codificada, rígida produto de um poder constituinte originário, como a grande maioria dos países do mundo. A Inglaterra tem uma constituição que é formada por três partes, duas delas escritas: a primeira as leis produzidas pelo parlamento que tratam de matéria constitucional (constituição no sentido material); a segunda as decisões judiciais (que são escritas) e incorporação costumes e interpretação e reinterpretam as leis do parlamento; e a terceira os costumes não escritos do parlamento. Desta forma é claro o papel do parlamento na construção diária da constituição, em um sistema onde não há diferença formal entre lei ordinária e constitucional. Isto explica a inexistência de um controle de constitucionalidade, em um sistema onde a constituição é construída diariamente como um poder constituinte originário permanente.



Por fim um outro aspecto importante de ressaltar é a falta da tradição do judiciário europeu em dizer a Constituição diariamente. Em países como a França a tradição do judiciário é de dizer as leis infra-constitucionais, deixando para a Corte Constitucional (no caso francês o Conselho Constitucional) não só efetuar o controle de constitucionalidade mas também dizer a constituição, ou seja, além de um controle concentrado de constitucionalidade, a maioria dos países europeus tem também uma jurisdição constitucional concentrada. Neste ponto convém lembrar a diferença entre controle de constitucionalidade e jurisdição constitucional, que poucos autores fazem.



O controle de constitucionalidade como já dito é o mecanismo de afastar atos e leis inconstitucionais do ordenamento jurídico e sua prática. A idéia de jurisdição que hoje se desenvolve no Brasil, que também convive com uma tradição positivista reducionista de transformar o Direito em simples aplicações de regras, surge a partir da influência do constitucionalismo norte-americano no Brasil, o que historicamente começa em 1891, mas que recentemente se fortalece com as reflexões desenvolvidas em torno da hermenêutica constitucional. A jurisdição constitucional significa, hoje, dizer o direito constitucional em todo o momento, ou podemos dizer, promover sempre leituras constitucionalmente adequadas de todo o direito infra-constitucional. Nesta perspectiva toda jurisdição é constitucional. Assim o controle de constitucionalidade é uma forma de dizer a Constituição, mas não a única, pois é possível entender uma lei como sendo em abstrato, constitucional, que entretanto pode ser interpretada diante do caso concreto contra a constituição. Em outras palavras, não basta o controle de constitucionalidade mas é necessário também que se promova constantemente, a todo momento, leituras constitucionalmente adequadas de todo o ordenamento. Esta adequação de que falamos significa fazer com que a coerência do sistema constitucional seja permanentemente mantida quando da interpretação da norma infra-constitucional juntamente com os mandamentos constitucionais de forma a construir a norma justa para o caso em toda a sua complexidade da vida. Portanto, uma lei, em abstrato constitucional, pode ter uma interpretação inconstitucional diante do caso concreto, ou seja, uma lei constitucional pode receber uma interpretação inadequada ou contra a constituição quando confrontada com a complexidade da história, ou seja, da interpretação da vida do caso concreto, construindo-se a partir do sistema constitucional[1] uma norma inadequada e logo injusta.



Partindo desta compreensão poderíamos encontrar sistemas constitucionais com diversas variações, entendendo a jurisdição constitucional como a interpretação constitucionalmente adequada, portanto mais do que o controle, pois esta representa a efetividade da constitucional e não apenas a proibição de sua violação:



São várias a combinações possíveis algumas existentes outras apenas prováveis de existir. Como exemplo:



a) um sistema constitucional onde embora o controle seja concentrado a jurisdição poderá ser difusa;



b) outros em que a jurisdição e o controle são difusos (Brasil e EUA);



c) a jurisdição pode ser difusa não existindo controle (Inglaterra);



d) o controle e a jurisdição são concentrados, sendo a jurisdição constitucional muito limitada (França);



e) inexistência de jurisdição constitucional com auto controle do parlamento (Holanda e Luxemburgo);



Outros exemplos poderão ser encontrados e procuraremos demonstrar em outro momento o funcionamento de alguns destes sistemas. Por ora é importante entender a classificação proposta e a necessidade da existência de uma jurisdição constitucional difusa ao lado de mecanismos eficazes de controle de constitucionalidade para a efetividade da Constituição e logo do estado democrático e social de direito.



[1] A partir deste ponto quando nos referirmos a sistema constitucional nos referimos a todo o sistema legal em geral definido como constitucional e infra-constitucional. Partimos da compreensão de que o sistema infra-constitucional não pode ser interpretado separadamente do sistema constitucional (da constituição como um todo), e logo na impossibilidade desta separação pois é impossível interpretar as leis infra-constitucionais contra a constituição, quando nos referimos a um sistema legal integral este sistema deve ser constitucional. Logo o Direito é um sistema único e coerente e não como dito no passado um sistema dividido em ramos científicos, idéia que constitui um absurdo lógico.





* Mestre e Doutor em Direto pela UFMG. Professor do Unicentro Izabela Hendrix. Professor do mestrado e doutorado da UFMG, PUC-MG e UBM-RJ. Diretor do Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado.





Disponível em http://www.cadireito.com.br/artigos.htm Acesso em 07 de jun. de 2006