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Administração Territorial Comparada I (Os Estados Unitários e o Estado Regional)





José Luiz Quadros de Magalhães*





O tema da organização territorial dos Estados contemporâneos é hoje de grande importância para a construção da democracia participativa e do conceito de cidadania compreendido a partir da teoria da indivisibilidade dos direitos fundamentais (ou dos Direitos Humanos em uma perspectiva constitucional).



Mais do que nunca é fundamental que encontremos soluções efetivas de implementação de uma democracia participativa, fundada na cidadania, e para que isto ocorra em nosso país, não podemos aguardar a construção de um Estado Social avançado, que crie as bases da participação consciente da população, uma vez que, com a globalização, não só o Estado Social, mas o Estado nacional está em crise.



Não podemos, também, simplesmente abandonar a estrutura e o papel do Estado, em vários níveis de organização territorial, simplesmente afirmando que toda a solução passa pela sociedade civil organizada. Se esta afirmativa é hoje considerada por alguns autores europeus, sem dúvida ela não se aplica aos países que não se enquadram na realidade dos países da União européia.



Desta forma, a discussão da organização territorial contemporânea, cada vez mais sofisticada e pontual, pois parte de realidades históricas, culturais, sociais e econômicas específicas, é importante, sendo necessário que haja a transferência de competências e de parcelas de soberania, não só para os níveis macro regionais, como a economia globalizada exige, mas principalmente para o poder local, até mesmo como forma de resistência ao que há de perverso na globalização, vista como fase de superação das economias inter-nacionais, permitindo, desta forma, que possa ocorrer a superação da dicotomia entre Estado e sociedade, criada pela superada teoria liberal.



A tradicional classificação de Formas de Estado entre Estado Unitário e Estado Federal, está também absolutamente superada pela evolução das formas de organização territorial e repartição de competências, cada vez mais complexas e ricas, havendo claramente, em nível mundial, uma valorização crescente da descentralização territorial efetiva, como forma de ganhar em agilidade, eficiência e principalmente democracia, consagrando o respeito a diversidade cultural, que permite que sejam encontradas soluções criativas que respeitem o sentimento da localidade, da região cultural e principalmente do sentimento de cidadania que se constrói na rica diversidade das culturas das cidades, espaço real e não virtual.



Desta forma adotaremos neste trabalho uma classificação de Formas de Estado mais adequada a realidade atual, onde propomos a seguinte, perceptível nas Constituições de Estados Nacionais e de Estados membros:



1. Estado Unitário simples

2. Estado Unitário desconcentrado

3. Estado Unitário descentralizado

4. Estado Regional

5. Estado Autonômico

6. Estado Federal ( modelo norte americano) centrípeto de dois níveis

7. Estado Federal ( modelo brasileiro) centrífugo de três níveis

8. Estado Federal centrífugo de dois níveis

9. Estados Complexos



1- O Estado Unitário



O Estado Unitário, entendido como aquele que possui apenas uma esfera de poder legislativo, executivo e judiciário tem hoje três configurações diferentes. O modelo simples de Estado unitário, não dividido em regiões administrativas desconcentradas ou descentralizadas, não é encontrado, devido ao grau acentuado de centralização que dificulta a administração do território, e centraliza de maneira excessiva e pouco democrática as questões relativas ao judiciário, ao legislativo, distantes do povo e das realidades locais, e principalmente do governo e da administração pública.



Embora os modelos desconcentrados e descentralizados de Estados Unitários não tenham diferentes esferas de poder em nível central, regional e local, a existência de uma divisão territorial onde haja um representante do poder central sem poder de decisão mas que funcione como um consultor e representante, do mesmo poder central (desconcentração), ou ainda a existência de entes territoriais autônomos, com personalidade jurídica própria e com capacidade de decisão em determinadas questões, sem a interferência do poder central, democratiza a administração pública aproximando esta da população das regiões e das cidades, assim como agiliza os serviços prestados.



Importante ressaltar que, embora mais comum a desconcentação e a descentralização territorial da administração pública, e logo das competências administrativas, também ocorre a regionalização das funções judiciais e de algumas funções normativas no Estado unitário. A existência de juízes nas localidades e de tribunais de segunda instância nas regiões representa uma forma de simplificar, agilizar e aproximar o judiciário da população. Isto significa que, permanecendo apenas um poder judiciário nacional, o que é uma característica do Estado Unitário, este terá órgãos que podem ter estrutura administrativa desconcentrada nas localidades e nas regiões.



Com relação ao poder legislativo, não há a possibilidade de descentralização, conferindo autonomia legislativa, sem eliminar o Estado Unitário e transformá-lo em um Estado regional, autonômico ou federal. A autonomia legislativa das regiões ou das localidades representa a superação do Estado Unitário. Desta forma o que se encontra no Estado Unitário pode ser a experiência de um Legislativo itinerante, que desta forma procura aproximação com a população de diferentes regiões e localidades, sem entretanto conferir a estas mesmas nenhuma espécie de autonomia legislativa.



O Estado Unitário simples, sem a existência de regiões administrativas autônomas ou meramente desconcentradas, e sem nenhuma espécie de descontração ou descentralização da administração da justiça, está hoje completamente superado. Entretando, estudando as Constituições dos Estados membros na Federação brasileira, iremos perceber que estes Estados, que possuem territórios, na grande maioria dos casos, superiores em dimensão, a vários Estados Nacionais Europeus, mantêm ainda de maneira inadequada um grau de centralização que os caracterizam como Estados Unitários simples, o que é possível apenas pela existência da descentralização em nível municipal em relação a União e os Estados Membros no nosso federalismo de três níveis.



Experiência rica ocorre no Estado de Minas Gerais, onde a Constituição Mineira de 1989, abre o caminho para um Estado Unitário desconcentrado ou mesmo descentralizado, regionalizado. A lei estadual de Minas Gerais, 11.962 de 31 de outubro de 1995, instituiu as regiões administrativas no Estado, em número de 25. É um importante passo para a democratização da administração pública e da gestão governamental até então extremamente centralizada. Temos neste caso uma Federação, que é o Brasil, podendo ser constituída de Estados membros unitários simples, unitários desconcentrados (como Minas Gerais), podendo existir, inclusive, a existência de Estados membros unitários descentralizados, que poderá ser, inclusive, o caminho a ser seguido por Minas Gerais.



O Estado Unitário desconcentrado é caracterizado pela divisão do território do Estado em diversas regiões, ou em regiões e outras divisões territoriais menores como departamentos, comunas e arrondissements como ocorre na França. Havendo apenas a desconcentração, em cada divisão territorial haverá um representante do poder central, sendo que podem haver divisões territoriais, uma dentro da outra. Desta forma, o Estado nacional pode ser dividido em regiões que por sua vez podem ser divididas em departamentos, estes em comunas, estas, de acordo com a dimensão em regionais, distritos, arrondissements, ou qualquer outro nome que possa ser adotado para designar esta ultima subdivisão. Entretanto, havendo apenas a desconcentração, em cada uma destas divisões para finalidades administrativas, haverá um representante do poder central, que não poderá tomar nenhuma decisão autônoma, tendo a função de levar ao Poder central as questões que sejam de interesse das diversas esferas de divisão territorial para a decisão final, permitindo, assim que a decisão central possa ocorrer sobre bases de informações e verdadeiras reivindicações de cada divisão territorial, aproximando o poder central da população, mas por outro lado, sobrecarregando este mesmo poder central, criando uma imensa burocracia o que torna o Estado lento.



Importante lembrar que o território pode ter diversas divisões com finalidades diferentes. Desta forma, uma divisão territorial que tenha a finalidade de desconcentrar ou mesmo descentralizar a administração pública territorial, pode ser diferente da adotada para a finalidade jurisdicional, ou para a desconcentração dos tribunais com a sua regionalização. Obviamente, num Estado Unitário, haverá sempre uma ultima instância central, uniformizadora, de acordo com a organização judiciária adotada e com a legislação processual.



Percebemos que, hoje, no mundo, os Estados nacionais tem caminhado para a descentralização, sendo que aqueles que ainda não adotaram tipos de Estados federais, regionais ou autonômicos, adotam a forma de Estado Unitário descentralizado nas mais recentes legislações (como a França), caminhando com passos largos em direção a uma descentralização cada vez maior, caracterizada pelo Estado Regional no modelo Italiano ou pelo Estado Autonômico no modelo Espanhol, que veremos a seguir. Podemos ainda ressaltar o caso da Bélgica, que de Estado Unitário transformou-se em Estado federal 1993.



Desta forma podemos resumir o que acima escrevemos da seguinte forma:



1 - Estado Unitário simples: é um modelo idealizado mas que só pode ser possível em micro estados ou então em Estados membros de uma federação de três níveis por existir uma descentralização dos municípios como entes federados por determinação da Constituição Federal, como ocorre no Brasil e na Bélgica. Nos modelos federais de dois níveis (modelo clássico) os Estados membros descentralizam competências através de leis estaduais, que organizam os municípios como entidades autonomas, como ocorre na Alemanha, e como ocorreu no Brasil antes da Constituição de 1988.



2 - Estado Unitário desconcentrado: neste modelo ocorre apenas a desconcentração administrativa territorial, o que significa que são criados órgãos territoriais desconcentrados que não têm personalidade jurídica própria, e logo não têm autonomia, não podendo tomar decisões sem o poder central. Esta desconcentração pode ocorrer em nível apenas municipal, ou também em nível regional e/ou departamental, ou qualquer outra esfera de organização territorial que se entenda necessário criar para possibilitar uma melhor administração do território. O modelo meramente desconcentrado aproxima a administração da população e dos diversos problemas comuns a esferas territoriais diferentes. Entretanto, como toda decisão depende do poder central, torna-se lento. Os Estados democráticos avançados não mais adotam este modelo que permanece apenas em estados autoritários.



3 - Estado Unitário descentralizado: Para permitir maior agilidade e eficiência na administração territorial, gradualmente os estados unitários desconcentrados passaram a adotar a descentralização territorial, conferindo a estes entes territoriais descentralizados (regiões, departamentos, comunas, municipios, etc) personalidade jurídica própria, transferindo competências administrativas para estas esferas, permitindo desta forma que, naquelas competências administrativas que foram transferidas por lei nacional a estes entes, não seja necessário se reportar ao poder central, não sendo nem mesmo possível a intervenção do poder central na competência dos entes descentralizados. Importante notar que o poder central mantém a estrutura desconcentrada existindo ao lado da estrutura descentralizada, para o exercício de suas competências. Quanto mais competências forem transferidas para os entes descentralizados mais ágil a administração e mais democrática. A doutrina européia tem ressaltado a necessidade da eleição dos órgão dirigentes dos entes territoriais descentralizados, como característica essencial de sua autonomia em relação ao poder central.



Devido a motivações as mais variadas, como distância, diversidade cultural, diferença de grau de desenvolvimento, alguns Estados Nacionais como Portugal e França, que podem ser classificados como Estados Unitários descentralizados, apresentam entretanto tratamento diferente para determinadas regiões, que recebem grau de autonomia maior, semelhante por exemplo a autonomia das regiões italianas no seu modelo de estado regional. Nestes casos, estas regiões especiais recebem não apenas competências administrativas mas também legislativas, o que carateriza a descentralização legislativa e adminstrativa. Este é o caso das Ilhas de Açores e Madeira em Portugal, classificadas como regiões autônomas pela Constituição portuguesa de 1976, e as regiões e departamentos de além mar da França, como a Guiana Francesa na América do Sul que integra o território Francês, mas que tem características socio-econômicas muito diferentes do território continental europeu francês.



2 - O Estado Regional



A diferença básica entre o Estado Unitário descentralizado e o Estado Regional está no grau de descentralização ou o número de competências transferidas para as regiões, assim como quais competências são transferidas. Enquanto no primeira só há transferências de competências administrativas, no Estado Regional, além de competências administrativas as regiões possuem crescentes competências legislativas e jurisdicionais.



O processo de descentralização que vêm ocorrendo na Europa fundamenta-se não apenas na evolução da democracia e na busca de maior eficiência e celeridade dos serviços públicos, como também na busca da manutenção da unidade territorial de Estados complexos como a Itália e a Espanha.



A manutenção da unidade territorial com base em autoritarismos e centralização tem vida curta e tende a uma ruptura radical. Por este motivo a nova democracia espanhola com a Constituição de 1978, após longos anos de ditadura franquista, e a Constituição democrática italiana do pós guerra, em 1947, inauguram novos regionalismos autônomos, sendo que no caso italiano, embora a Constituição refira-se expressamente a Itália como Estado Unitário, esta permitiu que recentemente a Itália caminhasse para um Estado regional que se coloca para alguns como modelo intermediário entre o Estado Unitário e o Federal.



No caso Italiano, a diversidade cultural, e o desenvolvimento econômico desequilibrado com um norte extremamente industrializado e desenvolvido e um sul pobre, leva ao surgimento e fortalecimento de movimentos separatistas como a Liga Lombarda que defende a Independência do norte e especialmente da Lombardia. Outra situação especial esta na região do Alto Adge. Região que pertenceu a Áustria tem hoje uma população majoritária de ascendência austríaca que só fala alemão, e pouco se comunica com a população de idioma italiano. Para administrar estas e outras situações o caminho tem sido o de oferecer maior autonomia às regiões, arrefecendo os ânimos separatistas. Desta forma o Estado Italiano tem caminhado para uma descentralização cada vez mais acentuada, o que faz a doutrina atual a classificar a Itália ao lado da Espanha como um Estado altamente descentralizado.



No Estado Regional a descentralização ocorre de cima para baixo, sendo que o poder central transfere através de lei nacional competências administrativas e legislativas. Não há que se falar no Estado Regional, assim como no Estado Autonômico, que estudaremos a seguir, em poder constituinte decorrente. No Estado Regional o poder central concede autonomia, amplia e reduz esta mesma autonomia administrativa e legislativa. As expressões, União, poder constituinte decorrente e Estado membro só se aplicam ao Estado Federal. No Estado regional as Regiões elaboram seus Estatutos nos limites da Lei nacional.



Estado Nacional

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A tradicional classificação das formas de Estado entre estado unitário e estado federal não é mais pertinente, uma vez que surgiram novas forma de organização territorial descentralizada. Tampouco o grau de descentralização é o elemento diferenciador entre o Estado Regional, o Estado Autonômico e o Estado Federal, mas sim a forma de sua constituição e organização, expressa na maneira de criação dos entes descentralizados e a relação entre as esferas autônomas de organização territorial.





* Mestre e Doutor em Direto pela UFMG. Professor do Unicentro Izabela Hendrix. Professor do mestrado e doutorado da UFMG, PUC-MG e UBM-RJ. Diretor do Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado.





Disponível em http://www.cadireito.com.br/artigos.htm Acesso em 07 de jun. de 2006