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Lula e assessores criaram o presidente parabólico

 

Claudio Julio Tognolli

repórter especial da Rádio Jovem Pan, professor de Jornalismo da ECA-USP e do Unifiam (SP)

 


O escritor argentino Jorge Luis Borges, o bruxo da Calle Maipú, referia em uma de suas parábolas que Jesus Cristo era como os gaúchos: gostava de falar por parábolas para não se comprometer com nada ou ninguém. No caso de Cristo, é óbvio, não deu certo. Se bem que os romanos, respeitadores de credos locais (coisa que os americanos ainda não aprenderam), lavaram literalmente as mãos. E deixaram a condenação do Cristo nas mãos do sinédrio judaico local.

Com o presidente Lula, não tem sido diferente: fala por parábolas. Também, pudera: quando, há dois meses, abriu a boca sobre a flutuação cambial, fez fora do penico. Desde então, intensificou sua "parabolização": eivada de metáforas, sinédoques, metonímias. Nota 10. Sua assessoria parece ter lido bem a Poética, de Aristóteles, em que metáfora nada mais é do que trocar uma palavra pela outra. Assim, vai tocando o barco sem se comprometer com nada.

Eis uma técnica adotada por "n" governantes. Para começar com Álvaro Obregón, que presidiu o México entre 1920 e 1924 pelo PRI. Em público, disparava: "Eu roubo menos", exibindo um dos braços, do qual só tinha um toco. Os desvios específicos e bem estudados da linguagem seguem história adentro. O ministro Bresser Pereira, sob José Sarney, gostava de disparar pérolas caleidoscópicas, como "a inflação brasileira é endógena", ou ainda "não há inflação no Brasil: há apenas depreciação relativa de preços relativos". Já FHC gostava de dizer que no Brasil "não há desemprego, mas crise de empregabilidade". A citação epistolar paulina nunca foi tão clara: a diferença entre a letra que mata e o espírito que vivifica.

"O melhor detergente"

Toda época cria a ideologia de que tem necessidade. A bola da vez, agora, é outro presidente-poeta. Segue Chacrinha: está aqui para confundir. Foi por isso que, na sexta-feira (13/6), Lula atacou de metáfora mais uma vez. Disse: "As coisas são muito mais difíceis do que imaginava. Se eu tivesse que fazer uma imagem sobre a pesca no Brasil e sobre a vida dos pescadores, a imagem, para mim, seria a imagem da paciência".

O presidente também usou a obra O velho e o mar, de Ernest Hemingway, para falar de paciência. "É uma história que mostra a paciência do ser humano, mostra a esperança de conseguir realizar um sonho".

Gente que estuda comunicação à luz da psicanálise gosta do pós-frankfurtiano Alfred Lorenzer. Para ele, esses artifícios de linguagem estão noutro extremo dos clichês: ou seja, muitas palavras, metáforas, imagens são, na verdade, artifícios para afastar os interlocutores do mundo real - coisa que o Odorico Paraguaçu, de Dias Gomes, fazia muito bem, usando estrambóticas citações de boas imagens e mau latim. Nesse ponto, o viés comunicativo de Lula não é diferente do de Obregón, do de Bresser, de FHC e do Odorico: alegorias sem sentido, beirando a pré-coerência.

Os spin doctors, doutores em comunicação dos presidentes dos EUA, sabem bem disso: foi assim que um deles, nos anos 1980, pediu a Bush pai, então candidato, que fizesse um discurso em Tampa, na Flórida, usando um isqueiro na mão direita. O spin doctor havia sido repórter da revista Rolling Stone e sabia das coisas: acender isqueiro é ícone de roqueiro quando vai a show e escuta, enfim, uma balada romântica em meio à confusão de acordes. O ardil fez com que Bush ganhasse as manchetes dos jornais no dia seguinte.

Enquanto Lula e seus spins se esmeram nas metáforas, a relação com o mundo real, vulgo jornalistas, vai mal das pernas. Se cremos sincera a frase de Octávio Paz ("a primeira forma de corrupção se dá na linguagem"), que sejam dadas as boas-vindas a Lula no mundo da ideologia. Lula e seus assessores criaram a figura do presidente parabólico. Algo tinham de inventar - já que o papel do presidente onomatopéico coube ao FHC do "chega de nhenhenhém".

Enquanto o presidente parabólico se esmera nos artifícios inapreensíveis das figuras de linguagem, a imprensa é jogada a escanteio. Eis o que escreveu o jornalista Fernando Rodrigues na sexta-feira (13/6), na Folha de S. Paulo, na matéria "Planalto mantém jornalistas longe do presidente":

O Palácio do Planalto mudou o formato de cerimônias públicas às quais está presente o presidente da República. Agora, repórteres ficam confinados em um cercado montado no fundo do salão, sem permissão para circular. Segundo a assessoria da Presidência, é "apenas um teste".

A Folha contou ontem de tarde as lajes de mármore no chão do Palácio que separavam o cercado dos jornalistas do local onde ficou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O cálculo aproximado é que os repórteres ficaram a 28 metros de distância durante um evento sobre o setor agrícola.

Os repórteres só foram liberados para circular após Lula e os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci Filho (Fazenda) deixarem o local. No governo FHC, e até a semana passada no governo Lula, a imprensa tinha permissão para circular no Palácio do Planalto durante cerimônias públicas - mas sem entrar na área onde estavam os convidados e o presidente. Essas ocasiões eram a maneira mais fácil de manter contato com ministros e outras autoridades do Poder Executivo.

Desde o início do governo Lula, há uma determinação para que a mídia não se aproxime muito do presidente. "O povo pode, a imprensa não", gritava um policial militar em 21 de maio, em Balsas (MA), quando Lula quase foi abordado por repórteres. Agora, a medida também foi adotada dentro do Planalto.

Como disse certa vez o juiz Hugo Black, da Corte Suprema dos EUA, em certas situações "a luz do Sol é o melhor detergente". Luz que, cada vez mais, Lula tem tapado com o brilho das reluzentes metáforas.

 

 

Retirado de: www.conjur.com.br