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Reis Friede
Mestre e Doutor em Direito Público. É
Magistrado Federal e autor de inúmeras obras jurídicas, dentre as quais “Lições
objetivas de direito constitucional”, publicada pela Editora Saraiva.
Embora
os EUA demonstrem uma natural aversão em associar os fenômenos da globalização
e da monopolaridade, muitos estudiosos preferem entender, pelo menos em
parte, o processo de globalização como uma conseqüência
direta da plena restauração da liderança absoluta dos EUA no cenário mundial, a
partir do início dos anos 90.
De
fato – como ocorreu, em termos aproximados. no imediato período do
pós-guerra (1945-1950) –, os EUA se constituem, no presente momento, na
única potência global completa, ou seja, detentora, simultaneamente, de todas
as variáveis do poder nacional (como instrumentos de projeção (e
imposição) da soberania), posto que é, ao mesmo tempo, a maior potência
econômica, militar, política e psicossocial do planeta.
Essa
invejável posição foi resultado direto, como preferem entender alguns
especialistas em geoestratégia, da política, empreendida na era REAGAN, que
ficou conhecida como contraforça e que originou, nas relações
Leste-Oeste, a chamada bipolaridade confrontativa, típica da
década de 50, com novo matiz de competição tecnológico-militar, cujo objetivo
último foi, nas palavras de seus membros diretos e indiretos (RAY CLINE,
ALEXANDER HAIG, ZBIGNIEW BRZEZINSKI, THOMAS ENDERS, ROBERT POWERS, entre
outros), “sufocar a URSS, fazendo-a desviar seus escassos
recursos para uma corrida armamentista, com novos matizes tecnológicos,
exaurindo, desta feita, o seu potencial econômico”.
Na época
(final da década de 70), inclusive, era comum as escolas de estado-maior das
forças armadas proclamarem a todo instante a crise militar (e de
liderança política) que minava o prestígio e a influência norte-americana no
mundo (corroborada com os fatos da guerra no Vietnã (1975), o episódio da queda
do Xá e dos reféns no Irã (1979), a intervenção cubana na África (1975/79), a
insurreição na América Central – notadamente na Nicarágua (1980) etc.), nos
seguintes termos:
A
crise militar dos Estados Unidos pode ser descrita como a principal
causa da perda de poder relativo dessa Nação. Mais do que qualquer outro campo,
foi a decadência bélica a razão fundamental da decadência norte-americana em
questões de poder global e o motivo central da crise de liderança e de
determinação política.
Não restam
dúvidas de que o poder militar continua sendo o principal fator de polarização
global relativa e, nesse aspecto, a geratriz básica que contribui para o status
de superpotência. No momento, é o poderio militar compacto de grande
envergadura que resguarda o título de superpotência a União Soviética e, em
determinado prisma, é o, ainda, poderoso arsenal nuclear estadunidense que
reserva à América a denominação honorífica de superpotência.
Na medida em
que o mundo tende a se multipolarizar, em conseqüência do surgimento de novos
protagonistas no cenário mundial, a capacidade militar de intervenção tenderá a
adquirir maior importância no ambiente internacional e, sobretudo, como
instrumento eficiente de política nacional.
A Nação que
não conseguir compreender, com precisão, o importante papel das forças armadas
no conjunto eficiente da estratégia nacional, na consecução de seus objetivos
nacionais atuais e permanentes, estará, irremediavelmente, condenada ao
declínio virtual de seu poderio relativo e à atrofia de sua autonomia política
e econômica.
Os
Estados Unidos, nesse momento, estão sofrendo as conseqüências de seus
equívocos estratégicos que possibilitaram a emergência da União Soviética como
grande potência militar no cenário mundial a partir das décadas de 60-70. A
falta de visão global e o malogro em compreender os objetivos nacionais
soviéticos fizeram a administração de Washington cometer um erro de tal
proporção que condicionou o ambiente mundial a um processo, quase irreversível,
de recuo norte-americano em todos os campos de poder perceptível, especialmente
o militar.
Pior,
também, é que condicionou o povo americano a uma atitude passiva quanto à
importância do instrumento militar, provocando, como efeito do denominado trauma
do Vietnã, uma mentalidade míope que resolveu fechar os olhos para os
acontecimentos externos, de interesse norte-americano, com perigo de um novo
isolamento da América com repercussões imprevisíveis".
Essa
verdadeira doutrina estratégica de bipolaridade confrontativa, que
buscava também sepultar as idéias de bipolaridade distensiva de HENRY
KISSINGER (e, de forma mais pretérita, as concepções de McNAMARA), foi
constante e insistentemente ventilada, com maior ou menor ênfase, por seus
idealizadores, em diferentes ocasiões, verbis:
“Representará
o segundo centenário o fim da idade americana? Talvez ... mas não
necessariamente, se os norte-americanos tiverem o descortino de adaptar-se às
demandas de um mundo em evolução. Entretanto, sozinhos ou num sistema político
internacional mais cooperativo, de alianças cambiantes e crescente regionalismo,
é muito provável que os Estados Unidos continuem sendo a esperança do mundo
durante mais tempo do que os próximos 20 anos” (BARRY M. MEUSE).
“...o fato é
que se empregássemos todas as nossas armas nucleares e os russos empregassem
todas as deles, cerca de 10% da humanidade seria aniquilada. Isso é uma
calamidade que está além do alcance da compreensão humana. É uma calamidade que
não se justifica de nenhuma maneira do ponto de vista moral. Mas, do
ponto de vista descritivo e analítico, não é o fim da humanidade” (ZBIGNIEW
BRZEZINSKI).
“...embora
os danos sejam terríveis, calcula-se que ambos os lados sobreviverão e serão
capazes de se refazerem após uma guerra nuclear” (Conclusão do estudo PONAST II
dos chefes do Estado-Maior Conjunto, EUA, 1980).
“De
30 anos para cá, a URSS se equipou com uma defesa absolutamente
perturbadora; toda a Nação que dispõe de tais meios pode um dia ser
tentada a utilizá-los” (MARC DE JOYBERT).
“Sendo
insuperáveis em todas as dimensões de força na década de sessenta, vimos a
nossa liderança diminuir ou desaparecer em setor após setor, ao mesmo
tempo em que tentávamos fazer ver à União Soviética que ambos poderíamos
beneficiar-nos no deslocamento de recursos militares para os usos
pacíficos. A resposta soviética foi o aumento de sua capacidade estratégica e
bélica, bem como a busca de meios de projetar o seu poderio militar no
mundo em desenvolvimento” (THOMAS O. ENDERS).
“A
rivalidade é inerente num sistema que funciona sem consenso global”.
(ZBIGNIEW
BRZEZINSKI).
(Também, nessa
fase das relações EUA-URSS, eram comuns as manifestações de descontentamento
com o nível de equilíbrio militar obtido pelas iniciativas de LEONID
BREJNEV (1964/82), nos seguintes termos:
“A
deterioração da superioridade militar dos Estados Unidos é (ao lado do declínio
econômico relativo) a segunda, e possivelmente a principal, razão, amiúde
oferecida, do declínio da influência norte-americana no mundo. Há apenas 15
anos, os EUA desfrutavam de esmagadora superioridade em bombardeiros
estratégicos, mísseis balísticos, ogivas nucleares e outros sistemas de armas
importantes. A partir de 1964, porém, começou a expandir-se substancialmente o
desdobramento de mísseis estratégicos soviéticos ante o crescente e gradativo
desarmamento unilateral norte-americano. Desde então, a URSS suplantou os
Estados Unidos em diversos setores militares, permitindo aos EUA conservar sua
superioridade, ao menos por enquanto, somente em alguns setores ligados à
qualidade do equipamento e no número de bombardeiros, quantidade geral de
ogivas termonucleares, esquadra de porta-aviões e força de helic6pteros. Porém,
a superioridade anterior dos EUA reduziu-se a um ponto em que os soviéticos
lograram, grosso modo, equivalência com os EUA.
Mais
importante que isso, os soviéticos parece que vão ou pretendem ir muito além da
'equivalência'. Há indícios claros de que a URSS está determinadamente
empenhada não em paridade mas em superioridade; a mesma que os Estados Unidos
tinham em relação a eles, mas com uma grande diferença: Washington jamais
utilizou essa vantagem contra Moscou, razão pela qual abriu mão da mesma;
contudo, não há garantias de que o Kremlin só deseje a superioridade,
com única e exclusiva intenção pacífica, de saciar o espírito moral de seus
dirigentes”.)
O
objetivo fundamental era não só encerrar de vez o decadente prestígio das
posições de KISSINGER (como já afirmamos), flagrantemente pessimistas em
relação ao potencial estadunidense, como também desviar os rumos do confronto
entre os legisladores favoráveis (apelidados de falcões) e desfavoráveis
(apelidados de pombas) a um aumento do orçamento militar estadunidense.
“(...)
os Estados Unidos já não estão em condições de operar programas globais:
precisam alentá-los. Já não podem impor a solução que preferem (...)
nosso papel terá que ser o de (...) incentivar a iniciativa de outros”
(HENRY KISSINGER)
“Do que os Estados Unidos precisam não é de falcões
ou de pombas, mas da sabedoria das corujas que entendem a
natureza permanente do conflito internacional e o papel da credibilidade da
força militar como instrumento de política nacional” (ROBERT C. POWERS).
Por outro
ângulo, durante as décadas de 60 e 70, muitos intelectuais norte-americanos
expuseram o "mito da repressão americana", isto é, o conceito
de que o envolvimento dos EUA na política de outras sociedades seria quase
invariavelmente hostil à liberdade e apoiador da repressão nessas sociedades.
HANS J. MORGENTHAU, em 1974, chegou mesmo a afirmar que "com uma
invariável constância, desde o fim da Segunda Guerra, temos intervindo em nome
da repressão conservadora e fascista contra a revolução e a reforma radical.
Numa época em que as sociedades se acham numa etapa revolucionária ou
pré-revolucionária, nós nos convertemos na primeira potência do 'status quo'
pré-revolucionário. Uma política assim pode unicamente conduzir ao desastre
moral e político".
Como enérgica
reação a este ponto de vista, os partidários da política de contraforça
também souberam, com reconhecida habilidade, desferir um verdadeiro
contra-ataque a este tipo de filosofia sociológica, impondo, por fim,
uma doutrina que legitimava, em última instância, as ações interventivas que se
vislumbravam à época.
“A
crença de que os Estados Unidos não podem agir mal em nome dos valores da
liberdade e da democracia é, evidentemente, tão errôneo no exterior como é nos
EUA. Mas também é errônea a crença – mais prevalecente nos círculos
intelectuais dos EUA nos anos 70 – de que os Estados Unidos não poderiam nunca
agir bem em nome desses valores. É muito mais provável que o poder dos EUA seja
empregado em nome de tais valores do que o poder de qualquer outra Nação
importante” (SAMUEL P. HUNTINGTON).
Essa nova fase, indiscutivelmente, melhorou a
auto-estima da Nação norte-americana, permitindo, por efeito, a restauração da
projeção do poderio (e da soberania) estadunidense no cenário internacional.
“(...) Este
novo começo é uma renascença nacional” (Pres. RONALD REAGAN).
“Este
notável desempenho deu forma ao desafio que enfrentamos hoje de administrar
sabiamente as forças desencadeadas pelo próprio dinamismo. Os Estados Unidos,
por seu lado, encontram-se atualmente restaurando o seu próprio dinamismo (...)
O presidente REAGAN descreveu este novo começo com uma renascença nacional.
Os Estados Unidos vibram com um renovado sentimento de determinação nacional e
de liderança internacional” (T. O. ENDERS).
Mais do que isso, contudo,
viabilizou o almejado retorno dos EUA à confortável situação de potência
hegemônica única num novo contexto de mundo monopolar.
“As principais prioridades dos Estados
Unidos em matéria de política externa têm três componentes essenciais: a firmeza,
a credibilidade e o equilíbrio” (Gen. ALEXANDER HAIG).
(Neste
aspecto particular é forçoso concluir, em absoluta sintonia com a posição
de vários estudiosos, que, diferentemente de algumas sínteses analíticas
mais conhecidas, o resultado não satisfatório do envolvimento dos EUA na Coréia
(1950/53) e no Vietnã (1964/75), como bem assim da URSS no Afeganistão
(1979/85), decorreu quase que exclusivamente da confrontação bipolar
indireta (posto que as superpotências da época armavam de forma maciça os
contentores diretos do conflito) e não propriamente de uma pretensa força mora1
ou espiritual de determinação dos povos envolvidos. No Vietnã, em
particular, não obstante a visão romântica da impotência do gigante
norte-americano vis-à-vis com as espetaculares táticas guerrilheiras, é
fato que se não fosse o fornecimento contínuo e maciço de armas soviéticas e
chinesas (nunca é demais lembrar que o Vietnã do norte possuía, à época dos
fatos, a maior defesa antiaérea de mísseis do mundo fornecida e instalada pelos
soviéticos), não teria ocorrido, durante praticamente toda a extensão temporal
do episódio, o chamado “empate técnico” que tornou refém tanto o Vietnã
do Norte como o seu equivalente do Sul. Aliás, essa conclusão é facilmente
comprovada na análise do conflito coreano, no qual as tropas da ONU,
lideradas pelo Gen. MacARTHUR, em apenas três meses reconquistaram a península
invadida, somente caracterizando o denominado “empate técnico” com a
entrada da China (com apoio técnico e bélico da URSS) através de tropas
“voluntárias”.
O mesmo
aconteceu com os soviéticos no conflito do Afeganistão, considerando que
os EUA não mediram esforços em armar e treinar (inclusive contratando
mercenários), os adversários da URSS, na oportunidade.
Por outro lado,
sem a confrontação de uma superpotência militar, o conflito do Golfo Pérsico
(1990) transcorreu sem maiores problemas para os EUA e seus aliados, mesmo
considerando a envergadura do exército de SADDAM HUSSEIN (com mais de um milhão
de homens), reputado um dos maiores do mundo, à época dos fatos).
Retirado de: www.saraivajur.com.br