Buscalegis.ccj.ufsc.br        

 

 

Aristóteles e Montesquieu

 

Pedro Vieira Mota

 

Pedro Vieira Mota é Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e tradutor das obras "O espírito das leis" e "Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e da sua decadência", de Montesquieu, editadas pela Saraiva.

 

1. Aristóteles (384-322 a.C.), entendemos, é o maior valor cultural de todos os tempos. Por seu saber e seu generoso magistério a bem da humanidade, através de suas obras e seu professorado.

Natural por isso que Aristóteles se aprofundasse na Política, chamada por ele “a ciência todo-poderosa”, e que se tornasse o seu grande artífice, e precursor e mestre do próprio Montesquieu.

Aristóteles precisou os conceitos básicos da Política.

Ensina ele: “A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto de uma auto-suficiência praticamente completa” (Aristóteles, Política, 2. ed., UnB, trad. Mário da Gama Kury, 1988, p. 15). “Uma constituição é o ordenamento de uma cidade quanto às suas diversas funções de governo. O governo em toda a parte detém o poder soberano sobre a cidade” (op. cit., p. 89). “O governo é o poder supremo em uma cidade” (op. cit., p. 91). A cidade aristotélica, como se vê, é, pois, um Estado na acepção moderna, um Estado soberano. E Aristóteles conceituou constituição igual Montesquieu (op. cit., p. 97-100, 137 e 138, 121 e 122); e, como este, encareceu a importância política da classe média, das finanças e das forças armadas (op. cit., p. 143, 163, 30, 217, 185). Ele tratou da cidadania, da unidade nacional, da liderança política e da própria relatividade do conceito de Justiça (op. cit., p. 77-81, 94 e 95, 127). Precisou as três funções do Estado: legislativa, executiva e judiciária (op. cit., p. 151). E, como indica mesmo a sua classificação das formas de governo, ele estudou em profundidade as formas de governo, tema central de sua Política, o que mostra ter Aristóteles identificado que o governo é o objeto mesmo da Ciência Política.

Essa obra ciclópica de Aristóteles, executada toda ela cientificamente, através da indução, quase (ou talvez) lhe confere a própria paternidade da Ciência Política. Até hoje quem quer que leia Aristóteles ainda aprende algo.    

É que ele, Aristóteles, teve o privilégio de estudar comparativamente, esquematicamente estados-cidades, i.e., Estados pequenos, singelos, primitivos, onde os órgãos e funções estatais distinguem-se nitidamente. Neles o estudioso compreende, com Aristóteles, o jogo político; neles o estudioso não se perde nesse emaranhado de sofisticações próprio dos Estados modernos, complexo, esquecendo o estudioso, olvidando o que é essencial, básico em Política, como bem ressaltou Hannah Arendt.

2. Não podia, porém, o mestre ser perfeito. Deixou faltando algo de essencial, a própria medula da Política. É a divisão dos Poderes. Isto ficou para Montesquieu.

Diz Aristóteles: “Todas as formas de constituição apresentam três partes” (op. cit., p. 151). E ali ele identifica as três funções do Estado: legislativa, executiva, judiciária. Ora, ele caracterizara seis formas de Governo (op. cit., p. 91, 123). Mas em seguida descartou a Tirania (op. cit., p. 137, 141, 189-200). E a Monarquia (para esta ele exige um estatista excepcional – op. cit., p. 106, 117 e 118). E descartou também o Governo Constitucional (é como ele denominava a Democracia, governo raro, adverte – op. cit., p. 149, 91, 135). E ele passa a examinar é como se podem aglutinar, combinar as três restantes formas de Governo, i.e., Aristocracia, Oligarquia e Democracia (como ele denominava a Demagogia).Cumpre combiná-las, diz ele, para obter um governo bom ou aceitável (op. cit., ps. 139, 153).

Quer dizer, Aristóteles buscou aproveitar o melhor de cada Governo. Não entendeu que o defeito, o problema não reside nas formas de governo, e sim no Poder, no Poder concentrado. Faltou-lhe a doutrina de Montesquieu: que todo homem com Poder abusa dele; e que precisa, por isso, é dividir o Poder, para que uma parte refreie a outra (Montesquieu, O espírito das leis, Saraiva, nossa trad., notas 79b, 242b).   

Nesse passo reportamo-nos a nosso ensaio intitulado “Santo Agostinho e Montesquieu”, publicado neste mesmo site Saraivajur.com.br

Outra observação. A Política é um conjunto de dissertações, apostilas das aulas de Aristóteles, escritas pelos discípulos (op. cit., p. 8 e 9). Por isso, na obra, o Governo Democrático ora é denominado “Governo Constitucional”, ora simplesmente “Democracia”.

3. Aristóteles é a personificação da própria cultura. Ensinou a indução, aplicando-a em vários domínios do conhecimento.

Em Política, ele comparou indutivamente o governo de muitos povos, e seu magistério projetou-se através da obra política de seu discípulo Alexandre Magno, que não foram as simples conquistas militares, e sim o congraçamento cultural do Ocidente com o Oriente: o Helenismo.

Admirável. Aristóteles e Alexandre, bárbaros do século IV a.C., avantajaram-se ao seu tempo, rumo ao Humanismo cristão, que depois repassaria a obra política de Montesquieu.

A respeito, v. Montesquieu, Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e da sua decadência, Saraiva, ali nossa Introdução, caps. 15 e 16; e O espírito das leis, Saraiva, nossa Introdução, cap. 2. E ainda nosso ensaio “Oriente Médio e Leste da Europa – Sistemas Político-Constitucionais”, publicado neste site Saraivajur.com.br. 

O Helenismo encontra-se na base da bipartição geopolítica da Europa: Europa Ocidental e Europa Oriental.

 

 

Retirado de: www.saraivajur.com.br