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Teoria da separação dos poderes

 

Nara Luciana Kirschner

 

1 - INTRODUÇÃO

A teoria da "Separação dos Poderes", pressupõe a separação ou divisão das funções ou competências do Estado, pois o poder é uno, indivisível, ou seja, é uma forma de controle social capaz de direcionar a conduta de um determinado grupo de pessoas. Assim quando falamos dos três poderes do Estado , o poder é compreendido como função, sendo que a distinção dessas constituem na especialização de tarefas governamentais à vista de sua natureza, sem considerar os órgãos que as exercem. Isso quer dizer que existe sempre distinção de funções, que há órgãos especializados para cumprir cada uma delas, mesmo estando concentradas apenas em um. Verificamos assim que a divisão dos poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais à órgãos diferentes. Podemos considerar a existência de uma relação muito estreita entre as idéias de poder e de função do Estado, mas a distinguimos quando estudamos sua importância na vida social. Verificamos isso quando se desconcentra o poder, atribuindo o seu exercício a vários órgãos, há uma preocupação com a liberdade dos indivíduos, diferentemente de quando se cuida das funções, pois esta procura aumentar a eficiência do Estado e organizá-lo mais adequadamente para o desempenho de suas atribuições.

2 - HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DO PODER DO ESTADO

Antes da formação das civilizações e do Império greco-romano, o mundo estava dividido em pequenos povos que frequentemente lutavam entre si. Posteriormente a hegemonia greco-romano reduziu um pouco esta divisão.

Constantemente ameaçados, os gregos e os romanos estavam sempre e estado de prontidão para a guerra, o que facilitava a concentração do poder nas mãos do governador ou imperador.

Como conhecemos atualmente, uma Separação de Poderes, naquela época seria impossível, pois até que se conseguisse uma união das decisões dos poderes, estariam retardando as soluções e enfraquecendo as defesas do Império, juntamente com a diminuição de conquistas.

Na sociedade romana não havia expressões de poder que pudessem equilibrar o poder do Estado, já que seu objetivo maior era evitar as invasões e isso consequentemente acabava evidenciando ainda mais o poder centralizado.

Ameaçando o Império Romano, surgiu o Cristianismo, que pregava uma concepção igualitária da sociedade. Percebendo a ameaça, Roma incorporou a Igreja ( o Cristianismo ) ao Estado, controlando sua expansão.

Na Idade Média, a Igreja serviu aos interesses do Estado e exerceu o seu papel, conformando principalmente os mais pobres, que eram facilmente explorados pelos senhores feudais.

Durante o Renascimento, o poder da Igreja (nobreza) enfraqueceu devido a diminuição das guerras, Consequentemente não seria mais necessário um poder centralizado, ou seja, haveria lugar para uma participação mais ampla da sociedade, o que causaria uma descentralização do poder. Os nobres já não conseguiam sobreviver e a burguesia reagiu, tomou o poder e derrubou o Antigo Regime.

A Separação dos Poderes surgiu nesse contexto e se incorporou ao Constitucionalismo através da obra de Montesquieu, com o objetivo de assegurar a liberdade dos indivíduos. No final do século XIX procurou-se adaptar essa separação a novas concepções, fazendo com que tivesse também o objetivo de aumentar a eficiência do Estado.

Depois de Montesquieu, os publicistas continuaram a cogitar dos poderes do Estado, cujas opiniões divergem principalmente quanto à sua quantidade, mas o pensamento de Montesquieu se tornou vitorioso sendo os poderes contemplados em três: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Historicamente, essa divisão foi um dogma que conseguiu assegurar os direitos e as garantias individuais e fazê-las reconhecidas. Controlou os excessos e abusos nas esferas da liberdade política. Porém, em nossos dias, essa Separação de Poderes está ultrapassada. Conservá-la como um dogma é inaceitável, pois o caminho que percorremos visa conduzir o Estado para uma democracia onde os poderes públicos tenham como objetivo fundamental proporcionar favores amplos e concretos ao indivíduo.

3 - TEORIAS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO

O tema da Separação dos poderes é sempre discutido. Muitas vezes desconhece-se suas origens, a evolução do princípio, o contexto histórico em que surgiu.

Destacamos algumas das principais teorias acerca dessa divisão descrevendo os principais tópicos dos textos de ARISTÓTELES, LOCKE E MONTESQUIEU.

3.1 - Aristóteles e a Separação das Funções do Estado

Aristóteles não chegou a formular uma teoria acerca da separação das funções do Estado, mas já na Grécia Antiga, distinguiu que o governo se dividia em três partes: a que delibera acerca dos negócios públicos, a que exerce a magistratura e a que administra a justiça.

"Há em todo governo três partes nas quais o legislador sábio deve consultar o interesse e a conveniência particulares. Quando elas são bem constituídas, o governo é forçosamente bom, e as diferenças existentes entre essas partes constituem os vários governos."

A concepção Aristotélica, tinha como principal fundamento estabelecer a eficiência e também limitar o poder do Estado. Entendia que, se nem mesmo as leis conseguiam estabelecer o controle da sociedade, muito menos o poder centralizado num único indivíduo conseguiria fazê-lo.

3 2 - A Teoria da Separação dos Poderes de John Locke

Temos, a partir de Locke, o delineamento da Separação dos Poderes. A sociedade atribuía ao Estado quatro funções:

a. Função Legislativa
b.. Função Federativa
c.. Função Administrativa
d.. Função de realizar o bem comum.

A função legislativa era atribuída ao parlamento enquanto representante popular. As demais funções eram tituladas pelo executivo, exercidas pelo monarca, pelo rei. Para Locke, a função de realizar o bem público não tinha limitação, era uma função primordial, podia ser exercida sem qualquer interferência.

3.3 - Teoria de Montesquieu

Montesquieu coordenou o princípio da Separação dos Poderes, com a concisão que o tornou um paradigma no direito público.

A Constituição norte-americana adotou-o em seus termos fundamentais, não como uma teoria científica, sim como uma regra jurídica. Isto indica que era necessário opor ao princípio as limitações conducentes ao seu regular exercício e desenvolvimento, para que ele não se reduzisse a ficar como uma fantasia arbitrária de ideólogos.

Montesquieu imaginou a divisão dos poderes sobretudo pelo interesse supremo da liberdade e pela repulsa à opressão.

"Quando numa mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao executivo, não há liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado façam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não há ainda liberdade se o poder de julgar não está separado do poder legislativo e do executivo. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, dos nobres ou do povo exercessem esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou os diferendos dos particulares".

O exercício, porém, desse princípio, se fora levado a todas as suas conseqüências, traria a perturbação ao Estado e a confusão, tão fatal ao mecanismo político. Foi preciso na prática idealizar um sistema que, estabelecendo como fundamental a separação dos poderes, os colocasse em condições de desempenhar os seus fins, sem riscos de colisão e anarquia.

A teoria de Montesquieu é uma técnica posta a serviço da contenção do poder pelo próprio poder.

"Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder pare o poder" (Espírito das Leis).

Assim, a partir da premissa de que não se deve contar com os bons sentimentos dos homens para derrotar a violência e a desmedida, Montesquieu criou o sistema de peso e contrapeso para fragmentar e controlar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O grande temor a ser afastado era o Estado Absolutista no qual o soberano enfeixa em suas mãos essas três funções estatais, impedindo que os cidadãos contassem com meios e instrumentos para conter eventuais abusos do tirano. Percebemos então, que fica como lição de Montesquieu, a teoria de que os poderes devem ser harmônicos e independentes, colaborando-se entre si e mantendo relações recíprocas auxiliando-se e corrigindo-se.

4 - A SEPARAÇÃO DOS PODERES

É preservado no Brasil, segundo a Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, um sistema no qual se conjugam um Legislativo, um Executivo e um Judiciário, harmônicos e independentes entre si.

"Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

A nossa Constituição, ao prever a independência harmônica dos poderes constituídos, presume que se expresse a vontade soberana do poder constituinte. Isso significa dizer que ao Legislativo cabe a elaboração das leis; ao Executivo fazer com que elas sejam cumpridas e ao Judiciário dar a pretensão jurisdicional, contanto, tudo que se afastar desse princípio estará contrariando a Constituição da República.

Hoje, a divisão rígida dessas funções está sendo superada. Cada um dos órgãos realiza atividades que tipicamente não seriam suas.


ATIVIDADE PRINCIPAL

(Típica)
ATIVIDADESECUNDÁRIA (Atípica)

EXECUTIVO
Administrar
Legislar e dar a Pretensão Jurisdicional

LEGISLATIVO
Legislar
Administrar e dar a Pretensão Jurisdicional

JUDICIÁRIO
Dar a Pretensão Jurisdicional ( soluções à conflitos internos)
Administrar e Legislar


De fato, os poderes funcionam melhor em conjunto, sendo que a ação de um detém ou limita a ação do outro, havendo assim um sistema de três poderes distribuídos, ou seja, o Legislativo faz as leis, no entanto o Executivo pode propô-la ou vetá-la e o Judiciário pode julgá-la nula. O Executivo administra, porém o Legislativo pode organizar os serviços que lhe são inerentes e o Judiciário nomear os próprios funcionários. O Judiciário julga, todavia pode o Legislativo modificar-lhe os critérios legais e o Executivo participar da Justiça.

Como podemos verificar, essa tripartição significa que cada órgão do Poder exerça, preponderantemente uma função e secundariamente as duas outras.

4.1 - Poder Legislativo

Tem como função primordial, típica, a de legislar, sendo encarregado da elaboração das Leis. Secundariamente, administra e julga. É também denominado Parlamento, Congresso ou Assembléia. Representa a vontade popular na feitura das leis e nas reclamações de outras medidas subsequentes à coletividade. É limitado pela Constituição, pois só pode elaborar leis constitucionais, e no entanto é também limitador, já que no Estado de direito não existe um poder que possa decidir sem que esteja e conformidade com o dispositivo de uma lei anterior.

Nosso legislativo nacional é bicameral, atendendo à forma de Estado federal. São duas casas legislativas do Congresso Nacional, que desempenha a função legislativa: a Câmara dos Deputados, onde se encontram os representantes do povo brasileiro, e na segunda, o Senado Federal, os representantes dos Estados e do Distrito Federal.

Os Estados participam da formação das leis através do Senado Federal, e o povo através da Câmara dos Deputados. Nos Estados e Municípios o legislativo é unicameral, exercido através da Assembléia Legislativa e Câmara dos Vereadores, respectivamente.

4.2 - Poder Executivo

Embora administrar seja a função típica, o Executivo tem outras atribuições, desde a expedição de atos com força de lei (medidas provisórias), até a participação no processo legislativo, pela iniciativa, sanção, veto e promulgação das leis.

Os chefes dos Poderes Executivos exercitam suas principais funções jurídicas através dos decretos e regulamentos.

Na área da saúde, a lei reserva ao Executivo expedir normas que dependam de conhecimento técnico específico para torná-la operativa. Desta forma, o Executivo legisla sem poder extrapolar os limites legais impostos, sob pena de imediata ilegalidade.

O Executivo tem que tornar a lei operativa, facilitando a sua execução e dispondo de normas destinadas à Administração.

4.3 - Poder Judiciário

O Poder Judiciário tem a função de dar a pretensão jurisdicional , interpretar a lei e distribuir a justiça. Realiza funções atípicas como legislar e administrar.

O Poder Judiciário exerce a jurisdição, que consiste no poder de dizer o direito aplicável a uma controvérsia, em caráter definitivo, quando deduzida processualmente. Esse caráter definitivo deriva do poder de produzir a coisa julgada (art. 5o inciso XXXVI da C.F.), e de não ser possível excluir de sua apreciação qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5o inc. XXXV da C.F.). Desta forma, como dito na apresentação deste trabalho, qualquer lei ou ato normativo, desde que fira direito ou o ameace, pode se submeter ao controle do judiciário através da ação judicial própria, que lhe retirará a validade.

São órgãos do Poder Judiciário:

- o Supremo Tribunal Federal; o Superior Tribunal de Justiça; os Tribunais Regionais Federais e Juizes Federais; os Tribunais e Juizes do Trabalho; os Tribunais e Juizes Eleitorais; os Tribunais e Juizes Militares; os Tribunais e Juizes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional.

5 - CONCLUSÃO

Como observamos, a Separação dos Poderes teve seu princípio num momento histórico em que se objetivava limitar o poder do Estado e alcançar garantias para a liberdade individual. No entanto a sociedade evoluiu e surgiram novas exigências em relação ao Estado fazendo com que o princípio da Separação dos Poderes perdesse autoridade e se tornasse incompatível com as formas adiantadas do progresso democrático. Não há dúvida que esta estrutura de separação extrema e rigorosa foi um instrumento imprescindível para a conservação da organização do poder na sociedade, porém, contemporaneamente, a ampliação das atividades do Estado impõem uma nova visão dessa teoria e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo, e destes com o judiciário.

Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo, do Executivo e também do Judiciário, somente se desenvolverão a bom tempo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco para evitar distorções e desmandos.

O poder político exercido por uma pluralidade de órgãos deve, necessariamente, pautar-se por normas de lealdade constitucional de forma que seus titulares, em regime de cooperação, realizem os objetivos traçados na Constituição Federal. Porém, isso só é possível se existir respeito mútuo, e afastando qualquer forma de retaliação gratuita.

A nossa Constituição, certamente teve a inspiração filosófica e política na obra de Montesquieu e dos seus antecessores, porque grande parte dos Estados reconhecem as doutrinas antigas e mantiveram os princípios básicos em suas constituições. Tornou-se assim a divisão dos poderes, com a especialização de funções e a discriminação de competências, a própria garantia do Estado de Direito, dando-se importância, na mesma medida, para todos os poderes. No entanto, não podemos esquecer que, apesar dos poderes serem harmônicos e independentes, se encontram sujeitos aos ditames da Constituição, podendo ter seus atos revistos.

Ressaltamos ainda, que a autonomia e independência dos Poderes, que é a responsável pela relação de interdependência entre eles, não pode ser encarada como instrumento de imposição hierárquica de um para com o outro, pois nenhum deles tem subordinação a outro e guardam todos a harmonia indispensável à efetividade do sistema, fazendo com que não se apresentem simplesmente como departamentos estanques, mas, ao contrário, é necessário que exista relacionamento e integração na realização do fim comum do Estado considerado como um todo. Os poderes devem estar conscientes de que as funções não estarão completas se cada um se isolar em suas funções, deve haver, sempre que necessário, a participação dos outros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondant, barão de, O Espírito das Leis.
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MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, São Paulo, Saraiva, 1991.
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª ed. São Paulo Malheiros Editores Ltda,1999.
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TEMER, Michel. Elementos do Direito Constitucional.
9
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política.
10
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social.


Nara Luciana Kirschner
nbordin@qualinet.com.br

Estudante do 2º ano de Direito, Faculdade de Direito Mater Dei - Pato Branco - Pr

 

 

Retirado de: http://www.apriori.com.br