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A atividade jurisdicional e a racionalização da Justiça
Texto elaborado para uma intervenção oral durante o I Encontro de Coordenadorias da Escola da Magistratura do Paraná, promovido pela Coordenadoria de Cursos de Atualização da Escola da Magistratura do Paraná, em Curitiba, nos dias 11 e 12 de setembro de 1998.

 

 FRANCISCO DE ASSIS FILGUEIRA MENDES
Juiz de Direito da 15ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza. Professor da Faculdade de Direito da UFC.

 

Indiscutível o crescimento gigantesco de demandas em nosso país, por causas várias, incluindo-se a cultural, social, política, econômica, esta última ditada por efeitos conjunturais múltiplos, além de uma ponderável porção que não alcança o crivo jurisdicional, configurando-se a chamada "litigiosidade contida", identificada como óbice do livre acesso à Justiça.

Diante de tal espectro, fácil é o diagnóstico de que os nossos "males-enfermidades sociais", são maiores dada a procura mais intensa e extensa das uti’s judiciárias, entretanto, a preocupação prioritária não é cura dos males, e sim a reforma do Poder Judiciário, por não cumprir com a sua verdadeira função político-social a contento, ou seja, sanando os traumas no organismo social no tempo e na hora certa, causando verdadeiros espasmos sociais e descaracterizando o processo como instrumento único restaurador do direito material ameaçado ou violado.

O quadro é critico, portanto existe crise no Judiciário, como existe indigência, fome, miséria e analfabetismo, crise maior que se abate historicamente e suportada estoicamente pelo povo brasileiro.

Nenhuma crise é irreversível, basta ter consciência e vontade de reversão. Indicar nos diagnósticos o efeito da demora no desate dos litígios, com repercussões no contexto social, não é bastante em si, sem que acompanhada de indicativos para uma solução calcada em elementos reais, palpáveis, e com reflexo nos agentes do Poder em reforma, entendendo a condição humana destes, preocupando-se com suas limitações, modernizando os seus instrumentos de trabalho, sem se falar da remuneração. Não se entende a pouca relevância emprestada às Escolas de Magistratura, uma organização interna capaz de qualificar o magistrado para a realidade da vida e da jurisdição, adestrando-o como juiz natural em toda plenitude da exigência constitucional.

Grandes perplexidades habitam e gravitam sobrepairando o Judiciário, a partir da quase sempre "independência financeira", condicionada aos "humores" do Poder Executivo e à "sensibilidade alternada" dos corpos legislativos. Ninguém vê, todos sentem, reclamam e cobram somente do Poder Judiciário. Em alça de mira um controle externo, quando sequer os meios internos de controle encontram-se conveniente e suficientemente aparelhados, e antes da plena afirmação de uma dependência externa, merecia criterioso apuro a total independência interna de seus juízes.

Pelo seu próprio escopo e destino, reservou-se ao Judiciário a postura clínica emergencial da cura, se possível imediata, de todos os males, achaques e desconfortos da sociedade, e ditada pela situação de premência, uma solução curativa rápida e eficaz. As portas da grande UTI encontram-se escancaradas, quando a própria constituição consagrou – "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", enunciando-se assim o princípio da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário e do livre acesso à Justiça.

Desta forma, todos os diagnósticos apontam como uma das causas de inquietação social a morosidade da Justiça, esta condutora de grandes espasmos e intranqüilidades, ao tempo em que a instituição não operante em tempo e hora certa sobrecarrega em oneração social e política os demais poderes.

Como estabelecido, a crise é de todos os poderes instituídos. A inação ou ação defeituosa de um sobrecarrega a dinâmica operativa do outro; assim, o Legislativo, ao deixar de elaborar leis que atendam à verdadeira finalidade social, impede o Executivo de elaborar programas e planos de ação pertinentes a uma política desenvolvimentista e redutora de misérias e desigualdades sociais, e o aumento crescente das misérias abarrotam o Judiciário na relação causa-efeito, tornando-o inoperante, e distante da realização de seu verdadeiro escopo – promover a paz social –, que é de interesse público, dando uma justa solução aos litígios privados.

A crise também é de toda sociedade, ao tempo em que, distanciando-se dos problemas angustiosos que afligem a vida, a comunidade, em sua visão macro e micro, deixa escapar pelo valioso instrumento da cidadania, o voto, os materiais valiosos e de brilho e valor incomparáveis, para edificação de uma nova ordem política, em sintonia permanente com os anseios verdadeiros do povo brasileiro.

E o Judiciário? Imune às críticas, perfeito, desnecessitado de reformas, de revisões estruturais?

Ninguém de bom senso responderia afirmativamente no contexto de uma sociedade democrática que qualquer instituição estaria imune a uma crítica, ou pelo menos à formulação de uma reflexão, antecedendo a uma real avaliação da estrutura, forma e agir.

Como de sabença, o nosso Poder Judiciário, talhado ao sabor e cores das Ordenações do Reino, recendendo ao formalismo medieval de todas as instituições européias, deixou-nos um legado, forte, que ainda hoje presente em parte das organizações judiciárias, alheias aos grandes avanços das técnicas administrativas, e infensas à realidade inconteste da cibernética avassaladora.

Assim, com estrutura administrativa arcaica, sem os instrumentais dinamizadores, quedou-se o Judiciário, na evolução dos tempos, as técnicas e procedimentos obsoletos, com quadro funcional e judicante reduzido e sem os aprestamentos qualificatórios necessários, distante em sideral espaço-tempo, da revolucionária reengenharia e qualidade total, técnicas já manejadas de muito, com êxito inconteste, pelas organizações privadas.

Em alça de mira constante, pelas crescentes cobranças da sociedade, desestruturado, desaparelhado, viu-se o Judiciário em situação incômoda e incomodativa, apontado pela opinião pública como um dos fatores do crítico estado de intranqüilidade e insegurança da sociedade brasileira.

Tal veredicto encontramos sem rebuços no texto de MAURO BORBA, intitulado "A Democracia e o Judiciário", transcrito em porção substancial e indicativa por FREDERICO ABRAHÃO DE OLIVEIRA, em seu livro Poder e Ética – Editora Livraria do Advogado – 1994, p. 91, quando discute o papel do Judiciário naquele contexto, convicto de que este "é visto e se autodefine como um poder essencialmente técnico, neutro e imparcial. Esta autoconcepção criou um Judiciário composto de juízes-funcionários que se limitam, na maioria dos casos, a uma aplicação burocrática da ‘lei’ abdicando das suas funções de membros de um poder político do Estado. Evidente que esta concepção do Judiciário é fruto de um sistema que pressupõe sua completude, na medida que tem a lei como valor fundamental, de modo que a sua simples aplicação aos casos que expõem a fragilidade do sistema (e que são vistos como meros conflitos de interesses) resolve o problema e recompõe a harmonia da vida social. Um sistema assim concebido realmente prescinde de não ser somente técnico.

Isto é favorecido pelo caráter lógico-formal da Ciência do Direito em nosso meio. Conservadora, divorciada da realidade histórica, míope, acrítica do saber jurídico tende, por isto, a sacralizar esta forma de estrutura".

E arremata FREDERICO ABRAHÃO: "Há, portanto, a contribuição do Direito e particularmente do Poder Judiciário para com a falta de paz e segurança que pesam sobre a sociedade brasileira".

Vejam bem os senhores, a própria linguagem técnica e refinada do Direito, que como ciência tem a exigir linguagem própria, terminologia codificada, com a formulação de enunciados e teorias que constituem doutrina, e o dizer doutrinário transformando o Direito em dogmática jurídica, tem-se debitado ao Judiciário, como único responsável pela inacessibilidade da linguagem jurídica, prejudicando a prestação jurisdicional e o contato com as partes litigantes.

Quem cria o Direito? A vida. Quem enuncia o direito? Os doutrinadores, os juristas. Quem elabora as normas como preceitos valorativos da conduta humana? Os legisladores. Quem aplica o direito ao fato concreto? O agente juiz. Quem é o culpado pela existência da dogmática jurídica, pela elaboração de normas imperfeitas e distanciadas da realidade social? O juiz? E por aí vai uma série infinita de imputações e increpações.

Nenhum diagnóstico, até hoje realizado, preocupou-se com o homem-juiz. Quem é o juiz brasileiro? De onde veio? Qual a sua formação intelectual, condições de trabalho, remuneração, nível de fadiga e stress? Não existe preocupação outra senão apontar "a morosidade da Justiça", sem a mínima prospeção em que circunstâncias estruturais, instrumentais e humanas tal reclamada prestação jurisdicional é efetivada.

Temos um quadro de magistrados proporcional ao número de habitantes, e consequentemente de demandas? A negativação da resposta vem de longe, e cada vez mais agiganta-se com a crise de juízes ao estrépito do crescimento hipertrófico do número de demandas.

Um pequeno exemplo: na Itália inteira, contando com maior número de juízes, em menor extensão territorial, tramitam três milhões de demandas; no Brasil, somente em São Paulo, seis milhões. Números que por si só traduzem uma realidade inconteste.

Como atender a uma avassaladora procura da jurisdição, com tão poucos juízes – um (1) para trinta e oito mil habitantes – quando no primeiro mundo, na organização judiciária germânica, consegue-se a ideal redução de um juiz para menos de quatro mil habitantes.

Indiscutível o nível de educação e politização dos povos de além-mar, das eficientes estruturas políticas e governamentais, assistênciais e previdenciárias, contendo as explosões da denominada "litigiosidade contida". E no Brasil, em nossa realidade, como fazer para bem atender, com qualidade, celeridade e efetividade a prestação jurisdicional?

Despreza-se a engenhosidade do genovês COLOMBO, ao fazer colocar um ovo em pé, através do afundamento de sua base. A deficiente estruturação do Judiciário passa e repassa pela complexa mecânica da liberação de recursos pelo Executivo, condicionada quase sempre aos "humores" de sua chefia, e a questão orçamentária à sensibilidade "alternada" dos corpos legislativos.

Assim, com deficiente estruturação organizacional, com métodos e instrumentais recuados no tempo e no espaço, com um reduzido quadro de magistrados carentes de uma melhor preparação para enfrentar a dura lida da jurisdição, ao depender dos outros poderes na aprovação de seu orçamento e na liberação de seus recursos, eis um Judiciário quixotesco, sonhador e visionário, afastado da realidade, armado com a lança imaginaria do poder supremo da jurisdição, não para lutar contra gigantes imaginários, como o personagem de CERVANTES, inimigos que não assumem a forma de moinho de vento, mas reais e capazes de provocarem um verdadeiro "ciclone" na opinião pública contra aquele que na qualidade de guardião dos direitos e das muitas garantias do cidadão, vê-se à descoberto, sem proteção, expiando culpas muitas das quais não cometeu.

Eis a visão conjuntural e estrutural do Poder Judiciário de hoje. Entretanto, urge uma necessária cooperação de todos os operadores jurídicos na elaboração e execução de linhas de ação, que independente da rotulação modernizadora e de qualidade, sobrepondo-se aos próprios critérios de uma reengenharia, estabeleçam critérios de racionalização da própria prestatividade da jurisdição, enfrentando a concretude e as peculiaridades de cada demanda judicial.

Visto o processo como uma série de atos complexos movimentando-se em busca de uma decisão de mérito pretendida, do bem da vida almejado a uma acalentada jurissatisfatividade, atos estes que se revestem de certo e determinado formalismo legal, alcançaríamos o primeiro obstáculo. A agilização do processo com a eliminação radical das formalidades, a exorcização dos princípios fundamentais, conduziria-nos a uma inexorável "utopia" ao compasso de que: "Na determinação dos fundamentos do formalismo processual civil, consideram-se suas conexões internas e externas, extremando-se as vertentes políticas, culturais e axiológicas condicionantes da estruturação e organização do processo.

Depreendeu-se que a colocação de limites ao Poder do Estado, com o reconhecimento dos direitos fundamentais do cidadão e a noção e concretização prática da distribuição do poder estatal entre diversos órgãos, determinam diversas conseqüências ao ângulo da formalização processual.

Dentre essas foram enumeradas: a organização de competências, o ordenamento hierárquico dos órgãos judiciais, estrita regulação formal dos recursos e a idade de um procedimento justo e adequado, assim como o próprio acesso à jurisdição.

 

"Com a mesma finalidade, estabeleceu-se a importância das vertentes axiológicas para o formalismo processual civil. O resultado dessa análise evidencia a relevância dos valores a seguir alinhados: Valor Justiça, intrincado com a finalidade jurídica do processo; Valor segurança; Valor de paz social, relacionado com a eficiência da administração da Justiça e articulado com o esquema base da economia processual e o chamado princípio de adaptação; Valor da efetividade do processo" (CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA, in Do Formalismo no Processo Civil, 1ª ed., pp. 218 e 219, Editora Saraiva, 1997).

Rechaçada a possibilidade jurídico-política de deformalização do processo, face à quebra dos anteparos sustentativos dos direitos fundamentais insertos no texto constitucional, a quem o processo obrigatoriamente recepciona e reverencia, outras idéias racionalizantes são passíveis de formulações e de prático exercitamento.

Diante da variedade de diagnósticos, a iniciativa estatal adiantou-se na formulação de soluções com a edição de um Manual-Racionalização da Justiça, vindo a lume como uma iniciativa da Comissão Interestadual da Racionalização dos Serviços Judiciários, com apoio do Programa Nacional de Desburocratização, de aplicabilidade sugerida e adaptável às peculiaridades de cada organização judiciária, prescindindo da chancela legislativa.

Independente da boa intenção, o programa ao concentrar sua ação tão-somente na normalização equalizadora dos atos do processo, olvidou de outras técnicas bem mais propícias no realce instramentalizador do processo, tais como a exagerada concentração na pessoa do juiz, como agente emissor de todos os despachos, inclusive os ordinatórios, ou da mera impulsão do processo, correção que em boa hora surgiu como conseqüência da grande reforma a que se submeteu o nosso sistema processual ao alcançar vinte anos de vigência da nossa codificação processual civil, como é de fiel retrato o dizer abalizado de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, em momento que denominou de Agilização dos Procedimentos (in Tribuna da Magistratura – Cadernos de Doutrina, julho/98, pp. 337 a 341).

 

"Assim é que, na Reforma, optou-se pela prioridade da via postal para as citações e intimações, inclusive quando endereçadas a pessoas com sede fora da comarca em que flui o processo (arts. 222 e 238). Ao risco de um truncamento na comunicação opõe-se a grande praticidade desse meio, reservando-se ao Poder Judiciário o criterioso exame de casos extraordinários, em nome da garantia constitucional do contraditório e conseqüente direito de ser citado. A prova pericial pode ser produzida mediante meras perguntas ao expert e assistentes-técnicos em audiência, sobre os exames que hajam informalmente realizado (art. 421, § 2º); e pode até ser dispensada, sempre que as partes hajam produzido nos autos pareceres técnicos suficientes para formar a convicção do juiz (art. 427).

Oficializou-se o emprego de meios técnicos para a documentação das audiências, seja no procedimento ordinário (art. 170), no sumário (art. 279) ou no processo perante os juizados especiais (Lei nº 9.099 de 26/9/95, art. 13, 3º) – nestes, mediante registros resumidos. Autorizou-se o automatismo judiciário, a ser praticado mediante impulso processual pelos funcionários do cartório ou secretaria (juntada de peças, vista obrigatória às partes: art. 162, § 4º). Dispensou-se o reconhecimento de firma em procurações e substabelecimentos (art. 38) – naturalmente com respeito apenas a atos puramente processuais e não a negócios jurídico-materiais que no processo venham a ser celebrados. Ampliou-se o horário para o expediente forense, que agora vai das seis às vinte horas e não mais das seis às dezoito (art. 172) – e ainda com a declaração de serem tempestivos os atos realizados por petição entregue no protocolo ainda quando o horário deste vá além das vinte horas, (art. 172, § 3º). Extinguiu-se a vetusta liquidação por cálculo, que só retardava o início da execução, que nunca existiu no tocante aos títulos executivos extrajudiciais sem fazer a menor falta e cálculos objetivos são atingidos com muito maior simplicidade mediante a exibição de uma memória pelo credor – (art. 604). E, numa medida seguramente dotada de um espectro de utilidade muito mais amplo que todas essas, institui-se a apresentação do agravo de instrumento diretamente aos órgãos de segundo grau de jurisdição (art. 524), com o que se abreviam as longas e longas tramitações desse recurso, responsáveis inclusive pela paralisação do processo enquanto não remetido o instrumento.

Há polêmicas sobre o modo de aplicar tais inovações, sobre a conveniência de algumas delas e mesmo sobre a efetividade de outras. Ainda há quem, não obstante a supressão das palavras portadoras da exigência do reconhecimento de firma nos instrumentos de mandado judicial, continue insistindo na exigência mediante inadequada invocação de dispositivos do Código Civil. Há os que contestam as vantagens do agravo de instrumento pelo novo modo agora instituído. Há também a teimosia de muitos na realização de uma liquidação por cálculo que é morosa, que provoca a prolação de mais uma sentença (desnecessária), que propicia a duplicação de apelações e que, sobretudo, não conta mais com nenhuma previsão legal. Aos misoneístas, seja em primeiro lugar lembrado que legem habemus e não cumpre a juízes ou a advogados obstar à efetividade dos propósitos da Reforma. Aos temerosos seja dito, depois, que o excesso de formas nunca chegaria, como nunca chegou, a banir do dia-a-dia do processo os riscos de erro porque o processo é uma atividade humana e tudo quanto é humano é por natureza falível. É preciso ousar, prudentemente, mas ousar. É preciso, se quisermos um processo mais rápido, assumir riscos com a consciência e a certeza de que o próprio sistema predispõe instrumentos para sua correção. A obsessão por níveis absolutos de certeza ou de segurança é fator irracional e utópico de perda de tempo e sacrifício de direitos.

Mas a Reforma do Código de Processo Civil não constitui um ponto de chegada. Com todas as inovações que trouxe, ainda ficou longe de proporcionar o processo célere que desejamos. A caminhada apenas começou. Os grandes progressos da dogmática processual ainda nos mantêm servos de um número muito grande de mitos que é preciso racionalizar com vista a uma Justiça segura, mas liberta de exageros preconceituosos que não contribuem para sua perfeição e a afastam do indispensável predicado da tempestividade. O processo civil de marca romano-germânica, que praticamos por influência dos sistemas da Europa continental, ainda é demasiadamente apegado a pressupostos individualistas ligados ao poder dispositivo das partes, o que atrela o juiz em medida exagerada às iniciativas desta e aos limites dessa iniciativa, sem meios hábeis a proporcionar-lhe maior agilidade na oferta da tutela jurisdicional a quem tem razão. É urgente ampliar os poderes do juiz no sentido de ampliar a tutela jurisdicional e de acelerá-la de ofício, instituindo-se normas que, por exemplo: a) ampliem os casos de judicia duplicia, dispensando a reconvenção em muitos casos além daqueles em que atualmente é dispensada; b) legitimem a alteração do petitum ou da causa petendi, à vista da prova e mediante cuidados inerentes à efetividade do contraditório, mesmo depois da citação do réu e da contestação oferecida; c) desmistifiquem o duplo grau jurisdicional, reduzindo casos em que o provimento de um recurso implica necessário retorno à origem para novo julgamento de meritis; d) autorizem ‘coletivação’ de ofício da tutela jurisdicional, estendendo-a a grupos ou categorias de pessoas ainda quando pedida por indivíduos isoladamente; e) explicitem o poder-dever de ditar medidas cautelares de ofício, especialmente em caráter incidente, até mesmo para a preservação da autoridade do Poder Judiciário; f) ampliem casos de execução per officium judicis, nas chamadas ações executivas lato sensu, dispensando-se a iniciativa de parte e realizando-se a execução forçada em continuação às atividades cognitivas, sem a necessidade de instauração de processo executivo; etc.

Tais seriam algumas medidas que, suficientemente amadurecidas e disciplinadas de modo adequado, muito contribuiriam para a aceleração dos procedimentos sem perigo de perda da segurança. Os grandes princípios constitucionais do processo são em si mesmos perenes, mas nem por isso devem ser cultuados como fetiches, nem a sua leitura há de ser estanque no tempo. As garantias constitucionais do contraditório, do devido processo legal, da ampla defesa, etc., são parâmetros a serem observados na construção e prática da lei processual, mas devem ser interpretados segundo as necessidades do tempo e os legítimos valores da sociedade a que servem. Acima de todos eles paira a garantia do acesso à Justiça, também oferecida em sede constitucional (art. 5º, inc. XXXV). Quando para a efetividade e necessária tempestividade da tutela jurisdicional for necessário infringir mediante simples arranhões algum desses princípios, ou interpretá-los sem os radicalismos estagnários de uma leitura tradicionalista e conservadora, que isso seja feito porque assim caminha a história das instituições e assim convém à boa ordem jurídica e aos objetivos de justa pacificação pelas vias do processo."

Registre-se que, sob a bandeira grandiloqüente da simplicidade e agilização, a revisão de nosso sistema processual, com o reordenamento do Procedimento Sumário e o realinhamento do sistema recursal do agravo, motivou-se na modernidade e na racionalização dos procedimentos.

Entretanto, não se há de alcançar a desejada racionalização com toques e retoques reformistas na legislação processual; a racionalização exigirá às primeiras uma tomada consciência crítica de todos aqueles responsáveis pelas atividades meio e fim do Poder Judiciário, em seguida um planejamento delineado com disponibilidades de recursos humanos e financeiros, a elaboração de um projeto de ação calcado em dados referenciais estatísticos demonstradores da verdade das movimentações forenses no que alude à cronologia dos processos, estimada por vara ou comarca, à quantidade de servidores e magistrados alocados nestas unidades judiciárias.

A formulação de um diagnóstico será peça de fundamental importância na eleição de uma estratégia de ação, que não dispensará a participação integrativa de todos os órgãos dos Tribunais de Justiça, com especialidade a Corregedoria, o Conselho da Magistratura e a Escola Judicial.

As projeções operativas deverão iniciar-se por uma ação de sensibilização, através de seminários e workshops, abrangendo uma clientela formada por juízes do 1º e 2º graus, servidores do Judiciário em geral.

O núcleo dessa operação racionalizante dos atos prestativos da jurisdição será composto de vários elementos de ativação dos sistemas, tais como: elaboração de Programas de Rotinas Forenses, com a participação de técnicos, servidores e magistrados, que em comissão permanente acompanharão a aplicabilidade, eficiência e qualidade dos programas específicos bem como suas permanentes revisões, atenta também às constantes alterações legislativas.

A execução de um Programa de Justiça itinerante, que se mobilizaria por regiões na execução de uma ação conjunta de juízes e servidores, em verdadeiro mutirão objetivando a celerização e deslinde dos feitos pendentes.

Investimentos objetivando uma profunda estimulação nos procedimentos conciliatórios nos Juizados Especiais Civis e Criminais, a criação um Juizado Móvel, de natureza eminentemente conciliadora e de mediação, indicado com especialidade no atendimento de acidentes de trânsito, onde ocorresse com exclusividade danos materiais.

Criação de uma Corregedoria Pedagógica, onde a função predominante do órgão, fosse a de educar e orientar o magistrado, desnecessitando a realização de correições anuais ordinárias ou extraordinárias, dando relevância ao acompanhamento informatizado da movimentação dos processos, capacitando sua consulta através do sistema on line. Manutenção de um Plantão Pedagógico, exercido inicialmente por um corregedor auxiliar, ou juiz indicado pela Escola da Magistratura, com o objetivo de atender e encaminhar soluções aos questionamentos práticos suscitados, inclusive no fornecimento de orientação doutrinária e jurisprudencial. O sistema poderá ser efetivado através da internet, onde a Corregedoria Pedagógica, além de atender às solicitações através de e-mail, poderia, também, prover informações doutrinárias e jurisprudenciais através da criação de um site, com atualizações periódicas, especialmente sobre as decisões mais recentes dos diversos tribunais do País. Através ainda da grande rede, poderiam ser realizadas entrevistas com a participação de juristas localizados nas mais variadas regiões do país, bem como discussões semanais sobre atualidades jurídicas, utilizando-se para tanto dos meios existentes de conversações on line, como o ICQ, IRC, Chats, etc.

Intensificação pelas Escolas da Magistratura, em convênio com os respectivos Departamentos Centrais de Recursos Humanos, de cursos visando o aprimoramento e qualificação também dos servidores, abrangendo tais atividades aspectos de gerenciamento de pessoal, excelência no atendimento, computação, português instrumental, etc.

Instalação de um sistema de Telejustiça, possibilitando através de um serviço público, gratuito, fornecer pelo telefone a qualquer usuário dos serviços jurisdicionais, informações a respeito do andamento de processos, movimentação funcional dos servidores, magistrados, ou outra qualquer informação útil.

A título de exemplificação indicaremos o trato do assunto central de nossa exposição Racionalização da Justiça, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, através de ações que por seu efeito conjuntural nos levam a uma visão possibilitadora de críticas e reflexões, ações que tiveram início nas administrações do Des. JOSÉ ARI CISNE (Presidente do TJCE no período 95/96, Des. JOSÉ MARIA DE MELO (Vice-Presidente e Diretor do Fórum Clóvis Beviláqua, e definem prospecção e impulso nas gestões do Des. JOSÉ MARIA DE MELO, na Presidência do Judiciário (1997-1998), e da Desª. ÁGUEDA PASSOS RODRIGUES MARTINS, Vice-Presidente e Diretora do Fórum CLÓVIS BEVILÁQUA (1997-1998).

Abolição das serventias de Justiça e criação das secretarias de vara, fazendo atuante o dispositivo inserto no art. 236, da Constituição Federal vigente, e reformando o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará (art. 495 e seguintes), após um diagnóstico que apontava vícios e falhas no sistema anterior, obstaculizando o acesso à Justiça, tendo em vista o valor das custas e o número reduzido de serventuários para atender todo o serviço judiciário.

Criação pela Lei Estadual nº 11.891, de 20 de dezembro de 1991, do Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário, responsável pela arrecadação integral das custas e emolumentos devidos aos serviços jurisdicionais, com total aplicação em projetos de reaparelhamento e modernização do Poder, tais como:

a) informatização;

b) construção de fóruns e casas de juízes;

c) aparelhamento das comarcas dos instrumentos modernos de comunicação (fax, computador, etc.);

d) instalação da unidades dos Juizados Especiais, dos Juizados Móveis, autônomos com quadro funcional próprio.

Ao encerrar as nossas palavras ditas sob o influxo da paciência e bondade de todos, acorreu-nos na tentativa de um epílogo, o relato sensível e comovente da verdadeira missão de quem além de juiz, recebe a tarefa de orientar e educar, traduzido pelos sentimentos do eminente processualista SÉRGIO BERMUDES, gravada em sua obra Direito Processual Civil – Estudos e Pareceres, p. 96:

 

"Amigo fiel e admirador do estadista a que servira, na Chefia da Casa Civil da Presidência da República, VICTOR NUNES LEAL guardava a sua memória, divulgando saboroso anedotário, que contribuía para fixar a dimensão da personalidade esfuziante de JUSCELINO KUBITSCHECK. Contava que, nas suas visitas a Brasília, ainda em construção, o Presidente perguntava aos operários o que estavam fazendo. ‘Levantando uma parede’, ‘erguendo um muro’, ‘abrindo uma janela’, ‘assentando uma viga’, explicavam-Ihe, invariavelmente. Mas, certa vez, enquanto inspecionava os primeiros trabalhos do templo que OSCAR NIEMEYER concebeu para documentar a fé do povo brasileiro, JUSCELINO, aproximando-se de uma vala, indagou do candango, que a escavava: ‘Você, o que faz ai embaixo?’. A resposta veio segura: ‘Presidente, eu estou construindo uma catedral’. Saltando no fosso, o governante abraçou o trabalhador, alma gêmea da sua, capaz de compreender o verdadeiro alcance da sua tarefa."



Retirado de: http://www.genedit.com.br/