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Uma Breve Análise Sociológica do Ciberespaço
Fábio André Silva Reis
fabiorei@dcc.ufba.br

Resumo

Este trabalho pretende expor o resultado oriundo do estudo etnográfico dos usuários das novas tecnologias computacionais, descrevendo suas formas de pensar e agir, suas regras de constrangimento e coesão, e suas dinâmicas de interação à luz do pensamento sociológico clássico, vale dizer, apoiado na teoria durkheiniana, marxista e weberiana, de forma que os resultados encontrados favoreçam uma análise jurídica posterior.

Introdução

Não é fácil estudar o novo. Não é fácil porque o velho sempre tende a atrapalhar, especialmente quando existem formas consolidadas de ver e interpretar o que nos cerca. Para saber quais as mudanças que um novo gera na vida das pessoas, torna-se extremamente necessário observar o cotidiano dos indivíduos.
Os exemplos históricos comprovam a assertiva anterior: Marx, Durkheim e Weber analisam  cotidiano humano, o dia a dia das pessoas, como ponto de partida para desenvolver suas teorias acerca da realidade social. É portanto primordial, que se faça uma observação atenta desta nova dinâmica social e deste novo contexto através de novas categorias, suportando a ansiedade de não saber, não compreender ou até mesmo de não possuir parâmetros.
Hodiernamente, vivemos uma revolução. As pessoas estão despreparadas, pois velhas e novas concepções de mundo convivem lado a lado, sem limites claros, proporcionando inúmeros problemas e conflitos. Partindo-se deste pressuposto, a análise deste fenômeno tecnológico, cultural, econômico, jurídico e político - sem citar diversas outras implicações - deve ser feita sob luz de profundas discussões, já que qualquer análise definitiva sobre este objeto seria precoce e muito pouco salutar.
O ciberespaço é visto como um caos organizado: um caos que funciona. E possui desde já, uma diferença fulcral com relação às tecnologias antigas: o uso do computador. Surge neste contexto uma tendência de antropormofização da máquina, isto é, existe uma relação emocional com a máquina, que é bastante intensa. Os computadores são máquinas que já nascem um pouco humanas na medida em que incorporam duas das principais características da espécie humana: o raciocínio lógico e a memória [Nicolaci-da-Costa]. Os computadores possuem a capacidade de gerar nos humanos sentimentos negativos como raiva, desespero e impotência perante a máquina. Por outro lado, produzem também sentimentos positivos como confiança, cumplicidade e companheirismo. Coisas que certamente um mero forno microondas, pelo menos "ainda", não produz.
Hoje,  o espaço é cibernético, a realidade é virtual, o tempo de resposta é real, ora nossa casa transforma-se em museu ora em banco; as pessoas trabalham cada vez mais em suas casas e o endereço é eletrônico [op. cit.]. A sociedade é da informação e o virtual é cada vez mais real. As instituições tradicionais são cada vez mais transformadas por estes novos pressupostos.
O Direito é uma destas instituições abaladas pela falta de conhecimento e pelo despreparo para enfrentar habilmente esta nova realidade social. Da análise aprofundada desta realidade, dependem a resolução eficiente dos conflitos e a eficiência jurídica. O Direito deve possuir uma perspectiva multidisciplinar apoiada nos estudos oriundos das outras ciências particulares.

Os Cibernautas

O termo "ciberespace" foi primeiramente referenciado no livro "Neuromancer", [Gibson, William], e designa a realidade imaginária compartilhada das redes de computadores, que cada dia é mais real e possui impactos nada imaginários na vida das pessoas. A diferenciação destas realidades real e virtual perde o sentido na medida em que estes dois universos se sobrepõem e se misturam.
Em virtude da grandiosidade da internet e de suas numerosas e diversas nuances, torna-se difícil apurar com exatidão a distribuição e o perfil das pessoas que nela interagem e dela se utilizam. Segundo estimativas do Comitê Gestor da Internet [Comitê Gestor] o número de usuários no Brasil chegará a cinco milhões no ano 2000, o que representa aproximadamente apenas 3% da população brasileira. Porém, a tendência para o aumento deste número é evidente, e isto ocorre por diversos fatores.
A internet representa uma nova concepção tecnológica bastante atrativa, já que proporciona o contato mais rápido e ágil entre seres humanos nos mais variados níveis e possui baixo custo de comunicação, quando comparado com as tecnologias mais antigas, como o telefone ou o correio convencional. Ademais, possui "status" de modernidade, facilita o anonimato, agiliza as transações comerciais, abre um leque imenso para a indústria do entretenimento, e sobretudo, acolhe uma gama infindável de informações no seu interior.
As pessoas são atraídas para esta nova dimensão sensorial, a qual possui um grande potencial para gerar e alterar os mais diversos tipos de comportamentos humanos: prejudiciais ou benéficos. A tecnologia não é boa nem má, e muito menos neutra. Ela nasce dentro de uma perspectiva histórica, política, social, e portanto, não é tão imparcial quanto se pensa [Shapiro, Andrew].

A Perspectiva Revolucionária

Esta nova realidade do tempo largo, da multitarefa, do hipertexto, das fibras óticas e da interatividade, está revolucionando muitos aspectos das vidas das pessoas. Muito mais até do que podemos supor à primeira vista: ela está alterando irreversivelmente a forma de pensar e agir destes indivíduos. Neste novo contexto, exprime-se uma lógica do excesso, da integração, da interação, do raciocínio veloz, da informação como propriedade, do fácil acesso às informações, da ausência de censura, da descentralização do poder e da criação de novas perspectivas para a representação política.
Paradoxalmente, tanta informação dificulta a nossa vida. Elas chegam de todos os lados em uma velocidade bastante superior à nossa capacidade de assimilá-las. A sensação de perda é angustiante. Porém, como já foi declarado anteriormente, estamos nos primeiros estágios de uma grande revolução e ainda não sabemos lidar racionalmente com este novo avassalador. A vida digital está em seus primórdios, testando nossos limites, ao passo que os seres humanos ajustam-se a este novo modelo social. Um modelo social diferente e revolucionário.
Devido à necessidade de se conhecer tanto em tão pouco tempo, desenvolve-se a agilidade de raciocínio. Muda-se de um site para outro, de um determinado tópico para outro, de um contexto cultural para outro no simples clicar do mouse. Absorve-se assim,  a lógica ágil do hipertexto.
A integração está no modelo estrutural da rede, e no próprio conceito de redes de computadores. As disciplinas e assuntos passam a se interrelacionar de forma natural e holística, estabelecendo pontes entre áreas do conhecimento anteriormente bastante fragmentadas em suas especificidades. Há uma relação de muitos para muitos, no qual a espécie humana une-se como um todo cooperativo.
Já a relativização é conseqüência imediata deste contato com tantas informações dos mais variados teores e origens, da troca de experiências entre pessoas das mais diversas bases geográficas. O diferente tornou-se próximo e o pensamento relativizável. As diversas perspectivas de mundo, antes inatingíveis, já não estão tão distantes umas das outras. Consequentemente, esboça-se uma minimização do preconceito pela consciência e importância do diferente na vida e no progresso individual. Ademais, as pessoas deixam de levar em consideração aspectos físicos, sociais e até morais para comunicar-se livremente sem as amarras que o convívio social tradicional nos oferece, isto é, repleto de formalismos desnecessários e moralismos tolos. Este é sem dúvida, um dos grandes trunfos do anonimato.
Surge também uma nova concepção educacional de cunho revolucionário. A geração que utiliza os computadores percebe e interage no mundo de maneira singular. Já há uma crise no sistema educacional tradicional, uma desestruturação da lógica conservadora entre professor e aluno. Surgem as universidades, cursos e escolas virtuais, ou seja, o professor já não precisa estar fisicamente presente na sala de aula para induzir o aprendizado nos seus alunos, e ainda, o instrumental tecnológico auxilia de sobremaneira as exposições tradicionais. Não existe mais o professor que irá saber tudo. Ele será um generalista que apontará caminhos [Pretto, Nelson].
Nos antigos meios de comunicação os indivíduos apenas observavam o que a mídia veiculava, eram passivos, mas hoje não. Atualmente, o ciberespaço oferece condições para uma comunicação mais direta, interativa e coletiva. A internet é uma mídia novíssima e repleta de possibilidades. Não se sabe ao certo até que ponto isto irá mexer com os mecanismos sociais ou com a representação política, mas o interesse nesta área irá continuar aumentando [Barbosa, Suzana].
Inserida nesta nova mídia surge um novo estilo lingüístico que influencia não só os freqüentadores de salas eletrônicas de bate-papo, como também a diagramação de jornais e revistas; filosofias de tele e radiodifusão; a relação entre empresas e pessoas. Busca-se transmitir uma grande quantidade de informação através de um espaço limitado. Neste novo estilo, impera o lema: seja breve, conciso e objetivo. Tudo deve ser rápido, claro e econômico, pois há sempre muito e que ver e fazer. Esta linguagem é em geral, bem humorada, leve, informal, repleta de jargões e gírias, além de bastante concisa.
Esta elevada preocupação com objetividade, concisão e rapidez, muitas vezes acarreta economia de digitação e conseqüente falha na comunicação. Para minimizar estas limitações surgem instrumentos como os "emoticons", que nada mais são do que representações gráficas em ASCII para representar emoções [Santana, Moisés] inseridas no texto. Outro aspecto interessante que vale a pena citar é a existência de certas regras de trato social, conhecidas como "netiqueta" [op. cit.]. Na verdade elas assemelham-se muito às regras de convívio social que seguimos no dia a dia.
Estas mudanças de concepção acerca da realidade que nos cerca altera profundamente as instituições tradicionais, e em particular o Direito. Problemas acerca de jurisdição, imposição de normas, liberdade de expressão, difamação online, dentre outros, mostram que muito ainda deve ser feito e estudado para atenuar os conflitos.

A Perspectiva Jurídica

Percebe-se a extrema necessidade do Direito em adentrar este novo universo, que desde já, oferece conflitos dos mais variados tipos. Porém, as formas tradicionais de se operar o Direito não possuem eficácia em diversas situações, as quais não são poucas. Conceitos como tempo e espaço são alterados, e consequentemente, os pressupostos jurídicos fundamentados nesta perspectiva temporal e espacial tradicionais, caem no desuso e na ineficiência [Katsh, Ethan].
O Direito certamente não é mais o mesmo. Conceber a informática apenas como um instrumento à serviço do Direito é sustentar um argumento demasiadamente ingênuo. Ela minou e está minando ainda mais as bases da Ciência Jurídica. Os cartórios digitais, os crimes eletrônicos, o acompanhamento processual via internet, ou mesmo a inteligência artificial auxiliando o Direito, não são mais quimeras de ficção científica. Sem falar na quantidade imensa de endereços eletrônicos que versam sobre os mais variados tópicos ou serviços jurídicos.
Precisa-se de um Direito novo que adeque-se aos conceitos sociais emergentes e consiga ser eficaz na resolução dos litígios. Um Direito que resgate os princípios existentes por detrás das normas jurídicas, que mapeie a legislação para os casos concretos levando em consideração e conhecendo à fundo o momento atual.
Entender esta nova dinâmica sob a os mais diversos pontos de vista e análise, sobretudo a sociológica, facilita o trabalho dos operadores do Direito e aprofunda o entendimento dos conflitos existentes na sociedade atual e dos que existirão no futuro.

Relacionamentos Humanos

A internet introduz na já complicada área do relacionamentos humanos uma série de outras complicações. Para alguns o relacionamento humano através do ciberespaço é loucura. Para outros uma forma de fuga, isolamento. Existem ainda aqueles que acreditam ser esta uma nova forma de sociabilidade. A verdade é que a maneira de pensar dos indivíduos assim como a forma das novas comunidades e de sua própria identidade está sendo radicalmente alterada [Turkle, Sherry].
As interpretações são muitas, porém não dão conta da complexidade introduzida pelos mais diversos fatores. As relações no ciberespaço podem ser bem mais íntimas e profundas do que muitas daquelas que percebemos ao nosso redor. O indivíduo contemporâneo vive nas grandes cidades, passa todo o tempo se relacionando com dezenas, centenas de pessoas: parentes, colegas de trabalho e amigos, e na maioria das vezes suas relações pessoais são altamente superficiais. Sabemos bastante da aparência externa dos outros, de sua roupagem social, e muito pouco sobre os seus comportamentos mais íntimos e pessoais. O ciberespaço já propõe um novo tipo de contato, onde para se abordar os indivíduos não se precisa vestir esta infinidade de máscaras ou fingir ser aquilo que não somos apenas por uma imposição social. O anonimato certamente nos delega certos benefícios.
Porém, o fato é que não somente o outro se dá a conhecer de forma menos contida pelo anonimato: nós também o fazemos. Ao se revelarem para os outros, as pessoas revelam-se a elas mesmas, e ao observarem neste outro as reações àquilo que revelam ser, adquirem pistas sobre aquilo que são. Se por exemplo, somos inseguros em relação aos nossos valores ou atitudes pessoais, o fato de existirem outras pessoas que se interessem pelas nossas idéias, pode produzir confiança e segurança interna, as quais são fundamentais para as nossas vidas. Quem é assediado por ser belo em uma sociedade que valoriza de forma exagerada a qualidade do belo, pode aprender que os outros também apreciam suas opiniões, seu humor e sua inteligência.
Ocorre, entretanto, que a total negação dos relacionamentos tradicionais, em detrimento da interação mediada pelas novas tecnologias, pode trazer sérias conseqüências. Da mesma forma que se viabilizam novas formas de interação e de relacionamento humano, surgem novos poderes e atitudes que nem por isto são menos destrutivos. Esta tendência ao isolamento possui características sutis e contraditórias. Enquanto que tradicionalmente o isolamento é percebido como uma negação do humanismo, já que anula de sobremaneira a comunicação humana, o mediado pelas novas tecnologias não priva o indivíduo das informações ao seu redor, pelo contrário, oferece-lhe um sem número de outras possibilidades de comunicação e interação. É um cárcere que não tira o indivíduo da corrente da história.

Análise Sociológica

Tomado como fonte de princípios anárquicos da grande rede, o documento entitulado Declaração de Independência do Ciberespaço [Barlow, Perry] produz algumas idéias interessantes acerca do assunto.
O documento expressa a força que a rede possui para valorizar as pessoas não pelos aspectos financeiros ou estéticos, mas sim pela força de sua voz e pela capacidade desta voz ser ouvida sem que exista alguém que a controle ou exerça algum tipo de desvio sobre ela: a censura é portanto, execrada. Para Perry Barlow, a internet é um espaço que não está delimitado por fronteiras, e na qual conceitos como propriedade, identidade, privacidade, liberdade de expressão ou Estado, adquirem novas perspectivas, as quais potencializam o indivíduo. Surge uma sociedade que poderá ser mais humana e justa do que qualquer oura que tenhamos construído
Idealismos utópicos à parte, este documento é ponto de partida para uma infinidade de discussões e pontos de reflexão. Entretanto, convém lembrar que esta revolução tecnológica possui raízes na própria expansão capitalista, a qual foi estudada no Manifesto do Partido Comunista [Marx, Karl].
O capitalismo é bastante revolucionário no decurso de seu desenvolvimento. A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos e as relações de produção, e por conseguinte, todas as relações sociais. Tudo que é sólido derrete no ar, tudo que é sagrado é profanado [op. cit.]. A internet não foge a esta máxima marxista: ela revoluciona-se a cada instante e com ela muitos paradigmas econômicos e ideológicos.
Durkheim não acolhe em suas idéias o caráter revolucionário imerso no seio social. Ele apenas reconhece a necessidade da ordem social e a possibilidade da gênese das instituições.
A revolução quando vista sob a ótica marxista, pressupõe esta evolução da sociedade envolta em um processo que combina: o esgotamento das possibilidades de expansão das forças produtivas de uma dada organização social e das estruturas sociais ligadas a ela. Cria-se então, uma nova estrutura baseada em elementos já presentes na organização recém extinta. A nova concepção econômica que se agiganta, surge então para suprir as deficiências e alargar os novos limites deste capitalismo neoliberal globalizante, já que os métodos antigos já esboçam suas limitações.
Decerto que as novas tecnologias não resolverão de imediato as desigualdades sociais, mesmo porque a grande maioria da população mundial ainda não possui acesso às inovações computacionais. Estes novos instrumentos tecnológicos melhoram a comunicação, oferecem maiores oportunidades às pessoas, mas por outro lado, geram também uma distância muito grande entre os que possuem acesso à estas novidades e os que não possuem [Barbosa, Suzana].
Sob a ótica de Émile Durkheim, a sociedade é entendida como a soma dos indivíduos que a compõem: é uma síntese que não se encontra em cada um destes elementos, assim como os diferentes aspectos da vida não se encontram nos átomos decompostos das células. A vida estaria no todo e não nas partes.
No caso da internet, a sociedade é afirmada por suas partes. O individualismo renasce no entendimento destas novas relações. A coletividade é a soma dos indivíduos que a compõem, porém com forte perfil individual. Decerto que a coletividade é marca característica desta nova dinâmica. Ela é a imagem ampliada da vida dos indivíduos. No entanto, afirmar que quanto maior é a consciência coletiva, menor a individualidade, não procede no ciberespaço.
Já Max Weber, apoia-se no lado diametralmente oposto ao de Émile Durkeim ao rejeitar a existência de associações ou instituições que possuam qualquer precedência sobre os indivíduos, ou que possam adquirir vida própria. Ela oferece uma abordagem mais precisa na análise desta força individual que não se submete à coletividade pois para ele, somente as consciências individuais seriam capazes de dar sentido à ação social. Deste modo, a concepção weberiana origina-se nesta individualidade dos membros da sociedade.
A solidariedade ocorre no ciberespaço através potencialidade dos indivíduos em obter informações, as quais representam neste novo contexto, uma mercadoria. Ela adquire um valor de utilidade quando é processada pelos usuários. Ocorre que este produto valorado, pelo menos à princípio, não está nas mãos dos detentores dos meios de produção, e sim, pertence aos indivíduos livres e pensantes. No entanto, os detentores tradicionais do poder já oferecem resistência a esta transferência de controle e tentam recuperar este poder perdido [Shapiro, Andrew].
Weber, ao contrário de Marx, procurava compreender as especificidades das sociedades ocidentais capitalistas enfocando a complexidade ampla de elementos influentes. As lutas de classe, por exemplo, não são apenas guiadas por determinismos infraestruturais, e sim por uma interação de várias esferas que se contrapõem e se interpenetram. Esta diversidade e pluralidade de fatores aliados ao enfoque individualista observada pela teoria weberiana, convergem para uma aproximação mais intuitiva do fenômeno internet.
Weber realizou estudos sobre a racionalização das instituições através da burocracia. Para ele, todas as instituições fossem elas possuidoras de fim ideal ou material, organizam-se e atuam lado a lado a um instrumento cada vez mais universal e eficaz para a dominação: a burocracia. No entanto, as inovações computacionais viabilizam a agilidade das tarefas, encurtam processos, eliminam procedimentos desnecessários, enfim, tornam estas organizações mais enxutas, ágeis e menos burocráticas. Porém, é por demais prematuro afirmar que esta desburocratização inverterá este processo de dominação. Na verdade, consoante ao que se percebe no livro 1984 [Orwell, George], estes desenvolvimentos tecnológicos podem aprofundar ainda mais os processos de dominação estatal.
Segundo Weber, as sociedades modernas caminham no sentido de uma crescente racionalidade e burocratização ao nível de suas formas de conhecimento, como é o caso da ciência. Sem dúvida, a crescente especialização dos conhecimentos particulares acarreta malefícios à busca da verdade: tem-se o desencantamento do mundo. A visão multidisciplinar é cada dia mais exigida para a análise mais rica dos problemas semeados na sociedade atual, e esta multidisciplinaridade já se faz presente na própria essência da internet: um admirável mundo novo. O Direito não deve fugir a esta regra, e portanto, convém que ele apoie-se nos resultados dos estudos oriundos das outras ciências particulares de forma a entender a realidade social que o cerca mais detidamente, para favorecer o desenvolvimento eficiente de suas atividades.

Conclusão

Neste breve estudo sociológico do ciberespaço, tenta-se analisar a internet e os usuários das novas tecnologias, sob à luz de algumas teorias sociológicas clássicas, de forma a auxiliar o Direito na compreensão da nova realidade social e prepará-lo para enfrentar os novos pressupostos.
Não se trata no entanto, de tomar por base pensamentos sociológicos individuais para analisar o objeto de estudo. Trata-se sim, de mostrar onde estes pensamentos, muitas vezes tão divergentes, se encontram e se diferenciam; em quais pontos estes pensamentos podem ser a base teórica para o estudo aprofundado desta revolução tecnológica na sociedade de informação, e por fim, levantar dúvidas quanto aos pressupostos teóricos que fundamentam estes pensamentos.
Percebe-se que a teoria marxista auxilia e ampara em diversos aspectos a análise desta nova situação social. Tanto a importância da superestrutura na configuração social quanto o caráter revolucionário da atividade burguesa, e ainda o conceito de revolução, fornecem subsídios importantes para o estudo desta nova perspectiva
A teoria durkheiniana, por outro lado, apresenta-se imiscível quanto ao que apontam os novos tempos, possuindo portanto pouca base teórica para enfrentar e entender os problemas.
Já Max Weber, chama a atenção para o fato de que a humanidade partiu de um mundo habitado pelo sagrado, mágico para atingir um mundo racional, positivo, predominantemente marcado pelo uso da técnica e da metodologia científica. Saber se esta ordem levará ao progresso tão almejado representa ainda grande dúvida. Embora Max Weber aproxime-se mais do tema analisado neste trabalho, especialmente no que tange a sua análise da burocratização, individualidade e racionalização, a complexidade e abrangência de seu pensamento torna muita vezes difícil este entrelaçamento de idéias.
A interação entre os diversos ramos científicos, é atualmente, extremamente necessária e uma linguagem comum para interligá-los é altamente desejável. Ademais, observar os problemas sob perspectivas diversificadas é muito mais produtivo e enriquecedor do que a satisfação momentânea da busca pela verdade, única e tirânica, sobretudo para o Direito e para seu posicionamento no contexto atual. É extremamente desejável que ele possua um enfoque multidisciplinar vinculado ao constante auxílio oriundo as outras ciências.
As novas tecnologias certamente estão modificando e mudarão ainda mais a face da sociedade. Não se sabe ao certo para aonde todas estas modificações irão nos levar, e devemos portanto, nos guiar à luz das constantes e incansáveis discussões tomando por base o fato atual e a análise que pensadores sociais nos legaram de forma concomitante ao processo de criação de novos conceitos e teorias acerca da organização social contemporânea. O Direito, ou melhor, o ciberdireito, necessita.

Referências

[Barbosa, Suzana] "Mídias Digitais dão mais Informação e Poder" Entrevista com Thomas Bauer, Jornal Correio da Bahia, 10 de outubro de 1998, Seção Informática, Coluna Ping-Pong, pg. 7.
[Barlow, Perry] Barlow, Perry. Declaration of Independence of Cyberspace. Fevereiro de 1996. www.eff.org/pub/Publications
[Comite Gestor] Comitê Gestor da Internet. www.cgi.org
[Gibson, William] Gibson, William. Neuromancer. Ace Book: The Berkeley Publishing Group. New York:1984.
[Katsh, Ethan] Katsh, Ethan. "Cibertime, Cyberspace and Cyberlaw." Journal of Online Law, 1995.
 [Marx, Karl] Marx, Karl e Friedrich Engels. O Manifesto do Partido Comunista. Tradução de Marco Nogueira e Leandro Konder. 6a edição. Editora Vozes. Petrópolis: 1996.
 [Nicolaci-da-Costa] Nicolaci-da-Costa, A. M. Na malha da Rede: os aspectos íntimos da internet. Ed. Campus: Rio de Janeiro, 1998.
 [Pretto, Nelson] "Como será a Geração da Internet?" Jornal Correio da Bahia, 3 de setembro de 1998, Seção Informática, pg. 1.
[Quintaneiro, Tania] Quitaneiro, Tania, Maria Lígia de Oliveira Barbosa e Maria Gardênia de Oliveira. Um Toque de Clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Editora UFMG: Belo Horizonte, 1995.
[Santana, Moisés] "Net Avec Élegance" Entrevista com Cláudia Matarazzo, Jornal A A TARDE, 19 de março de 2000, Seção Lazer e Informação, Coluna Modus Vivendi, pg. 12.
[Shapiro, Andrew] Shapiro, Andrew L. The Control Revolution: How the Internet is Putting Individuals in Charge and Changing the World We Know. Century Foundation Books: Public Affairs: 1999 (30-32).
[Turkle, Sherry] Turkle, Sherry. Life On the Screen: identity in the age of the Internet. New York: 1995.