AS CLASSIFICAÇÕES JURÍDICAS E A VERDADE
MARIA RITA FERRAGUT
São Paulo - 1997
I - A busca da classificação JURÍDICA VERDADEIRA:
definir para classificar ou classificar para definir?
A busca da classificação jurídica verdadeira é
incansável. Igualmente o é o esforço em posicionar-se
acerca da forma pela qual o objeto deverá ser investigado: seja
primeiro definindo-o para após classificá-lo, seja classificando-o
para em seguida construir sua definição.
Parece-me que a opção mais acertada é aquela que
primeiro define para logo após classificar. Tal escolha se justifica
ainda que, ao final, a definição seja alterada justamente
em face do resultado da classificação.
Se todo conhecimento advém do próprio objeto de investigação,
não obstante haja o risco não há como evitar: para
que se classifique algo faz-se necessário primeiro identificar o
objeto da operação. Sem isso, não é possível
classificar.
II - DEFINIÇÃO E REGRAS FUNDAMENTAIS
Definir é identificar o significado de um enunciado em suas
diversas aparições. É operação conceitual
em que se busca conceitos e sinônimos perfeitos e imperfeitos para
o objeto do qual se fala.
Visa, na medida em que são conhecidos e precisos os significados
dos termos utilizados na própria definição, especificar
o significado do enunciado até então inexistente no sistema
de signos ou daquele que, embora já introduzido, permaneça
vago.
O sistema de linguagem não é estático, estando
a cada dia se desenvolvendo de forma a criar novas convenções
para designar as descobertas inovadoras ocorridas nas ciências, tecnologia,
fenômenos naturais, etc..
Ao aprimorar seus conhecimentos, o ser humano necessita de signos até
então desconhecidos que passarão a nomear objetos recentemente
vertidos em linguagem. É uma necessidade do mundo atual, portanto,
a inserção de novos enunciados no sistema lingüístico.
O termo a ser definido é a linguagem objeto de nossa definição,
aquela da qual se fala. A definição, por sua vez, é
metalinguagem na medida em que fala sobre um objeto.
O direito, enquanto sistema de linguagem, possui três planos,
delineados inicialmente por Charles Morris: o sintático, o semântico
e o pragmático.
O sintático é aquele em que se estudam as relações
dos signos entre si; o semântico é o vínculo do signo
com a realidade que ele exprime e o pragmático é a relação
do signo com os utentes da linguagem.
A definição, a partir disso, pode ser analisada nesses
três planos: no sintático ao referir-se ao enunciado; no semântico
ao significado da definição e no pragmático ao uso
em que ao termo vem compreendido. Concentremo-nos, aqui, na perspectiva
semântica.
Defini-se tanto o objeto em si, observacional, como o enunciado correspondente
ao objeto a que ele se refere, não-observacional, hipótese
em que teremos, respectivamente, definições reais --- ou,
como prefiro, empíricas, já que em última análise
todas são reais --- e teóricas.
Os enunciados observacionais são os passíveis de observação
empírica, em que a definição é obtida a partir
da averiguação de dados reais. Não se constituem em
convenções, mas em proposições que estabelecem
equivalência entre duas unidades.
Equivocam-se aqueles que entendem que os enunciados observacionais
abandonam o nível lingüístico, pois se assim fosse não
poderíamos sequer definir. Apenas, conferem maior importância
aos fenômenos empíricos.
Os enunciados não-observacionais, denominados também
de teóricos e comumente encontráveis no Direito, não
são passíveis de observação empírica,
afastando-se da experiência direta do homem com o mundo para estabelecer
convenções lingüísticas. Restringem-se, com isso,
ao nível lingüístico.
Faz-se importante verificar, também, que tantas podem ser as
definições quanto forem as características necessárias
e suficientes do objeto definido.
As características necessárias contribuem para caracterizar
um objeto como sendo ou não determinado elemento, ou seja, certa
propriedade é necessária para que seja "x" e, em contrapartida,
para que não o seja caso não a possua.
As suficientes, de outra parte, são aquelas que caracterizam
um objeto como "x" simplesmente pelo fato desse objeto possuir determinada
propriedade, sendo totalmente irrelevantes as demais. Não a tendo,
o item não o é.
As definições, além disso, não são
únicas nem imutáveis, já que estarão sempre
relacionadas com o sistema de referência escolhido no tempo e espaço.
O conteúdo teórico altera-se de acordo com as variações
do sistema em que se encontre.
Para se estipular uma definição, faz-se necessário
que o produto (designado definição) do processo de definir
(também designado definição, o que nos leva à
ambigüidade processo/produto), seja aceito pelos utentes da linguagem.
E isto porque os enunciados são símbolos, ou seja, signos
construídos por meio de convenções, arbitrariamente
eleitos e desprovidos de qualquer relação com o objeto a
que se referem. Necessitam, nesse sentido, de aceitação.
Os princípios fundamentais a serem seguidos para a obtenção
de uma definição compreensível, clara, unívoca
e, na medida do possível, livre de ideologias, são os seguintes:
a) uma definição deve aludir à essência
daquilo que se procura definir;
b) uma definição deve ser preferencialmente colocada
na forma afirmativa;
c) uma definição não deve utilizar-se da própria
linguagem objeto;
d) uma definição não deve ser formulada em linguagem
ambígua ou metafórica;
e) uma definição não deve desnecessariamente definir
todos os termos utilizados, evitando com isso o desperdício de energia
e o desvio de atenção, condenáveis no discurso científico.
f) uma definição não deve provocar dúvidas,
mas sim esclarecer; e
g) uma definição não deve necessitar de uma interpretação
posterior.
No entanto, certo é que se as condições acima
referidas talvez não sejam suficientes para definir, de forma verdadeira,
determinado termo, sem sua observância não será possível
sequer chegar a uma definição satisfatória, razão
pela qual certamente são necessárias.
III - Objeto das definições: os signos
Devido a grande necessidade de construir-se modelos artificiais para
a comunicação, a linguagem aparece como instrumento do saber
científico e meio de controle desses mesmos conhecimentos.
A linguagem é a capacidade do ser humano de comunicar-se por
intermédio de signos --- classe de eventos físicos tais como
ondas sonoras, marcas de tinta, giz, grafite, etc. --- cujo conjunto sistematizado
é a língua.
A língua é para nós a linguagem menos a fala.
É o sistema convencional sígnico que permite a uma pessoa
compreender e se fazer compreender. É o mais difundido meio de expressão
de que temos conhecimento.
Sem a língua, dificilmente poderíamos transmitir idéias,
representar o pensamento, vincular significados. SAUSSURE a opôs
à fala, definindo esta última como sendo o ato de seleção
e atualização em face da língua, que é instituição
e sistema, o "tesouro depositado pela prática da fala nos indivíduos
pertencentes a uma mesma comunidade" .
Temos, pois, breves noções de linguagem, língua
e fala. Os signos serão, a seguir, mais detidamente estudados no
plano da língua.
A realidade só deixa de ser tornar um simples evento, sem qualquer
importância para o mundo real, a partir do momento em que for vertida
em linguagem. Até então, pode-se dizer que o fato não
existe, pois dele não se tem conhecimento.
Por isso, afirma o Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr. que "A realidade,
o mundo real, não é um dado, mas uma articulação
lingüística mais ou menos uniforme num contexto social" (destacou-se).
E mais adiante acrescenta: "Fato não é pois algo concreto,
sensível, mas um elemento lingüístico capaz de organizar
uma situação existencial como realidade." (destacou-se)
As palavras, reproduções lingüísticas dos
eventos, não representam a coisa em si mesma, mas somente conceitos.
Por força disso, Saussure chegou a afirmar que "o signo lingüístico
une um conceito (significado) e uma imagem acústica (significante)".
A linguagem não consegue alcançar o objeto do qual se
fala, por serem realidades distintas e, principalmente, pelo objeto ser
apenas um conceito em nossa mente. Não é o próprio
objeto, e jamais poderia sê-lo.
Como unidade de um sistema que permite a comunicação
inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de
relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado
e a uma significação (terminologia husserliana).
O suporte físico, na linguagem idiomática, é a
palavra falada ou escrita. Refere-se a algo do mundo exterior ou interior,
de existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que
é seu significado e que suscita em nossa mente uma noção,
idéia ou conceito, que chamamos de significação.
Faz-se necessário advertir, nesse contexto, o descompasso existente
entre os autores a respeito das denominações atribuídas
a cada qual dos pontos desse triângulo (suporte físico, significado
e significação).
No exemplo acima dado, nos referimos à denominação
introduzida por EDMUND HusseRl e utilizada por Paulo de Barros Carvalho,
dentre outros. Comparativamente, SAussURE utiliza-se de significante, significado
e significação.
Portanto, os signos são convenções, imprescindíveis
à comunicação humana para que o indivíduo possa
entender e se fazer compreensível.
IV - Arbitrariedade dos signos
Todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa em princípio
num hábito coletivo ou numa convenção.
Os signos, como relevante meio de expressão, não excepcionam
esse entendimento: são convenções coletivas, formuladas
aleatoriamente --- ou seja, sem qualquer vinculação com o
objeto que pretendem significar --- e arbitrariamente impostas à
sociedade, que delas se utilizam para comunicar-se, entendendo e se fazendo
entender.
A arbitrariedade da escolha dos signos não significa que o significado
dependa da livre escolha daquele que fala, uma vez que não é
conferido ao sujeito emissor da linguagem o poder de simplesmente alterá-los,
sob pena de comprometer todo o sistema lingüístico. A comunicação
exige a uniformização dos signos com relação
aos seus significados. Sem ela, muito dificilmente poderíamos transmitir
conhecimentos.
Nada mais oportuno, nesse contexto, que transcrever a lição
de Saussure, para quem o signo, não obstante seja arbitrário,
o é somente no que pertine à sua convenção
inicial. Uma vez concretizada, passa a dotar-se de caráter imposicional.
Eis sua lição: "Se, com relação à
idéia que representa, o significante aparece como escolhido livremente,
em compensação, com relação à comunidade
lingüística que o emprega, não é livre: é
imposto. Nunca se consulta a massa social nem o significante escolhido
pela língua poderia ser substituído por outro. Este fato,
que parece encerrar uma contradição, poderia ser chamado
familiarmente de "a carta forçada". Diz-se à língua:
"Escolhe!"; mas acrescenta-se: "O signo será este, não outro.
Um indivíduo não somente seria incapaz, se quisesse, de modificar
em qualquer ponto a escolha feita, como também a própria
massa não pode exercer sua soberania sobre uma única palavra:
está atada à língua tal qual é."
Portanto, a arbitrariedade não significa que os sujeitos possam
utilizar-se de um signo com a acepção que melhor lhes convenha.
Ao revés, significa que o significante (suporte físico, imagem
acústica) é imotivado, isto é, é arbitrário
em relação ao significado (conceito), não tendo nenhum
laço natural com a realidade.
V - Mutabilidade e imutabilidade
O caráter arbitrário do signo nos faz admitir a possibilidade
de mudança. No entanto, a língua, enquanto sistema convencional
de signos já constituído, se mostra resistente a tentativas
isoladas de modificação por parte dos indivíduos.
A qualquer época que remontemos, a língua aparece sempre
como uma herança da época precedente, produto de forças
sociais que explicam porque o signo é resiste a toda alteração.
Dizemos verdade e falsidade simplesmente porque antes de nós se
disse verdade e falsidade.
As razões da iminente imutabilidade de um sistema teoricamente
mutável são as seguintes:
(i) os indivíduos não têm consciência das
leis da língua, o que a princípio impede qualquer mudança;
(ii) cada povo geralmente está satisfeito com a língua
que recebeu, o que implica em fator de conservação;
(iii) dado ao seu caráter de imposição, a língua
oferece poucas oportunidades à iniciativas;
(iv) toda alteração provoca resistências por parte
dos indivíduos; e
(v) as forças sociais das quais a língua é produto
atuam em função do tempo.
Assim, de um lado tem-se a convenção arbitrária,
em virtude da qual a escolha se faz livre. De outro, o tempo, que fixa
a escolha outrora efetuada. E justamente porque o signo é arbitrário,
não conhece outra lei senão a da tradição,
e é por basear-se na tradição que pode ser arbitrário.
Situado simultaneamente na sociedade e no tempo, ninguém pode
isoladamente alterar o suporte físico e o significado. Eis porque,
então, Saussure entendeu que "A língua já não
é agora livre, porque o tempo permitirá às forças
sociais que atuam sobre ela desenvolver seus efeitos, e chega-se assim
ao princípio de continuidade, que anula a liberdade. A continuidade,
porém, implica necessariamente a alteração, o deslocamento
mais ou menos considerável das relações."
Além disso, o tempo, ao assegurar a continuidade da língua,
acaba também por alterar mais ou menos rapidamente os signos lingüísticos.
Não é porque a imutabilidade esteja enraizada na sociedade
que a língua não possa ser alterada. Tanto pode como muitas
vezes altera-se em virtude de novos costumes sociais, desenvolvimentos
científicos, etc..
Certo é, no entanto, que independentemente dos fatores de alteração,
teremos sempre um deslocamento da relação entre o significado
(conceito) e o significante (suporte físico). A língua é
incapaz de defender-se dos fatores que, aos poucos, deslocam essa relação.
VI - DEFINIÇÃO E SIGNIFICADO
A ciência tem que definir o que é. Tem que ser precisa
para poder descrever o objeto. Eis aí o grande problema semântico.
Um enunciado é uma ampla classe de eventos físicos, tais
como ondas sonoras, marcas de tinta, giz, grafite, etc.. É um símbolo
que pode ser empregado diversas vezes, admitindo, pois, diversas ocorrências.
Mas não é só isso. Os signos são muito
mais, pois possuem um significado, existente na medida em que for vertido
em linguagem, em que for convencionalmente estabelecido.
Um enunciado pode ser compreendido quando for possível saber
quais os significados ele pode ter, significados esses que surgem em decorrência
dos usos que dele se pode fazer. O significado de um enunciado não
se descobre, mas se constrói a partir do próprio enunciado.
Na linguagem natural, a análise dos significados é precária,
pois os termos muitas vezes são indeterminados. Já na linguagem
científica não deve ser assim, pois nessa procura-se a redução
de ambigüidades, incongruências e das limitações
ou restrições do uso ordinário, de modo a tornar mais
claros e precisos seus significados.
Mas, ao mesmo tempo em que a linguagem científica ganha em precisão
e clareza, perde na certeza. Quanto mais teórico é o enunciado,
mais distante da realidade empírica ele se encontra.
E o que vem a ser o significado de um termo?
Significado é aquilo que se sabe acerca de um objeto ao qual
se aplica o termo. É a acepção e o sentido explicado,
construído a partir da interpretação.
Dado ao seu eminente caráter de subjetividade, o significado
varia de acordo com o intérprete, podendo até mesmo existir
em número equivalente ao de interpretadores. Varia, também
em "função do contexto lingüístico em que aparecem
e da situação humana em que são usadas".
Já interpretar é conhecer o objeto cultural. Pressupõe
que ingressemos na área da causalidade física e dos valores.
É ato de conhecimento e decisão política, impregnada
de caráter ideológico.
Da perspectiva semântica, interpretação é
o resultado do processo pelo qual o destinatário, diante da manifestação
linear do texto, preenche-a de significado.
Na teoria do significado e dos interpretantes de Pierce, mais especificamente
no quadro da filosofia da semiose, temos que:
"(i) toda expressão deve ser interpretada por outra expressão,
e assim por diante, ad infinitum;
(ii) a própria atividade de interpretação é
o único modo de definir os conteúdos das expressões;
(iii) no curso desse processo semiótico, o significado socialmente
reconhecido das expressões cresce através das interpretações
a que elas são submetidas em diferentes contextos e diferentes circunstâncias
históricas;
(iv) o significado completo de um signo não pode ser senão
o registro histórico do trabalho pragmático que acompanhou
cada uma de suas aparições contextuais
(v) interpretar um signo significa prever --- idealmente --- todos
os contextos possíveis em que ele pode ser interpretado..."
Termos lógicos, tais como "e", "ou", etc., possuem um significado
bem determinado. O mesmo não ocorre com relação aos
demais, que dependem não só do significado base, mas também
do contextual, correspondente às circunstâncias em que são
utilizados.
O contexto é de suma relevância na determinação
do significado das palavras. Definir os termos do direito positivo depende,
nesse sentido, da associação do significado base e do significado
contextual, presentes em todo termo não lógico.
O significado base é aquele socialmente definido, cuja significação
apresenta-se mais facilmente perceptível em decorrência da
aplicação em determinadas situações.
No entanto, haverá oportunidades em que o significado base dos
enunciados não se mostrará suficiente na tarefa de identificar
o objeto ao qual nos referimos.
A fim de dissipar essa falta de precisão, a qual denomina-se
vaguidade, concilia-se o significado base ao contextual, representado pela
situação concreta em que o termo aparece.
Ao admitir-se a pluralidade de significados, sejam eles base ou o resultado
da conjugação entre de base e contextual, poderíamos
estar incorrendo na inobservância da lei lógica da identidade,
que prescreve que toda proposição implica a si mesmo, ou
seja, um termo tem um, e somente um, significado. Adentraria, também,
nos caminhos não desejáveis da ambigüidade.
Esse problema é inevitável, pois nem a necessidade de
um elevado grau de certeza pode alterar o Direito posto. A linguagem científica
descreve o Direito Positivo como ele é. Fala sobre o seu objeto
sem nele interferir. Não o altera.
Diante disso, quando determinado enunciado é utilizado no Direito
Positivo em diversas acepções distintas, o cientista, fiel
à precisão e à certeza, e visando diminuir as ambigüidades,
esclarece em qual acepção o termo está sendo empregado,
utilizando-se do processo de elucidação.
Ainda que a inobservância apontada não esteja eliminada,
a questão está resolvida, pois a elucidação
não diminui nem altera os significados postos pela linguagem objeto,
o que seria inadmissível.
VII - AMBIGÜIDADE E POLISSEMIA: POTENCIAIS PROBLEMAS
A ambigüidade e a polissemia normalmente constituem-se em relevante
problema semântico, razão pela qual muitas vezes comprometem
a certeza dos critérios de classificação e dos termos
a serem classificados. Podem impedir, também, um entendimento uniforme
a respeito da própria verdade.
A ambigüidade está presente em todos os tipos de linguagem.
Consiste na qualidade de uma mesma palavra ser tomada em mais de um sentido.
A ambigüidade gramatical é de suma importância para
o Direito, ocorrendo quando o equívoco resulta da ambigüidade
das formas gramaticais ou da estrutura da oração.
Na primeira hipótese, alguns prefixos e sufixos têm mais
de um significado, gerando por essa razão uma insegurança
por parte do intérprete. Há também prefixos e sufixos
homônimos e as terminações inflexionais ambíguas.
A outra forma diz respeito à frase ambígua, em que as
palavras individuais não o são, mas as suas combinações
podem ser interpretadas de diversas maneiras diferentes. Nessas hipóteses,
as ambigüidades são na sua maior parte desfeitas pelo contexto.
As ambigüidades podem perfeitamente aparecer --- e de fato aparecem
--- na linguagem técnica e na científica.
Mesmo quando os termos e os conceitos de uma ciência estão
definidos com precisão, todo o especialista tem o direito de voltar
a defini-los como julgue conveniente ou necessário, de acordo com
o aprofundamento de suas pesquisas.
No Direito isto é ainda mais explícito, dado ao fato
de que os legisladores, responsáveis pela criação
do Direito Positivo, são pessoas advindas de todos os níveis
e setores da sociedade, e que muitas vezes não possuem o conhecimento
técnico necessário para formular os enunciados prescritivos
como os mesmos deveriam ser.
Faz-se oportuno aqui distinguir a ambigüidade da polissemia, que
aparece quando a mesma palavra tiver dois ou mais significados diferentes.
Como exemplo poderíamos citar as palavras "mesa", "processo" e "incompetência".
Aristóteles certa vez chegou a afirmar que "As palavras de significado
ambíguo servem sobretudo para permitir ao sofista desorientar os
seus ouvintes". Desde então, os filósofos competiram uns
com os outros na denúncia da polissemia como um defeito da linguagem
e como um importante obstáculo para a comunicação
e para um pensamento claro.
Ressalte-se, entretanto, que a polissemia não deve ser vista
exclusivamente como um defeito. É, antes de tudo, uma condição
essencial da eficiência da linguagem, pois se não fosse possível
atribuir diversos sentidos a uma palavra, certamente incorreríamos
numa grande sobrecarga de memória, pois teríamos que possuir
vocábulos separados para cada termo concebível sobre o qual
quiséssemos falar.
A polissemia é, assim, um fator inapreciável de economia
e flexibilidade da língua.
Quanto mais freqüente é uma palavra mais sentidos é
possível que tenha. De qualquer modo, é evidente que a diversidade
do significado não enfraquece, por si só, a vitalidade de
um enunciado.
A garantia do seu funcionamento é a influência do contexto,
que normalmente ajusta um dos significados possíveis, excluindo
os demais. Não haverá confusão se apenas um significado
fizer sentido numa dada situação.
Só quando não for possível alcançar-se
o significado pelo contexto, ou ainda pela utilização de
regras existentes (processo de elucidação, verificação
do gênero gramatical, flexão, ordem das palavras, utilização
de outro termo, etc.) é que a polissemia se torna um grave problema
de linguagem.
A polissemia pode surgir de maneiras múltiplas, tais como:
a) mudanças de aplicação
As palavras têm um certo número de aspectos diferentes,
de acordo com o contexto em que são usadas. Alguns destes aspectos
são puramente efêmeros, outros podem transformar-se em matizes
permanentes de significado e, à medida que aumenta a separação
entre eles, poderemos chegar a considerá-los como sentidos diferentes
do mesmo termo.
As mudanças de emprego são particularmente observáveis
no uso dos adjetivos, uma vez que eles têm a possibilidade de variar
seu significado de acordo com o substantivo que qualificam.
b) especialização num meio social
Pode também surgir como uma espécie de "taquigrafia verbal".
Em outras palavras, em todas as situações há uma certa
idéia que está tão presente na mente de cada um que
torna-se desnecessário declará-la quando se fala, tal como
"ação", que para um advogado tem um significado e para um
militar certamente outro.
c) linguagem figurada
Uma palavra pode adquirir um ou mais sentidos figurados sem perder
o seu significado original, como por exemplo "laranja", que se aplica a
uma diversidade de situações.
A metáfora não é a única figura que pode
dar origem à polissemia. A metonímia, que não se baseia
na semelhança, mas em outras relações entre os dois
termos, pode agir do mesmo modo.
d) homônimos reinterpretados
Quando duas palavras têm som idêntico e a diferença
do significado não é muito grande, temos tendência
a considerá-las como uma única palavra com dois sentidos.
São casos de homonímia.
e) influência estrangeira
Um dos muitos processos pelos quais uma língua pode influir
noutra é pela mudança de significado de uma palavra já
existente. Algumas vezes, o sentido importado abolirá completamente
o antigo.
Esse "empréstimo semântico", como designado por alguns
autores, será particularmente freqüente quando houver um contato
íntimo entre duas línguas, das quais uma sirva de modelo
à outra.
VIII - CLASSIFICAR: OPERAÇÃO LÓGICA
Antes de procedermos à operação lógica
de classificação de um objeto faz-se essencial sua precisa
identificação e definição.
Não é possível analisar, conhecer e identificar
os aspectos relevantes e o significado se não se sabe, exatamente,
o objeto que se pretende conhecer. Se o objeto for impreciso, a definição
e a classificação certamente também o serão.
O Direito, como objeto cultural que é, é impregnado de
juízos de valor. Em decorrência disso, torna-se extremamente
difícil afirmar de maneira incontroversa se determinado termo é
classificado como "x" ou "y".
Diversas interpretações poderão ser verdadeiras,
dependendo do ser cognoscente, que a partir de toda a sua experiência
de vida e dos valores que lhe são relevantes adotará determinado
caminho como o certo para a caracterização precisa do objeto.
Por isso, a identificação dos critérios base da
classificação é de suma relevância, pois será
a partir deles que resultados diferentes serão obtidos.
Deparamo-nos então, com a dificuldade de eleger de maneira precisa
os elementos correspondentes às características necessárias
e suficientes do objeto.
Utilizando-se de diversas variáveis identificaremos, consequentemente,
três, quatro, cinco, vários conjuntos, conforme a maior ou
menor especificidade dos critérios escolhidos.
A princípio, a uma classificação é permitido
variar somente quando os critérios eleitos forem distintos. Se forem
iguais, o resultado deverá sempre ser o mesmo, sob pena ou do processo
ter sido incorreto ou dos critérios utilizados mostrarem-se ineficazes.
A incerteza contrapõe-se com o resultado de um trabalho científico.
E nisso provavelmente incorreríamos ao adotar como critério
não dados objetivos, passíveis de fácil identificação,
mas outros fruto do processo de interpretação, que como vimos
é sempre altamente subjetivo e vinculado à formação,
valores e experiência do intérprete.
IX - definição do signo "verdade"
O que assegura que as coisas a conhecer e o conhecimento estão
em relação de continuidade? O que garante que conhecemos
e não incorremos em erro, ilusão ou arbitrariedade? Se existe
verdade entre o conhecimento e o objeto, tal fato não estaria pautado
em relações de poder?
Mais que isso, se o conhecimento é fruto de criação
do homem, não havendo semelhança entre ele e os objetos de
conhecimento, o que realmente é ser verdadeiro? E o que é
ser falso? Quais os critérios necessários à definição
de um objeto como verdadeiro ou falso? A verdade precisa ter relação
com o mundo físico já que o conhecimento é construção
humana? As perguntas, definitivamente, são muitas.
Segundo FOUCAULT, existem duas histórias da verdade: "A primeira
é uma espécie de história interna da verdade, a história
de uma verdade que se corrige a partir de seus próprios princípios
de regulação: é a história da verdade tal como
se faz na ou a partir da história das ciências. Por outro
lado, parece-me que existem, na sociedade, ou pelo menos, em nossas sociedades,
vários outros lugares onde a verdade se forma, onde um certo número
de regras de jogo são definidas --- regras de jogo a partir das
quais vemos nascer certas formas de subjetividade, certos domínios
de objeto, certos tipos de saber --- e por conseguinte podemos, a partir
daí, fazer uma história externa, exterior, da verdade".
E foi por força desse entendimento que, para ele, as práticas
judiciárias definem tipos de subjetividade, formas e saber e, consequentemente,
relações entre o homem e a verdade.
O signo verdade normalmente é empregado em duas acepções:
para se referir a uma proposição e para se referir a uma
realidade empírica.
Os filósofos gregos iniciaram a busca da verdade no momento
em que realizaram a existência da falsidade e da ilusão. A
verdade correspondia à realidade, que por sua vez era considerada
idêntica à permanência, no sentido de "ser sempre".
O permanente era concebido como o verdadeiro em face mutável.
Mas os gregos não se ocuparam somente da verdade como realidade.
Investigaram-a, sobretudo, como propriedade de certos enunciados, os quais
se dizem verdadeiros.
Diante disso, construíram as seguintes concepções
da verdade:
(1) verdade metafísica (ou ontológica) - equivale à
verdade das coisas, ou à realidade como verdade
(2) verdade lógica (ou semântica) - expressa a adequação
do enunciado à coisa ou à realidade
(3) verdade epistemológica - refere-se à verdade na medida
em que é concebida por um intelecto e formulada, num juízo,
por um sujeito congnoscente
(4) verdade nominal - é a verdade como em conformidade entre
os signos
Com o passar do tempo novos conceitos foram surgindo. Destacaram-se,
dentre diversos outros importantes, o de HEIDEGGER, para quem um enunciado
é verdadeiro quando aquilo que designa está conforme com
a coisa sobre a qual se pronuncia.
Nesse sentido, "O verdadeiro, seja uma coisa verdadeira ou uma proposição
verdadeira, é aquilo que está de acordo, que concorda. Ser
verdadeira e verdade significam aqui: estar de acordo, e isto de duas maneiras:
de um lado, a concordância entre uma coisa e o que dela previamente
se presume, e, de outro lado, a conformidade entre o que é significado
pela enunciação e a coisa". Ressalte-se, no entanto, que
aquilo que está de acordo não é a coisa, mas a proposição.
Assim, para ele, a verdade é a adequação da coisa
com o conhecimento ou do conhecimento com a coisa. Em ambos os casos, é
certo, a verdade "está em conformidade".
Tem-se, ademais, a não-verdade da proposição,
denominada por HEIDEGGER de "não-conformidade", e que significa
a não concordância da enunciação (ente) com
a coisa (sua essência). Enfim, o falso.
Já para HUSSERL a verdade pode ser entendida de quatro maneiras:
1- a plena concordância entre o significado e o dado - leva-se
em conta uma situação objetiva ou estado de fato
2- a forma de um ato de conhecimento (empírico e contingente
de evidências) - leva-se em conta o processo cognoscitivo
3- o objeto dado enquanto significado - considera-se o objeto que possibilita
e evidência
4- a justeza da intenção, especialmente como justeza
do juízo - considera-se a intenção, a significativa
O teor dessas idéias é do significado de verdade como
correspondência entre o que significa e o significado. A noção
de verdade está em relação com as de adequação
e evidência.
Assinalou esse filósofo, também, que como o ato de significar
não é necessariamente um ato empírico, e o significado
não é necessariamente uma coisa, a correspondência
em questão fica confinada a uma região pura. Trata-se de
uma relação "ideal" e "essencial".
O conceito "semântico" da verdade, por sua vez, foi apresentado
por Alfred Tarski. As expressões "é verdadeiro" e "é
falso" constituem expressões metalógicas. Segundo Tarski,
"nas linguagens formalizadas é possível construir uma definição
adequada e formalmente correta do que é uma sentença verdadeira
numa metalinguagem, só com a ajuda de expressões lógicas
gerais, expressões da própria linguagem e termos da morfologia
da linguagem".
As linguagens formalizadas, dado ao seu caráter eminentemente
desprovido de conteúdo material, nos oferecem uma certeza que as
demais espécies não podem sequer pretender alcançar.
Nelas, o sentido de cada expressão é determinado sem qualquer
ambigüidade e de acordo com as leis lógicas.
No entanto, a linguagem formalizada não soluciona muitos dos
problemas da linguagem coloquial, que é a que justamente nos aflige
por pressupor um caminho tortuoso na busca da verdade.
Diante de todos os significados acima expostos, tem-se que nesse trabalho
o conceito de verdade será tomado como o de saber, mas de forma
a distanciar-se o quanto possível das relações de
poder e dominação --- que certamente impõem verdades
--- e de aproximar-se da correspondência do conceito (socialmente
aceito) imputável ao objeto com o conceito que temos do objeto em
nossa mente.
X - Classificação verdadeira: é possível?
Os valores de verdade e falsidade não podem ser analisados independentemente
do sistema de referência do ser cognoscente, nem do tempo histórico
e do espaço social.
Eleitos esses critérios, será verdadeira a definição
que corresponder ao conceito do objeto e falsa aquela que dele se distanciar,
tudo sempre segundo os critérios de nosso sistema.
A validade sintática, ainda que permita o sentido, não
chega a garantir o conteúdo de verdade do enunciado. Já no
plano semântico, ou seja, no domínio da relação
das palavras e expressões com as realidades interiores ou exteriores
que elas denotam, isso é possível quando houver uma ligação
entre o suporte material dos signos e os objetos significados. Surgirá,
então, o valor verdade como atributo do enunciado.
Se o fato for confirmado, mediante informações colhidas
em fonte credenciada, o enunciado adquirirá o valor verdade. Caso
contrário, será falso.
Uma semântica das condições de verdade cobre dois
fenômenos diferentes: enunciados que são verdadeiros em virtude
de um conjunto de postulados de significado, e enunciados que são
verdadeiros em decorrência da verificação empírica.
Assim, no exemplo dado por UmbeRto Eco, temos de um lado:
" (1) todos os solteiros são machos
(2) todos os homens são bípedes
são considerados verdadeiros com base nos postulados de significado
assumidos por um sistema de significação (independentemente
do fato de que --- segundo um tradição venerável ---
(1) é analiticamente verdadeiro ao passo que (2) é sinteticamente
verdadeiro). Por outro lado,
(3) isto é um lápis
(4) este lápis é preto
são verdadeiros apenas se forem enunciados numa dada circunstância,
na qual ocorre o caso de o objeto indicado ser um lápis, e preto."
É a verificabilidade o critério tomado para sabermos
da verdade ou falsidade dos enunciados descritivos de situações
objetivas. Dessa conclusão parte o entendimento de alguns, de que
aos enunciados inverificáveis não podem ser atribuídos
esses valores.
A ciência, qualquer que seja ela, produz um saber que pode ou
não ter correlação com a realidade. O Direito é
construção teórica, e portanto muitas vezes não
permite a verificação empírica, no que pese a positivação.
Mas o que fazer com os enunciados não verificáveis empiricamente,
mas que têm sentido? Seriam verdadeiros ou falsos consoante os próprios
termos que os compõem (tautologias)?
Não coaduno com a corrente doutrinária que sustenta que
as definições, sejam teóricas ou empíricas,
não são verdadeiras ou falsas, mas apropriadas ou não
de acordo com as convenções estabelecidas.
Isso porque as empíricas podem sempre ser verificáveis,
e por isso se partirmos do mesmo sistema de referência será
possível atribuir-lhe ou não o valor verdade.
Já as teóricas podem ou não ser verdadeiras. Analisando
o artigo 3o. do Código Tributário Nacional, podemos afirmar
ser verdadeiro que imposto é tributo. Por outro lado, analisando
o artigo 175, inciso I, do mesmo Diploma Legal, podemos afirmar ser falso
que a isenção é forma de exclusão do crédito,
pois nessa hipótese o crédito jamais chegou a se constituir,
o que impede seja o mesmo "excluído".
E diante dessa análise, outra questão surge: a verdade
do interpretador pode sobrepor-se à interpretação
literal?
Acredito que sim, embora respeite o posicionamento contrário,
em que se procura na ficção jurídica embasamento para
a verdade incondicional do Direito Posto.
Mas, sendo o Direito um sistema uno, prefiro admitir a imperfeição
do legislador, dotado de todas as imperfeições humanas, que
sustentar que o Direito Tributário, como no exemplo dado, se sobrepõe
aos princípios gerais de nosso ordenamento. Crédito é
crédito, e ainda que se admita sua utilização em mais
de uma acepção, sua natureza há de ser preservada,
sob pena de comprometimento do significado e, consequentemente, da transmissão
do conhecimento.
Assim, aos enunciados não verificáveis empiricamente,
mas que detêm sentido, é possível atribuir o valor
verdade, desde que os critérios utilizados para a classificação
sejam os mesmos.
XI - Classificação verdadeira e falsa concomitantemente:
é possível?
Conforme já visto, onde houver objeto cultural há valor.
E sendo o Direito objeto cultural, fruto da criação do homem,
o problema se coloca: como afirmar que uma classificação
é verdadeira ou falsa se os critérios utilizados para essa
conclusão em última análise variam de acordo com o
ser cognoscente?
Em outras palavras, se o conhecimento que detemos no momento em que
se classifica é produto do conhecimento acumulado ao longo de anos,
não há como dois sujeitos distintos utilizarem-se dos mesmos
critérios, por mais objetivos que pretendam ser (pois por mais objetivo
que efetivamente seja, o próprio critério utilizado também
precisa ser interpretado).
O significado do signo verdade já foi anteriormente construído.
E o falso, pressuposto de desenvolvimento da análise ora proposta,
o que será? Falso é o inexato, infundado, contrário
à realidade, que embora construída em nossa mente por meio
da linguagem não é, a princípio, livre.
A relação pragmática do intérprete é
fundamental para a definição e classificação
de um signo. Nesse sentido, o resultado de uma mesma classificação
pode sim ser verdadeira e falsa concomitantemente, desde que não
tenha sido realizada pelo mesmo sujeito, no mesmo sistema de referência,
tempo histórico e espaço social.
O resultado (único) de uma classificação só
será verdadeiro para aquele que classifica e para todos os demais
que se utilizem dos mesmos critérios e que se posicionem, perante
o objeto, detendo experiência, valor e formação parecidos.
Para a outra parcela da comunidade, não detentora dessas mesmas
condições, a classificação poderá ser
falsa. Eis a maravilha e a complexidade do Direito!
Por fim, acrescente-se que tanto o verdadeiro como a falso não
são absolutos. Considerando-se que os seres cognoscentes utilizam-se
de critérios os mais variados, não há como haver qualquer
espécie de absolutismo. Além disso, se a auferição
desses valores decorre de um conjunto de critérios, sendo os mesmos
alterados o resultado poderá ser diferente. A verdade é sempre
provisória, e se mantém enquanto existir as mesmas condições.
CONCLUSÕES
1 - Definir é identificar o significado de um enunciado em suas
diversas aparições. É operação conceitual
em que se busca conceitos e sinônimos perfeitos e imperfeitos para
o objeto do qual se fala. Visa especificar o significado do enunciado até
então inexistente no sistema de signos ou daquele que, embora já
introduzido, permaneça vago.
2 - Os princípios fundamentais a serem seguidos para a obtenção
de uma definição adequada são: alusão à
essência daquilo que se procura definir; preferencialmente forma
afirmativa; não utilização da própria linguagem
objeto; não formulação em linguagem ambígua
ou metafórica; não definição de todos os termos
utilizados e desnecessidade de uma interpretação posterior.
3 - Os signos são convenções coletivas, formuladas
sem qualquer vinculação com o objeto que pretendem significar
e arbitrariamente impostas à sociedade, que delas se utilizam para
comunicar-se, entendendo e se fazendo entender.
3.1 - A arbitrariedade não significa que os sujeitos possam
utilizar-se de um signo com a acepção que melhor lhes convier.
Ao revés, significa que o significante (suporte físico, imagem
acústica) é imotivado, isto é, é arbitrário
em relação ao significado (conceito), não tendo nenhum
laço natural com a realidade.
3.2 - O caráter arbitrário do signo nos faz admitir a
possibilidade teórica de mudança. No entanto, a língua,
enquanto sistema convencional já constituído, se mostra resistente
a tentativas isoladas de modificação.
4 - Significado é aquilo que se sabe acerca de um objeto ao
qual se aplica o termo. É a acepção e o sentido explicado,
construído a partir da interpretação.
4.1 - Qualquer enunciado possui um significado composto por duas partes
distintas: uma geralmente estável, decorrente do uso, e outra geralmente
instável, fruto de história individual de cada ser cognoscente.
Por isso, a busca da definição absolutamente verdadeira se
mostra ideal utópico, porquanto o valor e essa parte individual
do significado não poderão ser eliminados.
5 - Quanto mais freqüente é uma palavra mais sentidos é
possível que tenha. A garantia do seu funcionamento é a influência
do contexto, que normalmente ajusta um dos significados possíveis,
excluindo os demais.
5.1 - A ambigüidade e a polissemia muitas vezes constituem-se
em relevante problema semântico, razão pela qual podem comprometer
a certeza dos critérios de classificação e dos termos
a serem classificados. Podem impedir, também, um entendimento uniforme
a respeito da própria verdade.
5.2 - A ambigüidade consiste na qualidade de uma mesma palavra
ser tomada em mais de um sentido. Já polissemia é quando
a mesma palavra possui dois ou mais significados diferentes.
5.3 - A polissemia não deve ser vista exclusivamente como um
defeito por ser, antes de tudo, uma condição essencial da
eficiência da linguagem. Se não fosse possível atribuir
diversos sentidos a uma palavra, certamente incorreríamos numa grande
sobrecarga de memória, pois teríamos que possuir vocábulos
separados para cada termo concebível sobre o qual quiséssemos
falar.
6 - Por força do pacto semântico aqui adotado a verdade
é entendida como saber, decorrente não de relações
de poder e dominação, mas da correspondência do conceito
(socialmente aceito) imputável ao objeto com o conceito que temos
do objeto em nossa mente.
7 - Falsidade é o inexato, infundado, contrário à
realidade, que embora construída em nossa mente por meio da linguagem
não é, a princípio, livre.
8 - Os valores de verdade e falsidade não podem ser analisados
independentemente do sistema de referência do ser cognoscente, nem
do tempo histórico e do espaço social.
8.1 - Eleitos esses critérios, será verdadeira a definição
que corresponder ao conceito do objeto e falsa aquela que dele se distanciar,
tudo sempre segundo os critérios de nosso sistema.
9 - A ciência, qualquer que seja ela, produz um saber que pode
ou não ter correlação com a realidade. O Direito é
objeto cultural, fruto da criação do homem, e portanto muitas
vezes não permite a verificação empírica, no
que pese a positivação.
9.1 - Aos enunciados não verificáveis empiricamente,
mas que detêm sentido, é possível atribuir o valor
verdade sempre que os critérios utilizados para a classificação
forem os mesmos.
10 - Se a relação pragmática do intérprete
é fundamental para a definição e classificação
de um signo, o resultado de uma mesma classificação pode
sim ser verdadeira e falsa concomitantemente, desde que não tenha
sido realizada pelo mesmo sujeito, no mesmo sistema de referência,
tempo histórico e espaço social.
11 - O reconhecimento de que o resultado de uma classificação
só será verdadeiro para aquele que classifica e para todos
os demais que se utilizem dos mesmos critérios e que se posicionem,
perante o objeto, detendo experiência, valor e formação
parecidos, é inarredável.
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