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LIMITES CONSTITUCIONAIS À TRIBUTAÇÃO NA INTERNET




(10 de Maio de 1999)

Eury Pereira Luna Filho (UERJ, 1975) . Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Rio de Janeiro (1976) e Seccional do Distrito Federal (1988). Pertence ao Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB. Tem cursos de especialização em Documentação Científica (IBICT/UFRJ, Rio de Janeiro, 1976), em Instituições da Comunidade Européia (Istituto Alcide De Gasperi, Roma, Itália, 1978/79); Planejamento Ambiental (CIDIAT, Mérida, Venezuela, 1986); Políticas Públicas e Gestão Governamental (FUNCEP, Brasília, 1988/89), e em Direito Tributário (ICAT/AEUDF, Brasília, 1998/99). O autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq o apoio para a realização de estudos dos quais este trabalho é um resultado.

Enquanto nova e complexa situação econômica, sociocultural e tecnológica, a tributabilidade das atividades que ocorram na Internet - ou no ciberespaço - , exige avaliar se sobre elas recairia alguma das hipóteses de não tributação.

A não tributação de um fato , ou melhor, a impossibilidade jurídica de que um fato da realidade sirva de hipótese de incidência tributária, decorre ou deste fato exteriorizado da realidade não ser admitido como fato gerador de nenhum tributo (não incidência tributária); ou de haver imunidade tributária; ou de ser expressamente afastada a possibilidade de haver tributação em determinadas circunstâncias (limitações constitucionais ao poder de tributar stricto sensu), como por exemplo, a regra que veda, à União, instituir tributos que não sejam uniformes em todo o território nacional ou que impliquem distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município (artigo 151, I, CF/88); ou a que veda a Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino (artigo 152, idem). Outro exemplo, a regra ordenatória da competência tributária residual da União (artigo 154, I, ibidem), estabelecendo a possibilidade de criação de impostos não relacionados na Constituição, na competência tributária daquela, desde que não-cumulativos, e o fato gerador ou a base de cálculo não sejam próprios de outros tributos discriminados na Constituição Federal (independentemente de quem detenha a respectiva competência tributária).

Não incidência tributária

A Constituição Federal, e tradicionalmente o Direito Constitucional Tributário brasileiro, reserva à União a competência para definir, na Lei Complementar, os fatos geradores dos impostos dos Estados e Municípios, além dos próprios, ex vi do disposto no artigo 146, III, assim como a definição de tributos e suas espécies, conforme a alínea "a", desse mesmo dispositivo.

Sendo assim admite-se que, apenas as hipóteses tributárias contempladas na Constituição Federal , no CTN e nas Leis Complementares (ou as que como tal tenham sido recepcionadas) em vigor, inclusive em vista do princípio da tipicidade cerrada, obrigam os contribuintes à prestação pecuniária exatória. O princípio da legalidade, ainda, reforça a condição de somente se admitir a h.i., caso devidamente descrita e previamente estabelecida em lei. Inexistindo lei que preveja um determinado fato da realidade como imponível, o fato não poderá ensejar consideração para fins de incidência tributária, de forma a que se estará diante de hipótese de não incidência, ainda o fato exprima capacidade econômica do agente ou se insira no ciclo de produção de bens e riquezas econômicas.

Imunidade tributária

Leciona Roque Antonio Carrazza que imunidade tributária é um fenômeno de caráter constitucional. " As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exaçòes, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações."

Há , em nosso sistema constitucional, a imunidade das pessoas políticas, denominada imunidade recíproca, sagrando o princípio federativo e o princípio da isonomia das pessoas políticas, como se depreende do artigo 150, VI, "a", CF/88. Consagra-se, ainda, a imunidade tributária para outras entidades, que assim são vistas como incorporando determinados valores sociais que as tornam privilegiadas, exemplo, os templos de qualquer culto, os partidos políticos, as entidades sindicais dos trabalhadores (excluídas as entidades patronais), as instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos (artigo supra citado, alínea "b").

Finalmente, acolhe-se a imunidade tributária em favor dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, "c"). Com isso, também, preserva-se um valor democrático e insubstituível, que é a liberdade de comunicação e de pensamento, incluída a liberdade de imprensa, propiciando facilidade para a difusão da cultura e a própria educação do povo. O que está, então, expresso por esse dispositivo constitucional, é que se busca ali prover meios materiais para a circulação de idéias. Assim, livre de impostos está a importação de livros, jornais, periódicos e papel de imprensa, sua produção interna, sua comercialização e sua exportação.

A imunidade sobre o livro, jornais e periódicos atrai interesse para este estudo, pois , como já antes lembrado, a Internet serve à circulação da opinião e do pensamento, à comunicação das idéias e à informação, do mesmo modo que o livro , o jornal e outras publicações, independentemente do suporte material do veículo (papel impresso, em um caso; o "bit" [v.g. comentário de Nicholas Negroponte, supra] , de outro) . Além disso, já indicamos a existência das publicações eletrônicas e das edições on-line de jornais e revistas. Um forte argumento é utilizado por Carrazza, demonstrando , na prática, a ocorrência - que já se vai tornando comum - da publicação de livro , sob a forma tradicional, impressa, e sua reprodução eletrônica, em CD-Rom. Como justificar que o primeiro, por ser papel, goze da imunidade tributária, enquanto o segundo, que veicula o mesmo conteúdo, por estar registrado em outro suporte que não papiráceo sofra incidência tributária?

Admitindo-se que ações, atividades, operações e transações que ocorrem na Internet, pudessem, de algum modo, encontrar paralelos com situações reais e tecnológicas preexistentes, a verdade é que, assimilar estas últimas ao que se está verificando, hoje, na Internet, seria mera construção analógica; como seria dizer que o cinematógrafo fosse natural evolução ou conseqüência do daguerreótipo, ou que o telefone fosse um híbrido de telégrafo com fonógrafo.

Sabe-se que não é assim. São outros os princípios de funcionamento subjacentes às operações e processos que se apresentam na Internet.

São saltos tecnológicos a partir de um manancial de elementos materiais encadeados, mas a soma das partes não basta para explicar o todo. E sequer seria possível , ou adequado aos fatos, dizer que ser trata de soma das partes.

A WEB partiu de uma percepção acerca do modo de funcionar do cérebro humano; que, por sua vez, lida essencialmente com uma matéria prima muito específica - a informação. Supôs-se, então que o encadeamento de muitas máquinas (e tanto quanto a evolução tecnológica dessas máquinas, a velocidade e os efeitos das transformações possibilitadas pelas novas tecnologias, adquiriram contornos insuspeitados ao início) poderia propiciar uma potencialização ao infinito dos processos e fenômenos inicialmente percebidos.

A Internet é um fato da realidade, com características complexas e concomitantes de fato tecnológico, social, sociológico, cultural, político e econômico, de abrangência mundial.

A Internet acelera a planetarização da civilização humana, que caminha, a passos largos, para abolir ou reduzir expressivamente diferenças culturais e sociológicas entre as sociedades humanas e comunidades locais. Isto , entretanto, não significa que haja uma tendência, em paralelo a essa conectividade global, à redução das disparidades econômicas e políticas que hoje são enormes entre países e suas populações. Porém, há uma utopia em andamento.

A Internet, a princípio, enquanto fato técnico, foi concebida como instrumento estratégico para a sobrevivência do Estado moderno, em uma situação antevista e na delimitada hipótese de catástrofe global em decorrência de conflitos armados. Com a superação dessa hipótese, como probabilidade presente, a partir do término da guerra fria e da superação do antagonismo entre blocos político-ideológico-econômico-militares, a Internet assume características tecnológicas e econômicas insuspeitadas, e que podem encontrar paralelo com o impacto econômico, político, social e cultural, da invenção da imprensa, por tipos móveis, realizada por Gutenberg, que está na raiz da Reforma religiosa, por Lutero.

A Internet adquiriu, inicialmente, nos estágios iniciais de sua popularização, características que a subtraíam da ação e do controle do Estado nacional. Enquanto inexistir uma autoridade estatal mundial, essa condição da Internet deve subsistir.

Uma projeção típica do Estado moderno é o exercício do poder ou capacidade exatória, soberana, sobre seus súditos, cidadãos. Naturalmente, enquanto a Internet não adquiria características de locus de realização de trocas econômicas, e pouco a pouco assumia a feição de canal de circulação e de alocação de riquezas, a preocupação do Estado em controlar os fluxos de circulação de informação e as trocas econômicas na Internet, era inexistente ou limitada a questões de uso de tecnologias ou dos equipamentos ou de administração dos sistemas operativos.

Agora, quando se constata transferência acelerada de atividades de caráter econômico e a geração de valores, atitudes, meios, instrumentos exclusivos para a operação e o uso das potencialidades informacionais da Internet, o Estado desperta para a questão do controle legal da Internet, do exercício da sua soberania sobre a rede, e atenta para eventuais perdas desse controle ou de soberania em relação aos usuários, as trocas e operações correntes na Internet.

Inicialmente, o que se verifica no Brasil é a preocupação em caracterizar como fatos imponíveis fatos geradores de obrigação tributária decorrentes de operações que poderiam ocorrer com ou sem a existência da Internet. Estaria , portanto, ocorrendo a aplicação analógica da hipótese de incidência sobre o suposto fato gerador.

Por exemplo, a comunicação remota entre computadores, e a transferência de dados entre computadores distantes fisicamente, independentemente dessa distância ser mensurada em alguns ou centenas de milhares de quilômetros, já ocasionou, em precedência, um fato tributável - os serviços de telecomunicação que serviram à conexão e o acesso remoto - , independentemente do tráfego de dados, uma vez que aquela comunicação remota lança mão, na atualidade, por razões tecnológicas e econômicas, das instalações e recursos técnicos e tecnológicos hoje disponíveis para telecomunicações. Mas , talvez por pouco tempo permaneça assim. Ou, talvez, novas tecnologias, já em testes, ampliarão as possibilidades tecnológicas para o transporte desses dados, por exemplo, via sistema de eletrificação urbana, ou via transmissão direta por satélites, e captação por antenas parabólicas.

Não existe a previsão legal para tributar o tráfego de dados, da mesma maneira como não existe previsão legal para tributar-se o envio de mensagens faxeadas pela linha telefônica, uma vez que o fato imponível, nesse exemplo, será e permanece sendo a comunicação telefônica, ou o ato de conectar dois aparelhos telefônicos, por meio dos sistemas instalados e operados pelas empresas de telecomunicação.

A venda de bens materiais, i.e., mercadorias, utilizando canais de divulgação, publicidade e contato mediado entre fornecedor e consumidores, possibilitados pela Internet, não difere da venda por correspondência ou do telemarketing, fato em si , e por si, imponível e já tributado, previamente, como operação estritamente comercial, cujo fato gerador é a mera tradição da mercadoria física, ou a sua saída do estabelecimento do vendedor.

Outra questão percebida, que se apresenta muito relevante, é a imunidade constitucional dos livros, jornais e publicações periódicas, objeto da previsão contida no artigo 150, VI, "d", CF/88 , frente à publicação eletrônica. O dispositivo constitucional não restringe a um determinado suporte material, a publicação, para conferir-lhe imunidade, uma vez que a referência que se faz ao papel destinado à impressão desses meios de informação é , por si, independente das referências aos veículos de comunicação e livre expressão das idéias. Recorde-se que o artigo 9º., IV, alínea "d" da Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN), não mais vige, diante da redação do dispositivo constitucional (redação esta que, por sua vez , remonta à Constituição de 1967).

Nessa mesma linha, diante de iniciativas de ensino e formação e capacitação à distância, seria também a elas aplicável a imunidade das instituições de educação, prevista no artigo 150, VI, "c" , CF/88.

Outro aspecto que não pode ser desprezado é o fato da carga tributária, no Brasil, estar distribuída desigualmente, mesmo dentro do que se poderia denominar proporcionalidade horizontal de tributação ; portanto, atingindo aos contribuintes de diferentes espécies tributárias de maneira díspare, até em razão de sua localização espacial. Com isso, dentro da Federação além de haver Estados com maior potencial arrecadatório, em razão de serem dotados de economias mais pujantes e modernas, e, por isso mesmo, capazes de dotar suas administrações fiscais de melhores instrumentos técnicos, políticos e humanos, apresentam uma estrutura tributária melhor repartida e com maior eficácia fiscalizatória. Assim, em tais Estados, a arrecadação abrange um maior espectro de atividades e , portanto, passa a ter mais fontes de receita.

Da mesma maneira, pode-se dizer que a carga tributária incidirá mais incisivamente sobre os contribuintes localizados nesses Estados e Municípios. Observe-se:

  • " A carga tributária acaba recaindo apenas em cima de quem paga imposto, em geral contribuinte das grandes cidades. No Rio, em 13 municípios analisados, a receita tributária 'per capita' em 96 foi inferior a R$10,00. Enquanto um habitante da cidade do Rio paga R$225,00 por ano em imposto municipais, na região metropolitana esse valor cai para R$44,00 e na região noroeste, para R$16,00. "
  • Configuram-se, assim, desigualdades na base de arrecadação quer em razão do tributo em questão, quer em razão da própria localização territorial do contribuinte, submetido a uma máquina arrecadatória mais eficiente, segundo a ótica do Fisco.

    Até a presente data, no Brasil, a preocupação das autoridades tributárias tem se direcionado para os serviços dos provedores de acesso, aparentemente, até agora, a faceta mais visível das operações de comercialização na Internet. Isso , entretanto, não demonstra qualquer percepção mais refinada, por nossas autoridades fiscais, acerca do fenômeno a que se assiste, em escala internacional.

    Ocorre que o sistema tributário brasileiro admite, incidindo diretamente sobre os agentes econômicos produtivos, três distintos e principais impostos, que são aplicáveis segundo o estágio (produção e circulação) do ciclo econômico em que a exação incida; ou aplicáveis em razão da natureza da atividade. São estes o imposto sobre produtos industrializados (IPI), de competência federal; o imposto sobre circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), de competência estadual; e o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) .

    Interessam ao escopo deste trabalho os dois últimos (ICMS e ISSQN).

    Ocorre ser a disparidade entre as alíquotas desses dois impostos muito grande.

    O ICMS tem alíquotas que podem variar de 7% a 25%, enquanto o ISSQN tem percentuais variáveis, segundo o serviço tributado, até máximo de 10% (dez por cento), a critério do Município a fixação da alíquota percentual para a atividade tributada, sendo a alíquota mais geral de 5% (cinco por cento) .

    Naturalmente, tal fato, por si só, já seria bastante para estimular a controvérsia a que se assiste , entre provedores de acesso à Internet e os fiscos estaduais, partindo ambos do suposto que haja incidência tributária sobre a atividade realizada.

    O Fisco estadual sustenta ser legitimado enquanto sujeito ativo da obrigação tributária, enquanto o provedor reclama sua condição de prestador de serviços não sujeitos ao ICMS.

    As garantias do contribuinte, e que respondem pela estrita legalidade do fato tributário, exigem que as operações e atividades típicas da Internet, a partir do potencial tecnológico e de mudanças sociais aí presente, inclusive das práticas humanas, tais como o trabalho remunerado e a produção de bens e serviços, realizadas dentro desse novo paradigma, sejam expressamente objeto de previsão legal, para que possam incidir quaisquer figuras de exação tributária sobre aquelas.

    Pelo lado do ICMS, há norma legal expressa dizendo que não se caracteriza como serviços de telecomunicação, a atividade do provedor de acesso à Internet. Trata-se de um Serviço de Valor Adicionado, conforme dispõe expressamente a Lei nº. 9.295, de 19 de julho de 1996, em seu artigo 10: " ... atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações. " (Grifo).

    Sendo a Lei Complementar nº. 87, de 13 de setembro de 1996, editada para dar corpo à competência legislativa da União na definição de tributos, suas espécies e, em relação aos tributos discriminadas na Constituição Federal, os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, cabe indagar, como se daria a articulação entre a LC 87/96 e a Lei nº. 9.295/96.

    Sabe-se que a LC 87/96 era esperada para regulamentar a instituição do ICMS, na sua nova feição como criado pela Constituição de 1988. Nunca será demais recordar, então, que o artigo 155, CF/88, criador do Imposto de Circulação de Mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, inclusive sobre operações e prestações que se iniciem no Exterior, inovou ao incluir na incidência desse imposto prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, além de serviços de comunicação.

    Além do que, a mesma Constituição trouxe regra limitativa da instituição desse imposto, quando, no artigo 155, XII, §3º., disse que " À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo (N.B. - ICMS) e ao art. 153, I (imposto sobre importação de produtos estrangeiros) e II (imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados) , nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicação, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. "

    Sabe-se, portanto, que o ICMS incide sobre a prestação de serviços de comunicação, tendo sido instituído, - no que interessa a esta hipótese de incidência - pelo artigo 2º., III, da LC 87/96, recaindo sobre " prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração , a emissão , a recepção, a transmissão , a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza. "

    A comunicação é atividade com muitos aspectos, podendo inclusive compreender transportes (PONTES DE MIRANDA). Uma análise sistemática da atual Constituição Federal, possibilita dizer que a expressão comunicação guarda relação com a criação, expressão das idéias e do pensamento e a produção e circulação de informação, principalmente a radiodifusão sonora e de sons e imagens (ex vi dos artigos 220 e seguintes, CF/88).

    Poder-se-ia admitir , inclusive, que serviços de telecomunicações, graças ao disposto no artigo 155, XII, §3º., CF/88, sejam atividades que se compreendem no conceito amplo de comunicação a que alude os dispositivos constitucionais. Com isso há que admitir, então, que os serviços de telecomunicações serão organizados, e terão seus outros aspectos institucionais, que decorrem do regime de monopólio estatal para sua exploração (artigo 21, XI, CF/88), regulados por lei ordinária. Essa, bem entendido, sendo a Lei nº. 9.295, de 19 de julho de 1996, que encontra, assim, sede constitucional para dizer que o Serviço de Valor Adicionado não carateriza exploração de serviço de telecomunicações, excluindo-o da hipótese de incidência do ICMS.

    Em acréscimo, poder-se-ia dizer, ainda, que a Lei nº. 9.295/96, em seu artigo 10, e Parágrafo único, quando trata da prestação de Serviço de Valor Adicionado, com utilização da rede pública de telecomunicações, reconhece que o fato material que tem lugar aí, não seria a comunicação de voz, som e imagens, mas " utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações " . Embora sem que haja referência expressa, trata-se do que já se denominou , antes, telemática, i.e., o processamento computacional de dados à distância, consistindo de tema de estudos interdisciplinar resultando da associação entre a engenharia de telecomunicações e aplicações de informática.

    Entende-se, ainda, estar autorizada essa interpretação pela regra contida no CTN, artigo 110:

  • " A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e forma de direito privado, utilizados, expressa, ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. "
  • Não será a Lei Complementar que estabelecerá o sentido preciso e o alcance da atividade de telecomunicações, mas a própria lei de telecomunicações, ex vi do artigo 21, XI, CF/88. A qual, por sua vez, deverá admitir os conceitos correntes que identificam e designam os fatos materiais técnicos e tecnológicos que regular.

    Na seqüência, cabe referir à Lei nº. 9.472, 16 de julho de 1997 , que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, no Livro III, como segue:

  • " Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações.

  •  

     

    §1º. Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, eletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens ou sons ou informações de qualquer natureza.

    §2º. Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos e , quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.

    Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviços de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

    §1º. Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

    §2º. É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadores de serviço de telecomunicações. "

    Verifica-se, então, que em 31 de maio de 1995, a Portaria nº. 148, do Ministro das Comunicações, veio regular o Serviço de Conexão à Internet (SCI), prestado pelo Provedor de Serviço de Conexão à Internet (PSCI), como Serviço de Valor Adicionado, ao mesmo tempo em que distingue os Provedores de Serviço de Informações e Provedores de Serviço de Conexão à Internet.

    O Provedor de Serviço de Conexão à Internet (PSCI) possibilita o acesso à Internet a usuários e a Provedores de Serviços de Informações, enquanto o Provedor de Serviço de Informações detém informações e as dispõe na rede (Internet) por intermédio do Serviço de Conexão à Internet.

    Em 19 de julho de 1996, a Lei nº. 9.295, define, em seu artigo 10 o que se entende por Serviço de Valor Adicionado, assegurando, a qualquer interessado na prestação desse serviço a utilização da rede pública de telecomunicações. Esse dispositivo diz que Serviço de Valor Adicionado caracteriza-se pelo "... acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações ... criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações. " (Grifado).

    A LC 87, de 1996 (regula o ICMS) , dispõe sobre a incidência deste tributo sobre " prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza " .

    Já a Lei nº. 9.472, de 16 de julho de 1997, que foi promulgada para regular disposição constitucional, assevera que o Serviço de Valor Adicionado não se confunde com o serviço de telecomunicações, ao qual acrescenta novas utilidades relacionados ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações, de modo a reproduzir a especificação das atividades compreendidas pelo Serviço de Valor Adicionado, já definidas na Portaria nº. 148, de 1995, e na Lei nº. 9.2 95/96.

    Finalmente, se as normas legais sob exame, e cotejadas, possibilitam distinguir serviços de comunicação, serviços de telecomunicações e operações tecnológicas que envolvam dados e informações, digitalizados e em registro eletrônico, não será possível, exceto por recurso à analogia, identificar hipóteses de incidência e fatos geradores distintos daqueles que são mencionados expressamente na lei tributária.

    Então, aos serviços de telecomunicações somente se aplicará o tributo a que refere o artigo 155, II, da CF/88, excluindo-se a possibilidade de incidência dos tributos mencionados no artigo 153, I e II, por aplicarem-se estes a produtos e não a serviços. Acresce ainda que ao haver norma legal que excluiu da categoria telecomunicações os serviços de valor adicionado (Lei nº. 9.472, de 16 de julho de 1997) estes não poderão ser assemelhados a serviços de comunicação, pois , uma vez inexistindo na LC nº. 86/97 um elenco de serviços de comunicação, mas , apenas, a enumeração de fatos equiparados ou compreendidos nesses serviços, não há onde buscar suporte legal para incluir aí o tráfego de dados ou a interligação em rede de computadores.

    Uma rede de computadores não gera, não emite, não recebe, não transmite, não retransmite, nem repete ou amplia comunicação.

    A rede opera, simplesmente, fazendo com que , a partir de qualquer ponto de conexão à rede, torne-se possível a operação das facilidades computacionais à disposição dos terminais ou de outros computadores conectados em rede. Trata-se de um fato tecnológico, antes de um conceito legal.

    Com relação à incidência do ISSQN sobre os serviços e atividades que têm lugar na Internet, outra impossibilidade se verifica, na medida em que a Lista de Serviços, como se sabe, é taxativa, e não há ali referência alguma a tributabilidade de serviços de provedores de acesso à Internet. E, tampouco, referência àquelas atividades e transações assimiladas ao conceito de comércio eletrônico. (Vale referir que sequer seria possível fazer incidir sobre atividades e transações de comércio eletrônico o ICMS, por não haver previsão legal dessa incidência, exceto quanto aos fatos geradores que, para existir prescindissem da Internet ou do tráfego de dados aí).

    Admite-se, portanto, que quaisquer das atividades e transações, que hoje ocorrem no âmbito da Internet, não são tributáveis, no Brasil, pelos impostos ora conhecidos relativos à produção e à circulação, pela falta de expressa previsão legal, importando assim em hipótese de não-incidência tributária .

    Por fim, recorde-se que , como se constatou, em precedência, a Internet , na sua atual configuração , surgiu a partir de 1989, sendo o desenvolvimento do comércio eletrônico mais recente, a partir de 1994, aproximadamente. O Constituinte de 1988, portanto, não conhecia a Internet, e nem o legislador ordinário poderia dispor sobre incidência de tributos desconhecida ou hipóteses de incidência inexistentes à época da instituição do tributo.

    E não sendo bastantes esses argumentos, antes elencados, há uma outra possibilidade concreta que se está delineando muito velozmente, também capaz de afastar, em teoria, a incidência tributária. A hipótese de incidência do ICMS determina que haja a prestação onerosa do serviço. Já se apresenta como realidade palpável a prestação gratuita dos serviços de conexão à Internet, o que , definitivamente, poria um ponto final a qualquer pretensão fiscal à cobrança desse tributo sobre tais serviços. Isto, vindo a ocorrer em nosso país, como já ocorre fora daqui, servirá, inclusive, a demonstrar o atraso conceitual , político e econômico, infelizmente, a nos caracterizar.

    Retirado de: http://www.infojus.com.br