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O CIBERESPAÇO E O DIREITO

 

"O ciberespaço é a pátria e a terra natal
da era da informação - o lugar onde os cidadãos
do futuro estão destinados a habitar".
Silvio Alexandre 1




O surgimento de uma nova realidade comunicativa para o homem, a nível mundial, exige o estudo das figuras básicas do direito e da ciência jurídica. A definição, evolução e o estudo do direito devem ser avaliados dentro do novo ambiente. Discute-se qual o resultado de uma análise ôntica e deôntica de conceitos básicos, como "pessoa", "capacidade", "Estado", "ato jurídico", "crime", "quitação", "soberania", "dano", "responsabilidade", de um lado, e "ordenamento jurídico", "norma" e "imputação", de outro, entre outros, nesse contexto.

Para tanto, deve-se, igualmente, analisá-lo, caracterizando-o e delimitando-o, a ponto de se perquirir da configuração de uma nova "dimensão", um novo "lugar" onde ocorre interação humana, definindo o âmbito de aplicação do direito, com imediatas conseqüências na ciência jurídica.

O ambiente referido, através do contato remoto e local entre computadores e sistemas de telecomunicações , tem recebido o nome de ciberespaço. Pergunta-se: Tal figura constitui uma realidade humana e deve receber um tratamento Jurídico ?

O presente trabalho pretende provar que sim, a figura incide com força sobre a realidade humana e deve ser tangenciada pelo direito. A abordagem jurídica é dada se duas formas:

1. - Externa, analisando sua constituição, formação e administração, sob a ótica do raciocínio jurídico lógico tradicional, tomando-se como referencial a figura do bem jurídico tutelado, analisando-se os componentes do ciberespaço (homem, máquina, informática e telecomunicações) sob as óticas doutrinária, legal e jurisprudencial às quais estamos acostumados.

2. - Interna, pensando e sentindo os acontecimentos dentro de um ambiente tido como diferenciado, onde uma grande parte dos paradigmas jurídicos atuais não incide por absoluta impossibilidade física.
 

A abordagem tem como referências as seguintes variáveis:

a.Externas:
-Figuras do raciocínio jurídico tradicional;
-A definição de ciberespaço e seus limites físicos;
-Os componentes do ciberespaço;
-Características legais, doutrinárias e jurisprudenciais.

b. Internas.

-A configuração de um ambiente virtual;
-Características técnicas peculiares;
-Nexo de causalidade entre ações e resultados;
-Comunicação entre seres e máquinas;
-Análise da linguagem natural.
 

Tal abordagem envolve o estudo de diversos elementos, diferenciados, a serem observados individualmente, em ocasião propícia, em trabalhos específicos. Por ora, alguns deles, entre os sugeridos, serão tangenciados, principalmente os externos.

O DIREITO

As discussões tradicionais do mundo jurídico, num primeiro momento, importam ao estabelecimento de referências comuns. O mesmo vale para o direito natural e suas idéias centrais, elencadas por Celso Lafer: 2

Estamos tratando de um universo ainda não tutelado por qualquer figura estatal dotada de supremacia, onde as relações são, no âmbito interno, calcadas puramente na ética e na moral, eis que não é possível, ainda, falar em sanção uniforme e oficial.

Há uma forte tendência de amadurecimento teórico motivada pela reelaboração de conceitos, evento que, em outro momento histórico, atingiu a Teoria Geral do Direito, conforme preleciona o mesmo autor: 3

"A Teoria Geral do Direito sofreu o impacto de Kant por via da pandectística, que marcou a jurisprudência de conceitos, na reelaboração procedida por esta escola, de definições como propriedade, contratos, atos jurídicos, etc., que passaram a constituir um a priori - a parte geral do Direito - que deveria anteceder a análise do Direito Positivo. A influência kantiana contribuiu, igualmente, para o entendimento da Teoria Geral do Direito como uma disciplina isolada, tanto das ciências da natureza - pois em Kant, do ser não se podem extrair conseqüências normativas - quanto da política e da economia - posto que, para Kant, o Direito é um auxiliar da Moral no sentido amplo e uma garantia das liberdades".

A dificuldade do estabelecimento de um conceito de direito, problema atual mesmo no espaço tradicional, ganha dimensões na discussão em curso. Continuamos com Lafer: 4

"Por outro lado, a definição kantiana do Direito como uma relação intersubjetiva ensejou, sobretudo no âmbito da Teoria do Direito Privado, uma resposta à pergunta '0 que é o Direito?', com a afirmação de que o Direito é uma rclação entre um sujeito ativo e um sujeito passivo, caracterizada por um vínculo e garantidas ela sanção".

Embora mais propícia aos círculos do direito privado, a definição apresentada demonstra elementos a serem aproveitados. Porém, a principal dificuldade está em torno da garantia da sanção. Sobre esse aspecto, o texto em análise apresentou uma preocupação que parece ter surgido por encomenda: 5

"A correlação entre um conceito formal de Direito e o fato jurídico concreto permitiu importantes desdobramentos à Filosofia do Direito entendida como uma Teoria Geral do Direito. Entre estes desdobramentos merece destaque o reconhecimento da importância da realidade estatal e, portanto, a insuficiência da definição do Direito a partir do ângulo do Direito Privado como uma relação jurídica baseada no princípio da coexistência, na qual o elemento fundamental é a intersubjetividade e a função principal é a de troca".

A intersubjetividade e a troca traduzem uma dinâmica característica do universo jurídico, captada por Kelsen, e apresentada na mesma obra: 6

"De fato, o que caracteriza o Direito Positivo, no mundo contemporâneo, é a sua contínua rnudança. Por isso, não é possível identificar o jurídico pelo seu conteúdo. Daí a Necessidade de conhecer, identificar e qualificar as normas como jurídicas pela sua forma. A este problema prático Kelsen deu uma resposta teórica de admirável rigor, ao elaborar, no âmbito da teoria pura, o princípio dinâmico do Direito, graças ao qual uma norma é válida não porque tem um certo conteúdo, mas sim porque foi formalmente criada de acordo com as normas previstas no ordenamento. Neste sentido, Kelsen representa, através da redução da teoria das fontes do Direito a uma teoria dos procedimentos para a criação do Direito, o grande exemplo de positivismo jurídico formalista. Ele é positivista, pois o Direito, para ele, ontologicamente não é um dado para ser descoberto ou revelado, mas sim algo criado. Ele é formalista porque a característica da ordem jurídica, enquanto ordem dinâmica, é a de criar normas que têm por função disciplinar a própria criação de normas, o que significa, para Kelsen, que o direito se autoproduz".

Intersubjetividade, troca, dinâmica e autoprodução estão presentes. Porém, como afirmado anteriormente, não há uma figura estatal única, dotada de supremacia, o que impossibilita a chancela de oficialidade da produção normativa. Isto pelo fato de que a principal expressão do universo ciberespacial hoje são as redes internacionais de computadores, cujo grande expoente é a Internet, não havendo um Estado que possa tutelá-la. Sobre a aplicação de um ordenamento jurídico, há um enfoque duplo:

a) com a aplicação da matriz jurídica tradicional, surgiram conflitos de coerência. Num primeiro caso, um usuário brasileiro foi punido por atitudes inconvenientes em pontos de diálogos. O fato de uma punição imposta pelo ordenamento local ser automáticamente eficaz no mundo inteiro viola diversos paradigmas desse mesmo direito tradicional, calcado em princípios racionais, como o da territorialiedade, da anterioridade, da inércia da jurisdição, da ampla defesa e dos limites físicos da coisa julgada. Num segundo, uma decisão judiciária da alemanha impediu a exposição de material pornográfico por uma empresa americana, a qual somente cumpriu, temporariamente, a ordem alienígena por motivos de imagem e mercado. Ocorre que o magistrado alemão acabou por censurar os usuários do mundo inteiro, pois não há possibilidade de restrição parcial ou local de informações, vilipendiando outra dúzia de princípios. A restrição durou pouco.

b) na realidade, as pessoas, no ciberespaço, fazem o que querem, respeitados os limites da natureza, da ciência, da força ou da ética, mas não do direito. Está vigente um ordenamento com peculiariedades mais próximas daquelas encontradas no direito natural, sob uma nova postura. Quando alguém envia, por exemplo, mensagens comerciais em sistema de mala direta, sofrerá, quase certamente, uma punição, do conhecimento de todos: será "entupido", propositadamente, por mensagens de retorno, a ponto de não poder utilizar o correio por algum tempo. Tal sanção tem dois aspetos. Um, positivo, autogestionário, cristalizando uma solução encontrada pela própria comunidade, e aplicada por ela mesma, através de cada indivíduo, sem a necessidade de atuação de um órgão estatal. Outro, negativo, retribucionista, sendo que simplesmente se devolve a outrem o inconveniente causado. Pois bem, como é definida, "universalmente", a atribuição de "má fé", por um processo "racional" ou "intuitivo", à ação de enviar panfletos comerciais na Internet ? Quem valora o ato e diz o direito ?

Na busca por novas características, deve-se conhecer algumas informações adicionais sobre o tema.

O CIBERESPAÇO

É possível conceituá-lo ?

Antes de abordar a questão, é necessário justificar a opção pelo estabelecimento de um conceito, pois, em se tratando de um objeto cercado de virtualidades, tal exercício é positivo. Adequadamente, Ortega e Gasset, nas "Meditações de Quixote", diz que "sem o conceito não sabemos bem onde começa e onde termina uma coisa. O conceito nos dá a forma, o sentido das coisas".

Mesmo diante de tal justificativa, o estudo em curso não o apresenta. Porém, analisamos aqui elementos provavelmente úteis para tanto.

Antes, precisamos conhecê-lo. O ciberespaço é o melhor produto da mais atual das revoluções, identificada pelo mestre Warat: 7

"Barnett Pearce introduce la metáfora del terremoto para referirse a la revolución en las comunicaciones (y el saber de la modernidad, yo agregaría) Si alguno de ustedes estuvo alguna vez en un terremoto sabrá que produce una gran desorientación. Cuando de pronto aquello que siempre consideramos estable (la tierra a nuestros pies o la fuerza de la gravedad) deja de serlo, se siente un profundo vértigo y uno ya no sabe en qué puede apoyarse; o bien para decirlo más literalmente, sobre qué puede estar parado". El terremoto de la revolución ciberespacial".

A visão é multidisciplinar, constatada também por analistas de outras áreas, com enfoque comercial, como Alan Dubner 8, em análise mercadológica:

A velocidade das mudanças é tamanha que, como disse o mesmo autor, "em 1994, quando james Martin (considerado um guru tanto na área de informática como na de negócios) anunciou que, em 1997, todas as empresas estariam interligadas e que a lntemet seria o principal veículo de marketing, parecia uma loucura até para o mais otimista dos visionários. Hoje, apenas dois anos depois, louco é quem não acredita".

O fato é de difícil refutação e as mudanças estão em curso. Vamos à definição do termo, por Warat: 9

"La expresión 'ciberespacio' pertenece a Gibson, autor de ciencia-ficción, que en uno de sus libros mostraba la aterradora situación de un hombre proyectado en una red gigante de informaciones. Diez años despúes de la aparicion del libro la palabra comienza a ganar espacios en el lenguaje académico para definir ese no-lugar en que virtualidad y realidad se mezclan descubriendo horizontes desconocidos que abrirán, creo, simultáneamente puertas del paraíso y del infierno. La gran revolución de la numerización generalizada, la compresión de datos y redes de información imposibles de controlar. La revolución de las redes de información, que hará desaparecer las pautas básicas con que hoy nos movemos, en relación a los saberes, el tiempo y el espacio. Otras realidades bien distintas a las que el conocimiento de la modernidad nos colocó".

Porém, a contextualização apresentada por Willian Gibson 10 é verdadeiramente alucinante:

"No monitor Sony uma guerra do espaço, bidimensional, desaparecida atrás de uma floresta de fetos gerados matematicamente, demonstrando as possibilidades espaciais das espirais logarítimicas; metragem militar azul-frio ardida; animais de laboratório ligados por fios a sistemas de ensaios; elmos alimentando circuitos de controle de incêndio de tanques e aviões de combate. - O ciberespaço. Uma alucinação consensual, vivida diariamente por bilhões de operadores legítimos, em todas as nações, por crianças a quem estão ensinando conceitos matemáticos... Uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz alinhadas que abrangem o universo não-espaço da mente; nebulosas e constelações infindáveis de dados. Como luzes de cidade, retrocedendo".

A definição, na realidade, foi preconizada, anteriormente, por outros autores. Não foi Gibson seu criador, nem o pretendeu, mas quem lhe deu forma e nome. Seus referenciais determinaram os desdobramentos acadêmicos posteriores, como as considerações de Silvio Alexandre: 11

"O ciberespaço é algo amplo e bastante complexo, ele cristaliza a rede atual de linhas de comunicação e bancos de dados num pseudocosmos colorido, uma 'alucinação consensual' através da qual informações e pessoas circulam como se fossem a mesma coisa. Diga-se, esclarece o jornalista Julian Dibbel que, de fato, dados e homens se equivalem no ciberespaço, um 'lugar' onde os cubos, globos e pirâmides de informação são tão 'reais' quanto a própria autoprojeção de uma pessoa. O ciberespaço é a pátria e a terra natal da era da informação - o lugar onde os cidadãos do futuro estão destinados a habitar".

A abordagem encontra fertilidade nas incursões da ficção científica. Porém, cabe um importante destaque: diversas descobertas importantes da história da ciência moderna, ligadas à evolução tecnológica, foram antecipadas pela literatura da ficção. Tal não ocorreu com o ciberespaço. O homem acreditava, antes de ter elementos materiais para tanto, que poderia voar, ir à lua, descer dentro do mar, e até mesmo dispor de mecanismos artificiais que o auxiliasse em tarefas intelectuais. Mas o homem nunca imaginou que produziria tecnologia, equipamentos e comportamentos capazes de gerarem um "lugar" no qual os limites físicos são diferentes dos conhecidos tradicionalmente, como bem descrito: 12

"Imagine descobrir um continente tão vasto que suas dimensões talves não tenham fim. Imagine um novo mundo com mais recursos que toda a nossa futura ganância poderia esgotar, com mais oportunidades do que os empresário poderiam explorar. Um lugar muito particular que se expande com o crescimento.
"Imagine um mundo onde os transgressores não deixam pegadas; onde as coisas podem ser furtadas um número infinito de vezes e ainda assim ficarem na posse dos seus donos originais; onde coisas de que você nunca ouviu falar possuam a história dos seus assuntos pessoais; onde a física é aquela do pensamento que transcende o mundo material; e, onde cada um é uma realidade tão verdadeira como as sombras da caverna de Platão.
"Tal lugar realmente existe, se 'lugar' for uma palavra apropriada. Ele é formado por estados de elétrons, microondas, campos magnéticos, pulsos de luz e pensamento próprio - uma onda na rede dos nossos processamentos eletrônicos e sistemas de comunicação. Costumava-se chamá-lo de "Esfera de Dados" até que surgiu, em 1984 o livro Neuromancer, de Willian Gibson, que lhe deu o nome evocativo de 'Ciberespaço".

Note-se bem: tais palavras, como as do próprio autor, entusiasmadas, somente foram proferidas após a cosntatação de que o fenômeno já existia. Nenhum cérebro humano idealizou, visionariamente, o ciberespaço antes que ele passasse, de fato a ser uma realidade viável.

Após o contato com tais abordagens, é possivel o esboço de uma noção mais palpável do que seja o objeto em tela. Trata-se de um ambiente gerado eletronicamente, formado pelo homem, as máquinas, a informática e as telecomunicações, onde é possível a prática de atos de vontade, dotado de limites diversos dos tradicionais, norteado e dimensionado fisicamente por comprimentos de onda e freqüências, ao invés de pesos e medidas, e não constituído por átomos, mas por correntes energéticas.

ELEMENTOS CENTRAIS

Dentre os seus elementos, todos com sua importância peculiar, o que deve ser objeto de melhor atenção por ora é a máquina, tendo em vista e necessidade de se contextualizar uma visão a seu respeito, eis que os demais, por si só, prescindem de tal.

No dicionário Aurélio encontramos:

Máquina: 1. aparelho ou instrumento próprio para comunicar movimento ou para aproveitar, pôr em ação ou transformar uma energia ou um agente natural. ...
2. o conjunto orgânico das peças dum instrumento;...
8. multiplicidade de coisas que se relacionam entre si.

Não basta somente isso. A rigor, a noção básica de máquina pode ser algo muito simples. Na construção em curso, interessam outras características do objeto. Estamos falando da máquina inteligente: 13

Trata-se, pois, de um mecanismo qualificado. Há uma certa contaminação pelos sabores da informática na máquina inteligente, mas as fronteiras são claras entre ambas. É importante delimitá-las.

Para tanto, vale o exame particularizado da informática, levando-se em conta sua incidência individual.

A INFORMÁTICA E ALGUNS INSTRUMENTOS INDIVIDUAIS

A informática e seus instrumentos unitários (refiro-me às apicações que só podem ser utilizadas por uma pessoa ao mesmo tempo na mesma máquina) apresentam aplicações interessantes na área do raciocínio.

Já tida como ciência, está a nos oferecer aplicativos isolados que se apresentam como ferramentas poderosas de solução dos nossos problemas. A análise de tais objetos é tarefa da informática jurídica.

Há diversas figuras importantes, como coletores de informação, comunicadores, tradutores e outras.

Porém, na esfera do raciocínio estão presentes algumas que despertam muito interesse. A inteligência artificial, os sistemas especialistas e o raciocínio baseado em casos são bons exemplos.Vejamos a primeira: 14

" Inteligência artificial - artificial intelligence
O campo da ciência da computação que busca aperfeiçoar os computadores dotando-os de algumas características peculiares da inteligência humana, como a capacidade de entender a linguagem natural e simular o raciocínio em condições de incerteza.
Muitos pesquisadores da inteligência artificial admitem que a IA falhou em alcançar seus objetivos, e os problemas que impedem seu avanço são tão complexos que as soluções podem demorar décadas - ou até séculos. Ironicamente, as aplicações da Inteligência artificial que, antes, eram consideradas as mais difíceis (como programar um computador para jogar xadrex ao nível dos grandes mestres) acabaram sendo produzidas com razoável facilidade, e as aplicações consideradas, a princípio, como mais tranqüilas (como a tradução de Idiomas) têm-se mostrado extremamente complicadas.
Contudo, as tentativas de dotar os computadores de inteligência foram, sob certos aspectos, compensadoras: elas comprovaram a quantidade inacreditável de conhecimentos que os seres humanos utilizam em suas atividades cotidianas, como decodificar o significado de uma frase falada. Douglas Lenat, pesquisador de inteligência artificial que está tentando transportar para o computador uma boa parte de seus conhecimentos de vida, assinala que o computador não consegue decodificar plenamente nem trabalhar com frases como 'Sr. Almeida está em São Paulo' sem antes registrar uma infinidade de informações como 'Quando uma pessoa está numa cidade, seu pé esquerdo também está na cidade'. Se, algum dia, você já acordou preocupado com a possibilidade de que os computadores estivessem ficando mais Inteligentes que os seres humanos, este exemplo servirá para tranquilizá-lo".

A IA é um instrumento típico da informática, moldada por ela, e o mesmo se diga dos sistemas especialistas. É diferente do raciocínio analógico, pré-existente aos computadores: 15

Ambos diferem do raciocínio baseado em casos. É claro, sabemos, o raciocínio baseado em algum caso é quase tão velho quanto o hábito humano de "andar para a frente". Porém, aqui se trata de uma nova ferramenta da inteligência artificial que utiliza tal nomeclatura: 16

"As aplicações já desenvolvidas de sistemas de RBC são um forte indicativo do potencial do paradigma. Três são os tópicos pertinentes às aplicações que consideramos relevantes: quais os tipos de aplicações são adequados; quais as ferramentas disponíveis para implementação; e quais são as importantes aplicações que podem orientar e ilustrar o potencial dos sistemas de RBC.
Muita das aplicações que podem ser implementadas em um sistema baseado em casos são comuns a outras técnicas de IA. As ferramentas para desenvolvimento e implementação de sistemas de RBC não têm a mesma aplicabllidade do que as "shells" de outras técnicas de IA pela diversidade de estilos de estruturação das bases de dados destes sistemas. Um dos fatores que torna um problema adequado para ser implementado num sistema de RBC é o fato de existir um banco de dados com os casos para utilização. Sendo assim, muitas vezes é mais eficiente desenvolver o sistema com uma ferramenta que seja compatível com os dados disponíveis do que o oposto. Mesmo assim, as seguintes ferramentas servem como plataforma para implementação de sistemas de RBC: ART*Enterprise; CASE-I; CasePower; CBR2; CBR Express.

O Raciocínio Baseado em Casos ( RBC é uma ferramenta de raciocínio da Inteligência Artificial ( IA). A filosofia básica desta técnica é a de buscar a solução para uma situação atual através da comparação com uma experiência passada semelhante. O processo característico de RBC consiste em : identificar a situação atual, buscar a experiência mais semelhante na memória e aplicar o conhecimento desta experiência passada na situação atual.
O desenvolvimento de um sistema de RBC é uma tarefa complexa que não se sujeira a ser formulada através de uma metodologia. Entretanto, há quatro etapas distintas, cada uma com seus próprios desafios, que quando resolvidas, modeladas e implementada compreendem um sistema de RBC. As quatro etapas são:

1. representação dos casos;
2. recuperação dos casos;
3. revisão e adaptação;
4. reutilização, avaliação e aprendizagem.

Porém, a análise de figuras de apoio ao raciocínio não pode ser realizada, aqui, sem a presença da analogia, um dos mais eficazes e pertinentes instrumentos de integração dos comandos do direito.

Segundo Bobbio: 17

"Entende-se por "analogia" o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante. Já encontramos essa analogia quando falamos da norma geral inclusiva: o artigo 12 supracitado pode ser considerado como a norma geral inclusiva do ordenamento italiano. A analogia é certamente o mais típico e o mais importante dos procedimentos interpretativos de um determinado sistema, normativo: é o procedimento mediante o qual se explica a assim chamada tendência de cada ordenamento jurídico a expandir-se além dos casos expressamente regulamentados".

É de utilidade indubitável. A delimitação da análise da semelhança, ponto de contato entre os casos, é necessária: 18

"Para que se possa tirar a conclusão, quer dizer, para fazer a atribuição ao caso não-regulamentado das mesmas conseqüências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que entre os dois casos exista não uma semelliança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas a uelas e não outras conseqüências".

Não pode ser confundida com a interpretação extensiva, nem ambas com o silogismo. Esse possui um mecanismo vertical de obtenção de conclusões, enquanto aquelas se valem de um recurso horizontal, mas, distintamente: 19

"Mas qual é a diferença entre analogia propriamente dita e interpretação extensiva? Foram elaborados vários critérios para justificar a distinção. Creio que o único critério aceitável seja aquele que busca colher a diferença com respeito aos diversos efeitos, respectivamente, da extensão analógica e da interpretação extensiva: o efeito da primeira é a criação de uma nova norma jurídica; o efeito da segunda é a extensão de uma norma para casos não previstos por esta.

O somatório dos instrumentos, espera-se, produzirá bons resultados. Mas o comparativo tem a finalidade de demonstrar o caráter epistemológico da ciência da computação. Assim, como é possível constatar, a máquina é algo físico, a informática não o é necessariamente. Esta é, acima de qualquer outro qualificativo axiológico, conhecimento.

OUTROS ELEMENTOS

As telecomunicações, por sua vez, dependem de ambas, mas não se confundem com nenhuma.

Inobstante, está em voga falar-se em casamento da informática com as telecomunicações, constituindo a telemática, outra categoria diferente que não permite a exclusão de nenhuma das anteriores.

Logo estará chegando, para juntar-se a eles e integrar as definições de ciberespaço, a realidade virtual.

Quanto ao Homem, não se trata de defini-lo, mas sim de apresentar alguns questionamentos : de que tipo de Homem estamos falando ? A quem as novas opções serão oferecidas ? As pérpétuas relações de dominação estão presentes ? Um importante referencial, que não pode demonstrar sintomas de dispersão, é a cidadania, expressão digna de aprofundamentos posteriores e criteriosos, tendo em mente, principalmente, a redução das distâncias sócio-econômicas.

EVITANDO RISCOS

A perpetuação de uma sociedade sombria, injusta e contundente como a atual, ou pior, é algo que deve ser laborosamente evitado. Como salientou Warat, as redes não terão dono e serão incontroláveis, e os resultados podem ser agradáveis ou desagradáveis: 20

"Propongo, copiando un termino de Bunge, . la construcción de un futurible, que seria- como el mismo define: un futuro posible imaginado por alguien . Un esfuerzo para tratar de responder a la pregunta: "qué futuro nos espera ?", especialmente en lo que se refiere a la ecología, la ciudadanía, la subjetividad y la producción social de verdades y valores . Los malestares, tensiones y búsquedas asociadas a esos cinco "ingredientes" socio-políticos en la encrucijada terminal de la modernidad. En el fin de nuestro siglo, muchos se preguntan qué pueden esperar los hombres del próximo milenio.
....................
Los futuribles son preguntas sobre el futuro que no esperan respuesta, que sirven como revelación de una problemática más que como indicador de soluciones. Preguntar para armar una perspectiva que permita buscar las señales del futuro. Preguntas sobre el futuro para sugerir que las cosas no están presas a los determinismos, son evitables. Examinar lo dado para escapar de sus fronteras, la fuga hacia los mejores imprevistos y preferencias del mañana.
....................
Un futurible(emancipatorio) es una reflexión ético-biológica- deseante sobre los criterios de producción del mundo, que puedan ser vistos como aptos para garantizar las condiciones de posibilidad del futuro. Un compromiso de solidaridad con el mañana: una forma de solidaridad con las generaciones que nos seguirán para que puedan vivir sobre condiciones dignas de libertad, salud y existencia material¨.El Derecho al mañana, que debe ser ética y legalmente protegido como el bien jurídico de las generaciones venideras. Sin duda, el lugar donde comienzan a juntarse los Derechos Humanos con la ecología. El futuro de la democracia existencial depende del establecimiento de ese lugar de encuentro.
....................
Estamos delante de la posibilidad de diseñar, acompañando a Bunge , tres modalidades de futuribles para el mundo que se inicia en el año 2000:
a) la extinción de la humanidad ;
b) el retorno a la barbarie ;
c) el avance a una sociedad mundial solidaria , equitativa y austera( emancipada)
....................
En la posibilidad de recuperación del proyecto de las autonomías se encuentran las razones que estructuran el tercer futurible, el de la emancipación.
.....................
Anticipar los horrores del futuro sólo sirve si nos conduce a una nueva apuesta con la vida, si nos permite reinvestir en la propia identidad, si nos ayuda a reinventar sueños: una esperanza que se acepte incompleta. Nuestra apuesta en el tercer futurible: una sociedad solidaria, equitativa , democrática (Bunge no lo dice) y austera( la humanidad tiene condiciones de sobrevivir varios millones de años si altera su desmedido estilo de consumo, planificando, en forma solidaria con las generaciones futuras ,la eficacia de los recursos que emplea , evitando sus impulsos al derroche).

Buscar o caminho da terceira via é algo bastante salutar.

Para tanto, as reflexões críticas sobre a evolução do direito e da ciência jurídica diante de tal universo de acontecimentos são primordiais, fazendo surgir a metajurisprudência 21 ciebernética.

Surge à luz de questionamentos do estilo:

Por quê um conceito jurídico ?
Quais as suas particularidades?
Há de necessidade de tal ?
Trata-se só das grandes redes ?
Quando está configurado o ciberespaço ?
Qualquer conexão por acesso remoto?
Na conexão entre dois computadores, há ciberespaço ?
Qual a natureza da ação humana nesse ambiente ?
Qual a sua ligação com o conceito de direito ?
Qual a colocação sistêmica da Internet ?
Está em curso uma mudança de comportamento humano. Uma das mais rápidas da história, e por motivos pacíficos. O direito tradicionalmente corre atrás delas. Uma mudança de raciocínio está, igualmente em curso ? O Nosso modelo lógico-racionalista oferece respostas razoáveis ?
Os critérios tradicionais de integração do ordenamento podem ser aplicados ?
As noções de norma e ordenamento jurídicos encontram espaço ?
Nesse contexto, qual a relação do direito com as ciências naturais ?
O jurista ve alterada a sua função descritiva apontada por Kelsen ?

Entre milhares de outros.

Devemos ver a coisa sob duas óticas.

Uma, formal, do direito tradicional, do raciocínio lógico. Da lei, da doutrina e da jurisprudência, com abordagem dos acontecimentos do mundo normativo, tomando-se como norte o tradicional conceito de relação jurídica, que traz consigo muitos outros. Estamos falando de precedentes jurisprudenciais, do Sivam, da telefonia celular, dos satélites, do futuro código nacional de telecomunicações (que pretende albergar a comunicação de redes) e da informática jurídica. Estamos falando dos direitos de quarta (ou quem sabe quinta) geração. No âmbito da ciência jurídica, a Teoria Geral do Direito é, talvez o instrumento mais poderoso de que dispomos para análise de tais fenômenos.

Outra, calcada na comunicação rápida, no raciocínio sensorial e emocional, no esgotamento do modelo literal-racional. Estamos falando da superação da linguagem natural, de diabólicos mecanismos de compressão de dados, da comunicação multimídia, da realidade virtual e de outras formas de ver e sentir o mundo. Coisas ainda distantes.

CONCLUSÕES

1. O ambiente antigamente chamado "esfera de dados", onde há interação humana, hoje recebe o nome de ciberespaço, e é uma realidade crescente a cada minuto;

2. devemos acompanhar sua evolução, evitandos os desagradáveis riscos do "futurible", dando-lhe rumos norteados pela cidadania;

3. o direito e a ciência jurídica são bons instrumentos para isso. No âmbito desta, a TGD é a ferramenta capaz de nos oferecer os caminhos mais lúcidos;

4. o estabelecimento de um conceito de ciberespaço parte da análise e ampliação de diversos elementos, alguns dos quais referidos nesse trabalho;

5. as reflexões críticas sobre o relacionamento do direito e da ciência jurídica com esse instituto materializam a metajurisprudência cibernética.


Notas:

1. No texto "O autor e sua obra", anexo ao livro Neuromancer, p. 249.
2. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hanna Arendt, p. 36.
3. Ídem, p. 52.
4. Ídem, ibídem
5. Ídem, ibídem
6. Ídem, p. 53.
7. WARAT, Luís Alberto. Por quem cantan las sirenas ?, p. 52.
8. DUBNER, Alan Gilbert. A era do marketing digital, in "Informática Exame" n° 123, p. 162.
9. WARAT, ob. cit., p. 52.
10. GIBSON, Willian. Neuromancer, p. 56.
11. ALEXANDRE, Sílvio. Texto e obra citados, p. 248.
12. Ídem, p. 247.
13. PFAFFENBERGER, Bryan. Dicionário dos usuários de micro computadores, p. 397.
14. Ídem, p. 347.
15. Ídem, p. 572.
16. WEBER-LEE, Rosina. Raciocíno baseado em casos. Texto apostilado.
17. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 151.
18. idem
19. idem
20. WARAT, Luis Alberto, ob. cit., p 32.
21. A metajurisprudência se constitui na reflexão crítica sobre a jurisprudência de conceitos. 


Retirado de: http://www.iaccess.com.br/~ciberjur/ciber3.html