BUSCANDO SUBSÍDIOS PARA O JUDICIÁRIO
ENFRENTAR
OS LITÍGIOS DE DIREITO DE INFORMÁTICA
Alexandre Atheniense
Com o Direito de Informática o mesmo acontece. Embora ainda não
haja em nossa literatura especializada um
número considerável de obras
doutrinárias neste campo, nem uma vasta coletânea de jurisprudência
colacionadas dos
Tribunais Estaduais e Superiores, é
certo que estamos passando por um rápido avanço nesta área,
compatível com a
própria tecnologia.
No Brasil somente nos últimos cinco anos é que se tornaram
mais freqüentes os litígios envolvendo empresas do
setor, bem como grupos de usuários.
A perspectiva futura, entretanto, nos leva a refletir que este número
contendas tende a aumentar. Se aplicarmos
alguns dados estatísticos levantados
neste ano pela "Computer Law Association", em 1999, há aproximadamente
800.000 novas pessoas diariamente conectando-se
a Internet. O perfil destes usuários hoje não se restringe
às outroras
pesquisas institucionais, mas à utilização
do comércio eletrônico, serviços bancários ou
mesmo prestações de serviço de
variadas naturezas.
Daí poder-se imaginar, quantos problemas surgirão em razão
destes acessos, levando ao Judiciário uma grande
quantidade de assuntos até então
bem pouco explorados.
Não é tarefa das mais fáceis para os magistrados solucionar
pendências dessa ordem porque, o ineditismo faz
com que a grande maioria sinta a necessidade
de afeiçoar às informações e conceitos técnicos
básicos para que estejam
aptos a decidir os conflitos surgidos.
Muitas vezes, as próprias partes ainda preferem optar por soluções
alternativas para dirimir suas desavenças
como a mediação ou a arbitragem,
devido à complexidade técnica desses conteúdos. No
âmbito da nossa cultura legal,
em verdade, à poucas soluções
de razoável êxito na adoção destas medidas são
conhecidas no Brasil, até esta data.
Em razão disto, o que se vê, é a disputa de interesses
levada ao Judiciário, propiciando um debate de assuntos
técnicos, pouco claros à maioria
dos julgadores, causando com isto grande dificuldade na condução
e solução dos
litígios desta área.
É impossível exigir dos nossos Juízes conhecimentos
técnicos atualizados no enfrentamento destes problemas,
pois o mercado de informática é
extremamente mutante, fazendo com que os próprios técnicos
desta área não estejam a
par das mais recentes inovações.
Como advogado e militante há dez anos nesta área, posso sugerir
aos magistrados e usuários de maneira em
geral, alguns informes quanto a utilização
de computadores e programas.
Se considerarmos que a micro informática foi introduzida no Brasil
no início da década de 80, é compreensível
que os problemas jurídicos advindos
do uso de computadores tendam, casa vez mais, a aumentar.
Já naquela época, face a reserva de mercado, o preço
de um micro computador não o colocava ao alcance do
grande público. Somente agora, quando
as estão fazendo uso maciço de computadores, softwares e
da Internet,
começam a aparecer diversos processos
desta área.
Dentre os problemas advindos da Informática, um dos que mais tem
chamado a atenção do Judiciário, são os
problemas envolvendo a ausência de licenciamento
de softwares.
Tendo ciência do alto percentual de cópias desautorizadas
encontradas nas empresas brasileiras, há de se
considerar que este número já
foi bem maior. Hoje a maioria dos empresários tem muito mais consciência
quanto a esta
prática.
Seja pela necessidade de obtenção de suporte técnico
gratuito, troca de novas versões do programa, pelas
severas penalidades aplicadas pela Lei do
Software ou, ainda, pelas campanhas publicitárias encabeçadas
pela
Associação Brasileira de Empresas
de Software – ABES.
Com o advento da Nova Lei do Software (Lei n.º. 9.609, de 19 de fevereiro
de 1998), o Brasil avançou
alinhando-se à tendência mundial
de proteção do software pelo direito autoral (Diretivas do
TRIPS, Nafta e
Comunidade Econômica Européia).
Entendo que esta Lei retroagiu, ao restringir a possibilidade de direitos
morais do
autor do programa , que ficaram restritos
a reivindicação de paternidade, ou autoria, às alterações
não autorizadas, se
essas ocasionarem deformação,
mutilação ou modificação do programa de computador
tais, a ponto de prejudicar
honra ou reputação do autor
( parágrafo 1º. do artigo 2º.).
Pelo que se depreende dos diversos processos, que estão em curso
atualmente no Brasil, quanto a questão de
licenciamento de software várias dúvidas
tem ocorrido quanto a sua condução.
Conforme preceitua a Lei do Software, torna-se necessário ao autor
de programas, a interposição de medida
cautelar de vistoria, com pedido de liminar
"inaudita altera pars" cumulada com busca e apreensão, contra usuário
suspeito de estar fazendo uso irregular de
programas.
Neste particular, a distribuição e o eventual cumprimento
de liminar que defere a realização desta vistoria, tem
como característica o "efeito surpresa".
Isto porque, o usuário ao tomar conhecimento da medida já
estará diante da
presença de dois oficiais de justiça
e dois peritos nomeados pelo Juiz, prontos a darem início ao cumprimento
da
diligência, conferindo todo o conteúdo
dos computadores quanto a eventual existência de algum software do
Autor que
esteja instalado sem a respectiva licença.
Contudo, o "efeito surpresa" muitas vezes é extrapolado pelos "experts"
com o prejulgamento de que o usuário
estaria fazendo uso de softwares não
licenciados muito antes de acercar-se cautelosamente da existência
das respectivas
licenças.
É sabido, por todos, que a política de licenciamento de cada
autor é extremamente diversa, confusa e mutante.
Vários autores de software sequer cedem
um certificado de licença aos usuários, que se valem na maioria
das vezes, na
ausência deste documento, da apresentação
da nota fiscal de compra para comprovação de legalidade.
Sabe-se que na maioria das vezes, os peritos nomeados para este tipo de
vistoria, são noviços nesta tarefa de
conferir licenças de uso de softwares,
não estando preparados à realização de um trabalho
cauteloso e profissional a
altura da responsabilidade que estão
incumbidos.
Por conseqüência, este meio de prova unilateral, é freqüentemente
conduzido somente pelo autor juntamente com
os peritos, na tentativa de se procurar obter
algum subsídio para interpor posteriormente uma ação
ordinária de
indenização.
Já os peritos comumente, têm optado por encerrar o laudo da
forma mais rápida possível, sem dar chances ao
usuários de exibir as suas respectivas
licenças.
Surge daí, como imperiosa, a necessidade de realização
de nova perícia, na fase instrutória da ação
principal,
desta vez, com o acompanhamento de assistentes
técnicos das partes e facultada a elaboração de quesitos.
Nos litígios envolvendo questões de contratação
e pirataria, torna-se imprescindível a análise dos códigos
fontes
dos softwares questionados, para que se possa
aferir com certeza qualquer possibilidade de cópia indevida.
Ocorre que na prática, nem sempre os peritos nomeados carecem de
qualificação necessária na confecção
dos
resultados técnicos e confiável
exame de similaridade entre dois softwares. Com a ausência deste
tipo de comparação,
enseja mais distorções, conduzindo
o Magistrado a erro, já que o mesmo não conseguirá
obter informações técnicas
indispensáveis ao convencimento da
suposta alegação.
Outra advertência válida é quanto ao prejulgamento
de empresas face a acusações de pirataria de softwares por
parte do Autor. Tornou-se fato corriqueiro,
a interposição de cautelares de vistoria sucedidas de notas
publicadas na
imprensa pelos advogados dos autores de softwares,
antecipando-se ao desate do processo, antes mesmo da conclusão
do laudo, anunciando que os usuários
estão sujeitos a pagar indenizações exorbitantes quanto
as supostas
irregularidades de licenciamento.
Este procedimento é repugnante e criminoso, devido aos prejuízos
que poderão causar a imagem dos usuários
que estejam regularmente licenciados. Assim,
antes do trânsito em julgado da sentença, sem que exista algo
de concreto
sobre a alegada falta de licenciamento, qualquer
acusação será pressurosa, comportando reparação
civil, além de
processo criminal.
Tais procedimentos, tornam necessários uma séria e efetiva
reprimenda, sobretudo porque esta prática visa
aquecer o mercado de venda de softwares. E,
para isto, expõem os supostos contraventores, através de
imprensa, ante
a ameaça de pagamento de reparações
consideradas inimagináveis, desfigurando a imagem dos usuários.
Estas ameaças jamais chegam ao final, sendo rara a existência
de algum acordo da justiça, em segundo grau,
impondo ao usuário o pagamento de indenização
por uso indevido de software.
O real interesse dos autores na maioria das vezes, consiste em fomentar
uma solução negociável, ante a existência
de qualquer irregularidade mesmo incomprovada.
Caso a deficiência de licenciamento não seja comprovada durante
o curso do processo, a situação será invertida,
sendo necessária então a iniciativa
dos autores procurando os usuários, mediante uma composição
amigável. De outra
forma, os supostos infratores poderão
acionar judicialmente os denunciantes pelos danos sofridos impostos à
sua
imagem já no início do processo.
O que se espera, a final, é que o Judiciário não fique
indiferente aos avanços do Direito de Informática só
nomeando peritos conscientes e profissionais
conhecedores da complexidade da matéria. Ou aplicando as normas
inerentes a esta área, subsidiando-se
quando for o caso, com técnicos capacitados, sob pena de terem as
suas decisões
sujeitas às revisões superiores
por parte de quem entenda realmente deste advento.