Informática Jurídica, Direito e Tecnologia
Grupo de pesquisa do CNPQ

Resumo feito por André Otávio Luz


DE OLIVO, Luis Carlos Cancellier. O Jurídico na sociedade de rede. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001.

  1. Introdução

Tendo em vista o crescimento da rede mundial de comunicação, conhecida com World Wide Web, vê-se a necessidade de sua regulamentação no que concerne a circulação de mercadorias, bem como a sua tributação. É sob este aspecto que o autor traça as linhas gerais de sua obra. Trata-se de um assunto de ampla aplicabilidade no Direito contemporâneo. A internet evolui rapidamente de um simples instrumento de comunicação para uma plataforma comercial em nível mundial. A comunidade empresarial já tomou consciência do seu potencial como meio de comercialização e de vendas. Atualmente, a sua utilização comercial centra-se sobretudo no domínio da publicidade e encomenda de produtos, encontrando-se em desenvolvimento outras utilizações inovadoras, quer no domínio do comércio eletrônico indireto quer no comércio eletrônico direto. Indireto no que concerne a encomenda eletrônica de bens materiais. O comércio eletrônico direto subtende-se a encomenda feita por via eletrônica, bem como a entrega de produtos e serviços em linha através da rede. Ainda que o mercado se mantenha em uma dimensão reduzida, em termos absolutos, a rede está a expandir-se rapidamente e a tornar-se cada vez mais sofisticada.

  1. Geração de Direitos

Norberto Bobbio, em seu livro “A era dos direitos”, realiza a divisão dos direitos classificando-os em direitos de primeira geração, de segunda e terceira geração. Entre os primeiros se encontram os direitos individuais, que deram base para a formação do Estado moderno; são os direitos da liberdade. Entre os segundos estão os direitos sociais, que incluem os sujeitos num contexto social, pressupondo a intervenção do Estado na realização da justiça social; são os direitos da igualdade. Por último, nos deparamos com os direitos transindividuais, coletivos, que envolvem os consumidores e o meio ambiente; são os direitos da solidariedade. Oliveira Júnior acrescenta mais duas gerações de direitos definidos como direito de quarta e quinta geração. Aqueles são os direitos de manipulação genética, da biotecnologia, da bioengenharia, que envolvem o debate sobre a bioética. Enquanto estes são os direitos da realidade virtual, da informática e da internet. É sobre os direitos de quinta geração que se situa o debate da tributação na internet ou cibertributos, assim denominados pelo autor.

  1. Experiências internacionais: IVA da EU

Em 1997, a União Européia designou uma comissão de especialistas no intuito de desenvolver uma programa de sistema fiscal que estabelece-se: segurança jurídica e neutralidade fiscal. Segurança jurídica no sentido de que as obrigações fiscais tenham por finalidade a clareza, transparência e previsibilidade. Por neutralidade fiscal subtende-se que as novas atividades comerciais, subtendidas como comércio eletrônico, não estejam sujeitas a encargos maiores do que o comércio tradicional. Sob este aspecto que surge o IVA (Imposto por Valor Agregado). O objetivo da comissão foi o de garantir que este novo tipo de comércio possa desenvolver-se num ambiente fiscal com um mínimo de encargos, entendendo que, caso seja necessário proceder a alterações legislativas, estas não deverão beneficiar ou prejudicar o comércio eletrônico relativamente a outras formas de comércio. Quanto ao IVA entendeu a comissão que é aplicável à globalidade das entregas de mercadorias e prestação de serviços a União Européia. No âmbito da União Européia a entrega de mercadorias e a prestação de serviços estão sujeitas a imposto ao abrigo das atuais disposições do IVA.
Principais orientações da comissão:
  1. No domínio da fiscalidade indireta todos os esforços se devem centrar para adaptar os impostos existentes, em especial o IVA, a fim de fazer face a evolução do comércio eletrônico. Não estão previstos quaisquer impostos novos ou suplementares.
  2. Uma transação através da qual um produto é colocado à disposição sob forma digital através de uma rede eletrônica deve ser considerada, para efeitos do IVA, uma prestação de serviços.
  3. O sistema comunitário do IVA deve garantir que os serviços introduzidos no consumo, na UE, independentemente de serem ou não prestados por via eletrônica, sejam tributados no território da UE, qualquer que seja a sua origem, e que tais serviços prestados por operadores comunitários e consumidos fora da UE não seja sujeitos a IVA no território da UE, podendo o correspondente IVA a montante ser passível de dedução.
  4. O cumprimento da obrigações por parte de todos os operadores no domínio do comércio eletrônico deve ser o mais fácil e simples possível.
  5. O sistema fiscal e seus instrumentos de controle deve garantir que a tributação seja efetivamente aplicada à prestação de serviços por via eletrônica na UE, tanto às empresas como aos particulares.
  6. Sob reserva da adoção de condições uniformes em nível comunitário, as administrações fiscais devem proporcionar aos operadores que participam do comércio eletrônico os meios necessários ao cumprimento das suas obrigações fiscais em matéria de IVA através de declarações e de uma contabilidade por via eletrônica.

4. Experiências em território nacional

4.1. Procuradoria geral da Fazenda nacional
Este órgão público foi pioneiro em utilizar os recursos da internet no sentido de aproximar o contribuinte da administração tributária.
Serviços pela PGFN:

  1. Certidão negativa quanto à dívida ativa da união.
  2. Serviço de emissão de documento de arrecadação receitas federais (DARF) para pagamento de dívida inscrita.
  1. IPVA
A cobrança do imposto sobre a propriedade de veículos automotores referente ao ano de 2000, pode ser cobrada via internet no Estado de São Paulo.

  1. Imposto de renda
No ano de 1999 cerca de 11 milhões de contribuintes fizeram suas declarações de imposto de renda, sendo que, destes, 60% utilizaram a internet.

  1. Tributação do comércio eletrônico
Como vai ser exercido o poder de tributar nas novas formas de criação e circulação de riquezas em que se constitui o comércio eletrônico?
Luna Filho: Como conciliar as exigências estatais e manter e preservar suas fontes de receita quando se passa de uma economia sustentada pelas trocas e circulação de bens materiais tangíveis para uma nova economia centrada na informação?
Como tributar transações correntes na internet adequando as operações virtuais e o poder de tributar as condições atuais de nossa economia e dos estatutos jurídicos vigentes?
Opinião de Luna Filho: Para ele o que se tem na internet é a conversão de uma economia baseada em trocas de mercadorias e serviços palpáveis para outra economia em que se dá a conversão desses bens serviços e valores para a sua expressão virtual projetando-se do plano material ao plano dos inputs e bits eletrônicos. Tributar, então, o que está acontecendo na rede, segundo a visão do legislador da era pré-internet, é uma imprevisão. Nosso sistema tributário não foi concebido para uma economia que não fosse centrada na produção e propriedade de bens materiais.
Opinião de Marcos A. C. Souza: No que diz respeito à tributação dos serviços e produtos disponibilizados no ciberespaço, tem-se tentado a incidência da legislação fiscal, o que gera inúmeras discussões sobre a regularidade dessa exação. Em princípio pode parecer favorável ao empresário a falta de disposição tributária quanto a internet, porém é necessário que se considere a quase inevitável possibilidade de que a questão sobre a incidência dos produtos nestas atividades venha a atingir as vias judiciais. A falta de lei específica possivelmente concederia margem à incidência de bitributação, bis in iden ou cobrança indevida de impostos, diante da incerteza sobre a titularidade da competência tributária para a taxação dos lucros das atividades comerciais que se realizam no ciberespaço.

  1. Imunidade para o comércio eletrônico

Não existe previsão legal para tributar o tráfego de dados, da mesma maneira como não existe previsão legal para tributar-se o envio de mensagens por fax através de linha telefônica, uma vez que o fato imponível, nesse exemplo, será e permanece sendo a comunicação telefônica ou o ato de conectar dos aparelhos telefônicos por meio dos sistemas instalados e operados pelas empresas de telecomunicação.
A venda de bens materiais utilizando canais de divulgação, publicidade e contato mediato entre fornecedor e consumidor, possibilitados pela internet não diferem da venda por correspondência ou por telemarketing, sendo este já tributados com operação estritamente comercial, cujo fato gerador é a mera tradição da mercadoria física, ou a sua saída do estabelecimento do vendedor.
Impossibilidade de cobrança de ISS e ICMS. Isto se deve pelo fato de não existir previsão legal.
Projeto de lei 1.589/99 Estado de São Paulo.

  1. ICMS para o provedor

É possível tributar, através do ICMS, a atividade do provedor, pela via conceitual do serviço de comunicação? Para responder esta pergunta faz-se mister desenvolver o conceito da atividade do provedor em face do conceito de serviço de comunicação tributado pelo ICMS. A palavra provedor tem dupla significação no campo da internet: de um lado significa aquele que alimenta a rede com informações e, de outro, significa aquele que viabiliza a conexão de alguém à rede. Ambos atuam como um elemento de ligação entre a grande rede e o usuário. Tendo em vista esta conceituação, passaremos à interpretação da lei. O ICMS incide sobre todas as prestações de serviço de comunicação por qualquer meio. Assim sendo, os provedores de internet devem recolher ICMS sobre os serviços de comunicação prestados. Esta interpretação não é satisfatória tendo em vista que a introdução dos dados na rede pode ser equivalente à comunicação a fim de se ter o fato gerador do serviço de comunicação. O serviço de comunicação no caso, é a própria internet, uma vez que ela sim propicia a transmissão do pensamento humano. A atividade de abastecer tal serviço com as informações necessárias a um eventual movimento econômico não pode ser confundida com o mecanismo complexo da rede. Desta forma, percebe-se que não se pode tributar, via ICMS, nem o momento de planejamento bem como a própria isenção dos dados. Tais comportamentos escapam à subsunção do serviço de comunicação. Quanto ao aspecto do provedor de acesso não incide a tributação do ICMS, pois ela tem por missão viabilizar o acesso a rede internet do usuário, através de linha telefônica ou de outro meio adequado, sendo que, no caso da linha telefônica, o serviço de telefonia já é tributado através do ICMS. Caso fosse cobrado o ICMS estaríamos diante do princípio bis in iden. O provedor de acesso é a chave que destranca a porta da internet, mas não é a realidade virtual proporcionada por ela. Incabível sua tributação com suporte no conceito de serviço de comunicação.

8. Provedor é serviço de valor adicionado

De acordo com a lei 9.295/96, em seu artigo 10o, parágrafo único, classifica o provedor como um serviço de valor adicionado. A Constituição Federal, que no seu artigo 155, inciso II, estabeleceu que é da competência dos estados e Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. A Lei Complementar 87/96, em seu artigo 1o, repete esse dispositivo e, em seu artigo 2o, inciso III, esclarece que o imposto incide sobre prestações onerosas de comunicação, por qualquer meio, inclusive geração, emissão, recepção, transmissão, retransmissão, repetição, ampliação de comunicação de qualquer natureza.
Sobre este inciso III, do artigo 2o, Allaymer Bonesso traz à colação a lição de Roque carrazza, para quem “a regra matriz desde ICMS é, pois, prestar serviços de comunicações. Não é simplesmente realizar a comunicação (...) Nota-se que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita, mas sobre a relação comunicativa, isto é, a atividade de, em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições para que a comunicação ocorra.
Decreto lei 177/91: a exploração de serviços de telecomunicações como a execução de atividades necessárias e suficientes para possibilitar e efetivamente realizar a transmissão de sinais de telecomunicações entre estações. ABRANET: as atividades dos provedores não são necessárias e suficientes. Por esta razão são enquadrados como serviços de valor adicionado.

  1. O imposto sobre o software de prateleira

Software de prateleira é aquele elaborado para generalidade de certo tipo de usuário, que é gravado em série, em uma certa quantidade de veículos materiais que são mantidos em estoque e colocados a disposição dos interessados em usar o software. As decisões que concluem pela incidência do ICMS sobre o software de prateleira tem como premissa que as operações de comercialização desse tipo de software no mercado varejista seguem o modelo geralmente adotados por outras obras intelectuais gravadas em série para comercialização em massa. (p. 46 e 47)

  1. Livro eletrônico e imunidade tributária (p. 48 à 56)

Questão de grande relevo é a de saber se a imunidade concedida pelo artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal de 1988 alcança os disquetes de computador e similares, cujo conteúdo seja composto de arquivos de dados equivalentes ao conteúdo dos livros, também chamados livros eletrônicos.
Nada obstante os disquetes e similares também possam ter conteúdo diverso, tais como programas feitos sob encomenda ou em larga escala2, o presente estudo tratará apenas dos referidos livros eletrônicos.
O avanço tecnológico que presenciamos desde a promulgação da Constituição de 1988 foi surpreendente. Referido progresso nos leva a crer que, cedo ou tarde, o livro eletrônico predominará sobre a versão de papel. Tal fato empresta ainda mais relevo ao tema aqui tratado.
Parte da doutrina tem se manifestado no sentido restritivo da norma imunizante, que não alcançaria os livros feitos de outro material que não o papel3, razão pela qual a questão está a merecer esclarecimentos.
É o que se procura fazer por meio deste texto, na crença de estarmos contribuindo, ainda que modestamente, para a edificação de um verdadeiro Estado de Direito Democrático, que o Brasil pretende ser.
  1. Teses restritivas da imunidade do livro.

OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO, ilustre Consultor da União e Procurador da Fazenda Nacional, em estudo de primorosa feitura e com muito boa argumentação, sustenta que "a extensão, para conferir imunidade aos veículos de topo da atual tecnologia, representaria uma integração analógica, que não é apropriada à espécie."4 Para ele, "talvez o constituinte não tenha pretendido estender a imunidade do livro, jornal e periódico e do papel destinado a sua impressão para o cd-rom e o disquete com programas, as fitas cassetes gravadas, etc., pelo fato de julgar que esses modernos meios de divulgação da moderna tecnologia não requeressem tal benefício, pelo fato de serem, em regra, consumidos apenas, por pessoas de melhor poder aquisitivo, olvidando a conveniência da extensão da imunidade, em comento, para a difusão destes novos meios de veiculação de idéias, conhecimento e informação."`5
Em recente estudo, afirma ser "sensível aos argumentos de que a tendência é a disseminação cada vez maior do uso dos veículos de multimedia, de modo que eles, cada vez mais, convivem com os nossos tradicionais livros, jornais e periódicos, podendo mesmo chegar ao ponto de substituir, completamente, as funções dos livros, jornais e periódicos amparados pela norma constitucional do art. 150, VI, ´d´, mas aí haverá, certamente, emenda constitucional adequada com o fito de conservar a liberdade de expressão de pensamento e da transmissão de cultura e informação, sem a influência política,"6 RICARDO LOBO TORRES, no mesmo sentido, afirma que "não guardando semelhança o texto do livro e o hipertexto das redes de informática, descabe projetar para este a imunidade que protege aquele."7
Para ele, "Não se pode, consequentemente, comprometer o futuro da fiscalidade, fechando-se a possibilidade de incidências tributárias pela extrapolação da vedação constitucional para os produtos da cultura eletrônica."8
Quanto à possibilidade de se atender à intenção do constituinte, sustenta o ilustre Professor: "Quando foi promulgada a Constituição de 1988, a tecnologia já estava suficientemente desenvolvida para que o constituinte, se o desejasse, definisse a não incidência sobre a nova media eletrônica. Se não o fez é que, a contrário sensu, preferiu restringir a imunidade aos produtos impressos em papel."9
Não obstante o brilhantismo de seus defensores, as teses restritivas da imunidade do livro, além de carregadas, data máxima vênia, de inescondível conteúdo autoritário, consubstanciam equívocos e são por isto mesmo insubsistentes, como adiante será demonstrado.

  1. Interpretação adequada da norma imunizante.

As teses restritivas da imunidade em questão, inobstante o respeito que de todos merecem os seus autores, cometem o elementar pecado de cuidarem de norma da Constituição como se de norma de lei ordinária se tratasse, adotando postura hermenêutica absolutamente incompatível com o moderno constitucionalismo, que preconiza métodos próprios para a interpretação constitucional.
Realmente, não se deve interpretar uma norma imunizante como se interpreta norma instituidora de isenção. A norma imunizante de que se cuida foi encartada no texto constitucional para a proteção de valor fundamental da humanidade, que é a liberdade de expressão, sem a qual não se pode falar de democracia. Em vista disso, "deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê."10
A interpretação de norma constitucional sempre inspira cuidados. Atento ao princípio da supremacia constitucional, não pode o intérprete esquecer que a Carta Magna alberga os princípios fundamentais do Estado e que na interpretação de suas normas tais princípios devem ser vistos como um conjunto incindível e não podem ser amesquinhados por força do literalismo estéril que infelizmente ainda domina muitos juristas ilustres.

  1. A hermenêutica constitucional.

O ilustre Professor PAULO BONAVIDES, ao tratar dos métodos de interpretação da nova hermenêutica, ensina que:
"A adaptação da Constituição à sua época preocupa de maneira constante o formulador da nova concepção interpretativa, tanto que ao fator tempo atribui importância capital. Não é à toa que ele assevera ‘viver o Direito Constitucional primia face numa específica problemática de tempo.’ e que ‘a continuidade da Constituição somente é possível quando o passado e o futuro se acham nela conjugados.’
A controvérsia acerca dos métodos no Direito Constitucional é, em última análise, segundo Häberle, uma luta acerca do papel que deve caber ao tempo. A velha hermenêutica, pelo seu caráter mais estático que dinâmico, deve ser vista como instrumento por excelência das ideologias do ‘status quo’.
A interpretação concretista, por sua flexibilidade, pluralismo e abertura, mantém escancaradas as janelas para o futuro e para as mudanças mediante as quais a Constituição permanece estável na rota do progresso e das transformações incoercíveis, sem padecer abalos estruturais, como os decorrentes de uma ação revolucionária atualizadora."11
Com efeito, em ordenamentos como o brasileiro, erguidos a partir de uma Constituição rígida, papel ainda mais importante adquire a interpretação constitucional.
Diante de freqüentes mudanças na realidade, a norma constitucional começa a ter a cada dia menor utilidade, se imobilizada por uma interpretação literal, e rapidamente se fará necessária sua reforma, abrindo-se oportunidade para modificações indesejadas na norma constitucional, com um conseqüente prejuízo para a segurança jurídica.
Por outro lado, se é certo que não devemos interpretar a norma constitucional segundo os métodos da hermenêutica tradicional, induvidoso é que não se pode admitir a prevalência do método, ou elemento literal, sabidamente de franciscana pobreza, e por isto mesmo insuficiente, mesmo para a interpretação das normas infra constitucionais.
E na verdade só através de uma interpretação literal se pode conceber a limitação da imunidade do art. 150, VI, "d", aos livros de papel. Os elementos histórico, sistêmico e teleológico, cada um e todos conduzem ao resultado oposto.
Se utilizarmos o elemento histórico, considerando ser o livro eletrônico a mais moderna forma de livro, inexistente ao tempo da promulgação da Constituição, ou pelo menos de existência ainda não significativa àquela época, e que fatalmente substituirá a versão de papel, inevitavelmente concluímos estar ele também abrangido pela imunidade.
Guiados pelo elemento sistêmico, verificamos que a regra imunizante deve estar em sintonia com as demais normas da Constituição, especialmente com aquelas que consagram os direitos e garantias fundamentais, vetores da interpretação de qualquer norma de nosso ordenamento. E assim, inevitável será a conclusão de que a interpretação abrangente da norma imunizante é a única forma de preservar tais garantias fundamentais.
Utilizando o elemento teleológico, atentando para a finalidade da norma imunizante, concluímos que esta deve abranger inclusive outros meios de difusão do pensamento, e não apenas o livro eletrônico, sob pena de ser tal norma amesquinhada por uma forma de esclerose precoce que em breve a invalidará.
Portanto, mesmo utilizando a hermenêutica tradicional para interpretar a Carta Magna, vê-se que apenas o elemento literal, responsável, sabemos todos, por verdadeiros absurdos quando utilizado isoladamente, nos orienta no sentido de considerar imune apenas o livro, jornal e periódico de papel.
De todo modo, mesmo sem apelar para outros aspectos da doutrina do moderno constitucionalismo, a razão parece estar com AFONSO ARINOS, segundo o qual a técnica de interpretação constitucional "é predominantemente finalística, isto é, tem em vista extrair do texto aquela aplicação que mais se coadune com a eficácia social da lei constitucional. Esta interpretação construtiva permite, em determinadas circunstâncias, verdadeiras revisões do texto, sem que seja alterada a sua forma." 12
Por isto mesmo é importante sabermos da finalidade da norma imunizante, para que se tenha maior segurança no afirmar o seu alcance.

  1. Finalidade das imunidades.

É sabido que o tributo possui outras funções que não a de mero instrumento de arrecadação. Os impostos também podem ser utilizados pelo Poder Público para promover intervenção na economia. É a denominada função extrafiscal do tributo.
Os impostos de importação e de exportação, embora propiciem receita significativa para o Tesouro, são utilizados predominantemente com essa função. O IPI, outro clássico exemplo de extrafiscalidade, incide com variadas alíquotas, dependendo da natureza e da essencialidade do produto. Sobre produtos considerados essenciais, a alíquota é menor, chegando a zero. Para produtos considerados supérfluos, ou de utilização inconveniente, como é o caso do cigarro, e da água ardente ou cachaça, por exemplo, incide a alíquota mais elevada.
Isto mostra que o tributo pode dificultar ou até mesmo impedir totalmente a atividade tributada. O poder de tributar, como já afirmou a Corte Suprema dos Estados Unidos, envolve o poder de destruir. Nas palavras de PINTO FERREIRA, "O poder ilimitado de tributar significa o poder de destruir a liberdade, uma vez que quem controla a segurança econômica do homem também lhe controla a liberdade."13 É fácil, assim, compreender a finalidade das imunidades, que constituem limitação do poder de tributar.
Quando se cogita de imunidade, não se há de pensar em termos dos impostos hoje existentes. A imunidade foi imaginada para proteger o objeto imune contra toda e qualquer forma de imposto. Para excluir o imposto como instrumento de dominação estatal.
Se fosse instituído imposto altíssimo sobre templos de qualquer culto, sem efeito estaria o direito ao livre exercício dos cultos religiosos, assegurado pelo art. 5.º, VI, CF/88. Caso não fosse vedado à União, aos Estados e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, restariam seriamente avariadas as bases da democracia no País. Vedando a tributação recíproca entre União, Estados, Municípios, a Constituição preserva o princípio federativo, evitando sofra este restrições decorrentes de tributação, com a qual uma entidade politicamente forte poderia destruir aquelas dotadas de menor poder político.
É fácil de se ver que a imunidade tem por fim impedir que, através do imposto, o Estado tolha a liberdade, a democracia e a forma federativa, transformando em letra morta os valores democráticos consagrados pela Constituição.
Tais imunidades, por isto mesmo, nem por emenda constitucional podem ser revogadas, vez que o art. 60, §4.º, IV determina que não será sequer objeto de deliberação emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado e Direitos individuais.
Assim, tais imunidades somente diante de uma nova Constituição podem ser revogadas. É a proteção máxima que o Direito pode oferecer, pois somente através de uma reconstrução dele podem ser removidas.

  1. Finalidade da imunização do livro.

Analisando especificamente a imunidade garantida pelo artigo 150, VI, "d", da Constituição de 1988, verificamos ser ela garantia à liberdade de expressão, por ser o livro um veículo de divulgação de idéias, da livre manifestação do pensamento.
Com efeito, se fosse possível a tributação do livro, poderia o Estado instituir imposto esmagador sobre o mesmo, tornando-o inacessível. Esvaziado estaria o princípio constitucional da liberdade de manifestação do pensamento.
Barato o livro, mais viável fica a educação, a manifestação de idéias. A democracia como um todo, pois, como ressaltou PONTES DE MIRANDA:
"Se falta liberdade de pensamento, todas as outras liberdades humanas estão sacrificadas, desde os fundamentos. Foram os alicerces mesmos que cederam. Todo o edifício tem de ruir." 14
Desse modo, o livro eletrônico, além de ocupar espaço físico cada vez menor, ainda é de pesquisa rápida e precisa, devido ao auxilio prestado pelo microcomputador na localização do texto desejado, por exemplo.
Seu conteúdo é o mesmo dos velhos pergaminhos. A diferença está no modo como tal conteúdo é organizado e apresentado. O velho pergaminho, que não possuía índice ou números de páginas cedeu lugar ao livro de papel. Este último, nos dias que ora correm, cede lugar ao livro eletrônico, que possibilita maior armazenamento, maior rapidez nas pesquisas, etc.
São conhecidas de todos os que já se utilizaram de um livro eletrônico suas vantagens sobre os tradicionais livros de papel. Não fosse assim, não haveria porque adotá-los.
Uma das inúmeras vantagens do livro eletrônico é o fato de este conter o texto como hipertexto. Um clique de mouse em determinadas palavras leva o leitor a outras áreas do texto, ou a ilustrações que demonstram o está escrito.
Graças ao hipertexto, caso o autor do livro faça uma referência, um simples clique de mouse sobre tal palavra ou frase marcada é suficiente para que se abra uma outra janela contendo o texto referido.
Se o texto trata de medidas provisórias, e o autor faz referência ao artigo 62 da Constituição Federal, um simples clique sobre a palavra destacada faz com que o artigo da constituição apareça na tela, para eventual verificação. Pode-se dizer que é uma evolução da nota de rodapé.
Caso o livro verse sobre música, e em determinado trecho refira-se à 5.ª sinfonia de Beethoven, um simples clique nessa citação é suficiente para que o computador toque um trecho da música, tornando o estudo prático e proveitoso.
Note-se que o conteúdo permanece o mesmo. O hipertexto não passa de uma evolução significativa da antiga nota de rodapé. O livro eletrônico é o livro de papel evoluído, evidentemente, mas isso não altera em nada sua essência.
Assim, se os livros eletrônicos são a mais nova forma de livro, não configura integração por analogia nem interpretação extensiva a tese que defende sua imunidade. A constituição refere-se a livros, e livros eletrônicos são livros.
Restringir a imunidade constitucional aos livros de papel somente, por outro lado, é fazer distinção onde o legislador não fez, prática condenada até pelos mais formalistas dos hermenêutas.
Grande confusão é feita pelos juristas entre a informática e que através dela se veicula. Desfeita essa confusão, a questão da tributação dos produtos de informática torna-se simples.
A informática é apenas instrumento. É meio. Não se pode questionar se disquetes e similares são abrangidos pela norma imunizante do artigo 150, VI, "d", da CF/88. O que neles está contido é que pode merecer referida imunidade, ou não.
Evidentemente um CD-ROM contendo um videojogo (v.g FIFA SOCCER 98) é diferente de um outro contendo o Repertório IOB de Jurisprudência. O produto de informática, no caso, é somente o meio através do qual se materializa um brinquedo ou um periódico. Em ambos os casos, o meio físico não passa de um CD.
Não se pode discutir, portanto, a tributação de produtos de informática genericamente. O que através do produto de informática é feito ou vendido é que deve ser objeto de análise detalhada.
Se um grande jurista resolve responder consultas através da INTERNET, incidirá sobre tal serviço o mesmo ISS que incidiria sobre a consulta oral ou escrita em papel. Não é pelo fato de ser veiculado pela Internet que tal serviço torna-se imune, pois, na caso, o papel, o disquete ou a Internet são meios através dos quais se veicula o produto da prestação de um serviço.
Admitamos, ainda como exemplo, que uma gravadora decida, além de vender discos convencionais nas lojas, vender as músicas pela Internet. No caso, o usuário faria a cópia do arquivo contendo a música a partir do site da gravadora na Internet mediante o pagamento de um preço. Este arquivo ficaria gravado no disco rígido de seu computador, e poderia ser ouvido quantas vezes desejado. Sobre essa venda incidiria o mesmo imposto da venda realizada no balcão da loja. Isso porque quando compramos um CD em um loja estamos comprando o direito de ouvir as músicas nele contidas. O CD e a Internet, em ambos os casos, apenas "conduzem" o real objeto da compra.
Da mesma forma, o livro pode ser disponibilizado em papel, em disquetes, em CD-ROM ou através da Internet, sendo, independentemente do meio, imune.
Assim, constatamos não ser possível entender a imunidade como abrangente de todos os produtos de informática. Pelo mesmo motivo que o papel abrangido pela imunidade é somente aquele destinado à impressão do livro, o produto de informática imune é somente aquele que constitui meio de materialização de livros, jornais e periódicos.
Não se deve, portanto, confundir software, de uma maneira geral, com livros eletrônicos, ou seja, software cuja essência é um livro; sob pena de se tributar um livro ou de se imunizar o que livro não é.
Portanto, os meios de gravação e disponibilização (disquetes, CD-ROM e similares) não podem, de forma alguma, receber tratamento tributário indiscriminado. O tributo deve ser aquele devido pelo conteúdo e não pela forma.
Pensamos, por isso, que a imunidade alcança também as operações com disquetes e similares virgens destinados à gravação de livros eletrônicos. Os disquetes virgens equivalem, para todos os efeitos, ao papel destinado à impressão dos livros, jornais e periódicos. São instrumentos de transmissão do pensamento, de disseminação cultural, cujo desenvolvimento não pode ficar vulnerável ao poder de tributar.
Com base no que foi exposto neste estudo, chegamos às seguintes conclusões:
a) O disposto no artigo 150, VI, "d", aplica-se também aos livros contidos em CD-ROM, disquetes, na internet, ou em qualquer outro suporte físico, pois:
a.1) A constituição deve ser interpretada a fim de se conceder máxima efetividade às suas normas;
a.2) A constituição deve ser interpretada com o intuito de se adequar suas normas à nova realidade, a fim de garantir sua rigidez e sua supremacia, sob pena de suas regras restarem estioladas com o decorrer do tempo;
a.3) Mesmo que sejam utilizados os métodos tradicionais de hermenêutica, todos levam à conclusão de que o livro eletrônico também é imune, com exceção da interpretação literal, causadora de verdadeiros absurdos quando utilizada de forma isolada;
a.4) Sendo coisas distintas o livro e seu suporte físico, e sendo os Cds, disquetes e similares apenas o mais novo suporte físico dos livros, mesmo utilizando a interpretação literal concluímos ser o livro eletrônico imune, pois, literalmente, é um livro, houve uma evolução no conceito de livro, e onde o legislador não distinguiu (livros...) não cabe ao intérprete distinguir;
b) Da mesma forma como o papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos é imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e periódicos eletrônicos: (CDs, DVDs, disquetes, ou similares que sejam destinados em sua gravação.)

  1. Processo Digital: a recepção da lei 9800/99 pelo Judiciário Informatizado

LEI Nº 9.800, DE 26 DE MAIO DE 1999.
Oriunda do PLS 43/95

(Publicado no DOU de 27.5.99, Seção 1 )

Permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o É permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita.

Art. 2o A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término.

Parágrafo único. Nos atos não sujeitos a prazo, os originais deverão ser entregues, necessariamente, até cinco dias da data da recepção do material.

Art. 3o Os juízes poderão praticar atos de sua competência à vista de transmissões efetuadas na forma desta Lei, sem prejuízo do disposto no artigo anterior.

Art. 4o Quem fizer uso de sistema de transmissão torna-se responsável pela qualidade e fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão judiciário.

Parágrafo único. Sem prejuízo de outras sanções, o usuário do sistema será considerado litigante de má-fé se não houver perfeita concordância entre o original remetido pelo fac-símile e o original entregue em juízo.

Art. 5o O disposto nesta Lei não obriga a que os órgãos judiciários disponham de equipamentos para recepção.

Art. 6o Esta Lei entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação.

Brasília, 26 de maio de 1999;
178o da Independência e 111o da República.


A produção desta lei possibilitou a utilização de sistema de transmissão de dados de imagens, do fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais. Esta lei marca um divisor de águas no que concerne os atos processuais realizados por meio eletrônico, pois dará mais celeridade ao processo e o acesso à justiça ficará mais eficaz, segundo a visão do autor. Em minha opinião foi um avanço, mas a lei possui as suas limitações, não somente formais, mas em decorrência da própria tradição do direito escrito por meio não eletrônico.