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Tempus regit actum
  
 João Francisco Guimarães
 
   

A chamada sociedade da informação ou era da informação trouxe denso referencial econômico às questões literárias ou, quando muito, filosóficas, interpostas por Eliot. O indivíduo normal médio, imerso em bombardeante profusão de informações de todos os gêneros e graus, acaba acumulando conhecimentos tácitos inexprimíveis ou inservíveis.  

O conhecimento tácito tem o efeito perverso de menoscabar a mirabolante infra-estrutura oriunda do arsenal tecnológico dos países desenvolvidos, à disposição das instituições. Na informática, onde as conexões são regidas pela transmissão de sinais digitalizados, tal conhecimento tácito torna-se entrópico e invalida comunicações sob forma digital.  

Cumpre, aliás, citar o paradoxo da informação, evidenciado à medida que se impõe o paradigma neodarwiniano da evolução como princípio fundamental e unificador da dinâmica da criação humana. O paradoxo, a despeito da grande diminuição(!?) dos custos da informação e da pluralidade de acesso às fontes em vigor, contrapõe a proporção (bem) inferior em que cresce o conhecimento acumulado versus o volume ciclópico de informações que lhe dá origem.  

Vale dizer, a propósito, que informação é o dado relacionado ao estado das coisas na realidade circunstante, enquanto conhecimento remete ao conjunto de crenças e percepções acerca do mundo em que se vive. Ocorre ambigüidade interpretativa quando o total disponível das informações relevantes, sobre determinado tema, pode conduzir a inferências ou ilações inconsistentes.  

Alta mutabilidade da tecnologia, implementação rápida de técnicas e táticas do hemisfério norte, sem grande acuro em relação às peculiaridades locais, uso do arsenal tecnológico como meio hegemônico e de marketing das funções, desprezo relativo às regras de negócio na configuração do parque de máquinas são mazelas e desmazelos que rebatem para o inconsciente do usuário, de forma latente e crônica, uma certa insatisfação com a informática.  

Res communis ominium  

Esses primeiros parágrafos repletos de conceitos preparam o terreno para um espaço de questionamento que visa a trazer o uso da informática para a dimensão humana das carências e das necessidades do seu usuário, bem como do seu modo de ver a ferramenta. Se o uso da ferramenta estiver à mercê do próprio técnico a diretriz de maior prestígio - inexorável e, às vezes, insensatamente - será sempre a busca do estado da arte e da tecnologia pela tecnologia. O técnico, então, assume o bônus da aplicação politicamente correta e moderna da tecnologia de vanguarda, restando ao usuário o ônus manifesto da adeqüação e ou desadeqüação do uso diuturno da ferramenta.  

É defeso, por conseguinte, ignorar-se a alta taxa de mutabilidade das táticas, das técnicas e das metodologias de uso e exploração do arsenal informático, bem como seus efeitos, até porque essas são disciplinas e engenhos criativos fundados nos padrões e necessidades primeiro-mundistas - indefectível ponto de partida das tecnologias que aqui aportam.  

Esta ausência quase absoluta de desenvolvimento tecnológico nos países subindustrializados é, portanto, a razão cabal para se fazer presidir à aquisição e modernização do parque computacional a expressa participação do usuário final. O concurso ativo do usuário, estilo desprezado nas repartições públicas, é forma perempta de estabilidade e convergência de objetivos, posto que legitima o aporte das regras de negócio da instituição, qualifica e quantifica a tradição e a cultura no fluxo institucional das informações, corporifica e estabiliza as missões e objetivos dos níveis operacionais e do escalão gerencial médio, enfim, dita as diretrizes básicas que devem colimar os novos investimentos.  

Esse é um problema de todos e, a fortiori, requer a cooperação de todos dado que não há vacina nem procedimentos sistematizados contra os efeitos achincalhantes da mutabilidade da tecnologia. Deve ser dada ênfase às relações entre as pessoas e entre os grupos, nas instituições; basta de reforçar-se a importância da era da informação (para a compra de mais máquinas), importa mais enfatizar o contato, na dimensão física, o contrato, na dimensão institucional, e o compromisso, na dimensão cultural, com vistas à captura dos diferentes aspectos das comunicações entre os servidores e as autoridades de todos os escalões.  

O sucesso é inerente à capacidade de uma dada instituição dar coerência e eficácia ao vínculo existente entre suas várias relações e atividades. A questão fundamental, já em debate nos países desenvolvidos, não é a da tecnologia em si, dado que soberana e suprema é a mensagem e não a infra-estrutura que a transporta..  

O foco das atenções desloca-se da liberação da informação - disciplina bem ao gosto dos técnicos - para o estudo dos resultados da aplicação da tecnologia e sobretudo para analisar-se como é feito e o que é feito com a informação. No âmbito técnico tal colocação é questão de lana-caprina e tem pouca chance de prosperar não só por eclipsar a hegemonia da tecnologia como, até mesmo, por reduzir a probabilidade de contatos e viagens ao exterior.  

Ius resistentiae  

O Direito e seus operadores estão sempre às voltas com hipóteses de conflito; o social e o jurídico são eventos dicotômicos amalgamadores da permanente evolução da espécie humana. No caso da informática nota-se a crescente preocupação no tocante à chamada informática jurídica. Em recente seminário (I Congreso Nacional sobre Internet, Software & Direito, Hotel Glória/RJ; SET.97) juristas de nomeada como Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Prof. Antônio Chaves, Prof. A. Paraguassu Lopes, Prof. Bernardo Ribeiro de Moraes, Prof. Damásio de Jesus, Prof. Henrique Gandelman, Prof. Vicente Greco Filho, Prof. Sergio Bermudes e outros, passaram em revista aspectos clássicos e novas situações relativas ao Direito à Imagem, Direitos Autorais em software, Livro Eletrônico, publicidade na Internet, tributação, mercadoria e serviços - conceitos econômicos -, acesso à Internet, privacidade etc.  

Felizmente o chamado terceiro-mundo, e o Brasil sobremaneira, não está à míngua de "massa pensante", senão de recursos econômicos para quebrar os grilhões da tecnologia neocolonizante (ou seria neoliberalizante?). Não obstante isso urge que se dê respostas hábeisno sentido de aclarar a fronteira cinzenta entre o legal e o legítimo na área do uso do software. Ex facto oritur jus, eis um fato que merece, no mínimo, alguma reflexão: conhecida empresa cadastrou diversos softwares (o que lhe confere o direito à exploração comercial dos mesmos; por exemplo: Sistema de Acompanhamento Processual, sob cadastro no. 53642-3), junto à Secretaria de Política de Informática, do Ministério da Ciência e da Tecnologia (D.O.U. no. 127, Seção 3, de 07.JUL.97, pag. 13900); ocorre que as origens desses softwares foram deflagradas por necessidades específicas de corte superior, entabuladas, implementadas e manutenidas em bases constantes, interna corporis, pela intrincada mescla de servidores públicos e prepostos terceirizados, como prestadores de serviços.  

Lex loci solutionis  

Contato, contrato e compromisso são nuanças das três dimensões essenciais para o bom desempenho da administração pública, a saber: o aranjo físico dos servidores e suas localizações, o ordenamento institucional ou organizativo matriz das missões e objetivos da hierarquia funcional e o escopo cultural avalista das regras de negócio. O perfeito entrelaçamento dessas camadas, de vez que a tecnologia é volátil e apresenta versões de efêmera sobrevida, requer vínculo efetivo e indissolúvel com a instituição e permanência dos princípios de regulação, uso e exploração dos recursos e serviços consoante as necessidades vigentes.  

O estamento da prestação jurisdicional tem liturgia própria e em que pese a débâcle do Estado como cerne das motivações econômicas - máxime dos ventos neoliberais que varrem todos os continentes do planeta -, bem como a ascensão do Direito Econômico, do Direito Internacional e da queda das barreiras aduaneiras e mercadológicas entre as nações - patrocinando tímido e gradual afastamento do Direito em relação ao conceito clássico de Estado -, é lícito pensar-se em termos da estabilidade e preservação daquela liturgia.  

Ora as regras do negócio são assertivas simples que governam a validação, a apresentação e o processamento dos dados da instituição. O técnico da informática acaba assimilando tais regras como mímica do conhecimento lastrado do usuário final, fiel depositário das regras de funcionamento dos processos, atividades e limitações operacionais da instituição.  

Há duas maneiras fundamentais de apropriar-se as regras do negócio, quais sejam: a abordagem orientada para os dados em si, onde as regras definem como a aplicação interage com os dados, e a outra é a abordagem centrada na razão de ser da instituição, onde as regras devem definir as políticas e a lógica do fluxo de comunicações associadas com as aplicações. O foco nos dados é, de longe, o método mais usado.  

Com o foco nos dados o técnico da informática engaja-se fortemente na tarefa de escolher o software de banco de dados, preocupando-se com detalhes operacionais e da interface com a aplicação, de vez que as próprias regras ficarão embutidas sob a forma de gatilhos, algoritmos ou procedimentos, sempre ligadas aos dados. Esse é um momento muito importante para a sobrevida dos serviços, para ser deixado unilateralmente nas mãos dos técnicos.  

A verdade ou o que quer que se aproxime dela, emerge mais facilmente do embate de enfoques contraditórios do que de mentes isoladas com enfoque unilateral; daí, então, que a presença do usuário é sine qua non em todas as etapas do planejamento do uso e da exploração dos serviços da informática. Mais do que simples transparência, a parceria (talvez o termo cumplicidade encaixe-se melhor) com o usuário é a única forma de reduzir-se à expressão mais simples os efeitos penalizadores da taxa de mutabilidade da tecnologia.  

Aliás, a corporificação, dentro da informática, da figura do usuário final é condição necessária para tudo o mais, desde o planejamento de aquisição de hardware e software e estabelecimento de prioridades, passando por adaptações de sistemas do primeiro mundo, formação e superação de culturas típicas do ambiente local etc., até o desenho e assimilação das regras praticadas na liturgia da casa. A garantia da continuidade dos efeitos desses princípios é a própria condição suficiente, que passa pela designação dos dirigentes da informática dentre os servidores de provimento efetivo.  

Embora seja um assunto complexo e levianamente tangenciado aqui, é mister ressaltar pela própria natureza do cargo de provimento efetivo, que o diploma legal que lhe prescreve a nomeação, posse e exercício, determina-se-lhe o dever de lealdade para com a instituição e torna-o, por conseguinte, guardião natural e sentinela avançada dos interesses e objetivos da sua repartição; isso posto, pelo menos metade dos provimentos comissionados, em órgãos de linha, deveria ser dedicada aos servidores da casa, como requisito mínimo de estabilidade. Quando nada desapareceria a ostensiva dualidade onde ficam enredados os objetivos do órgão com os objetivos personalizados de marketing pessoal e de perpetuação da função, mormente quando o comissionado não tem qualquer outro vínculo empregatício ou funcional (o que é de pasmar!).  

De qualquer forma a mensagem que deve ficar é a de que as tecnologias de informação estão provocando e continuarão a provocar transformações substanciais na sociedade deste final de segundo milênio. Trata-se de fazer com que seja dado tratamento adequado àquele conjunto de informações que, de fato, converter-se-á em conhecimento útil.  

As máquinas tenderão a servir, cada vez mais, como elementos de ligação entre as pessoas, cujas dimensões de contato, contrato e compromisso ensejarão a criação de valores cooperativos e definirão os fatores de sucesso de uma dada instituição. Basta que as autoridades maiores assim o decidam e a informática deixará de ser trampolim ou ponte (ou, também, atividade meio) entre uma necessidade e sua eventual solução, para ser o pavimento de todos os caminho, ou seja, mesmo que toda realização da informática não seja uma solução, toda e qualquer solução será, necessariamente, via informática. Quem viver verá!  

 João Francisco Guimarães  
Analista lotado na SEINF/STJ  
Mestre em redes de computadores PUC/RJ  
Estudante de Direito FADI/CEUB  
  
  
  
  
  
 

Retirado de: www.teiajuridica.com/gl/infojus.htm