® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
O significado da modernidade
Paulo
Roney Ávila Fagúndez
“Alguns
juízes são absolutamente incorruptíveis. Ninguém consegue induzi-los a fazer
justiça.”
Bertold Brecht
Introdução.
Quando se procura focalizar o papel a modernidade, quer-se, num primeiro
momento, compreender a transformação que ela promoveu nas vidas das pessoas.
Como os as crianças e os jovens passaram a ser encarados no novo tempo? Foram
considerados cidadãos? São hoje responsáveis? Ou ainda se vive numa sociedade
que discrimina, que considera o feminino como elemento sem maior importância e
que coloca a racionalidade no pedestal, como sinônimo de progresso?
A obra Crítica da Modernidade, de
Touraine, tem como preocupação central a construção do grande projeto histórico
da modernidade, destacando os seus aspectos positivos e negativos. Houve, sem
dúvida, um grande avanço. A humanidade passou de uma sociedade tradicional, alicerçada na fé absurda e na tradição,
para uma sociedade regida pela racionalidade. A importância da análise reside
no fato de que ainda as sociedades ocidentais se organizam à luz da
racionalidade.
A anunciada morte de Deus foi em
decorrência da edificação do império da racionalidade. Agora não se busca uma
explicação sobrenatural para os fenômenos, mas na metodologia científica, nos
caminhos previamente traçados pela ciência para a descoberta da verdade. Deus
não é mais o princípio do juízo moral, mas, sim, a filosofia política dos iluministas.
A ideologia da
modernidade, está alicerçada na idéia de que, com a fragmentação, é possível
compreender a vida. Afirma que há um corpo, que como uma máquina, é composto de
peças. Cadáveres são dissecados nas universidades. O mal pode ser arrancado por
um simples procedimento cirúrgico e invasivo. Os remédios são suficientes para
controlar as moléstias infecto-contagiosas e degenerativas.
A sociedade
moderna é a sociedade da razão. O teológico não interessa, sendo a arte uma
manifestação de segunda categoria, porquanto diz respeito à sensibilidade.
A sociedade
moderna prioriza o positivo, em detrimento do negativo. Sabe-se fazer bem clara
a divisão o bem e o mal, entre o terreno reservado ao império de Deus e do
Diabo. A rigor, todo o bem deve prosperar. O mal deve ser eliminado. Busca-se a
pureza. Os médicos vestem branco. Criminosos deverão ser encarcerados.
Bactérias e vírus deverão ser eliminados.
Vai-se
focalizar, inicialmente, o significado da modernidade, e se é possível dizer
que ela existiu em determinado momento histórico ou ainda é algo a ser
construído.
E mais: a
modernidade se caracteriza pela sociedade de consumo? A modernidade é a
superação do teológico-político? Se é que houve essa superação.
A modernidade
traz uma visão fragmentada de mundo, e que cientificamente quer controlar a
natureza, dominar os seus encantos e submetê-la aos seus anseios de riqueza.
Vírus e bactérias são violentamente atacados por poderosos quimioterápicos.
Tumores são extirpados e bombardeados, como se fossem elementos estranhos ao
corpo. Os agentes dos sistema querem, a todo custo, achar o mal, e eliminá-lo.
Por isso, pode-se afirmar que a grande crise é de percepção, e que há a
necessidade de superação da visão maniqueísta do homem e da história.
Não se pode,
contudo, considerar que há uma modernidade simples. Ela é complexa,
constitui-se, em verdade, numa busca permanente de significado da própria
existência.
É uma busca que
não acaba nunca. Daí falar-se em pós-modernidade significa que já houve a
consolidação de todos os anseios do grande projeto modernista da racionalidade.
A modernidade é
a inauguração de um grande projeto para o homem individualmente responsável
pela sua vida, pelo destino da humanidade.
E que traz uma
cidadania ecológica, que se caracteriza, fundamentalmente, a relação harmônica
entre homens, animais e plantas.
A sociedade
patriarcal se satisfaz com a racionalidade, com o controle da vida e com a
busca de explicações simples para os mais complexos fenômenos.
É uma sociedade que se caracteriza pela
dependência. Dá a impressão de que realmente as autoridades querem combater a
escravidão.
Os especialistas
escravizaram o povo. As autoridades entendem das questões políticas. Os médicos
são os responsáveis pela recuperação da saúde. Os professores são os
responsáveis pela preparação técnica. Os juristas tratam de resolver os
conflitos intersubjetivos. Mas será que os todos os profissionais não tratam da
mesma vida?
O fenômeno
jurídico não é também político? O fenômeno jurídico não é o mesmo fenômeno
político? A doença não é um fenômeno
político? A economia não deverá estar impregnada de ética? A pedagogia não diz
respeito à vida em sua totalidade?
A visão
cirúrgica, compartimentada, fragmentada do universo, não permite que se tenha
uma visão da totalidade, as conexões que existem entre todos os fenômenos.
Todo o avanço
científico se deu no sentido de separar para melhor compreender. Daí a
separação entre homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, raças, credos e
nações.
O organismo
humano ainda continua sendo visto como uma máquina, em que, com a substituição
de peças, é possível resolver as suas moléstias.
Contudo, o que
se vislumbra é uma sociedade doente, composta por sujeitos doentes, governada
por um poder político debilitado, na sua proposta de tudo resolver.
A crise é única.
Em qualquer área do conhecimento se vê o mesmo problema, vale dizer, o
exercício da força para manter o controle da vida.
É como se a vida
pudesse ser dominada. É, sem dúvida, o grande projeto da modernidade, ainda
presente no século XXI. O que se almeja, em essência, é construir grandes
teorias para que os dramas humanos sejam resolvidos. Ou seja, para que as
doenças possam ser “curadas”, para que a violência seja eliminada, que os
problemas políticos e sociais sejam resolvidos, enfim, para que as pessoas
possam viver mais felizes.
A modernidade
sempre surge com uma esperança. Afinal de contas, vive-se um período muito
difícil, em que as pessoas enlouquecidas não sabem para onde ir.
Em verdade, a
humanidade não pensa na realidade da vida, em que tudo flui, em que tudo se
modifica permanentemente, em que toda a verdade relativa..
Vive-se numa
sociedade enlouquecida, carente de valores e que acredita que o ter deve
prevalecer em relação ao ser
O significado da
modernidade.
“O novo surge do próprio seio do velho, e
conserva o que há de bom, no que lhe antecedeu. A coisa nova leva consigo tudo
quanto acumulou de positivo, em seus graus anteriores de desenvolvimento.”
Goffredo Telles
Junior
O que se entende por modernidade? É possível
dizer que a modernidade se consolidou
num determinado momento da História? A modernidade surgiu com a
Renascença? Qual a importância da Revolução Francesa como marco político?
Afinal, pode-se afirmar que nasceu juntamente com as construções dos métodos
científicos? Após Freud passou-se a viver a pós-modernidade ou já a partir de
Marx concretizou-se a modernidade? Fica difícil estabelecer tranqüilamente o
que se entende por modernidade. Ou será que a modernidade ainda vai ser
edificada? O avanço científico não está promovendo a verdadeira construção da
modernidade?
“A idéia de
modernidade substitui Deus no centro da sociedade pela ciência, deixando as
crenças religiosas para a vida privada. Não basta que estejam presentes as
aplicações tecnológicas da ciência para que se fale de sociedade moderna. É
preciso, além disso, que a atividade intelectual seja protegida das propagandas
políticas ou das crenças religiosas, que impersonalidade das leis proteja
contra o nepotismo, o clientelismo e a corrupção, que as administrações
públicas e privadas não sejam instrumentos de um poder pessoal, que vida
pública e vida privada sejam separadas, assim como devem ser as fortunas privadas
do orçamento do Estado ou das empresas.”
Da teologia como
centro se passou à racionalidade da ciência, à possibilidade de controle da
natureza.
“A ideologia
ocidental da modernidade, que podemos chamar de modernismo, substituiu a idéia
de Sujeito e a de Deus à qual ela se prendia, da mesma forma que as meditações
sobre a alma foram substituídas pela dissecação aos dos cadáveres ou o estudo
das sinapses do cérebro . Nem a sociedade, nem a história, nem a vida
individual, dizem os modernistas, estão submetidas à vontade de um ser supremo
a qual devem aceitar ou sobre a qual se pode agir pela magia. O indivíduo só
está submetido às leis naturais...”
A racionalidade
substitui Deus e se torna a senhora toda-poderosa que traz soluções para todas
as aflições humanas. Tudo pode ser explicado e controlado. A natureza é a serva
do homem.
“A ideologia ocidental da
modernidade, que podemos chamar de modernismo, substituiu a idéia de Sujeito e
a de Deus à qual ela se prendia, da mesma forma que as meditações sobre a alma
foram substituídas pela dissecação aos dos cadáveres ou o estudo das sinapses
do cérebro . Nem a sociedade, nem a história, nem a vida individual, dizem os
modernistas, estão submetidas à vontade de um ser supremo a qual devem aceitar
ou sobre a qual se pode agir pela magia. O indivíduo só está submetido às leis
naturais [..]. Vale dizer: constitui um elemento básico da modernidade a “idéia
de que a sociedade é fonte de valores, que o bem é o que é útil à sociedade e o
mal o que prejudica sua integração”
Descartou-se
Deus, como se viu, e, no entanto, passou-se a ver a Ciência como a responsável
pela solução de todos os problemas e como encarregada de descobrir toda a
verdade.
“A idéia de
modernidade está portanto estreitamente associada à da racionalização.
Renunciar a uma é rejeitar a outra. Mas a racionalidade se reduz à
racionalização? É ela a história dos progressos da razão, que são também os da
liberdade e da felicidade, e da destruição das crenças, dos pertences, das
‘culturas tradicionais’? A particularidade do pensamento ocidental, no momento
da sua forte identificação com a modernidade, é que ele quis passar do papel
essencial reconhecido à racionalização para a idéia mais ampla de uma sociedade
racional, na qual a razão não comanda apenas a atividade científica e técnica,
mas o governo dos homens tanto quanto a administração das coisas. Tem esta
concepção um valor geral ou ela nada mais é que uma experiência histórica
particular, mesmo que a sua importância seja imensa? É preciso inicialmente
descrever esta concepção de modernidade da modernização como criação de uma
sociedade racional.”
A verdadeira
modernidade deveria ter compromisso com a justiça. Obviamente que não se trata
de uma justiça formal, falsa, mas de uma justiça vital, verdadeira, que se
constrói a cada instante, criticamente. Uma coisa é a justiça vital; outra, a
justiça formal. A justiça vital deve ser buscada incessantemente, a todo
instante e em todo lugar.
O que a
modernidade deve superar é toda a fragmentação que se operou historicamente.
O que se quer é
uma ética de tolerância, que respeite crianças, jovens e idosos; que não
discrimine pessoas pelo sexo, pela idade, pela situação social, pela opção sexual; que faça com que haja uma convivência harmônica, no corpo da
sociedade, de todos os seres vivos.
A modernidade é
construída a cada instante, com a superação de cada etapa histórica, para que
se possa atingir uma sociedade solidária, de seres livres e responsáveis.
A modernidade é,
em suma, a superação do velho, para que possa nascer o novo. Deve ser entendida
como uma busca permanente de superação dos velhos valores e de construção de
uma sociedade fraterna.
A sociedade
grega clássica se assenta nos valores masculinos. Acredita-se que, desde o
patriarcado, a violência masculina foi exercida em todas as esferas. É claro
que, no plano político, ela se
manifesta mais claramente.
Enaltece-se,
ainda hoje, a organização da pólis grega.
“A pólis, de
certo modo, é um ‘clube de homens’, um sistema de vida em sociedade que
enaltece os valores masculinos e joga nas sombras as mulheres, mães, esposas e
filhas. Entretanto, vozes femininas elevaram-se desde os tempos remotos para
fazer ouvir um som diferente do mundo viril. Os trabalhos de C. Calame
mostraram amplamente de que maneira, ao lado de uma cultura masculina, uma
cultura feminina fez ouvir sua diferença desde a aurora da cidade.”
Então, a
sociedade grega já apresentava os traços masculinos que caracterizam, ainda hoje, a sociedade
política humana. Com a ressalva de que os gregos de que os gregos
proporcionavam às jovens uma educação especializada, “que é uma forma
particular de paidéia.”
A sociedade
moderna precisa de toda experiência histórica para que possa se consolidar.
É claro que,
desde os primórdios, o homem buscou edificar uma sociedade fraterna, solidária,
livre, sendo o marxismo a grande tentativa de encontrar solução para os
intrincados problemas humanos.E repensar o político é fundamentalmente
questionar todas as correntes em que se procura, parcialmentee, respostas para
o anseio de melhores dias, intrínseco
em cada ser humano.
“Também seria
equivocado ater-se à crítica do marxismo. Repensar o político requer uma
ruptura com o ponto de vista da ciência em geral, e, particularmente, com o
ponto de vista que veio a se impor por meio do que se designa ciências
políticas e sociologia política.”
Repensar o
político significa, sobretudo, questionar a estrutura de poder patriarcal e,
fundamentalmente, o paternalismo que resulta na solução de todos os problemas
populares pelos políticos.
Trata-se, na
verdade, em essência, de um Estado que traz respostas para todas as perguntas e
alívio para todos os aflitos. Há um Ministério da Saúde, um Ministério da
Educação, enfim uma pasta para a solução de cada drama humano, como se fosse
possível resolver, de maneira fragmentada, cada problema humano.
A saúde não pode
ser concedida pelo Poder Público. Deverá ser conquistada pelo ser humano
responsável. A educação é um processo que envolve toda a sociedade, em busca,
fundamentalmente, da libertação dos dogmas a todos impostos pelos séculos e
séculos.
A educação deve
buscar uma mudança comportamental. Não se confunde com a transmissão de
conhecimentos.
A grande crise é
do conhecimento dividido, alienado, escravizante.
Precisa-se
inaugurar na humanidade um conhecimento que liberte, que reconheça a
multidimensionalidade dos fenômenos da vida, e que permita o homem encontrar a
verdade nas coisas mais simples.
A sofisticação
tecnológica faz diagnósticos mais precisos, tratamentos cada vez mais violentos
e ataques frontais às doenças. E cada vez mais não se busca compreender às
múltiplas causas que desencadeiam as moléstias. As drogas apenas eliminam os
sintomas. E acreditasse assim que as doenças foram curadas.
Indiscutivelmente,
a humanidade acumulou um grande número de conhecimentos. Porém, carece-se de
sabedoria; não se consegue viver em harmonia com a natureza, respeitando a
vida.
“Note-se que até
os nossos dias, o que se define por saber em nível ocidental é um tipo de
conhecimento ‘interessado no domínio da natureza’ e da própria espécie humana,
‘para o aproveitamento imediato dos conhecimentos. Trata-se, pois , de
filosofia político-econômica que ainda explora o ‘homem pelo homem’, simultaneamente
violentando a natureza, a princípio deixando a impressão de riqueza e de prazer
mas já mostrando a inquetante sensação de perigo, visível pelo mundo afora.
Vê-se, assim, que é um conhecimento elitizado e fundado nos antigos princípios
do imediatismo predatório e do individualismo utilitário ainda bem vivos em
nossos dias nos quais o Direito Ecológico ou Ambiental – mesmo sendo o mais
importante – não consegue ter eficácia, pouco passando de retórica ou do que
chamaria ‘ecologia de papel’. Por isso, até a mensagem judaico-cristã:
‘crescei, multiplicai e dominai o mundo’ precisa ser interpretada com mais
cuidado e maior rigor crítico.”
Conhecer a vida
é uma imposição. Mas deve-se, sobretudo, respeitá-la. Ela é mais complexa do
que se possa imaginar. Historicamente, os métodos construídos dão uma idéia
dividida, isolada dos fenômenos da
natureza.
O homem quer dar
sempre a última palavra, a solução definitiva para os intrincados problemas
humanos.
O poder político
resolve.O Judiciário decide. Aplica a lei, acreditando que é ela o instrumento
adequado para resolver conflitos num regime democrático.
“O que distingue
a democracia é ter inaugurado uma história na qual foi abolido o lugar do
referente de onde a lei ganhava sua transcendência, o que não torna, por isso,
a lei imanente à ordem do mundo, e, ao mesmo tempo, não confunde seu reino com
o do poder. Faz com que a lei, sempre irredutível ao artifício humano, só dote
de sentido a ação dos homens com a condição de que eles assim o queiram, de que
eles assim a apreendam, como razão de sua existência e condição de
possibilidade para cada um de julgar e de ser julgado. A separação entre
legítimo e ilegítimo não se materializa no espaço social, é apenas subtraída à
certeza, porquanto ninguém poderia ocupar o lugar do grande juiz, porquanto
esse vazio mantém a exigência o saber. Dito de outra maneira, a democracia
convida-nos a substituir a noção de um regime regulado por leis, de um poder
legítimo, pela noção de um regime fundado na legitimidade de um debate sobre o
legítimo e o ilegítimo – debate necessariamente sem fiador e sem termo. Tanto a
inspiração dos direitos do homem quanto a difusão dos direitos em nossa época
atestam esse debate.”
Por óbvio, o
termo modernidade não tem um significado unívoco. Todos os que tentaram
determinar com precisão o seu significado se deram mal.
A modernidade,
em todo o tempo, sempre traz o novo, que surge para a superação do velho, como
já se destacou anteriormente.
A modernidade
pode trazer à baile valores antigos. Os pré-socráticos, como Anaximandro e
Heráclito, tinham uma visão holística do mundo, como os orientais. Hoje se
critica a visão fragmentada.
O que se quer no
novo século é recompor o mosaico da vida, reconhecer a ligação que há entre
todos os fenômenos do universo. E construir uma democracia verdadeira, estável,
em que haja a possibilidade de convivência pacífica de todos os seres.
A democracia
verdadeira é total, prevalecendo tanto nas relações políticas, como nas
relações microfísicas de poder. A democracia real deverá se caracterizar pela
ética de tolerância, pelo respeito a todas as correntes de pensamento. A
democracia deverá sempre ser construída e desconstruída, pensada e repensada
permanentemente.
Atente-se para a
advertência feita por Alain Touraine:
“A democracia é
antes de tudo o regime político que permite aos atores sociais formar-se e agir
livremente. São os seus princípios constitutivos que comandam a existência dos
próprios atores sociais. Só há atores se se combinar a consciência interiorizada
de direitos pessoais e coletivos, o reconhecimento da pluralidade dos
interesses e das idéias, particularmente dos conflitos entre dominantes e
dominados, e enfim a responsabilidade de cada um a respeito de orientações
culturais comuns. Isso se traduz, na ordem das instituições políticas, por três
princípios: o reconhecimento dos direitos fundamentais, que o poder deve
respeitar; a representatividade social dos dirigentes e da sua política; a
consciência de cidadania, do fato de pertencer a uma coletividade fundada sobre
o direito.”
A democracia é o
grande sonho dos homens. Só que não se trata de uma democracia política apenas.
Deve ser uma democracia que permita o
uso da palavra por todos, que possibilite a convivência pacífica entre todos os
homens, dos homens com os animais e as plantas, entre todas as nações, entre
todos os planetas, enfim entre todos os seres ...
Mas, mesmo
assim, ainda se vislumbra em todo o mundo, o desrespeito flagrante aos direitos
humanos, numa sociedade universal destituída de ideologia, que destrói o seu
ambiente natural e que busca desesperadamente respostas definitivas para todos
os problemas, respostas para todas as perguntas, fórmulas para todos os
problemas.
“O direito
assume irresistivelmente essa curva maléfica que faz com que, se uma coisa é
evidente, todo o direito seja supérfluo; e, se a reivindicação de direito for
necessária, a coisa está perdida: o direito à água, ao ar, ao espaço atestam a
extinção progressiva de todos esses elementos. O direito de resposta indica a
ausência de diálogo etc.”
Reinvidicam-se
direitos humanos, melhores condições de vida. Quer-se preservar o meio
ambiente. Busca-se tornar realidade uma sociedade solidária. Será que realmente
que se quer uma sociedade melhor para todos?
No entanto, as
autoridades que representam o povo parecem não atuar no sentido de construir
uma sociedade universal, fraterna, livre, comprometida com a vida.
As autoridades
mundiais dão a impressão de que os seus projetos individuais são mais
importantes ou de que a economia ainda é o ramo mais importante do conhecimento
humano. Tudo tem que ser viável economicamente, tudo que tem trazer riqueza,
mesmo que as conseqüências sejam drásticas para o meio ambiente e traga
prejuízos para as pessoas.
A crise da
sociedade de consumo.
“Os corpos são
móveis como rios, e neles a matéria se renova como a água da torrente.”
Heráclito
A crise é uma
expressão que traz em si uma idéia de dificuldade, de empecilho, de embaraço
para se atingir um determinado objetivo. Mas a crise é algo natural, é um
aspecto negativo da vida e que pode ser transmutado em positivo. A crise é
dificuldade e, ao mesmo tempo, é uma oportunidade de mudança. Sem crise não se muda de rumo. Sem
dificuldade não se valoriza a conquista.
Tudo está em
movimento. O momento que se vive não se repetirá. A sociedade de consumo é
apenas uma passagem. A sociedade desigual, que concentra riqueza numa minoria,
não consegue proporcionar felicidade a todos.
“Todas as
coisas, em verdade, estão em movimento. Todo o ser é um movente. O movimento é
o que há de mais absoluto no Mundo.
Ao estudar o
movimento, verificamos antes de tudo, que o movimento é sempre movimento de um
sêr[sic]. Não se compreende um movimento sem um sêr[sic] que se movimente. Logo
o sêr[sic] e o movimento são concomitantes.
Sustentar que o
movimento precede o sêr é sustentar que aquilo que se movimenta não é, ou seja,
que o que é não é. Ora, isto constitui negação do princípio de identidade, e é
um absurdo. Em conseqüência, o que podemos afirmar, de acordo com a evidência,
é o que o sêr suporta o movimento.
Mas esta
conclusão deve ser enunciada com cautela. Depois da descoberta de que a
micropartícula é corpúsculo e onda, não parece impossível que o sêr , que se
movimenta, seja também movimento. Não parece impossível que movimentos existam
que sejam movimentos de movimentos. Note-se que isto não invalidaria a
afirmação de que o movimento é sempre movimento de um sêr[sic], como bem sabem
os filósofos.
Havendo movimento,
um sêr[sic] ou muda de lugar ou se transforma. Os movimentos ou são de
transporte ou de transformação.”
O universo vive
em ciclos. As coisas vão e vêem permanentemente. A mudança é a regra do grande
jogo da vida. Da sociedade primitiva à sociedade industrial, foi um passo para
se chegar à dita sociedade de consumo, que tudo oferece a preços módicos. Tudo
é criado e tudo pode ser adquirido, até mesmo a felicidade. Será?
Hoje vive-se numa sociedade em
que a tecnologia ganha hoje um papel de destaque. A sociedade capitalista necessita dela para que haja a
felicidade, de, em cada lar, existir, pelo menos, um televisor, um aparelho de
videocassete, um carro. A sociedade de consumo proporciona tudo, promete
felicidade, claro que mediante um determinado custo econômico. Enfim, ela quer
que haja paz, para que se atinja a alegria.
Os alimentos são
refinados. Deles são retiradas as fibras, vitaminas e sais minerais. Há uma
alimentação altamente degenerativa. Os alimentos são destituídos dos elementos
vitais para a vida. Assim, as pessoas devem recorrer às farmácias para suprir
dos nutrientes necessários. E os medicamentos químicos não conseguem corrigir
os defeitos e desequilíbrios orgânicos.
Pelo contrário,
as drogas produzem novos desequilíbrios, tendo em vista que são compostos por
elementos químicos, sintetizados, estranhos ao corpo e que somente atacam os
sintomas da doença, vale dizer, não combate as causas desencadeadoras das
moléstias.
Na sociedade de
consumo o homem só serve na qualidade de promotor de lucro. O desrespeito é
total. Os produtos desnaturados, quimificados, carcinogênicos, degenerativos,
são livremente vendidos nos supermercados e lojas, sem que o Estado esboce
qualquer atitude de rejeição em relação a eles.
O que traz a modernidade,
afinal de contas?
“A força
principal da modernidade, força de abertura de um mundo que estava cercado e
fragmentado, se esgota à medida em que as mudanças se intensificam e aumenta a
densidade em homens, em capitais, em bens de consumo, em instrumentos de
controle social e em armas.”
A modernidade
nasceu para se esgotar, para se aperfeiçoar, para ser superada.
“Este
esgotamento da idéia de modernidade é inevitável, já que ela se define, não
como uma nova ordem, mas como um movimento, uma destruição criadora, para
retomar a definição de capitalismo de Schumpeter. O movimento atrai aqueles que
durante muito tempo se fecharam na imobilidade; ele cansa, torna-se vertigem
quando é incessante e não conduz senão à própria aceleração. Por ser a modernidade
uma noção mais crítica que construtiva, ela requer uma crítica que seja por si
mesma hipermoderna, o que protege contra as nostalgias que, sabemos, tomam
facilmente uma aparência perigosa.”
A modernidade
traz uma proposta de ruptura. Será que, efetivamente, se consolidou ou essa é
uma busca permanente da humanidade? Será que se chegou já à pós-modernidade ou
jamais se conseguirá construir a verdadeira modernidade? A modernidade é um
conceito em permanente edificação?
“Como podemos
falar de sociedade moderna se nem ao menos foi reconhecido um princípio geral
de definição da modernidade? É impossível chamar de moderna uma sociedade que
procura acima de tudo organizar-se e agir segundo uma revelação divina e uma
essência nacional. A modernidade não é mais pura mudança, sucessão de
acontecimentos; ela é fusão dos produtos da atividade racional, científica,
tecnológica, administrativa. Por isso, ela implica a crescente diferenciação
dos diversos setores da vida social: política, economia, vida familiar,
religião, arte em particular, porque a racionalidade instrumental se exerce no
interior de um tipo de atividade e exclui que qualquer um deles seja organizado
no exterior, isto é, em função de sua integração em uma visão geral, da sua
contribuição para a realização de um projeto societal, denominado holista por
Louis Dumont. A modernidade exclui todo o finalismo. A secularização e o
desencanto de que nos fala Weber, que definiu a modernidade pela intelectualização,
manifesta a ruptura necessária com o finalismo do espírito religioso que exige
sempre um fim da história, realização completa do projeto divino ou
desaparecimento de uma humanidade pervertida e infiel à sua missão. A idéia de
modernidade não exclui a de fim da história, como testemunham os grandes
pensadores do historicismo, Comte, Hegel e Marx, mas o fim da história é mais o
de uma pré-história e o início de um desenvolvimento produzido pelo progresso
técnico, a liberação das necessidades e o triunfo do Espírito.” .
Com efeito, a
modernidade não pode ser definida. Ela é um desafio lançado à humanidade,
permanentemente, para que se encontrem novos caminhos, para possam ser
superadas as dificuldades e para que as pessoas consigam viver um pouco mais a
fraternidade da solidariedade.
A modernidade
sempre é portadora de novas idéias, e quem sabe buscando a superação dos seus
próprios projetos. Fica difícil definir também que projetos são esses.
Delimitar as
propostas da humanidade é impossível. Há sempre um anseio de liberdade, de
justiça e de paz. Mesmo assim, as guerras são produzidas para satisfazer os
interesses financeiros dos fabricantes de armas ou dos fabricantes de remédios.
Há uma indústria
da morte sempre presente. A saúde é algo revolucionário, porque não dá lucro a
ninguém. Sem a doença não se teria o crescimento vertiginoso da indústria
farmacêutica que traz drogas cada vez mais sofisticadas, com seus
“maravilhosos” efeitos colaterais.
Sem falar do
efeito iatrogênico, que possui todo o arsenal químico, é utilizado para atacar
os sintomas das moléstias.
Por que isso?
Porque a necessidade de se evitar as grandes internações hospitalares dos
trabalhadores. Os medicamentos que resolvem de imediato as moléstias permitem o
retorno mais rápido do operário à produtividade, vale dizer, à geração de
lucros dos empresários.
A medicação que
preconiza uma cura mais suave, real, não serve. Se o homem levou anos
contraindo uma doença, com vai erradicá-la definitivamente em dias? Como atacar
uma doença só levando em consideração o órgão no qual ela está instalada? Como
se vai superar a moléstia se for considerada um mal, quando ela é produzida
pelo próprio corpo, com o objetivo de estabelecer o seu equilíbrio? Como se
considerar a doença como apenas uma manifestação fisiológica, quando corpo e
mente compõem uma unidade? Como conseguir uma cura definitiva quando se sabe
que a saúde é um conceito relativo, que envolve aspectos fisiológicos, mentais
e sociais?
Na sociedade de
consumo, que pode ser considerada o ápice do projeto de modernidade, tudo (ou
quase tudo) é descartável. É a sociedade das facilidades, dos produtos
industrializados, dos alimentos repletos de aditivos químicos, dos medicamentos
que resolvem todas doenças.
Vive-se uma
grande revolução tecnológica, indiscutivelmente.
Ela traz
respostas para os anseios humanos, porém traz novos questionamentos.
Velhos problemas
ressurgem. As técnicas modernas não conseguem contorná-los.
A sociedade de
consumo traz o sonho possível, vale dizer, que possa ser suprido como
necessidade. Só que a cada dia surgem novas necessidades, novos produtos, novos
sonhos, novas tristezas.
As necessidades
são criadas pela mídia, especialmente pela mídia eletrônica, que tem uma grande
penetração no povo, na sociedade de massa angustiada, oprimida e terrivelmente
manipulada por tudo e por todos.
Mas o ser humano
é mais do que a pseudomodernidade imagina. Não tem apenas um aspecto
fisiológico. É energia, alma, unidade, pluralidade, complexidade.
Nem o que
Descartes pensava a respeito dele.
“Descartes se
liberta da idéia de Cosmos. O mundo não tem mais unidade; ele nada mais é que
um conjunto de objetos oferecidos à pesquisa científica, e o princípio da
unidade passa ao lado do criador que só é compreendido através do pensamento de
Deus, portanto através do Cogito cujo procedimento está em oposição ao
idealismo. A consciência é tomada na sua finitude, na sua temporalidade. Assim
como o homem não se identifica completamente a Deus, Deus não deve ser
transformado em um ser temporal e histórico a exemplo do homem. Este está entre
Deus e a natureza.”
Indiscutivelmente,
houve um grande avanço. A separação foi fundamental para que houvesse o avanço
científico. Antes disso, tudo era manifestação da vontade de um Deus soberano,
que tudo controlava e que tudo determinava.
Só que a ciência
buscou num primeiro momento explicações materiais a respeito dos fenômenos da
vida.
Mas o homem é
mais que do que corpo; possui uma mente transcendental e uma alma que perpassa,
indestrutível.
“Essa dupla
natureza do homem, ao mesmo tempo corpo e alma, está também no centro do
pensamento de Pascal. ‘O homem é o mais prodigioso objeto da natureza; pois ele
não pode conceber o que só é corpo e ainda menos o que só é espírito e menos
que só é espírito e menos que qualquer coisa como um corpo pode estar unido a
um espírito. Este é o máximo das suas dificuldades e entretanto é seu próprio
ser.’”
A sociedade de
consumo proporciona tudo, saúde, segurança, beleza.
A segurança é
proporcionada por uma estrutura de poder patriarcal, machista, militarizada,
gera mais insegurança.
Hoje o mundo
está diante de um dilema seríssimo: o que fazer com o sistema penitenciário?
“Os cárceres
são, na realidade, um espelho da violência de um sistema que pretende manter os
desfavorecidos economicamente à margem do corpo social, sistema no qual as
cadeias abarrotadas explicitam muito mais o caráter vingativo da pena, do que
qualquer possível proposta socializadora.”
Em decorrência
da visão fragmentada e externa que permite ver separadamente e externamente o
mal, nas penitenciárias se derrama todo o mal da humanidade. E nos hospitais
estão os doentes.
Quando o tecido social adoece, a parte
negativa dele é retirada, numa demonstração inequívoca da visão maniqueísta. O
mal é visível, pode ser identificado e afastado. E o mal é externo, consegue-se
percebê-lo sempre no outro.
O negativo não
está presente em cada célula, em cada átomo, para que a vida se realize na sua
plenitude? Claro que sim, haja vista que, sem as polaridades, não há o
equilíbrio desequilibrante, que se recicla permanentemente para que a vida
possa existir.
Quando uma
pessoa adoece, o seu mal é atacado. Os processos cancerosos e infecciosos são
atacados por poderosos quimioterápicos. A cirurgia, por sua vez, é a grande
arma que dispõe a técnica médica para a eliminação do câncer. Para a AIDS, está
reservado um arsenal químico potente.
Como no ataque à
criminalidade, também agindo contra a doença o terapeuta quer eliminar o mal. A
patologia, tanto individual quanto social, vem sendo tratado como um elemento
externo, estranho ao corpo.
A violência é um
fenômeno tão simples assim, que pode ser combatido simplesmente com o aprisionamento
dos maus.
A sociedade de
consumo vê apenas partes do todo.
Ela não vê o
homem humano, que não quer explicações
definitivas, e que tem uma percepção da totalidade.
“A perfeição do
Homem é diretamente proporcionnal à clareza de suas experiência intuitiva, do
seu ‘élan vital’. O homem intuitivo é o rei dos realistas. A intuição percebe o
TODO antes de suas partes posto que essas partes não passam de manifestações
parciais, incompletas e sucessivas deste mesmo TODO, o qual é completo e
simultâneo, não sujeita às leis do espaço-tempo. O intelecto percebe as partes
antes do TODO.”
O homem moderno
deverá ser mais sapiens que demens, mais intuitivo que racional, mais feminino
que masculino, mais sensível.
Só assim se
conseguirá superar a estrutura patriarcal de poder, opressora, racional,
dominadora da natureza.
A sociedade de
consumo é positiva, porque traz ao alcance de todos o que nem se imaginava há
algum tempo atrás. Porém, tem-se que ter a capacidade de separar o essencial do
acidental, o importante do secundário.
Surge na
modernidade o sujeito como um ator imprescindível para o prosseguimento da
vida. Só que o sujeito precisa ser desmascarado, vale dizer, dele precisam
retiradas as camadas sobrepostas pelo processo educacional, cultural, pela família, pela mídia, pela política.
O que se deseja
é um sujeito autêntico, quântico, frágil e suficientemente forte para que possa
compreender a magnitude da vida e que tenha consciência do papel que possui
para promover a transformação social. A grande revolução ocorrerá a partir da
mudança de cada ser humano. Parece tão pouco, porém as grandes revoluções
eclodem a partir de pequenos minorias.
“A idéia de
sujeito está longe da submissão à Lei ou ao Superego. O sujeito não é mais um
Ego; por isso eu desconfio da idéia de pessoa, porque ela supõe uma
coincidência entre o Ego e o Eu que julgo irreal. O sujeito é uma vontade
consciente de construção da experiência individual, mas ele é também adesão a
uma tradição comunitária; ele é gozo de si, mas também submissão à razão. Ele
não substitui o mundo desabrochado do pós-modernismo por um princípio
todo-poderoso da unidade; é uma noção ‘fraca’ que existe menos como afirmação
central doque como entrelaçamento de relações entre empenho e desprendimento,
entre indivíduo e coletividade.”
O sujeito é
reconhecido como ator, que desempenha um papel imprescindível para a construção
de uma nova realidade. A crise deve contribuir para o aperfeiçoamento das
instituições.
A crise da visão
fragmentada. A partir do século XVII, do surgimento do Estado Moderno e da
laicização do poder, começa-se a delinear um projeto de modernidade. Parte-se
do método indutivo de Bacon. Consolida-se o método dedutivo de Descartes.
Inaugura-se a dialética, aplicando-se na vida, posteriormente, a visão
marxista, que quer pôr termo à exploração do capital e que quer construir uma
sociedade harmônica, livre dos burgueses e do domínio da classe dominante.
Quer-se também aí controlar a vida. Busca-se estabelecer com segurança o
futuro, a partir da ruptura.
Em face da visão
fragmentada, promoveu-se historicamente a separação entre o político e o
teológico, o conhecimento científico e o conhecimento vulgar.
Contudo, o que
se verifica é que, em nenhum momento, consolidou-se, em definitivo, a laicização
do poder.
“Que se possa decifrar as transformações da
sociedade política – isto é, avaliar com segurança o que se dissipa, advém, ou
retorna – interrogando a significação religiosa do Antigo e do Novo, foi, no
século XIX, durante muito, uma convicção amplamente partilhada. Tanto na França
quanto na Alemanha, a filosofia, a história, o romance, a poesia proporcionam
múltiplos testemunhos dessa convicção.” .
Se a separação
foi feita para que houvesse a demarcação do espaço político e do campo da
ciência, a fim de que se consolidasse o domínio dos valores masculinos, ela
hoje é obstáculo para que se possa compreender a vida em sua complexidade, que,
na verdade, não respeita fronteira.
“A
historiografia marxista, surge, como já dissemos, regida pela representação de
uma ruptura na história e de uma cisão na sociedade que já pertencia aos atores
revolucionários, se esboça pela primeira vez no panfleto de Sieyés.”
Basta uma leitura perfunctória da história
social da criança e do adolescente para que se tenha uma idéia da separação que
se operou entre adultos e crianças, entre ricos e pobres, entre homens e
mulheres.
“Minha primeira
tese é uma tentativa de interpretação das sociedades tradicionais. A Segunda
pretende mostrar o novo lugar assumido pela criança e a família em nossas
sociedades industriais. A partir de um certo período (o problema obcecante da
origem, ao qual voltarei mais tarde) e, em todo caso, de uma forma definitiva e
imperativa a partir do fim do século XVII, uma mudança considerável alterou o
estado de coisas que acabo de analisar. Podemos compreendê-la a partir de duas
abordagens distintas. A escola substituiu a aprendizagem como meio de educação.
Isso quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender
a vida diretamente, através do contato com eles. A despeito de muitas
reticências e retardamento, a criança foi separada dos adultos e mantida à
distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa
quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de
enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas)
que se estenderia até nossos dias, e ao qual se dá o nome de escolarização.
Essa separação –
e essa chamada à razão – das crianças deve ser interpretada como uma das faces
do grande movimento de moralização dos homens promovido pelos reformadores
católicos ou protestantes ligados à Igreja, às leis do Estado. Mas ela não
teria sido realmente possível sem a cumplicidade sentimental das famílias, e
esta é a segunda abordagem do fenômeno que eu gostaria de sublinhar. A família
tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e
filhos, algo que ela não era antes. Essa afeição se exprimiu sobretudo através
da importância que se passou a atribuir a educação. Não se tratava mais apenas
de estabelecer os filhos em função dos bens e da honra. Tratava-se de um
sentimento inteiramente novo: os pais se interessavam pelo estudo de seus
filhos e os acompanhavam numa solicitude habitual nos séculos XIX e XX, mas
outra desconhecida. Jean Racine escrevia a seu filho Louis a respeito de seus
professores como o faria um pai de hoje (ou de ontem, um ontem muito próximo).”
A visão
fragmentada está em crise. Surgem, a cada dia, novas perguntas sem respostas
satisfatórias.
A ciência buscou
fragmentar para compreender. Os métodos indutivo, dedutivo e mesmo o dialético
buscam a compreensão (não será a apreensão?) de determinados fenômenos da vida.
Sociologicamente,
pois, opera-se a separação entre jovens e adultos; entre jovens e velhos; entre
homens e mulheres; esquerdistas e direitistas; pobres e ricos.
Da fragmentação
parte-se para a violência, para o ataque das frações mais débeis, mais
“ignorantes”, politicamente insignificantes.
Surgem, no
entanto, novas disciplinas e áreas do conhecimento dentro dessa visão
científica. O Direito Ambiental é um exemplo disso. Ele trata da vida na sua
magnitude, na sua complexidade, na sua multidimensionalidade, trazendo na sua
programa uma visão holística, reconhecida expressamente pelo próprio
legislador.
O objeto de
estudo é a natureza. Não se trata de um objeto estático, mas de um objeto
dinâmico, inserido na processualidade maior da vida.
A sociedade é
complexa, está em permanente modificação. Renova-se a cada dia.
Tudo flui. Não
há nada estático. Não basta separar o
todo em partes para que possa se compreender determinado fenômeno. Tudo vai e
vem. Um ciclo surge para superar o outro.
O que é moderno
hoje amanhã não será mais. O velho surge como moderno.
Não é possível
se estabelecer uma política acabada que garanta a segurança definitivamente.
Por isso, tem-se
a impressão de que a violência campeia, de que o medo impera e de que a
insegurança está em toda sociedade, em toda parte. E se consideram violência o
ato praticado especialmente pelos pobres e marginalizados da sociedade.
“Cabe aqui
advertir que apesar do impacto provocado pelos eventos criminais largamente
associados às populações pobres, não são estes os mais lesivos à sociedade como
um todo. As conseqüências de danos ecológicos e fraudes previdenciárias podem
levar à morte milhares de pessoas pela falta de acesso a outro bem público,
distinto daquele que ora cuidamos mas igualmente necessário – a saúde. No
entanto, normalmente não há uma identificação e um impacto direto destes crimes
na opinião pública. O sangue não jorra na televisão quando esses fatos são
noticiados, pois o que aparece são sujeitos que não atendem ao estereótipo de
criminosos consolidado no senso comum e orientador das instâncias formais de
controle.”
Da fragmentação
se deve partir para a visão holística que, por seu turno, não descarta o estudo
das partes. Mas não se pode deixar de perceber a relação que há entre todos os
elementos.
A modernidade
complexa. Se é difícil estabelecer, com precisão, a partir de que momento
tem-se a modernidade, também não é fácil estabelecer qual é verdadeiramente o
seu marco teórico. A complexidade tem por objetivo revolucionar a ciência,
porque ela, por si só, já é um método. Mas não se trata de um método pronto,
mas que deve ser destruído e reconstruído e repensado permanentemente.
“La scienza è
soprattutto un’attività sperimentale, perciò dobbiano guardarci attorno per
avere un’idea della generalità e dell’importanza dei fenomeni complessi.
Abbiamo già
sottolineato come il fascino esercitato dalla biologia su ognuno di noi sai
responsabile di una diffusa identificazione della complessità com la vita.
Sorprendentemente, proprio questa idea perenne sarà la prima a cadere nella
nostra strada verso la comprensione della complessità.”
A complexidade
não traz respostas prontas. Pelo contrário, contribui para a formulação de
novas e importantes perguntas. Sem dúvida, é a partir delas que se construirá
(e se desconstruirá) a nova realidade. Cada conhecimento deve ser entendido
como expressão de uma liberdade relativa. Não há verdades absolutas. Todas elas
são relativas e construídas a cada instante.
Mesmo o trinômio verdade-evidência-certeza de que trata a metodologia
científica deve ser objeto de análise diuturna. De acordo com os cientistas
tradicionais, havendo evidência, o desvelamento, o desocultamento do ser,
pode-se afirmar com certeza que isso se constitui numa verdade.
Que verdade é
essa? É uma verdade relativa, que deve ser permanentemente edificada, a partir
do questionamento de todo o processo histórico. Desde o patriarcado instalado
na humanidade não se percebeu uma grande modificação na relação de poder
formada originariamente.
Ademais, é uma
relação em que há alguém que exerce um poder soberano.
O homem não é
uma máquina, como acredita a ciência. É um ser complexo, conectado à vida,
sendo a maior expressão da vida.
Não há problemas
simples.
Todos eles
exigem uma profunda reflexão.
Não se pode
compreender a vida olhando apenas um dos seus aspectos.
Só a
complexidade permite que se compreenda determinado fenômeno na sua
multidimensionalidade.
“A juventude
como construção social: em nenhum lugar, em nenhum momento da história, a
juventude poderia ser definida segundo critérios exclusivamente biológicos ou
jurídicos. Sempre e em todos os lugares, ela é investida também de outros
símbolos e de outros valores. De um contexto a outro, de uma época a outra, os
jovens desenvolvem outras funções e logram seu estatuto definidor de fontes
diferentes: da cidade ou do campo, do castelo feudal ou da fábrica do século
xix, da organização do compagnonnage no ancien régime ou na cidade antiga.
Tampouco se pode imaginar que a condição juvenil permaneça a mesma em
sociedades caracterizadas pelos modelos demográficos totalmente diferentes: sob
tal ponto de vista, o século xii europeu apresenta, por exemplo, analogias
significativas com os países do Terceiro Mundo de hoje, em que mais da metade
dos habitantes têm menos de vinte anos, o que impõe à sociedade um dinamismo e
um ‘estilismo’ incomparáveis com os das sociedades ocidentais, que envelhecem
ostensivamente.”
A juventude toma
a iniciativa para construir a sociedade e, no entanto, não pode dispensar a
sabedoria dos mais velhos. Ao contrário do oriente, o ocidente não valoriza
toda a experiência acumulada pelos mais velhos.
O novo homem
revolta-se contra a estrutura de poder e a divisão entre jovens e velhos,
nacionais e estrangeiros, pretos e brancos.
Afirma Osho que
:
“O novo homem é
uma rebelião, uma revolução contra todos os condicionamentos que podem
escravizá-lo, oprimi-lo, explorá-lo – apenas dando a ele esperanças de um céu
fictício, assustando-o, chantageando-o com outro fenômeno fictício: o inferno.
Todos os velhos meios de vida estavam estranhamente em concordância com um
ponto: que o homem é um animal de sacrifício aos pés de um deus fictício.”
O Direito
Masculino cura?
O Direito
consegue curar a criminalidade? Ele ataca as raízes da criminalidade? A
legislação é suficientemente esclarecedora? Ela consegue tornar as pessoas mais
felizes?
Claro que,
primeiramente, há a necessidade de se compreender o verdadeiro significado da
expressão cura.
O homem busca
desesperadamente a cura para as doenças que afligem a humanidade. Do “terrível”
câncer à desintegradora AIDS, um batalhão de pesquisadores está mobilizado para
a descoberta de drogas que visem um ataque aos grandes inimigos da humanidade.
Na Medicina os
tratamentos objetivam eliminar apenas os sintomas das doenças.
A cura deve ser
educacional, vale dizer, deverá o ser humano, num primeiro momento, ter consciência da complexidade da vida.
Para se
compreender a cura tem-se que entender a natureza da matéria, que é energia, que
flui permanentemente e que apresenta, conforme a Física Quântica, uma
probabilidade de existir.
Para que se
possa compreender um determinado fenômeno não basta apreendê-lo nos
compartimentos frios dos métodos científicos. O que se sabe do comportamento de
uma determinada espécie de pássaro em seu cativeiro?
Compreender é
ver. Contudo, não se trata de apenas ativar os sentidos. É ver com amor e
respeito. Não de se trata de um domínio, de um controle, de uma opressão e,
sim, de uma leitura subjetiva de determinado fenômeno ou fato.
Infelizmente, o
que a ciência sempre quis foi dominar a natureza, escravizá-la, torná-la
subserviente aos seus interesses e planos.
É claro que há
um avanço indiscutível no campo técnico-científico. O homem está buscando e
descobrindo novas chaves.
O DNA é uma
chave, que permite abrir determinadas portas e mirar determinadas facetas da
vida. Mas não traz soluções para todos os questionamentos. Não se pode olvidar
da criatividade, de que a vida tende a driblar o determinismo neurogenético.
Em verdade, a
vida é mais criativa do que a ciência imagina. O homem não é uma máquina, em
que peças velhas ou estragadas possam ser substituídas e ela volta a funcionar
normalmente. Há rejeição, e somente múltiplas drogas conseguem controlar o ataque
ao órgão transplantado.
O corpo é um
sistema. As doenças, todas elas, são sistêmicas. Matéria e energia são estados
alternados, conforme a Física Quântica. Assim sendo, corpo e mente compõem uma
unidade. A energia é real, perpassa todo o corpo. Hoje a acupuntura é
reconhecida como especialidade médica, e os profissionais da Medicina têm de
tentar compreender que o ser humano é uma espécie de fusível em relação ao
Universo e que as doenças, antes de serem problemas meramente fisiológicos, são
desequilíbrios energéticos.
Se se entender
por cura o encontro definitivo de uma solução para os problemas humanos,
estar-se-á atentando contra a própria ciência, que hoje sabe que as verdades
relativas, e que o homem está permanentemente em busca de respostas para as
mais complicadas questões.
A humanização da
ciência é fundamental para que possa reconhecer as conquistas científicas como
verdades relativas.
Para se curar
tem que se ir à raiz dos problemas.
O sistema
patriarcal ele continua ainda a dar soluções definitivas para problemas que não
são definitivos.
“O sistema
patriarcal chegou até nós por intermédio dos nômades, que em seus deslocamentos
se tornaram invasores, inimigos dos ocupantes dos territórios atravessados. O
guerreiro e os valores masculinos por eles representados eram então um elemento
essencial à sobrevivência da tribo; ora esses valores masculinos por ele
representados eram então um elemento essencial à sobrevivência da tribo; ora,
esses valores masculinos são também do intelecto. Em nosso mundo moderno, eles
se manifestam na exploração e na conquista do mundo material, na ciência,
tecnologia, organização, indústria [...], logo, nas atividades do tipo diurno,
solar. Eichamann contrapôs os valores femininos e masuclinos ao dizer que ‘a
mulher é guiada pela emoção, não pelo intelecto’, mas, como ele não era
filósofo, devemos questionar sua noção de emoção e, aliás, também a de
intelecto.”
O patriarcado
surgiu como necessidade e acabou se concretizando como ideologia universal,
imperando nas relações políticas, sociais, econômicas, religiosas.
O Direito
apresenta uma cura definitiva? Existe uma cura definitiva?
Primeiramente, há a necessidade de saber o
significado da expressão cura.
A cura seria
algo definitivo. É a busca de uma estabilidade, de um controle sobre algo.
O remédio, como
o próprio nome diz, remedia o mal. Não vai às suas raízes. Ataca os sintomas da
doença.
A modernidade é
uma rebelião.
A modernidade é
a revisão dos velhos conceitos.
A modernidade é
a permanente construção de novos conceitos.
É possível
esgotar-se todo o projeto da modernidade? O que caracteriza a modernidade?
Impossível se
estabelecer as características de um único projeto. Existem vários projetos.
Qual o projeto verdadeiro? Ou será que nunca existiu propriamente um projeto de
modernidade?
Pode-se falar em
pós-modernidade?
Ou a modernidade
renasce a cada momento, sempre que se verifica que as estruturas envelheceram,
que as questões sociais se tornam mais complexas?
A modernidade
nem sempre se constitui na construção de algo novo. Pode ser a volta ao
passado. A sociedade ocidental é regida pela cultura patriarcal e na reprodução
de uma educação repressora da livre expressão da sexualidade.
A mudança de
valores será a mola mestra da transformação. Precisa-se mudar os valores – deve-se insistir; sem alteração dos valores,
não se modifica a visão de mundo.
“Esses valores
femininos são: o amor, o afeto, as relações humanas verdadeiras, o contato com
a natureza e a vida.”
Obviamente que
esses valores não estão apenas nas mulheres.
“Ora, esses
valores também estão no homem, mas como a educação patriarcal os reprimiu,
descobri-los é uma tarefa dura. O procedimento inicial, aliás, é compreender
que nada há... a compreender, mas a perceber, sentir. Por isso, no caminho de
Esquerda, que passa pela mulher, é ela a iniciadora. Ela abre para o homem as
portas secretas para profundeza do ser, para o derradeiro, o cósmico. Se o
tantra fosse uma religião, as mulheres seriam suas sacerdotisas, e seus
sacerdotes seriam os homens que tivessem desenvolvido, graças à mulher, suas
qualidades femininas de intuição e transcendência.”
A modernidade
sempre traz esperança. A modernidade, quase sempre, é a própria esperança de mudança. Só uma regra na vida que é a
mudança permanente. A vida se constrói, se desconstrói a cada instante, como a
dança do Deus Shiva dos hindus.
O Direito para
ser eficaz no controle da racionalidade precisa despertar a sensibilidade nos
seus atores, iluminado pela sensibilidade do elemento feminino, tão necessário
para que se dê a promoção da verdadeira justiça.
Qual a saída? Há
uma saída ética.
Não há uma única
saída. Mas existe uma saída ética que tem caráter revolucionário, porquanto
visa mudar o homem. Para que se possa compreender o papel da ética na sociedade
nova precisa-se primeiramente diferenciá-la da moral, se isso é possível.
É a ética a ciência que tem por objetivo o estudo da moral da sociedade
e sua constantes modificações. Em face da visão cartesiana a ética afastou-se
do Direito, assim com a ciência afastou-se da Filosofia. Os saberes divididos
passaram a tratar as diferentes questões humanas. As questões da vida passaram
a ter um papel de destaque nas questões políticas, mesmo hoje quando se fala em
globalização, em desestatização e em construção de uma nova realidade política.
As questões da vida e morte, mais do que nunca, permeiam o Estado. Compete ao
legislador disciplinar a nova realidade. O juiz deverá enfrentar e decidir
questões cada vez mais complexas, mais éticas do que jurídicas. Fica difícil
cada dia mais difícil separar as questões éticas das questões jurídicas. A
programação jurídica aumenta, sem, contudo, se vislumbrar uma solução para o
problema, sem que se promova uma profunda reformulação no próprio sistema
jurídico.
Peter Singer não
se preocupa em fazer a distinção entre moral e ética.
“Portanto, a
primeira coisa que a ética não pode ser defendida como uma série de proibições
ligadas ao sexo. Mesmo na era da AIDS, o sexo não coloca, absolutamente,
nenhuma questão moral específica. As decisões relativas ao sexo podem envolver
considerações sobre a honestidade, a preocupação com os outros, a prudência,
etc., mas não há nada disso nada de particular ao sexo, pois o mesmo poderia
ser dito das decisões sobre como dirigir um carro. [...] Desta maneira, o presente livro passa ao
largo da moral sexual. Há problemas éticos mais importantes a serem
considerados.”
A humanidade, na
virada do milênio, precisa encontrar soluções para os graves problemas que
atingem as sociedades. O Direito não consegue dar respostas satisfatórias para
os complexos problemas humanos gerados pela evolução tecnológica.
Há a necessidade
de serem promovidas profundas reformulações nos valores, como se ressaltou
acima.
Graves violações
éticas.
Ainda hoje,
nesse início do século XXI, as pessoas se alimentam com cadáveres de animais.
Há uma indústria que produz grande quantidade de proteínas, alicerçada na velha
cultura nutricional americana da grande necessidade proteica dos organismos
humanos.
Os problemas
humanos são simplificados. As doenças, regra geral, não vistas como problemas
multicausais. São atacadas violentamente ainda com procedimentos cirúrgicos,
com quimioterápicos poderosos que criam vírus cada vez mais potentes. Ter uma
fé inabalável nos métodos também não se constitui numa grave violação ética?
As condutas jurídicas
continuam ainda individualizadas. As pessoas continuam sendo punidas como elas,
isoladamente, fossem responsáveis pelos atos, vale, dizer, como se elas fossem
verdadeiras ilhas? Ademais, não se leva em consideração o papel da mídia, do
sistema capitalista ou do próprio sistema jurídico repressor como responsável
pela criação de condutas criminosas.
Não há uma grave
violação ética quando se dá prioridade a um sistema educacional que escraviza,
concentrando o conhecimento nas mãos de alguns, que, por seu turno, tornam-se
dependentes de outros especialistas. Onde fica a necessária autonomia do ser,
para ser livre e responsável pelos seus atos?
Não há delitos
graves, que Singer diz que são equivalentes morais do assassinato, quando os
governantes se apropriam de dinheiro público? Quantas crianças morrem pela
falta de alimentos e de medicamentos?
Não são os
professores responsáveis pela consolidação do sistema de repressão quando se
limitam a reproduzir o conhecimento oficial? Não têm os educadores verdadeiros
um compromisso com o espírito científico e o espírito crítico? Não deve o
processo educacional ser repensado permanentemente? O processo educacional
envolve toda a sociedade.
Não se deve
repensar o modelo de desenvolvimento, calcado na racionalidade? Há
racionalidade no ataque violento às doenças, sem considerá-las como fenômenos
complexos e multicausais?
Não há
irracionalidade ao se combater a criminalidade com o emprego de violência para
o controle da violência com o
afastamento dos criminosos do convívio social?
Os criminosos
não produtos do próprio sistema? Não há um verdadeiro crime no aprisionamento dos
marginalizados pela sociedade?
O organização
patriarcal e paternalista não é o cerne de todo o problema da política, da
ciência, da religião, enfim, da própria vida?
Afirma Morin que
a política tradicional, esvaziada e fragmentada, tornou-se uma promessa de
felicidade sem sentido.
“Ao mesmo tempo
que inchou até tornar-se totalizante, a política não totalitária, tradicional,
esvaziou-se e fragmentou-se. A penetração, na política, da economia, da
técnica, da medicina, da biologia etc., introduziu, nos conselhos e instâncias
do Estado e dos partidos, os econocratas, os tecnocratas, burocratas, experts e
especialistas que fragmentaram os campos de competências em função de suas
disciplinas e modos pensamentos compartimentados.”
E faz uma
advertência logo a seguir:
“A política
multidimensional deveria responder a problemas específicos muito diversos, mas
não de forma compartimentada e fragmentada.”(p. 145).
Para que se
tenha uma nova política, que reconheça em si também o não-político, precisa-se,
primeiramente, recuperar a ética, bem a como a estética. A política é vida.
A necessidade de
uma nova ética.
Indiscutivelmente,
há a necessidade de se buscar uma nova ética. A ética tradicional, moralista,
preservacionista dos valores tradicionais, precisa ser superada. Vislumbra-se
uma revolução silenciosa, uma mudança no comportamento do ser humano. Cada vez
mais, em decorrência, acredita-se que do próprio processo de globalização serão
derrubadas as fronteiras e serão resgatados valores universais. Que valores são
esses? Fica difícil estabelecer claramente quais são esses valores, muito
embora as tradições religiosas estabeleçam um norte..
Os valores de
uma nova ética, segundo Johannes Hessen, são os valores religiosos.
“Os mais altos
de todos os valores são os valores do ‘Santo’, ou os valores religiosos,
porquanto todos os outros se fundam neles.”
Os valores terão
de ser permanentemente questionados para que se tenha uma ética voltada para um
novo tempo, para uma sociedade essencialmente solidária.
“Perguntamos,
por conseguinte: quando um juízo é moral e quando não o é? Isto sempre deve
significar: quando ele é tal a partir da perspectiva de quem julga, portanto:
quando ele é entendido como moral?(Para alguém, num dado contexto cultural).
Nisto está colocado desde logo a pergunta: em que reconhecemos uma moral, ou um
conceito moral? Pode-se compreender ‘uma moral’ como o conjunto de juízos
morais de que alguém ou um grupo dispõe.”
Os intelectuais
serão responsáveis pela construção de uma nova pauta de valores, a partir de
uma discussão, de maneira permanente, toda a sociedade. A responsabilidade é
todos e de cada um. Cada ser humano, hoje mais do que nunca, tem que contribuir
para a construção de uma sociedade melhor para todos.
O Estado não
consegue mais dar respostas satisfatórias para as grandes questões humanas. O
Estado tem que decidir a respeito de questões cada vez mais complexas.
As questões
pertinentes à vida, à morte, aos transplantes, à saúde das pessoas são questões
políticas, mas deverão ser cada vez mais discutidas por todos os seres humanos.
O sistema
patriarcal-paternalista de poder sedimentou a idéia de que as questões
políticas estão distantes do povo e deverão ser resolvidas pelos “iluminados’.
As questões
complexas, como a inflação, deverão ser enfrentadas e resolvidas, levando-se em
consideração a multimensionalidade desses fenômenos.
A ética nova
requer uma estética nova. Tudo que é bom é belo. Se é justo é belo.
“—Beleza poética
– Assim como dizemos beleza poética, deveríamos dizer beleza geométrica, e
beleza médica; não o dizemos, porém; e o motivo é que conhecemos bem o objeto
da geometria, o qual consiste em provar, e o objeto da medicina, que é curar;
mas não sabemos em que consiste o prazer, objeto da poesia. Desconhecemos esse modelo
natural que é preciso imitar; e, na ausência desse conhecimento, criamos
estranhos termos: séculos de ouro, maravilha de nossos dias, fatal etc., e a
esse jargão denominamos beleza poética.”
Bachelard
insiste na recuperação da poética, haja vista que, segundo ele, “o conhecimento
do mundo é inicialmente poético. O animismo e o empirismo das experiências
originárias atestam a presença de imagens e a relação dinâmica do homem com o
mundo.”
Não é a poética
uma visão de confronto à ciência. Pelo contrário, contribui para a
complementação da vida na sua integridade. Veja-se o que afirma Constança
Marcondes Cesar, citando Bachelard, in verbis:
“A situação das
ciências inspirada em Bachelard implica, portanto, uma antropologia que afirma
determinada estrutura da consciência humana como suporte para as alternâncias
entre a abordagem poética e científica do mundo. Esta alternância entre
imaginação e razão não implica uma história irreversível; como só podemos
conhecer cientificamente ‘aquilo, em torno do que sonhamos’, há sempre um
resíduo de poesia em toda a abordagem científica. A poesia torna o mundo nosso,
familiar, pátria humana. Emerge de um inconsciente cósmico, no qual se enraíza.
A valorização poética do objeto, empregando a imaginação e a fantasia, às vezes
deturpa o conhecimento rigoroso; mas não é possível abandoná-la completamente.
A poesia é a expressão do lado noturno do homem; é a linguagem através da qual
o esprit de finesse, invenção, criança se expõe ao homem. Abandoná-la, é perder
a dimensão humana, cortar as raízes do homem no mundo. Criticar as suas
contribuições, traduzir sua verdade simbólica e seu impulso no âmbito da razão;
essa, a tarefa do filósofo.’ Os eixos da poesia e da ciência são, inicialmente,
opostos. Tudo que a filosofia pode esperar é tornar complementares a poesia e a
ciência.’ Obedecendo à direção apontada por Bachelard, procuraremos estabelecer
essa complementaridade, expondo o lugar das ciências e da arte do conhecimento
humano.”
O resgate do
poético é o reencontro do humano no homem artificializado e faminto de vida
solidária, cansado da solidão que lhe foi imposta pelo modelo competitivo
capitalista.
Ser solidário
deverá ser a grande meta do homem; caso contrário, ter-se-á o caos. A
solidariedade é o passo mais importante para que se possa ir ao encontro do
outro e compreendê-lo.
Para isso
precisa-se superar o modelo patriarcal que tudo quer dominar e vencer. A
Medicina Masculina, autoritária, quer combater e eliminar, com os seus poderes
quimioterápicos, se possível, todos os vírus e bactérias existentes sobre a
face da terra. É como se as bactérias não estivessem na terra muito antes que
os homens. É como se elas não fizessem parte do equilíbrio da vida.
O Direito
Masculino quer eliminar a violência com a adoção de sistemas repressivos cada
vez mais intolerantes. A racionalidade do controle é ainda hoje a grande
esperança, mormente no ocidente, de se obter o domínio das condutas que as
classes dominantes consideram negativas.
A ética integral
requer humildade. Enfim, que o homem se reconheça como peça crucial no jogo da
vida, que se reconheça, sobretudo, humano.
Morin faz uma
advertência séria ao projeto científico:
“Dominar a
natureza? O homem é ainda incapaz de controlar a sua própria natureza, cuja
loucura o impele a dominar a natureza perdendo o domínio de si mesmo. Dominar o
mundo? Mas ele é apenas um micróbio no gigantesco e enigmático cosmos. Dominar
a vida? Mas mesmo se pudesse um dia fabricar uma bactéria, seria como copista
que reproduz uma organização que jamais foi capaz de imaginar. E acaso ele
saberia criar uma andorinha, um búfalo, uma otária, uma orquídea? O homem pode
massacrar bactérias aos milhares, mas isso não impede que bactérias resistentes
se multipliquem. Pode aniquilar vírus, mas está desarmado diante de vírus novos
que zombam dele, que se transformam, que se renovam... Mesmo no que concerne às
bactérias e aos vírus, ele deve e deverá negociar com a vida e com a natureza.”
O projeto tecnológico
de controle absoluto não pode se transformar numa insana aventura. O homem
deverá reaprender a viver, compartilhar e sobretudo reconhecer-se como
responsável pelo futuro da humanidade.
“Esse homem deve
reaprender a finitude terrestre e renunciar ao falso infinito da onipotente
técnica, da onipotência do espírito, de sua própria aspiração à onipotência,
para se descobrir diante do verdadeiro infinito que é inomeável e inconcebível.
Seus poderes técnicos, seu pensamento, sua consciência devem doravante ser
destinados, não a dominar, mas a arrumar, melhorar, compreender.”
O homem deve
superar a violência do controle e penetrar num novo tempo, da compreensão e do
amor. O homem conseguirá eliminar todos os vírus e bactérias? O homem
conseguirá destruir os criminosos? A resposta é negativa para ambas as
perguntas.
Há a necessidade
de se compreender a vida na sua riqueza, na sua multidimensionalidade.
O Direito deverá
ser caminho para construção de uma sociedade melhor. Não deve ser apenas a
outra face do delito. De um lado a lei e do outro a necessária desobediência. A
lei só existe em função da desobediência à lei. A estrutura de poder na área
médica existe em função da doença.
A saúde é algo
revolucionário, subversivo, porque não dá dinheiro a ninguém. A harmonia não dá
lucro. A desarmonia sim.
Criada a lei,
paralelamente se abre um caminho para a sua violação. Em função disso gera-se
um desprestígio do sistema legal, que se destina a reprimir os inimigos das
classes dominantes, os marginalizados da sociedade. A lei precisa ser
respeitada para que possa sobreviver. Se a lei não tem correspondência ao fato
social cai em desuso e pode até ser posteriormente retirada do ordenamento
jurídico, muito embora o desuso não seja motivo suficiente para a retirada de
uma lei do sistema.
Assim, vê-se que
a ciência pode comprometer a vida com os seus métodos que proporcionam visões
parciais a respeito de tudo.
“A Ciência
ameaça a Vida, porque se separou da tradição, ou das Tradições, se preferirem.
Enquanto ‘a’ civilização moderna dissocia, fraciona, a Tradição, pelo
contrário, associa, unifica, sintetiza. Em nossos dias, a religião, a ciência,
a arte se tornaram entidades autônomas, distintas, sem vínculos entre si, cada
uma das quais se desmembra em subentidades: a ciência se ramifica em diversas
disciplinas, especialidades; a arte virou belas-artes etc.”
A civilização
tem, efetivamente, muito conhecimento acumulado, mas carece de sabedoria. Isso
prejudica a democracia, que, verdadeiramente, está ameaçada pelo autoritarismo
da divisão do conhecimento.
“A democracia
está ameaçada pela imposição de
valores, normas e práticas comuns e, ao mesmo tempo, por um diferencialismo e
individualismo extremos que abandonam a vida social nas mãos dos aparelhos de
repressão e dos mecanismos do mercado. E os movimentos sociais degradar-se-iam
em grupos de pressão política se não se apoiassem no trabalho responsável de
numerosos indivíduos que pretendem ser atores sociais, ligando neles, em sua
vida pessoal, maioria, e minoria, vida pública e privada, universalismo e
particularismo, abertura e memória.
Entre a
confiança cega nos mercados e o fanatismo comunitário, deve-se defender a
liberdade política e a democracia, e colocá-las a serviço de um pluralismo
cultural e político que deve ser combinado com a unidade da cidadania, da lei e
da ação racional. A democracia perdeu a capacidade para se compreender e se
defender; deve encontrá-la de novo para impedir que o mundo venha a soçobrar em
uma guerra civil planetária entre identidades obsessivas e mercados que
destroem a diversidade das culturas e os espaços de escolha política.
A democracia
deve ser uma idéia nova. Não existe sem o respeito pela liberdade negativa, sem
a capacidade para resistir a um poder autoritário; mas não pode ser reduzida a
essa ação defensiva. A uma distância equivalente de um diferencialismo
comunitário agressivo e de um liberalismo a-político indiferente às
desigualdades e exclusões, a cultura democrática é o meio político para
recompor o mundo e a personalidade de cada um, encorajando o encontro e a
integração de culturas diferentes para permitir que todos nós possamos viver o
máximo possível da experiência humana.”
A democracia
surge como proposta revolucionária e somente se consolidará na solidariedade
que se almeja concretizar na sociedade nova, do homem novo, mais preocupada com
a vida do que com a economia.
Considerações
finais.
A modernidade
surge para superação do velho. Não se pode denominar modernidade um projeto já
acabado. Está em permanente construção. Só é possível levá-lo adiante com uma
permanente autocrítica. Não se trata de um projeto do poder público, mas de
toda a sociedade.
A complexidade
surge como um desafio. Não tem a pretensão de ocupar o lugar da ciência, mas
trazer questões cada vez mais próximas da realidade. Não se pode admitir que o
método seja um empecilho para o conhecimento da verdade, ou que os
financiadores da ciência já digam a priori que deve ser extraída na
investigação.
A modernidade
não tem um marco preestabelecido. Ela pode estar nascendo a cada momento. A
cada crise surge uma ruptura, ou pelo menos a necessidade dela. A História é
cíclica. É um vem e vai permanente. Parte-se do misticismo para a
racionalidade. Na sociedade racional se busca o reencontro com a
espiritualidade.
Sem o misticismo
não se compreende a realidade. Só a racionalidade é insuficiente para a
compreensão dos fenômenos humanos. Sem a sensibilidade não se tem a visão da
riqueza da vida.
Sem a superação
do patriarcado não se conseguirá construir um novo sistema aberto, feminino,
tranqüilo, voltado para a defesa dos valores humanos.
A modernidade
nascerá sempre que forem defendidos os direitos humanos, sempre que o homem
respeitar a natureza e se voltar para a vida a defesa da vida nas suas
múltiplas manifestações.
A modernidade é
a consolidação de todo um processo histórico? É uma etapa final? Ou deverá ser
repensada sempre? Trata-se, sem dúvida, de um processo como a vida. Deverá
surgir para superar o velho. E será sempre a esperança renascendo.
A vida está em
permanente renovação e mudança.
Referências
bibliográficas
1.ARIÈS,
Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. Rio de
Janeiro: LTC. 2 ed., 1981.
2.BAUDRILLARD,
Jean. A transparência do mal – ensaio sobre fenômenos extremos. Trad. Estela
dos Santos Abreu. 2 ed. Campinas: Papirus, 1992.
3. CESAR,
Constança Marcondes. Ciência e poesia. São Paulo: Paulinas, 1989.
4. COLARES, Marcos
Antonio Paiva et alii. Cidadania e segurança: superando o desafio. Brasília:
OAB, Conselho Federal, 1999.
5.FAGÚNDEZ,
Paulo Roney Ávila. Direito e Sexualidade. In: SILVA, Reinaldo Pereira e, org.
Direito e sexualidade. Direitos de Família : Uma abordagem interdisciplinar.
São Paulo: LTr, 1999.
6.______.In:
SILVA, Reinaldo Pereira (org.) Holismo e a garantia dos direitos fundamentais.
Os direitos humanos como educação para a justiça. São Paulo: LTr, 1998.
7. FIALHO,
Francisco. A eterna busca de Deus. Sobradinho: EDICEL, 1993.
8. HESSEN,
Johannes. Filosofia dos valores. Coimbra: Armênio Amado, 1980.
9. LEFORT, Claude. Jean-Claude. Pensando o político – ensaios sobre
democracia, revolução e liberdade. Trad. Eliana M. Souza. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1991.
10.LYSEBETH,
André Van. Tantra – o culto da feminilidade – outra visão da vida e do sexo.
Sãoi Paulo: Summus, 1994.
11. LEVI, Giovanni. SCHMITT; Jean-Claude. História dos jovens – da
antiguidade à era moderna. Trad. Claudio Marcondes e outros. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
12.MORIN, Edgar. Anne Brgitte Kern. Terra-pátria.
Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 1995.
13. NICOLIS,
Grégoire; PRIGOGINE, Ilya. La complessità – explorazioni nei nuovi campi della
scienza. Torino : Giulio Einaudi, 1991.
14.OSHO. O novo
homem – única esperança para o futuro. Trad. Sw. Sangit Lorre e Sw. Rassiko.
São Paulo: Gente, s.d.
15.PASCAL.
Pensamentos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
16.SILVA,
Martiniano J. Advocacia: engenho e arte. Goiânia: O Popular, 1999, p. 44-5.
17. SINGER,
Peter. Ética prática. Trad.
Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
18.TELLES
JÚNIOR, Goffredo. O direito quântico. São Paulo: Max Limonad, 1974.
19. TOURAINE,
Alain. Crítica da modernidade. Trad. Elia Ferreira Edel. Petrópolis: Vozes,
1994.
20.____________.
O que é a democracia? Trad. Guilherme João de Freitas. Petrópolis: Vozes, 1996.
21. TUGENDHAT,
Ernest. Lições sobre ética. Trad. Ernildo Stein e Ronai Rocha. Petrópolis :
Vozes, 1996
22. VERONESE,
Josiane Rose Petry Veronese. Entre violentados e violentadores. São Paulo:
Cidade Nova, 1998.
FAGÚNDEZ, Paulo
Roney Ávila. O significado da modernidade. Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br/cejur/doutrina/modernidade1.rtf>.
Acesso: 08 nov 2006.