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Colaboração do Jusnaturalismo
para o Surgimento do Fenômeno da Codificação e dos Direitos Universais
Alceu José Cicco Filho*
Sumário:
1 Introdução – 2 O Jusnaturalismo – 3 Colaboração jusracionalista
para o surgimento da Codificação – 4 Influência Jusnaturalista
para o advento dos Direitos do Homem e do Cidadão - 5 Conclusão – 6 Referências
Bibliográficas
O Direito Natural é "uma
questão permanente do homem teórico acerca de seu lugar na sociedade".(1) É a idéia abstrata do Direito, o ordenamento
ideal, correspondente a uma justiça superior e anterior – trata-se de um
sistema de leis que independe do direito positivo, ou seja, independe das
variações do ordenamento da vida social que se original no Estado. O direito
natural é aquele de deriva da natureza de algo, de sua essência; o conjunto de
direitos humanos que são inegociáveis, mínimos para resolver os conflitos.
Thomas Hobbes procurar conceituar o direito
natural concebendo-o como "a liberdade que cada homem tem de usar
livremente o próprio poder para a conservação da vida e, portanto, para fazer
tudo aquilo que o juízo e a razão considerem como os meios idôneos para a consecução
desse fim"(2) Direito natural
nasce a partir do momento que surge o Homem, aparece, portanto, naturalmente
para regular a vida humana em sociedade.
Para Locke a lei natural é uma regra eterna para
todos, sendo evidente e inteligível para todas as criaturas racionais. A lei
natural, portanto, é igual à lei da razão. Para ele o homem deveria ser capaz
de elaborar a partir dos princípios da razão um corpo de doutrina moral que
seria seguramente a lei natural e ensinaria todos os deveres da vida, ou ainda
formular o enunciado integral da lei da natureza. Para Rousseau, a aventura
moderna era um erro radical e procura um remédio para isso no retorno ao pensamento
antigo, ao seu estado natural.
A idéia da existência de um
direito universalmente válido sempre povoou a mente humana, assim como há algo
de comum em todos os homens, como a forma física, os componentes orgânicos e os
sentidos dados pela natureza, e algo de diferente entre ele, que são as
características determinadas pelos fenômenos ambientais e culturais, há também
no Direito uma concepção dualista, composta por uma parte universal imutável e
perpétua, outorgada pela razão, que seria o Direito Natural, e outra
regionalizada, mutável e perecível, criada pelo homem, que seria o Direito Positivo.(3)
Esse pensamento é antiguíssimo, encontrou solo
fértil da filosofia grega, Geráclito de Éfeso (
O presente trabalho faz uma análise da influência
jusnaturalista -jusracionalista
- para o surgimento do fenômeno da codificação bem como sua colaboração para a
criação dos Direitos Universais. Tais colaborações foram de cunho científico
bem como estruturador destas obras jurídicas, o que foi um avanço jamais visto antes no ramo Jurídico uma
vez que proporcionou uma maior segurança jurídica como também uma maior organicidade – o que de certo modo se contrapunha aos
arbitrários códigos antigos que englobavam em um único corpo diversos ramos do
direito como Penal, Civil...
Contudo, antes é necessário um esclarecimento
maior em relação ao que vem a ser Jusnaturalismo.
O jusnaturalismo
é uma corrente jusfilosófica que crê na existência de
um conjunto de valores éticos universais inerentes ao homem, decorrendo,
destarte, da própria natureza humana sendo superior bem como anterior ao
direito positivo, o que se contrapõe aos ideais do juspositivismo.(4) O
suntuoso pensador italiano Norberto Bobbio(5) observa
no jusnaturalismo o início de uma fase da história
mundial fundada sobre o ideal de liberdade e que advoga a junção entre
liberalismo e democracia no Estado de direito, como um antídoto contra a febre
neoliberal do Estado mínimo.
Um dos problemas de uma posição jusnaturalista, segundo o procurador Edil Batista Júnior,(6) é que esta corrente filosófica restringe o
desenvolvimento do Direito ao aplicar princípios de imutabilidade, perpetuidade
como também de universalidade no mundo jurídico. Tal corrente olvida que a
sociedade está em um constante processo de desenvolvimento, mutação não podendo
assim, aplicar um critério de imutabilidade nem tampouco aplicar o mesmo
direito a todas as sociedades uma vez que este é um produto histórico o que o
torna um fator singular. Inviabilizando, consequentemente, a construção de um
Direito com pilares concentrados na universalidade.
A norma de Direito Natural
"fornece os fundamentos sólidos sobre os quais pode o homem construir o
edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela assenta igualmente a
base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens.
Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela,
seja por uma reflexão que tira as conclusões de seus princípios, seja por
adições de natureza positiva e jurídica".(7)
O jusnaturalismo é
apresentado pelos estudiosos como tendo passado por três momentos, com técnicas
diferentes, a saber:
* Cosmológico – o Direito oriundo da
"natureza das coisas". A concepção de um direito supra-real nasce com
a visão geocêntrica da antiga filosofia grega quando então jusnaturalismo
era, pois cosmológico, ou seja, direito oriundo da própria essência do
universo. Temos nesta fase os romanos influenciados pela sabedoria grega, tais
como Ulpiano e Justiniano.
Roma não foi pródiga na concepção do jusnaturalismo, não obstante a escola estóica tivesse
influenciado decisivamente as idéias de Cícero, o maior expoente do Direito
Natural
Foi Cícero, entretanto, quem humanizou o Direito
Natural, referindo-se a ele como uma lei verdadeira, ditada pela natureza,
aplicada a todos os homens, imutável e terna: Est
quaedam vera
lex, naturae congruens, diffusa in omnes, constans, sempiterna.
Para Cícero, o Estado não era superior ao homem e
não poderia criar leis contra o Direito Natural, o qual deveria servir de fonte
inspiradora do Direito Positivo.
* Teológico – o Direito divino como fonte do
direito natural. Destaca-se aqui, a filosofia medieval onde encontramos seus
principais autores
Com o surgimento da Igreja Católica, alguns de
seus principais doutores cristianizaram o Direito Natural, que passou a ser
visto como obra de Deus, inata ao homem, que deve pautar sua conduta pela
preservação do justo, do amor ao próximo e a Deus.
A filosofia patrística,
que dentre outros nomes da Igreja destaca Santo Agostinho como um dos
expoentes, pregava a existência de uma lei natural fundada em Deus, universal e
imutável: a supremacia da Igreja sobre o Estado, para quem a cidade terrena é
do pecado, civitas impiorum,
em contraposição a cidade de Deus, civita
Dei.
Foi Santo Agostinho quem primeiro idealizou
aquilo que ele chamou de lex aeterna, não como uma concepção da reta razão humana,
mas sim como uma concepção divina, obra de Deus, e quem
deveria reger o Direito Positivo, ivina, obra
de Deus, e quem deveria reger o Direito Positivoamou
de lex aeterna, nao um dos expoentes, pregava a existencia
ebr lex temporalis.
Se Santo Agostinho era um admirador de Platão,
outro doutor da Igreja cristianizou a filosofia aristotélica. Trata-se de São
Tomás de Aquino, o "Doutor Angélico". Foi com a doutrina escolástica
que São Tomás de Aquino conciliou a filosofia de Aristóteles com os dogmas da
Igreja.
São Tomás de Aquino considerava a Igreja superior
ao Estado, mas também relevava a importância da relação entre ambos, pois sendo
o homem um ser social obrigado a viver no Estado, deveria este propiciar os
meios de realização de uma convivência voltada para o bem-estar comunitário.
Foi o grande conciliador da razão com a revelação, ou seja: da filosofia pagã,
especialmente a aristotélica, com os dogmas da Igreja.
* Antropológico – os princípios supremos do
Direito Natural seriam frutos da razão do homem. Numa terceira versão temos o jusnaturalismo antropocêntrico, com efeito, já é então o
homem que vem de assumir o papel de criador de todo o direito, porém, ainda com
respaldo em algo que não é tão-somente sua vontade livre (positivismo), a esta
fase corresponde a tomada de consciência do homem
naquele sentido que Virgílio Ferreira (1) divisou: o homem é no
reino da criação, não apenas o rei, mas largamente o verdadeiro criador".
Era o homem, sobretudo, se libertando das imposições místicas.
O renascimento. Iniciado em fins do século XIV,
foi marcado pelo homocentrismo, em contraposição ao teocentrismo da Idade Média, inspirador das correntes
filosóficas patrística e escolástica, que encontraram
O homem voltou a ser, a exemplo do que pregavam os sofistas, a medida de todas as coisas. Em face
dessa radical transformação, o Direito Natural sofreu um processo de acentuada laicização, desenvolvendo-se, a partir de então, uma
corrente de pensamento jusnaturalista que enaltecia a
supremacia da razão humana.
É curioso observar que, ainda que
involuntariamente, a filosofia escolástica de Dão Tomás de Aquino contribuiu
para ocorrência desse fenômeno, já que pela razão o homem poderia tomar
conhecimento do Direito Natural, conforme a Lex
Naturalis, concepção formulada por São Tomás de
Aquino.
Essa nova tendência de laicização do Direito Natural, e até certo ponto de
profanação, ganhou projeção no século XVIII, GROTIUS(8)
(1583 - 1645) que por intermédio da Escola de Direito Natural,(9) rompe com o
pensamento jusnaturalista escolástico e em
decorrência dessa ruptura proporcionam o desenvolvimento da ciência jurídica, à
medida que enxergam o Direito como fenômeno que se origina na razão humana, e
não em forças de origem divina ou super-humana, trazendo, assim, o Direito para
o mundo terreno, conferindo-lhe status de realidade criada pelo homem e para o
homem.
O pensamento jusnaturalista
de Grócio consistia em conceber o Direito Natural de
forma independente da existência de Deus. Era a ruptura com os princípios
teológicos da patrística e da escolástica, e também
uma profanação, o que não teria agradado o pensamento da Igreja. Deus passou a
ser visto como parte integrante da natureza de onde também o Direito Natural provém, não em razão de Deus, mas sim da natureza social do
homem, sendo um ditame da razão reta e que indica o que convém e não convém, de
acordo com a razão e a natureza de cada um.
Até o século XIX o Direito não tinha uma posição
definida no mundo da cultura, sendo considerado por muitos como uma arte, tanto
que Celso o definia como a arte do bom e do justo: just
est ars boni
et aequi. Consequentemente
não havia também uma preocupação dos jurisconsultos em situar o Direito
Natural.
A partir daquele século, entretanto, o
positivismo jurídico se expandiu, fazendo surgir a Ciência do Direito, que, em
principio, considerava tão somente a dogmática jurídica, para só depois admitir
a Teoria Geral do Direito como integrante daquela ciência. Estava, portanto
estabelecida a divisão do Direito em natural e
positivo, e com ela outra questão importante, qual seja: indaga-se da
cientificidade do Direito Natural.
Para muitos, o Direito Natural seria uma parte da
filosofia do Direito, e que a Ciência do Direito englobaria apenas o Direito
Positivo; outros vêem no Direito Natural a própria essência da razão no
Direito, e nada mais científico do que demonstrar a razão do que se afirma.
O Direito Natural representa a expressão maior da
dignidade do homem enquanto pessoa, e temos idéia de que o Direito Positivo nem
sempre cumpriu a sua função de preservar a pessoa dos interesses sociais
dominantes, e todas as vezes que os princípios basilares do jusnaturalismo
foram postergados o resultado foi desastroso. Deve, pois, o Direito Natural
servir de base civilizada ao Direito Positivo, até porque nenhum fato, seja ele
qual for, pode existir sem uma base natural de sustentação.
Platão via na lei natural não só uma fonte
inspiradora da lei positiva, com também um modelo para corrigir-lhe erros e
insuficiências, daí a sua preocupação em traçar as metas do que entendia por
Estado Perfeito.
3
Colaboração do Jusracionalismo para o Surgimento do
Fenômeno da Codificação
A colaboração jusracionalista(10) para a
codificação ocorreu basicamente em três diferentes estilos:
1- Permitiu a renovação metodológica do Direito,
fornecendo um caráter racional, científico aos códigos modernos.
2- Os códigos deixaram de ficar sujeitos às
mudanças da vontade humana e sim ao direito natural (jusracionalismo)
e sendo deste sua fonte, apresentaram uma
característica imutável, universal, capaz de instaurar uma "época de paz
perpétua na convivência humana."
3- Os códigos foram providos com uma melhor
estruturação, com um corpo de princípios dotados de unidade e deduzidos
sistematicamente se contrastando com o plano arbitrário dos códigos antigos.
No que diz respeito à primeira hipótese –
renovação metodológica do Direito com bases científicas – se faz necessária uma
introdução sobre o Iluminismo uma vez que foi graças a este movimento
filosófico que obtivemos esta perspectiva de um método científico a ser
empregado.
Se processos ocorridos nos séculos XV e XVI, como
as revoluções científicas, as grandes navegações a e Reforma Protestante, podem
ser tomados como marcos iniciais da modernidade, é a partir do Iluminismo que o
Direito começa a se transformar.
Segundo Reale e Antiseri, o Iluminismo foi:
Uma confiança decidida, mas não
ingênua na razão humana, um despreconceituoso uso
crítico da razão voltado para a libertação em relação aos dogmas metafísicos,
aos preconceitos morais, às superstições religiosas, às relações desumanas
entre os homens, às tiranias políticas: eis a característica fundamental do iluminismo.(11)
Isso apontava a busca por um ordenamento jurídico
marcado pela sistematização, pela unicidade e coerência, que assegurasse acima
de tudo o desenvolvimento racional da sociedade.
De acordo com Francisco Amaral:
Ao Iluminismo ligava-se
diretamente ao Jusracionalismo, a doutrina segundo a
qual a única fonte do conhecimento seria a razão. No campo jurídico, o
racionalismo embasava a doutrina do direito natural, rectius,
do jusracionalismo, que defendia a racionalização e a
sistematização do direito, isto é, a reunião dos princípios e regras num corpo
unitário e coerente, o sistema jurídico. A razão iluminista preconizava, assim,
a idéia de sistema no direito, do que resultaram os códigos e as constituições
do séc. XVIII e XIX. Diz-se, por isso, que a ligação do iluminismo com o jusracionalismo produziu a primeira onda de codificação
moderna. Os códigos são representações sistemáticas do direito e levam ao
desenvolvimento do pensamento sistemático na realização do direito.(12)
O Direito não poderia continuar dominado pela
tradição e pela autoridade. A razão humana deveria tomar a
seu cargo um projeto de renovação dos ordenamentos jurídicos. As regas
deveriam ser claras e facilmente reconhecíveis. Não deveriam se contradizer.
Antes deveriam participar de um sistema coerente.
Para atingir esse objetivo, duas condições
deveriam ser preenchidas:
* A primeira condição era material e consistia na
"criação de um novo sistema jurídico baseado num novo corpo de
fontes". O Direito Natural ou, mais especificamente, o jusracionalismo
se encarregou de preenchê-la.
* A segunda condição era formal e consistia na
necessidade de se encontrar uma nova técnica que possibilitasse a aplicação
pratica desse novo Direito. A codificação foi a
resposta tendo como objetivo principal unificar o direito.
Em função dos ideais jusracionalistas
e iluministas, o movimento da codificação acabou se tornando uma reforma
científica na legislação. Além de tornarem-se mais claros e organizados, os
códigos elaborados na época mudaram sua metodologia para uma análise baseada na
razão, sendo necessárias diversas técnicas para fazê-los.
Em tempo anterior, não era cogente razão lógica
para a criação de uma lei, devia exclusivamente ser tal lei aceita da maneira
que fora feita: por exemplo, na lei das XII tábuas, colocava-se que não poderia
matar outro, pois Deus não autoriza que se tirasse a vida de alguém.
Diferentemente disso a metodologia, a cientificidade agregada aos códigos
exigia uma justificativa lógica e racional para tudo que fosse ser
estabelecido.
Sendo a lógica regente do pensamento científico e
a ciência contemporânea baseada em uma metodologia, para que houvesse a
concepção de um novo código eram imprescindíveis os seguintes procedimentos:
distinguir sujeito de objeto; não deixar que valores pré-existentes no
cientista influenciem no trabalho; seguir rigorosamente as regras estabelecidas
pelo método durante a investigação; praticar as operações de análise e síntese;
obedecer à idéia da regularidade universal necessária à formulação de
"leis" gerais; valer-se de instrumentos tecnológicos adequados;
utilizar-se uma linguagem específica e mais objetiva.
Foi Samuel Pufendorf
quem inicia a elaboração das bases metodológicas de um sistema jusnaturalista autônomo. Em sua obra principal, De iure naturae et gentium
libri VIII (1672), Pufendorf
elabora um sistema racional e livre dos dogmas religiosos, baseando-se na
dedução e na observação. Na verdade, suas reflexões tiveram a influência do
pensamento científico da época, especialmente de Galileu e Descartes. É
interessante mencionar que essa tentativa de construir um sistema influenciou
diretamente no aparecimento das partes gerais dos códigos modernos.
Para este autor, os princípios do Direito
deveriam ser estabelecidos pelo método científico e para que o conhecimento
jurídico o fosse, dever-se-ia apresentar-se de forma neutra no sentido de não
poder emitir qualquer juízo de valor acerca da opção adotada pelo órgão
competente para a edição da norma jurídica.
No que concerne à segunda
hipótese, não há que se olvidar que a codificação traz inúmeras vantagens, como
a de facilitar a visualização dos institutos jurídicos. Traz também
desvantagens, já que muitas vezes estático que é, o
código não consegue acompanhar as alterações pelas quais passa a sociedade e
nem prever a multiplicidade de relações que dela podem emergir. Por tal motivo,
pensando que os códigos fossilizassem o direito, Savigni(13) questionava este
movimento.
Os códigos eram considerados sem
lacunas, não eram interpretados de outra forma que não literalmente, pois eram a expressão da vontade de seu criador, o legislador,
portanto, não havia porque interpretá-lo de forma a modificá-lo. Pretendeu-se
com a racionalização das leis em códigos a sistematização de todos os problemas
jurídicos. Tais princípios eram seguidos rigidamente pela Escola da Exegese.(14)
Para a elaboração dos códigos, os Jusracionalistas desenvolveram os princípios de Direito
Natural. Os princípios mais apontados referem-se ao direito a vida, a
liberdade, a participação na vida social, à união entre os seres para a criação
da prole e a igualdade de oportunidades. O Direito Natural do Jusracionalismo tem a pretensão de assumir-se como um
sistema ideal, independente das circunstâncias. Segundo os Jusracionalistas,
os códigos deveriam ser imutáveis, perpétuos, universais, indispensáveis e
obrigatórios, ou seja, os jusracionalistas defendiam
a unificação e a uniformização da legislação, a qual deveria ser compilada em um código absoluto, compacto e cerrado.
Suas normas valeriam para todos os tempos
enquanto houvesse existência humana e jamais poderiam ser modificadas. Os Jusracionalistas queriam, com isso, dar uma estabilidade as
leis e uma segurança jurídica à sociedade, que não mais ficariam expostas às
mudanças das leis devido a vontade de um soberano.
A universalidade diz respeito às circunstâncias
de que todas as normas do código devem ser cumpridas por todos os seres humanos
e valem em qualquer lugar. Essa validade universal fundamenta-se, pois, na
natureza essencial do homem, que traz em si exigências no que diz respeito ao
seu comportamento e aos seus direitos e deveres fundamentais, relativos ao
comportamento com seu semelhante.
Contudo, afirmar que características da filosofia
jusnaturalista tais como imutabilidade e
universalidade sejam aplicadas na codificação é uma atitude leviana ao passo
que a sociedade está em constante modificação, transformação e para que o direito
cumpra com sua função primordial, que é procurar ao máximo atingir o bem comum
bem como a Justiça, é relevante também dizer que o direito terá sempre que
tentar acompanhar este processo de desenvolvimento social.
Em se tratando da terceira hipótese - os códigos
foram providos com uma melhor estruturação – é importante ressaltar antes de
tudo o conceito atual de código. Para isto, far-se-á uma comparação com um
dicionário da língua portuguesa enquanto que outra obra apresentará o mesmo
conceito, contudo o fará por intermédio de uma linguagem jurídica.
Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio:
"Código sm.
1.(15) Coleção de leis. 2. Conjunto metódico e sistemático
de disposições legais relativas a um assunto ou a um ramo do direito."
Pequeno Dicionário Jurídico:
"Código. Lei que disciplina
integral e isoladamente uma parte substanciosa do direito positivo; por
exemplo: direito civil ou direito penal." (16)
De acordo com ambas as definições acima,
concluímos que há uma linha de raciocínio única e solene na composição de um
código. Este corpo de princípios, dotados de unidade e deduzidos
sistematicamente, se contrasta com o plano "arbitrário" dos códigos
antigos.
No latim primitivo CAUDEX ou CODEX
queria dizer tábua, prancha de madeira. Existe um texto de Sêneca em que se
explica que por esse motivo é que se chamava códice às tábuas da lei porque
eram realmente escritas sobre tábuas de madeira.
O termo significava, portanto, o material em que
se escrevia a lei, mas depois passou a designar a própria lei, independente do
material em que estivesse escrita, chamamos código, por exemplo, à grande laje
de pedra
Mas a semelhança é apenas
de palavras, sob o ponto de vista cultural, as antigas coleções de leis e os
modernos códigos são realidades completamente diferentes.
Importante é afirmar que esta metamorfose, este
desenvolvimento em sua estrutura se deve ao advento do jusracionalismo
na codificação.
Na acepção antiga, Código era um
conjunto de normas jurídicas escritas. A sua organização não obedecia a uma
seqüência lógica e normalmente não passava de condensação das diferentes regras
vigentes. Eram mais compilações(17) do que
propriamente códigos.
Da Antigüidade vêm os famosos
códigos Manú(18) e Hamurabi.(19) Este último
reunia seus 282 preceitos em um conjunto assistemático
e que abrangia uma diversidade de assuntos: crimes, matérias patrimoniais,
famílias, sucessões, obrigações, salários, normas especiais sobre os direitos e
deveres de algumas classes profissionais, posse de escravos...
O Código de Hamurabi
teria sido assim uma súmula jurídica global ao abranger, sobretudo, normas
privadas e penais altamente elaboradas para o seu tempo, mas ainda muito
distantes das estruturas modernas.
O jusracionalismo fez
com que a feitura de um Código não fosse apenas a
reunião de disposições legais, relativas a determinado assunto. Exigiu-se um
trabalho mais amplo, subordinado a uma técnica mais apurada. Codificar o
direito ficou sinônimo de coordenar as regras pertinentes às relações jurídicas
de uma só natureza, criando um corpo de princípios dotados de unidade e
deduzidos sistematicamente.
Pretende, por intermédio de tal filosofia,
representar um sistema homogêneo, unitário, racional, aspirando a ser uma
construção lógica completa, erigida sob o alicerce de
princípios que se supõem aplicáveis a toda a realidade que o direito
deve disciplinar.
O Código Civil Francês de 1804
- Código de Napoleão(20)
- foi o primeiro grande triunfo do movimento de codificação. Antes do
Código Civil, a França vivenciava um pluralismo político e um fracionamento do
seu direito.
O mundo dos Códigos foi o mundo
da segurança quando os valores do liberalismo podiam ser traduzidos numa
seqüência ordenada de artigos. Desta necessidade de segurança, nasceu a idéia
de imutabilidade da legislação e da perenidade dos institutos, principalmente a
propriedade e o contrato. Durante certa época, o ideal e a suprema aspiração
dos juristas foi a elaboração dos grandes Códigos.
Chama-se este período "o Movimento da Codificação".(21)
Este movimento propriamente dito – fruto do Jusracionalismo - tem seu lugar a partir da Idade média,
através da gradativa substituição da autoridade papal
e do imperador pela soberania dos Estados Nacionais. Foi sustentado por
correntes sociais e impulsionado por alguns fatores estratégicos, de cunho
político, econômico e intelectual.
Conforme Francisco Amaral, a codificação pode ser
resumida nas seguintes palavras:
Em senso estrito, significa o
processo de elaboração legislativa que marcou os séculos XVIII e XIX, de acordo
com critérios científicos decorrentes dos jusnaturalismo
e o iluminismo e que produziu os códigos, leis gerais e sistemáticas.(22)
Sua causa imediata é a
necessidade de unificar e uniformizar a legislação vigente em determinada
matéria, simplificando o direito e facilitando o seu conhecimento, dando-lhe
ainda mais certeza e estabilidade. Eventualmente, constitui-se em instrumento
de reforma da sociedade como reflexo da evolução social. Seu fundamento
filosófico ou ideológico é o jusracionalismo, que vê
nos códigos o instrumento de planejamento global da sociedade pela reordenação
sistemática e inovadora da matéria jurídica, pelo que se afirma que os "os códigos jusnaturalistas foram
atos de transformações revolucionárias. (23)
Os códigos, consecutivamente, representariam uma
ruptura da velha ordem, através do estabelecimento organizado, melhor
estruturado de uma nova ordem. Seriam esperança de
segurança jurídica, efetivada através de uma seqüência ordenada e sistematizada
de artigos, que tratassem de forma igualitária todos os cidadãos. Além disso,
pareciam revelar um sistema jurídico auto-suficiente, onde outros corpos
normativos não seriam mais necessários.
Nas célebres palavras de Giselda Hironaka:
Desta era – da era da
racionalização da vida jurídica – resultou, como
conseqüência imediata, a concepção do direito como um sistema. E, como tal, o
processo de codificação se tornou imperioso, visando unificar e uniformizar a
legislação vigente, emprestando-lhe um sistema, uma ordem, uma carga didática,
uma possibilidade melhor, ou maior, de compreensão destas próprias regras e de
comparação destas com outros povos.(24)
Esta foi a importante fase de
organização codicista, que atendeu às
necessidades e reclamos de uma época que visava superar a insegurança. E
apresentou suas vantagens, entre elas – uma que desejo citar – a de
traduzir-se, o código, em instrumental de garantia das liberdades civis.(25)
Fundamental foi também a organicidade,
que não pode deixar de existir. O Código transformou-se em um todo harmônico,
em que as diferentes partes se entrelaçam e se complementam. As partes que
compõem o Código desenvolvem uma atividade solidária, há uma interpenetração
nos diversos segmentos que o integram, daí a dizer-se
que os Códigos possuem organicidade.
A linguagem de um código torna-se clara, precisa
e direta. Nada melhor para ilustrar essa característica que a atitude de
Stendhal que dizia ler diariamente alguns artigos do Código para adquirir as
qualidades de clareza, pureza e precisão.
Uma das grandes características do código passa a
ser, com o advento racionalista, a praticidade do texto. É uma obra prática,
feita por juristas práticos, que não tinham grandes preocupações filosóficas.
Pelo contrário, jamais perderam de vista que este "produto jurídico"
seria aplicado no cotidiano de todas as pessoas.
A codificação significou a tendência para
enfeixar em lei toda a matéria jurídica, em regra, uma
parte do direito, de modo a dar nessa parte, unidade de tratamento jurídico às
relações jurídicas que dela brotam. Tal lei se denomina Código.
Significa a adesão ao direito escrito, ao direito codificado ou legislado.
Nesse caso, em códigos, estão os principais ramos do direito.
4
Influência Jusnaturalista para o advento dos Direitos
do Homem e do Cidadão
Os direitos humanos são princípios internacionais
que servem para proteger, garantir e respeitar o ser humano. Devem assegurar às
pessoas o direito de levar uma vida digna com acesso à liberdade, ao trabalho, à terra, à saúde, à moradia, à educação, entre outras
coisas.
Originalmente, era disseminada a
designação direitos naturais, pois essa categoria de direitos era
tida como universal e imutável, decorrente da própria natureza humana, enquanto
criada à imagem e semelhança de Deus ou enquanto ser racional. Com a evolução
histórica e a positivação desses direitos naturais, passou-se a preferir, nos
países anglo-saxões e latinos, a expressão "direitos do homem",
mas que foi, por ocasião da Segunda Guerra Mundial e
da fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), substituída por
"direitos humanos" na medida em que aquela não necessariamente
contemplava as mulheres.
Lafer localiza as
origens dos Direitos Humanos nas tradições judaico-cristã e estóica da
civilização ocidental. Tais tradições afirmam o valor, a dignidade de cada ser
humano, o ser humano como valor-fonte, seja por ter sido criado à imagem e
semelhança de Deus, seja por ser cidadão da cosmo-polis.
Desenvolveu-se assim a mais que milenar crença ocidental no Direito Natural, um
conjunto de normas jurídico-morais de natureza divina inerentes a cada ser
humano, perante as quais poder-se-ia julgar o direito
positivo como justo ou injusto.
Engrenando ao contexto da Europa pré Declaração Francesa, constataremos o Estado Absoluto,
composto pela ação conjunta do Estado e do Clero com o Cristianismo na forma de
religião oficial.
Foi a doutrina cristã
que mais valorizou a pessoa humana. Concebeu-se vínculo entre indivíduo e a
divindade, superando a concepção do Estado como única unidade perfeita. O homem
cidadão foi substituído pelo homem pessoa e, na escola Patrística
de Santo Agostinho o direito natural era manifestação pura da vontade de
Deus, à qual os direitos terrenos deveriam submeter-se.
Todavia, a Igreja condicionava o cidadão a ser
submisso ao Estado, considerando os hereges como inimigos deste e a autoridade
do soberano era vista como emanada diretamente de Deus.
Nessa fase história, emerge Tomás de Aquino e
suas teorias cristãs. Dele advém a noção de que os direitos humanos se propagam
com maior intensidade, tendo em vista que o postulado cristão emerge como
religião privilegiadora do aspecto humanitário, com
caráter universal, não estando centrada em um único povo, pois preceitua
atingir a todos indistintamente.
O sentido universalista cristão tomou vastas
dimensões no período medieval abrindo caminho para um direito natural.
Surge a inquisição como sistema penal, com fins
de subtrair confissões. A tortura, instrumento característico na Idade Média,
continuava a ser utilizado no contexto dessa política governamental,
principalmente contra os adversários de idéias e opiniões formulados pela
Igreja juntamente com o Estado. As confissões obtidas eram forçadas e com
tamanha produção de pavor e injustiças, surgem as
críticas contra o Estado, baseadas na afirmação de uso do poder arbitrariamente
por este.
Emerge, em meio a esse quadro, na Europa, uma
tradição de garantias do indivíduo que propiciou o surgimento da doutrina contratualista, a qual inverteu a fonte e origem do poder
de Deus para os próprios homens.
Movimentos com objetivo de promover mudanças
(podemos citar o próprio Iluminismo) vem à tona.
Aparece o conceito de Contrato Social que demarca uma primeira aproximação
(moderna) sobre os direitos humanos, na qual os indivíduos passam a pactuar
comportamentos e condutas individuais e coletivas, renunciando alguns direitos
em prol da preservação de outros, como a vida, a propriedade, a liberdade, a
igualdade como forma de saírem de um estado primitivo. Com isso, tais direitos
preservados vincular-se-iam a todo sistema estatal e social, tornando-se
eternos e inalienáveis, existindo, para o Direito Natural, independentemente de
seu reconhecimento pelo Estado, já que diretamente relacionados com a natureza
do homem.
A burguesia, como nova classe social, ascende. O
homem passa a ser visto como centro do Universo, há
forte apelo à razão natural, considerando como base, não mais Deus, mas o
próprio indivíduo. Surge uma nova concepção jurídica baseada no jusnaturalismo, com princípios da igualdade formal e da
universalidade do Direito.
O Jusnaturalismo
espalhou-se por toda a Europa e América ( a partir do
século XVII ), servindo como base doutrinária para as declarações de direito da
centúria seguinte, aonde tais documentos passaram a enunciar formal e solenemente
os direitos fundamenteis dos individuais ( esses documentos representavam
verdadeiros manifestos políticos das novas forças sociais emergentes ). Ou
seja, surge como um dos primeiros fundamentos filosóficos dos direitos humanos,
enquanto "corrente ideológica defensora de um direito
existente além do direito positivo.
Os direitos individuais não eram considerados
advindos ou criados pelo Estado, mas somente declarados por ele, para
existirem, já que eram deduzidos da natureza humana –advindos
do Direito Natural. Visto isso, era vedado ao Estado intrometer-se na esfera
dos direitos individuais, cabendo-lhe zelar por sua observância e conservação.
Os principais direitos eram: a vida, liberdade, segurança, propriedade,
resistência, opressão. A igualdade dos homens era reconhecida à medida que se
conferia a titularidade de tais direitos a todos os indivíduos indistintamente.
A Idade Moderna caracteriza-se pela ruptura do
direito natural e religião, posto que tal direito passa
a figurar no plano da racionalidade, sendo considerando como migrado da razão
humana e não mais de uma entidade divina. Assim, o direito passa a emanar da
razão, tornando-se o homem objeto do pensamento jusnaturalista.
É nesse contexto que os direitos humanos surgiram
a partir do pensamento racional do próprio homem acerca da sua dignidade
enquanto ser humano.
Kant tem a justiça como princípio universal. Suas
idéias permitiram o desenvolvimento posterior de legislações internacionais que
culminaram na célebre Declaração Universal dos Direitos do Homem (...) que
colocou suas bases para a transformação do indivíduo singular em sujeito de
direito internacional. O desenvolvimento de um moderno direito internacional
dos direitos humanos tem, saibam ou não os seus pregadores e defensores, uma
forte influência do filósofo Konigsberg com a idéia
de uma cidadania cosmopolita, abrangendo todos os seres humanos, potenciais
cidadãos do mundo.
Os Direitos Individuais estão inseridos nos
princípios gerais de dos:
Direitos civis - são
o direito a igualdade perante a lei; o direito a um julgamento justo; o direito
de ir e vir; o direito à liberdade de opinião; entre outros.
Direitos políticos - são
o direito à liberdade de reunido; o direito de associação; o direito de votar e
de ser votado; o direito de pertencer a um partido político: o direito de
participar de um movimento social, entre outros.
Direitos sociais - são
o direito à previdência social; o direito ao atendimento de saúde e tantos
outros direitos neste sentido.
Direitos culturais – são
o direito à educação; o direito de participar da vida cultural; o direito ao
progresso científico e tecnológico; entre outros.
Direitos econômicos - são
o direito à moradia; o direito ao trabalho; o direito à terra: o direito às
leis trabalhistas e outros.
Direitos ambientais - são os direitos de
proteção, preservação e recuperação do meio ambiente, utilizando recursos
naturais sustentáveis.
O jusnaturalismo
exerceu uma grande influência seja na codificação, seja no auxílio da
construção deste patrimônio sólido que a humanidade deixa a seus sucessores que
foi a concretização dos direitos do homem e do cidadão.
No que concerne ao fenômeno da codificação cabe
afirmar:
O Iluminismo propôs uma nova
visão de mundo; o jusnaturalismo traduziu essas
idéias para o Direito, permitindo a renovação de seus métodos e fornecendo
elementos para a construção de um novo sistema: o movimento da codificação
completaria a transição, servindo de forma para os novos conteúdos. (26)
O código é a expressão de uma cultura evoluída e
isto não apenas segundo o padrão dos critérios da época. Nesse ponto quase
único na historia da legislação européia, ele apresenta um plano global da
construção do Estado a partir dos fundamentos de base da sociedade humana. Essa
organização só fora possível pela antropologia do jusracionalismo.
Essa estrutura teórica foi por último completada pelo
pragmatismo e pelo sentido histórico que impregnou o último jusracionalismo
a partir de Thomasius e Montesquieu. Agora já
não se tratava de conceitos gerais, mas da apreensão da realidade objetiva. O
código deve à ética política e à capacidade de apreensão do seu autor, Svarez, a sua forma lingüística, já enobrecida pelos
progressos da literatura clássica alemã; à paixão pedagógica do iluminismo, a
sua clareza e caráter popular, que o tornou familiar à população dos campos e à
burguesia da Prússia.
Faz-se necessário afirmar que os códigos com
princípios jusracionalistas tiveram papel
preponderante para a sistematização do Direito como nunca ocorrera em épocas
passadas. Esta corrente filosófica foi responsável em trazer ao mundo jurídico
uma visão racional assim como uma nova estrutura que seguia parâmetros de
organização fundamentais para a melhor interpretação e entendimento desta obra
jurídica.
O jusracionalismo não
somente unificou o direito, dando em lei toda matéria jurídica, como também o
impulsionou a uma apresentação de forma orgânica, sistemática. Isso se deve em
virtude de suas regras passarem a observar princípios gerais informativos do
todo, acabando, por conseguinte, a codificação com a legislação dispersa.
Por outro lado, seus idealizadores cometeram o
deslize de buscar restringir o desenvolvimento do direito, uma vez que consideravam que os códigos eram perfeitos e imutáveis, o
que é um equivoco, já que o Direito é vivo e dinâmico e deve ser apto a
adequar-se a uma sociedade cada vez mais ávida por avanços científicos,
econômicos como também sociais.
Em relação ao legado que nos foi conferido –
Direitos do Homem e do Cidadão – é importante mencionar que foi a luta contra a
opressão que ajudou o surgimento dos direitos humanos. A luta pela liberdade e
pela vida, liberdade esta que proclamou a independência de regimes econômicos,
sociais e políticos que oprimiam ou oprimem.
O conceito de direitos humanos é, pela tradição
no Ocidente, tratado principalmente pelo marco do direito constitucional e do
direito internacional, cujo propósito é construir instrumentos institucionais à
defesa dos direitos dos seres humanos contra os abusos do poder cometidos pelos
órgãos do Estado, ao mesmo tempo em que busca a promoção de condições dignas de
vida humana e de seu desenvolvimento. Os princípios elencados
nas características do Direito Natural serviram de base para a construção
destes direitos que defendem acima de tudo a honra e a dignidade humana.
No ordenamento jurídico brasileiro, encontramos
na Lei Maior tais princípios consagrados no artigo 5º da Constituição Federal
onde acredito ser importante destacar:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição;
III - ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de
crença (...);
Foi por intermédio de tais vitórias em prol da
própria humanidade que obtivemos reconhecidos solenemente a dignidade da pessoa
humana, o ideal democrático, o direito de resistência a
opressão bem como os direitos básicos e as liberdades fundamentais que
pertencem a todos os seres humanos, sem distinção de raça, cor, sexo, idade,
religião, opinião política, origem nacional ou social, ou qualquer outra. Em um
mundo onde tudo que se adquire é com perseverança e determinação, a conquista
dos Direitos Individuais pode ser certamente considerada um dos maiores
triunfos do homem uma vez que modificou toda uma antiga tradição que via o
cidadão plenamente subordinado aos interesses do Estado.
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_____________________________________________________
(1) WIEACKER. História do
direito privado moderno, p 280.
(2) HOBBES. Leviatã,
parte 1ª, cap. XIV.
(3) Conjunto de regras de direito
de caráter obrigatório, podendo, para seu cumprimento, o Estado utilizar-se da
coação. O direito positivo se divide em dois grandes grupos: o direito público
e privado. As normas de direito positivo são sempre abstratas, não se dirigem a
ninguém em particular. É regionalizado, mutável e
perecível criado pelo homem. Espelha a realidade jurídica de um povo em uma
determinada época. Possui, portanto dimensão territorial e temporal fixada.
Nada mais é que o ordenamento jurídico vigente
(4) Chamamos juspositivismo
o posicionamento dos que só admitem um Direito posto,
ignorando o Direito Natural e, por vezes, negando sua existência. Noutros
termos, os juspositivistas pensam e agem, ainda que
nem sempre explicitamente, como se a lei dada pelo Estado criasse a verdade:
está na lei, cumpra-se! Segundo João Baptista Herkenhoff,
prócere das teses alternativistas, o juspositivismo "reduz o Direito a um papel mantenedor
da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço
da defesa da lei e dos valores e interesses que guarda e legitima, numa
fortaleza inexpugnável." Para esse autor – que resume a teoria juspositivista com maestria – isso é o positivismo: se o
Estado cria uma lei, cria uma verdade. E como tal, essa verdade deve ser
defendida até que outra verdade – muitas vezes oposta! – tome seu lugar, em
nova atividade legislativa estatal. Nisso reside a
essência do contra-senso juspositivista, e os
exageros kelsenianos, autêntico produto da filosofia
liberal do século XVIII.
(5) MONDAINI. O Socialismo
liberal de Norberto Bobbio, p. 2.
(6) BATISTA. O ilógico
necessário: considerações acerca da crise da codificação jusracionalista, p.9.
(7) Catecismo da Igreja Católica, §
1959.
(8) Hugo Grócio,
primeiro expoente da Escola Clássica, defendia a tese de que o direito natural
seria imutável e universal. Para ele, a essência do homem nunca mudaria com o
passar do tempo, logo, se o direito é obra da natureza humana e esta não muda
com o tempo, o direito também seria imutável. Hugo Grócio
é geralmente apontado como o fundador do moderno jusnaturalismo.
Em suas obras mais famosas, Maré liberum (1609)
e De iure belli ac pacis
libri tres (1623), ele
busca no Direito das Gentes que pudesse ser universalmente reconhecido.
(9) Para esta escola, o jusnaturalismo era um produto exclusivo da razão humana,
igual para todos os povos e comum para todos os tempos. Ao assentar as bases do
jusnaturalismo nos princípios da razão eterna e
imutável, lançou as sementes do iluminismo.
(10) Na modernidade, surge um novo
Direito Natural. Seu fundamento não é a natureza, como na antiguidade, nem o
Direito divino, como no medievo. Seu fundamento é a razão humana a partir desses
princípios axiomáticos outros mais específicos poderiam ser deduzidos,
construindo-se assim, um completo sistema de normas.
(11) REALE; ANTISERI. A razão
na cultura iluminista. In História da Filosofia, p. 669.
(12) AMARAL. A equidade no Código
Civil Brasileiro, p 68.
(13) Fundador da Escola Histórica,
acreditava que o Direito provem do povo e é um objeto da Historia, evoluindo e
se transformando constantemente. As leis, uma vez em vigor, coordenam-se e subordinam-se
umas as outras, integrando o ordenamento jurídico, e interpreta-las é
esclarecer a ractio legis.
Para tanto, numa só operação, deve o interprete considerar os métodos
gramatical, histórico e sistemático.
(14) A Escola da Exegese, também
conhecida como Escola dos Glosadores e Escola Filológica, compreende o direito
a partir de esquemas lógico-formais criados para interpretar a lei
literalmente, nada acrescentando ou retirando da regra interpretada, buscando
atingir o seu espírito, guiando-se o intérprete pelas verdades legais
estabelecidas, segundo as quais não há Direito fora dos códigos. As soluções
legalmente propostas são justas para todos os conflitos e as palavras são tão
claras que não comportam interpretação equívoca, por ser clara, dispensa
interpretação contrária a intenção do legislador,
devendo ser somente aplicada a interpretação do texto legal, sua exegese pura e
simples, nisso fica reduzida a tarefa do cientista do direito. Com isso, a
referida escola reduz o Direito ao formalismo extremo, na vã tentativa de
imobilizá-lo, como se a realidade social, sempre dinâmica, pudesse permanecer
engessada no tempo e no espaço, sem conexão com o mundo das normas, e nisso
reside seu caráter peculiar, traduzido na expressão de NORBERTO BOBBIO como
"... a admiração incondicional pela obra realizada pelo legislador através
da codificação, uma confiança cega na suficiência das leis, a crença de que o
código, uma vez promulgado, basta-se completamente a si próprio, isto é, não
tem lacunas: numa palavra, o dogma da completude jurídica"(NORBERTO
BOBBIO. Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 121, Ed. UNB).
(15) AURÉLIO. Dicionário da
língua portuguesa, p 242
(16) PAULO. Pequeno dicionário
jurídico, p.83
(17) Compilações são repertórios
de normas que, em geral, obedecem a critérios cronológicos, com divisões, às vezes,
por matéria, e que conhecemos, sobretudo quanto às decisões jurisprudenciais.
Junção, reunião de textos.
(18) Escrito em sânscrito e
elaborado entre o século II a.C. e o século II d. C., o Código de Manú é a
legislação mais antiga da Índia. Representa historicamente uma primeira
organização geral da sociedade, sob forte motivação religiosa e política. exemplifica a situação do direito nos povos que não chegaram
a distinguir a ordem jurídica dos demais planos da vida social.
Da premissa de que a humanidade passa por quatro grandes fases, que marcam uma
progressiva decadência moral dos homens, os idealizadores do código julgavam a
coação e o castigo essenciais para se evitar o caos na sociedade.
Encontramos neste código, ao lado de uma extensa e "sistematizada"
determinação de preceitos jurídicos (com cominação de sanções seguindo uma
escala coerente), uma série de idéias sobre valores como verdade, justiça e
respeito. Os dados processuais que se baseiam sobre credibilidade dos
testemunhos atribuem diferente validade à palavra dos homens conforme a casta a
que pertencem. A mulher se acha sempre em extrema desvantagem e em condição
totalmente passiva dentro da sociedade. A honra das pessoas e sua situação
dentro da aplicação do direito, dependia da condição da casta.
O código era bastante detalhado e meticuloso e previa vários tipos de
problemas, nos campos penal, civil, comercial, laboral,
etc., trazendo ao início uma extensa série de artigos sobre administração da
justiça, modos de julgamento e meios de prova.
(19) O "Código" de Hamurábi revela um esforço de unificar a aplicação do
direito, sistematizando a administração da justiça e a estimação das condutas.
Há quem ache que ele foi um reformador avançado para seu tempo uma vez que
apresentava claramente um prólogo de um epílogo.
O texto consta de 282 dispositivos legais, antecedidos pelas invocações do
prólogo e sucedidas pelas apóstrofes do epílogo.
Consagrando a pena de Talião, (olho por olho, dente por dente), o código reunia
os seus 282 preceitos em um conjunto assistemático e
que abrangia uma diversidade de assuntos: crimes, matéria patrimonial, família,
sucessões, obrigações, salários, normas especiais sobre os direitos e deveres
de algumas classes profissionais, posse de escravos,... Podemos, então,
observar que o código quase não foge aos problemas jurídicos, aos quais
regulamenta com estritos detalhes. Ao corpo de leis de Hamurábi
faltam traços de técnica que só com os romanos se tornaram definitivas.
O Código de Hamurábi teria sido assim uma súmula
jurídica global, abrangendo sobretudo normas privadas e penais, altamente
elaboradas para o seu tempo, mas ainda muito distantes das estruturas modernas.
Mencionado e encarado durante muito tempo como o código mais antigo do mundo, o
monumento legislativo de Hamurábi não o foi,
entretanto.
(20) Codificação inspirada por
Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), que começou a vigorar em 1804, ainda vigente.
Sua orientação individualista fê-lo importante
veículo de desenvolvimento do capitalismo. O Código Francês procurou harmonizar
o Direito Romano com o direito público costumeiro, em essência rendia homenagem
à doutrina dos direitos do homem, colocava o indivíduo frente ao Estado em
posição superior e sancionava a autonomia do direito privado em relação com o
direito público. Seu espírito reflete a mentalidade individualista da época.
Foi considerado o Código da Burguesia, por ter atendido aos interesses e
aspirações desta classe, não se redigiu no propósito de ser lei de privilégios,
ao contrário, a intenção foi elaborar um código impessoal, expressão eterna das
coisas, para ser aplicado sem distinção de classe, e sem limite de tempo.
Funda-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade
como direito absoluto, e na responsabilidade civil fundada na culpa provada
pelo lesado. Inspirou o antigo Código Civil Italiano, bem como o Espanhol, o
Português, o Belga, o Holandês, o Romeno, o antigo Código Civil Egípcio e os de
Quebec e de Louisiana.
(21) A codificação é um movimento
jurídico aparecido no Ocidente no século XIX, em função do qual
os direitos ocidentais, quanto à forma, se dividem em: direito
continental, ou direito codificado, que compreende o grupo francês, tendo
por ponto de partida o Código de Napoleão ( Code
Civil des Français), e o
grupo alemão; e sistema do Common Law ou do grupo Anglo- Americano. Pode-se dizer que, na
civilização européia, ressurge, no século XVIII, o movimento codificador. Não
se manifestou, a princípio, em códigos, mas em compilações, isto é, em reunião
de leis esparsas ou de costumes, só em 1804 surge o primeiro código moderno: o
de Napoleão (Code Civil des
Français ou Code Napoléon).
Esse movimento significa a tendência para enfeixar em lei toda a matéria
jurídica, em regra, uma parte do direito, de modo a dar, nessa parte, unidade
de tratamento jurídico às relações jurídicas que dela brotam. Tal lei se
denomina Código. Mas, codificação, como movimento jurídico, não é a
feitura de um código. Muitos países que pertencem ao sistema da Common Law têm alguns códigos.
Significa sim a adesão ao direito escrito, ao direito codificado ou legislado.
Nesse caso, em códigos, estão os principais ramos do direito.
Acaba a codificação com a legislação dispersa. Apresentando, quase sempre,
tratamento jurídico novo.
(22) AMARAL. A equidade no
Código Civil Brasileiro, p 122.
(23) AMARAL. A equidade do Código
Civil Brasileiro, p 123.
(24) HIRONAKA. Direito civil:
estudos, p.96.
(25) HIRONAKA. Direito civil: estudos,
p.97.
(26) GIORDANO. Introdução à
história do direito privado e da codificação, p.27.
*Graduando de Direito do Centro Universitário de Brasília - UNICEUB
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_75/index.htm > / Acesso em : 18 out. 2006