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Funções lingüísticas predominantes na Teoria Tridimensional de Miguel Reale
Ricardo Régis Oliveira Veras *
“Criar é dar forma
ao próprio destino”.
Albert Camus
INTRODUÇÃO:
Não há como compreender determinado conteúdo sem a base de uma linguagem. A
linguagem intenta reproduzir, por meios diversos, uma dada representação do
repertório objeto de estudo. A Semiótica, ciência responsável pelo estudo da
linguagem, não está adstrita à interpretação de sinais e de símbolos, mas se relaciona
com os signos como um todo. Nessa sorte, o Direito e, mais detidamente, a norma
jurídica, não estão alheios à influência desse ramo científico, podendo, dessa
sorte, serem interpretados com base nos pressupostos da semiótica1 .
São três as dimensões essenciais da semiótica, segundo DINIZ2 : a
pragmática, a sintaxe (estrutura) e a semântica. A primeira exprime uma ação,
sendo representada por verbos; a segunda concerne ao jogo de conexões entre os
diversos elementos do repertório, reproduzindo conjunções e preposições; a
terceira parte cuida da significação e da qualificação (semântica) de uma dada
ação ou dado objeto. São os adjetivos e os advérbios.
O objetivo do presente trabalho é o de especular (e o de correlacionar) acerca
das funções lingüísticas correspondentes ou majoritárias na teoria
tridimensional de Miguel Reale.
A divisão seguirá à seguinte correlação:
1. Função fática, pragmática e fato jurídico;
2. Função referencial, sintaxe e norma;
3. Função poética, semântica e valor.
REPERTÓRIO FÁTICO:
A função fática, além de meras balbúcias ou de diálogos vazios e sem conteúdo,
tem por objetivo testar o veiculo pelo qual seve de condução à mensagem, para
fins de nitidez da expressão canalizada. A utilização da função fática repousa no
cotidiano bem como nas ações em que é desencadeado o fator humano. CHALHUB3
, ao versar sobre a função fática, expõe que:
“Se a mensagem centrar-se no contato, no suporte físico, no canal, a função
será fática. O objetivo desse tipo de mensagem é testar o canal, é prolongar,
interromper ou reafirmar a comunicação, não só no sentido de, efetivamente,
informar significados.”
REALE4 defendia que o fato é a dimensão essencial do direito. No
entanto, o referido jus-filósofo advertia-nos de que o Direito não poderia ser
redutível ao fato. Em palavras outras e com sentido aproximado, expõe Isenberg,
conforme a dicção de KOCH5 , que o aspecto pragmático é determinante
do sintático e do semântico. A previsão normativa, quer seja o fato não
materializado, dá ensejo à concepção da hipótese, cujo fato é descrito em lei.
RODRIGUES demonstra que a dimensão fática:
“...a expressão fato, em seu sentido amplo, engloba todos aqueles eventos,
provindos da atividade humana ou decorrentes dos fatos naturais, capazes de ter
influência na órbita do direito, por criarem, ou transferirem, ou conservarem,
ou modificarem, ou extinguirem relações jurídicas”.
Defendemos que a cisão entre a denotação e a conotação segue um modelo
puramente convencional e arbitrário. No jargão formal jurídico, em que pese os
medrados esforços da univocidade dos conceitos terminológicos, há expressões
que possuem um sentido plurívoco e com inúmeras significações. Sensível à
dicotomia conotação/denotação, KOCH7 defende a seguinte afirmação de
Schimidt:
“A linguagem... já não é considerada primariamente um sistema de signos,
denotativo, mas um sistema de atividade ou de operações, cuja estrutura
consiste em realizar, com a ajuda de um número aberto de variáveis e um
repertório fechado de regras, determinadas operações ordenadas, afim de
conseguir um dado objetivo, que é a informação, comunicação,estabelecimento
para contato, automanifestação, expressão e (per)formação da atividade (p.9)”.
A utilização da língua implica na realização de ações verbais, cujas atividades
têm por fito a permuta de representações, além da concretização de metas e de
interesses. A elaboração de textos segue o resultado da ação verbal, por meio
da qual não é considerado um produto estanque e acabado, mas constitui um processo8
. De mesmo modo, a sucessão de fatos repercutidos no mundo jurídico, é uma
forma de verbalização, cuja consumação visa à realização de um fim próprio. Em
razão da atividade impressa pela ação verbal, professa KOCH9 , com
base na exposição de Wunderlich:
“O objetivo da teoria da atividade é extrair os traços comuns das ações
plaanos de ação e estágios das ações, e pô-los em relação com os traços comuns
dos sistemas de normas, conhecimentos e valores. A análise do conceito de
atividade (o que é atividade/ação) está estreitamente ligada à análise do
conhecimento social sobre as ações ou atividades (o que se considera uma ação).
A teoria da atividade é, portanto, em parte uma disciplina de orientação das
ciências sociais, em parte também, filosófica e de metodologia da Ciência. A
relação com a lingüística está em que o fundamento pragmático da teoria da
linguagem deve enlaçar-se com a teoria da atividade e que, por sua vez, a
análise lingüística pode contribuir de alguma forma para o desenvolvimento da
atividade. (p.30)”.
Despojado do elemento fático, não haveria como conceber uma sintonização na
seara jurídica. A demonstração plena opera-se por meio da instrumentalização
das provas. Por seu turno, as provas assumem papel de “gancho”: Intenta
reproduzir o ocorrido, por um meio distinto do original (v.g., por escrito),
além de testar o liame entre o ocorrido e o narrado ou articulado pelo pretenso
titular de direito. São as provas, pois, dotadas de natureza tautológica.
O plano da pragmática contempla o núcleo da ação (ou inação) manejada por um
verbo descrito na norma. Por seu diapasão, o verbo contempla uma hipótese de
incidência, cuja consumação fática possibilita a prática de outra ação ou
conseqüência imposta pelo verbo modal “dever ser”.
A função fática cristaliza o momento (a ação deflagrada), estabelecendo liame
entre o objeto de interesse e a função lingüística correspondente, quer seja, o
de testar a eficiência do canal veiculado por meio da peça proemial articulada,
cuja ponte diz respeito à colação de provas acostadas e demais produzidas em
juízo.
A função fática ressente da necessidade de um retorno (feedback). Ainda,
é a base fundante das demais funções, ensejando, dessa arte, um processo
inicial de desenvolvimento da matéria cognoscível. Permite, igualmente, maior
intimidade além de exploração do conteúdo a ser abordado. Testifica mensura e
qualifica entre os fatos aduzidos em detrimento dos efetivamente provados e
colacionados.
Uma latente redundância (fática) é a peça inquisitiva no Processo Penal e a
posterior produção probatória nos autos. A diferenciação entre fatos,
procedimento administrativo e processo levam à necessidade de re-testar os
parâmetros aduzidos na peça acusatória. O objeto, em nítida dicção, tem por
condão gerar maior estabilidade e segurança jurídica. A nitidez do canal no
processo penal, por força da potencial privação da liberdade estar sendo
contemplada, deve assumir maiores índices de pureza e de clareza possíveis.
SINTAXE NORMATIVA:
A forma garante a inteligibilidade. A intelecção do código (lingüístico)
emitido, quer seja por meio da norma quer seja por contrato ou por costumes, e
para uma observância eficaz, deve partir da compreensão de toda a comunidade.
Aliás, comunicação é um ato de intelecção sem o qual não se pode tornar comum,
nem promover a comunhão de todos: No mesmo sentido professa BLIKSTEIN10
. A comunicação formal da lei é por escrito e sua materialização (expressão)
ganha corpo a partir da publicação oficial.
A corporificação da estrutura segue o modelo do sintagma. Os elementos do bojo
repertoral não são jungidos casualmente, mas seguem liames previamente
estipulados (pelo aspecto decisional do legislador). Por ocasião da
inter-relação entre os componentes, explicita CHALHUB11 acerca de
sintagma:
“É já o efeito de operação de seleção, é a combinação, reunião dos elementos
do paradigma em um contexto, a mensagem. A característica dos elementos do
sintagma é a contigüidade das seqüências, que apresentam elementos de nexo
entre elas - nexos de subordinação, ou nexos de coordenação”.
Concluímos, pois, o sintagma como um escalonamento de plexos entre os objetos,
de azos a formar uma estrutura correspondente. Dividem-se os plexos em parataxe
(coordenação) e em hipotaxe (subordinação). O primeiro (parataxe), diz respeito
à coordenação entre os objetos. O liame desse conectivo não tem o condão de
gerar a dependência de um em relação ao outro, mas o de preservar a
independência. Parataxe significa, igualmente, correr ao lado de; por sua vez,
a hipotaxe significa dependência de um em relação ao outro, por sorte que o
acessório segue a fundação do principal. O efeito é subordinante e sua natureza
de é a de pressuposição.
Enquanto sistema de linguagem, o escalonamento das normas segue o modelo
sintático fornecido pela semiótica O Direito Positivo levanta os institutos e
ciência jurídica, por seu caráter metódico, sistematiza tal conteúdo,
buscando-se os nexos de interação, o que professa VASCONCELOS12 :
“O Direito é, pois, uma ordem normativa. Um sistema hierárquico de normas,
para empregar a expressão de Kelsen. Suas partes se integram na formação de um
todo harmônico, com interdependência de funções. Cada norma ocupa posição
inter-sistemática, única para espécie. A essa ordem, assim estruturada, denomina-se
ordenamento jurídico”.
Sensível aos possíveis paradoxos como o de Russel13 , e sendo
impossível resolvê-los pelos critérios acima expostos, o matemático Louis
Hjelmslev acrescentou um terceiro liame que é denominado interdependência. Por
interdependência entendemos a mútua subordinação entre o continente e o
conteúdo, já que um é dotado da natureza intrínseca da do outro.
É, através da utilização do jogo de conectivos, que se demonstra a suficiência
ou a autonomia de um ramo científico com relação ao outro. Em breve nota,
percebe-se o nível de maturação lingüístico (critério que, aliás, é utilizado
nos testes de proficiência em língua estrangeira) na seguinte ordem: 1°
coordenação; 2° subordinação; 3° interdependência. O status deste último recebe
a verdadeira condição de científico.
Cada elemento do sintagma, jungido aos demais, forma uma fração denominado
paradigma. O corte desta vez é vertical, o que garante a individualidade face
aos demais (elementos do repertório).
A estruturação da norma concerne, ainda, segundo CARVALHO14 , a
regras de comportamento e regras de estrutura. Professa o autor que as
primeiras são colmatadas para a conduta das pessoas, ao passo que as segundas
disciplinam a interação e o expurgo das normas no sistema, além de conceber
procedimentos e organização.
A Norma Hipotética Fundamental, enquanto valor maior, não se prova nem se
explica. Isto por causa, segundo a doutrina de CARVALHO15 , ser
dotada de natureza axiomática e, por ser um artifício do pensamento humano, dota-se
de natureza irracional (intuitiva), quer dizer, não redutível às regras da
razão.
Cogitamos que, talvez, a fundamentação e a coesão sistêmicas imprimidas pela
Norma Hipotética Fundamental, têm por pressuposto o liame de interdependência
inserta no bojo dos princípios magnos da Carta Política.
EFEITO VALORATIVO:
Por traz da forma há um conteúdo, e seu valor ético não poderá ser ignorado. O
fenômeno jurídico é uma expressão da cultura e aspira aos reclamos da sociedade
que, através dos processos de formação das normas, cristalizam, por determinado
momento, esse desejo. Concerne o conteúdo à menção contida na norma (mens
legis) ou, por outro viés, à menção dos representantes do povo (mens
legislatoris). Por força correlativa, a menção expressa um conteúdo, um
sentido, uma mensagem própria do discurso jurídico. A partir da mensagem e do
conteúdo pautado na norma, repousa a função poética, o que já se manifestou
CHALHUB16 :
“Sabemos que uma das atualizações discursivas da linguagem é a sua
configuração poética, quando o fator predominante é a mensagem, com um modo
muito peculiar de mostrar-se”.
Reforça, ainda, CHALHUB17 :
“Qualquer sistema de sinal, no sentido de sua organização, pode carregar
entre si a contração poética, ainda que não predominantemente. Uma foto pode
estar contaminada de traços poéticos, uma roupa pode coordenar, na sua montagem
sintagmática, o equilíbrio de cor, corte e textura do tecido, um prato de
comida pode desenhar sensualmente, a forma e cheiro do cardápio, uma
arquitetura pode exibir relações de sentido entre o especo e a construção, a
prosa pode aspirar à poeticidade...”.
De modo que a Ética comporta um juízo valorativo, explicita REALE18
:“...Juízo é o ato mental pelo qual atribuímos, com, caráter de necessidade,
certa qualidade a um ser, a um ente”. Ainda, o elemento verbal que conecta o
ser ao seu predicado é o verbo copulativo, sendo, geralmente, o verbo ser.
Quando afirmamos que “Joana é bonita”, a sintaxe contempla o verbo copulativo
“Ser” ligando o Sujeito “Joana” ao valor adjetivado “Bonita”. Da sintaxe
depreendemos se o elemento copulativo é temporário (estar), em contraste da
qualidade intrínseca (ser) do mesmo. Com base na filosofia cartesiana, o
sujeito ocupa o eixo vertical e sua predicação, o eixo horizontal; finalmente,
o liame formado pela intersecção entre os dois elementos é o verbo de ligação
(objetivo ou foco de ação ou de qualificação). Como observamos a norma enquanto
dimensão essencial de conexão entre a o repertório fático da conduta humana e a
sua valorização, explica VASCONCELOS19 :
“A norma é o momento sintético do processo integrativo entre fato e valor,
que se ligam por nexos de polaridade e de implicação. A função do valor
consiste em fazer valioso o fato, sem que isso esgote sua potencialidade. O
modelo comporta, pois, a previsão de um fato, com base no qual se anuncia, como
devendo ser, uma determinada conseqüência tida por valiosa”.
Como o objeto de estudo está alheio à natureza do pesquisador, utiliza-se a
conjugação verbal na terceira pessoa. A separação entre o ser cognoscente e o
objeto cognoscível enseja a formulação de um juízo crítico imparcial, pautado
nas observações. Desse modo, há a utilização do juízo crítico “ou...ou...”, resultando
no fracionamento do objeto em diversos componentes. A tradicional vertente
científica perquire as relações dos elementos do repertório, escalonando-os
segundo a natureza constitutiva. É nesse sentido que a ciência valoriza as
formas em detrimento das substâncias, já que imprime uma maior inteligibilidade
por força da lógica binária ou disjuntiva (ou preto ou não preto).
Enquanto o juízo disjuntivo disseca as formas, o juízo aditivo “e...e...”
acrescenta qualificações e valores ao objeto. O juízo aditivo, igualmente,
reclama a recomposição do objeto pela dialética, isto é, pelo acréscimo de
qualidades ao objeto.
Por certo que a dialética, pelo seu caráter universal, confunde o ser
cognoscente com o objeto cognoscível, de sorte de que como os valores não integram
o objeto especificamente (pois são atributos), passam a compor as qualificações
e valorações impressas pelo ser cognoscente (sabe-se que os valores não
integram o objeto de estudo, mas são percepções de um sujeito ou interessado).
Assim sendo, a dialética não se preocupa com a pureza das formas, no entanto
focaliza os matizes substanciais com que o espectro se apresenta. Esclarece
Scheeller, por SOUZA FILHO20 , que valor é um sentimento de não
indiferença com relação a determinado objeto, já que a simples relação de
observação ao objeto de estudo, dota-se de determinado interesse ante o mesmo.
Sempre há um maior ou menor afeiçoamento, o que se contesta a imparcialidade do
juízo crítico formulado.
O recurso metodológico aqui abordado é teleológico: não há explicação, eis que
o valor tem um sentido sintético, já que objetiva a compreensão do conteúdo
expresso. O que deve pairar sobre as ciências humanas é a informação (cujo
objetivo não é o de explicar, mas o de apreender o conteúdo e o de compreender).
Os recursos analíticos, próprios da interpretação literal e lógica, não esgotam
satisfatoriamente a matéria em comento, mormente quando se tratam de objetos
culturais. A análise parte do epicentro (do geral) para as bordas em processo
de fragmentação (dedução), por outro contraponto a dialética objetiva a
re-composição do objeto pela ação contrastada. A dialética, própria dos objetos
culturais, valora, isto é acrescente qualidades (adjetivos) ao ser. Ainda, em
reforço da utilização da função poética, BLIKSTEIN21 , convida-nos à
seguinte preleção:
“Nem todo mundo é poeta. Mas em todo caso, se pudermos utilizar expressões
afetivas e recursos poéticos, estaremos ‘lubrificando’ e facilitando a
descodificação da mensagem”.
Explicita, ademais, o autor a acerca da descodificação22 :
“Operação por meio da qual o destinatário capta o significante e entende o
significado”.
O significado está conscrito à mensagem, esta afeta à função poética. Em termos
práticos, a melhor representação desta última repousa na maior utilização de
signos icônicos (imagens reais do signo) em detrimento do signo lingüístico
(puramente convencional e mediato). Por ocasião do signo icônico, sustenta
BLIKSTEIN23 :
“...o signo icônico (ou visual) não depende tanto do conhecimento do código,
pois a relação entre o significante visual e o significado é tão próxima, tão
motivada que a descodificação é imediata, quase instantânea”.
Frequentemente, confunde-se a função poética com a função estética. Em breve
divagação, a função poética de uma flor está para o néctar, ao passo de que a
estética está para o visual e para o olfato: A mensagem é o núcleo, a alma, o
cerne da comunicação. O cerne, por sua vez, tem relação com aspecto substancial
(não formal) e valorativo da linguagem: é rico em advérbios e em adjetivos
(bom, mau, inocente, culpado etc.). Considerando ainda a segregação entre a
estética e poética, afirma Jakobson, na tradução de BONNEMASOU24 :
“Uma obra poética não pode ser reduzida à função estética; ela possui muitas
outras funções. De fato, as intenções de uma obra poética estão sempre em
estreita relação com a filosofia, com uma moral social, etc. Inversamente, se
uma obra poética não se deixa inteiramente definir por sua função estética, a
função estética não se limita à obra poética; o discurso de um orador, a
conversação cotidiana, os artigos de jornal, a publicidade, os tratados
científicos, - todas essas atividades podem ter em conta considerações
estéticas, fazer funcionar a função estética, e as palavras são aí empregadas
nelas mesmas e por elas mesmas, e não simplesmente como procedimento
referencial”.
É inegável que a ordem jurídica está coberta de valores, valores que, enquanto
ideais, são perseguidos pelo direito posto à observância de todos. O valor (a
valoração por um juízo crítico) é o resultado (desencadeado) da ação pretendida
pelo interessado (ser inocentado, ser beneficiado etc.) em função de
determinado direito que entenda ser seu. Pela natureza subjetiva e interior, o
valor é como um lago plácido cujo teor ético não se exterioriza de imediato:
são águas que correm profundamente sem serem percebidas. Sem a exteriorização,
é assaz difícil a captação de todo o conteúdo existente pelo observador do
direito, por sorte que a mediação entre o valor firmado e a sua concreção deve
partir do aparelho coercitivo do estado.
Enquanto que a ética é o conteúdo, a moral é a sua expressão e o seu sinal de
existência em determinado espaço e tempo. Define, igualmente, SOUZA FILHO25
, que “a moral sempre é a consumação prática de uma determinada ética”. A
canalização do conteúdo ético opera-se pelas fontes formais.
Por violar flagrantemente a pauta valorativa, o vício substancial é eivado de
nulidade: A substância inválida produz a nulidade do ato jurídico; por outro
diapasão, os atos anuláveis, por sua natureza formal e pautada na expressão
contida na norma, produzem efeitos válidos, dês que não sejam argüidos os
benefícios para quem se sinta prejudicado. A expressão é a canalização do
conteúdo normativo, o “frasco” (repositório) continente.
Reportamos ao papel criativo do Direito, em sua constante atualização com os
valores perseguidos pela cultura de um povo. Os valores pró-criam e renovam
ideais, bem como aspirações em certo lugar e em certo momento. Não existe
cultura atrasada nem tampouco adiantada (nem pior nem melhor) segundo uma
orientação antropológica, o que existe é um modo peculiar de ser de cada povo.
Por certo que a tecnologia difere da cultura, e o Direito e um reflexo desta
última...
O fato consumado (e adicionado da estrutura normativa) enseja a substanciação
do valor-fim, que é o efeito pretendido pelo legítimo titular. De regra, o
adimplemento deve ser espontâneo. No entanto, por carecer de uma “mão
invisível” para a prática de todos os atos de forma harmônica, é que entra o
papel das modalidades de solução de conflitos previstos em lei (conciliação,
transação, pelo aparelho jurisdicional ou administrativo do Estado etc.). Nos
termos, há pouco expostos, reproduzimos a seguinte fórmula: O fato descrito na
norma leva em consideração à consagração de um valor-fim. Finalizando a nossa
exposição, ilustraremos com o seguinte juízo: “Considerando que João fez isto
(reafirmação do fato), passo a considerá-lo (estrutura qualificadora e
copulativa) inocente (valor objetivado)”.
APONTAMENTOS FINAIS:
Não existe pureza na linguagem descritiva da ciência. É impossível separar uma
função das outras, embora tenhamos por objetivo o rigorismo técnico. Um recurso
muito comum é a utilização da linguagem conativa quando há emprego na segunda
pessoa (plural ou singular), no imperativo, ou então, no vocativo. O “apelo”
(não no sentido falacioso), nas monografias e demais textos científicos, tem o
condão de apontar para determinado foco ou para uma determinada posição
considerada como importante. Sem o “apelo” (conação), não seria possível uma
convergência de idéias, já que teríamos um discurso automatizado. Sabe-se que a
função conativa não tem caráter rigorosamente científico, mas é um recurso
metodológico admitido.
Igualmente, o aspecto teleológico e semântico não pode ser ignorado, no que
concerne a apreensão do conteúdo (valor) jurídico (este conscrito à função
poética).
Como a linguagem (como um todo) é impura, pois contém vícios, a matização na
utilização de todas as linguagens em concomitância poderá levar uma melhor
apreensão do objeto, mormente na seara jurídica. Isso por causa deste (objeto)
ser bastante complexo e não poder ser redutível meramente à descrição fria e
formal da função referencial. Cada função é dotada de um papel ou objetivo
imanente (há uma razão de ser específica). Dessa arte, defendemos o emprego de
todas as funções no discurso formal jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 9.
ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 165.
2. Id., Ibid., 1997, p. 167.
3.
CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995, p.
28.
4. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 201.
5. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à
lingüística textual. São Paulo: Martins Fonte, 2004, p.15.
6. RODRIGUES, Silvio. Direito civil – Parte geral. Vol. 1. 32. ed. São
Paulo: Saraiva, 2002, p.155.
7. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. op. cit.,
2004, p. 16.
8. Id., Ibid., 2004, p. 18.
9. Id., Ibid., 2004, p. 15.
10.
BLIKSTEIN, Isidoro. Técnicas da comunicação escrita. 13.ed. São Paulo:
Ática, 1995, p. 20.
11. CHALHUB, Samira, op. cit., 1995, p. 60.
12. VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 2 .ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1986, p. 03.
13. VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento sistêmico: O novo
paradigma da Ciência. Campinas/SP: Papirus, 2002, p. 78.
14. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São
Paulo: Saraiva, 1998, p. 100.
15. Id., Ibid., 1998, p. 99.
16. CHALHUB, Samira, op. cit., 1995, p. 32.
17. Id., Ibid., 1995, p. 34.
18.
REALE, Miguel, op. cit., 2000, p. 34.
19. VASCONCELOS, Arnaldo, op. cit., 1986, p.116.
20. SOUZA FILHO, Oscar d´Alva. Ética profissional e ética individual:
Princípios da razão feliz. 3. ed. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora,
2003, p. 49.
21. BLIKSTEIN, Isidoro, op. cit., 1995, p. 83.
22. Id., Ibid., 1995, p. 93.
23. Id., Ibid., 1995, p. 71.
24.
BONNEMASOU, Vera. A Arte como linguagem. Disponível em: <
http://www.geocities.com/a_fonte_2000/artelinguagem.htm> Acesso
em: 25 abr. 2006.
25. SOUZA FILHO, Oscar d´Alva. , op. cit., 2003, p. 42.
* Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza - Ceará. Advogado OAB/CE 16895
VERAS, Ricardo Régis Oliveira. Funções lingüísticas predominantes na Teoria Tridimensional de Miguel Reale. Jus Vigilantibus, Vitória, 29 abr. 2006. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/20995 >. Acesso em: 25 set. 2006.