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A Teoria Discursiva de Jürgen Habermas
Clayton Ritnel
Nogueira*
SUMÁRIO: I - Introdução; II - Da ação
comunicativa; III - Das espécies do discurso; IV - Conclusão; V - Referências.
I - INTRODUÇÃO
Uma teoria
atinente à filosofia jurídica, que pode ser considerada em prol da integração
social e, como conseqüência, da democracia e da cidadania. Teoria que
possibilitaria a resolução dos conflitos vigentes na sociedade e, não com uma
simples solução, mas a melhor solução, aquela que é resultado do consentimento
de todos os interessados.
Sua maior
relevância está, indubitavelmente, em pretender o fim da arbitrariedade e da
coerção nas questões que circundam toda a comunidade, propondo uma maneira de
haver uma participação mais ativa e igualitária de todos os cidadão nos
litígios que os envolvem e, concomitantemente, obter a tão almejada justiça.
Essa forma defendida por Habermas é o agir
comunicativo que se ramifica na ação comunicativa e no discurso, que será
explanado no transcorrer deste trabalho.
II - DA AÇÃO COMUNICATIVA
Habermas objetiva reconstruir os pressupostos racionais,
implícitos no uso da linguagem, entendida, segundo Ludwig (2005), como "o
lugar intranscendível de toda fundamentação." Segundo o ínclito
filósofo, em todo ato de fala (afirmações, promessas, ordens e etc.) dirigido à
compreensão mútua, o falante constrói uma pretensão de validade, quer dizer,
pretende que o dito por ele seja válido num sentido amplo. Então, Habermas menciona que quando eu falo algo, digo alguma
coisa para uma ou mais pessoas, eu pretendo que aquilo que digo seja válido.
Mas essa
pretensão de validade significa coisas diferentes segundo o tipo de ato de fala
de que se trate. Nos atos de fala constatadores
(afirmar, narrar, referir, explicar, prever, negar, impugnar e etc.), o falante
pretende que o seu enunciado (aquilo que é pronunciado) seja verdadeiro.
Portanto, se eu narro alguma coisa, ou explico algo para alguém eu pretendo que
aquilo que narro, ou explico seja considerado verdadeiro, o que para Habermas só ocorre se houver o assentimento potencial de
todos aqueles que estão me ouvindo. Sendo assim, se um dos meus ouvintes não
aceitar o que falo por não acreditar no que digo, ou por outro motivo qualquer,
o conteúdo que é transmitido não poderá ser tido como verdadeiro, pois não
houve o consentimento de todos sobre a veracidade de meu ato de fala.
Nos atos de fala
reguladores (como as ordens, as exigências, as advertências, as desculpas, as
repressões, os conselhos), o que se pretende é que o ordenado, exigido etc.
seja correto. Portanto, de acordo com
este ato de fala, se eu ordeno algo, ou forneço algum conselho para uma pessoa,
eu espero, pretendo, que minha ordem ou meu conselho estejam corretos.
Nos atos de fala
representativos (revelar, descobrir, admitir, ocultar, despistar, enganar,
expressar e etc.), pretende-se que o que se exprime seja sincero. Sendo assim,
se eu expresso, por exemplo, para o meu treinador que estou cansado, eu
pretendo que aquilo que eu exprimo seja considerado sincero.
Então, que fique
claro que existem vários atos de fala, que todos eles compreendem a ação
comunicativa, e que em cada tipo de ato de fala a minha pretensão de validade
tem um significado distinto.
Por outro lado Habermas estabelece que todos estes atos de fala possuem
uma pretensão em comum, a de compreensão, ou seja, eu espero que a minha
narração, o meu conselho, a minha expressão sejam compreendidas.
Nos atos de fala
consensuais, ou seja, aqueles que são estabelecidos visando um consenso, um
acordo sobre dado assunto, se pressupõe o reconhecimento mútuo de quatro
pretensões de validade:
Primeiramente,
eu, como falante, tenho que escolher uma expressão inteligível para que meu
ouvinte possa me entender. Então a primeira pretensão se refere à compreensão
entre o falante e o ouvinte ou ouvintes.
A segunda
pretensão é que o conteúdo que eu comunico seja verdadeiro.
A terceira
pretensão é que a manifestação de minhas intenções seja sincera, para que o
ouvinte possa crer no que manifesto, basicamente, possa confiar em mim.
E a ultima
estabelece que eu, falante, tenho que escolher a manifestação correta, com
relação às normas e valores vigentes na sociedade, para que o ouvinte possa
aceitar a minha manifestação, de modo que eu e o ouvinte possamos coincidir
entre si no que se refere à essência normativa em questão.
III - DAS ESPÉCIES DO DISCURSO
Segundo Habermas estas pretensões de validade, que se ligam a cada
ato de fala, que mencionei, podem ser problematizadas, e quando a problemática
se encontra nas pretensões de verdade, correção ou inteligibilidade, ocorre à
passagem da ação comunicativa para o que Habermas
chama de discurso. Exemplificando, eu passo a narrar uma história para meus
ouvintes, ou ainda, tento estabelecer um consenso entre eles sobre dado tema,
ao fazer isso uma das minhas pretensões é que aquilo que digo seja considerado
verdadeiro (haja o assentimento de todos), porém minha pretensão não foi
correspondida, ou seja, um dos meus ouvintes não concordou com o que disse,
neste caso temos então a chamada problemática na pretensão de verdade, e assim
irá ocorrer à passagem da ação comunicativa (que existia quando eu simplesmente
narrava a história, ou tentava estabelecer o consenso) para o discurso.
O discurso quer
dizer que o falante tem que fazer uso de argumentos para justificar que suas
asserções são verdadeiras (discurso teórico), que uma determinada ação ou norma
de ação seja correta (discurso prático), ou ainda explicar algo incompreendido
pelo meu ouvinte (discurso explicativo).
Portanto, o
discurso seria a argumentação. Como no exemplo citado a problemática se
encontrava na pretensão de verdade, ou seja, um dos meus ouvintes não estava
concordando com o que falei, eu obviamente vou tentar convencê-lo a acolher
minha opinião, o que segundo Habermas (1983) seria
"dar razões para fundamentar que minhas asserções são verdadeiras." Neste caso eu estaria empregando o discurso teórico.
E o mesmo
ocorreria se a problemática estivesse na pretensão de correção, porém, há uma
diferença no discurso, que não seria teórico, mas prático.
Todavia, neste
ponto teremos que analisar um outro aspecto de sua teoria, onde Habermas defende que as questões práticas podem ser
decididas racionalmente.
Segundo o
próprio Habermas:
É que a inegável
diferença entre a lógica do discurso teórico e do discurso prático não são tais
que expulsem o discurso prático do âmbito da racionalidade; que as questões
prático-morais podem ser decididas "por meio da razão", por meio da
força do melhor argumento; que o resultado do discurso prático pode ser um
resultado "racionalmente motivado", a expressão de uma "vontade
racional", um consenso justificado, garantido ou fundado; e que, em
conseqüência, as questões práticas são suscetíveis de verdade num sentido amplo
dessa palavra. (ATIENZA, 2002).
Quando Habermas fala em questões práticas ele se refere a questões
das esferas da Política, da Moral, e do Direito. Portanto quis ele dizer que as
questões de ordem prática também podem ser resolvidas racionalmente mediante a
força do melhor argumento.
Além do mais,
pronuncia que aquela problemática na pretensão de correção normativa, citada
acima, que leva ao discurso prático, deve poder fundamentar-se de forma
semelhante ao modo de fundamentação dos enunciados verdadeiros.
Para
exemplificar esta parte de sua teoria discursiva, utilizamos a esfera do
Direito, onde se encontram problemas de ordem prática, como a elaboração de uma
lei, segundo a teoria de Habermas, esta questão pode
ser solucionada racionalmente através do discurso prático, ou seja, através da
comunicação argumentativa entre os responsáveis pela elaboração desta lei e os
possíveis atingidos por ela, para que após a discussão, o levantamento dos
argumentos de cada falante, se chegue no princípio da universalização, sendo
este uma regra de argumentação dos discursos práticos, pelo qual uma norma só
deve pretender validez quando todos os abarcados por esta norma cheguem a um
acordo atinente a validade desta, através de um discurso prático, racionalmente
motivado e não coercitivo explicitamente. Portanto, essa lei só irá ser válida
se não houver coerção, mas sim o consentimento de todos.
Permanecendo
dentro da esfera do Direito, observamos com base na teoria do discurso que a
norma pode ser válida ou invalida. A partir de uma visão mais ampla desta
distinção, Habermas considera:
O Direito é facticidade quando se realiza aos desígnios de um
legislador político e é cumprido e executado socialmente sob a ameaça de
sanções fundadas no monopólio estatal da força. E de outro lado, o Direito é
validade quando suas normas se fundam em argumentos racionais e aceitáveis por
seus destinatários. (NUNES JR, 2005).
É possível
perceber que Habermas reiteradamente defende a
relevância da comunicação na sociedade ao acastelar que o cerne da justiça e,
ao mesmo tempo, da democracia, depende, precipuamente,
da comunicação. Situação antagônica se veria esmerar em um regime arbitrário.
Portanto, com
relação ao Direito:
O genial da
teoria de Habermas reside na substituição de uma
razão prática (agir orientado por fins próprios), baseada num indivíduo que
através de sua consciência, chega à norma, pela razão comunicativa, baseada
numa pluralidade de indivíduos que orientando sua ação por procedimentos
discursivos, chegam à norma. Assim, a fundamentação do Direito, sua medida de
legitimidade, é definida pela razão do melhor argumento. Como emanação da
vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais, o Direito é capaz de realizar
a grande aspiração da realidade, isto é, a efetivação da justiça. (NUNES JR,
2005).
E ainda,
retomando as pretensões de validade, se a problemática estivesse na pretensão
de inteligibilidade ter-se-ia os discursos explicativos, sendo este explicar
algo que não foi compreendido por meu ouvinte.
Já a pretensão
de sinceridade não é resolvida discursivamente, pois se minha sinceridade fosse
dúbia, não haveria como eu provar estar sendo sincero com argumentos. Visto que
a única forma de denotar sinceridade é através de meus próprios atos.
É possível notar
que há duas formas distintas de interação comunicativa: Por um lado temos a
ação comunicativa, onde há apenas a presença das pretensões de validade
não-problematizadas inerentes aos atos de fala; de outro lado temos o Discurso, onde pretensões de validade tornadas
problemáticas podem ser dirimidas através de um consenso com fulcro na
argumentação. Essa diferença, segundo Toulmin (2001),
"pode ser considerada uma distinção entre o uso instrumental da linguagem
(ação comunicativa) e o uso argumentativo da linguagem (discurso)."
É notório que o discurso é uma forma de interação, pois se
trata de um indivíduo que com uso de seus proferimentos
lingüísticos inicia seu ato de fala e, havendo uma problemática em uma das
pretensões citadas, inicia-se, na realidade, uma discussão, pois se trata de um
falante visando fundamentar suas asserções com argumentos e ouvintes munidos da
mesma arma para provar o contrário, ou seja, que o dito pelo falante não é
válido e, assim, chega-se através de uma discussão racional a uma decisão sobre
o assunto, sendo estabelecido um consenso que obtém a conclusão de que o
falante estava certo ou não. E é obvio, como já disse Habermas,
que se trata de uma coação não-coativa, pois não há uma coação explícita, mas
implícita através daquele que possui o melhor argumento.
Segundo Habermas (1983) "é ideal uma situação de fala em que
as comunicações não são impedidas por influxos (influência física ou moral)
externos contingentes (eventuais) e por coações decorrentes da própria
estrutura da comunicação." E esta estrutura
unicamente não gerará coações se todos os participantes do discurso possuírem
uma oportunidade de fala proporcional aos demais.
IV - CONCLUSÃO
Ele não pretende
meramente desenvolver uma teoria a respeito da comunicação, mas sim valorizar e
alvitrar uma inovadora maneira de agir sociavelmente. Através da qual se
efetivaria na sociedade a cidadania, a integração social, a democracia dentre
outros. Porém, infelizmente, sua teoria tem muito valor, na atualidade,
enquanto intenção, pois não tem condições de se realizar na prática. Visto que
o principio da universalidade, que serve de regra para o discurso é uma utopia,
porque o que é válido para um indivíduo pode não ser válido para outrem, ou
seja, granjear o consenso de todos os envolvidos no que concerne, por exemplo,
a validade de uma lei é uma quimera. Já que a consciência individual é muito
expressiva na sociedade moderna, os homens além de serem egocêntricos, estão
assaz separados por aspectos de natureza cultural e socioeconômica.
V - REFERÊNCIAS
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da
argumentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Editora Landy,
2002, 352 p.
GUAZZELLI, Iara. A especificidade
do fato moral em Habermas: o uso moral da razão.
Disponível em: <http://www.sedes.org.br/Centros/Filosofia/fato_moral_em_habermas.htm>. Acesso em: 16 maio 2005.
LUDWIG, Celso Luiz. Razão
comunicativa e direito em Habermas. Disponível em:
<http://www2.uerj.br/direito/publicações/mais_artigos/razão_comunicativa.htm>. Acesso em: 16 maio 2005.
NUNES JR., Amandino
Teixeira. As modernas teorias da justiça: a teoria discursiva de Jürgen Habermas. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4386.htm>.
Acesso em: 05 jun. 2005.
TEXTOS escolhidos: Walter Benjamin,
Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas. Traduções de
José Lino Grunnewald [et
al.]. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
TOULMIN, Stephen.
Os usos do argumento. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, 375 p.
*O autor é discente do curso de
Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)
NOGUEIRA, Clayton Ritnel. A Teoria Discursiva de Jürgen Habermas. SADireito. Disponível em: <www.sadireito.com.br/index.asp?Ir=area.asp&area=5&texto=5113>. Acesso em: 12 ago. 2006.