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O problema do conhecimento em Nietzsche
Denis de Castro Halis*/ Maria Helena Lisboa da Cunha**
Muitas
são as perturbações e angústias
provocadas pelas idéias de Friedrich Wilhelm Nietzsche
(1844-1900). Os “estragos” perpetrados por Nietzsche no campo
epistemológico - se é que se pode falar em uma
“epistemologia nietzschiana” - são o objeto principal
deste trabalho. Neste âmbito, é feita uma apresentação
inicial das idéias que inspiraram Nietzsche, daquilo que ele
chama de “forças” e da importância da conexão
entre elas. O objetivo proposto é, pois, o de entender as
discrepâncias e rupturas com as formas de pensar que as obras
de Nietzsche salientaram e promoveram no cenário da
problemática do conhecimento.
I.
INTRODUÇÃO
Muitas são as perturbações
e angústias provocadas pelas idéias de Friedrich
Wilhelm Nietzsche (1844-1900). Seu estilo e acidez sugerem que seu
ofício seja, na maior parte do tempo, o de estarrecer. Quanto
mais incauta for a atitude de seu leitor maior será o susto. O
impacto derivado de suas palavras estilhaça crenças as
mais arraigadas, de espectros teóricos variados. No campo
político, argumentos de “esquerda” e “direita”. No
campo da ética, concepções mais “idealistas”
e concepções mais “realistas”. No campo ontológico,
tendências mais ou menos fenomênicas. No campo
epistemológico, orientações mais empiristas ou
mais racionalistas. Os “estragos” perpetrados por Nietzsche neste
último - se é que se pode falar em uma “epistemologia
nietzschiana” -, são o objeto principal deste limitado
trabalho.
Neste âmbito, é feita uma apresentação
inicial das idéias que inspiraram Nietzsche, daquilo que ele
chama de “forças” e da importância da conexão
entre elas. O objetivo proposto é, pois, o de entender as
discrepâncias e rupturas com as formas de pensar que as obras
de Nietzsche salientaram e promoveram no cenário da
problemática do conhecimento.
Optou-se, aqui, por não
se enveredar diretamente nas obras de Nietzsche dado o seu estilo de
escrita e o caráter pulverizado de suas idéias
principais - o que é explicado mais à frente. A
delimitação do trabalho se dá, então, de
maneira clara. Dois comentadores principais de sua obra são
utilizados: Maria Helena Lisboa da Cunha (2003) e Olímpio José
Pimenta Neto (2000).
Um trabalho que enfrente frontalmente as
obras de Nietzsche fica para um projeto vindouro. Por enquanto, o
escopo é a preparação e a pavimentação
do terreno movediço.
I. 1. Influência dos
Poetas Trágicos e “Realidade”
O conjunto da
obra de Nietzsche é usualmente caracterizado como uma crítica
aos fundamentos da cultura européia do século XIX,
período representativo da chamada “modernidade”. Em
especial, Nietzsche torna arenoso e movediço o terreno sobre o
qual repousam os sistemas platônico, cristão e
positivista. O sentido de seu esforço se traduz na recuperação
da potencialidade vital que teria sido seqüestrada por esses
sistemas. Para tanto, ele resgata antigas lições dos
poetas trágicos gregos. Ele promove uma revalorização
e reinterpretação das origens conhecidas da filosofia
grega.
Suas predileção e adesão recaem,
em particular, sobre Heráclito e Ésquilo, por
privilegiarem a ambigüidade (Cunha, 2003, p. 25). No lado
oposto, encontra-se Eurípedes, que
(...)
privilegia a unilateralidade do discurso por se enquadrar no
desenvolvimento da vertente racionalista que começa com
Parmênides no século VI. a. C., desenvolve-se com
Sócrates, Platão e Aristóteles no século
IV a. C., lançando as bases do racionalismo Ocidental, via
Descartes e A. Comte. (Cunha, 2003, p. 25)
E, entre os
dois primeiros, faz a sua escolha:
De todos os
filósofos gregos, e sabemos que os gregos foram um dos
referenciais mais importantes no conjunto do pensamento nietzschiano,
Heráclito foi o de maior raridade, pensando o Logos (a Razão
divina), vendo o vir-a-ser, intuindo o tempo, na contemplação
do jogo divino do acaso, onde não há terra firme,
somente ondas de forças (...). (Cunha, 2003, p.
34)
Inspirado por Heráclito, Nietzsche defende
o mundo como jogo e o poder de transmutação das forças
postas em ação, que são forças em luta
(Cunha, 2003, p. 3). Posteriormente, Cunha sublinha novamente a
imagem de um “jogo de cartas que o mundo joga consigo mesmo”
(2003, p. 33): “este jogo, em A Origem da tragédia,
transparece como o combate travado entre Dioniso e Apolo: o mundo
apolíneo da ordem é destruído constantemente por
Dioniso a fim de que surjam novas ordens e configurações
(...)” (ibid.). O mundo envolve, pois, mais de acaso, mais de
múltiplas ordens gerando suas próprias desordens de
maneira caótica, mais de ausência de justificativas
racionais do que de avaliações calculadas, do que um
padrão único, do que um rigor metódico... Cunha
expressa essa idéia na imagem da criança que brinca na
praia:
No jogo do acaso onde a criação,
a exploração, a infração, a violação,
mas também a destruição são constantes
(neguentropia e entropia), não há envolvimento moral
nem ideal, o mundo não tem outra justificação
senão ele mesmo, daí seu valor trágico, a
exemplo da criança que brinca à beira da praia,
juntando e derrubando montículos de areia. (Cunha, 2003, p.
33)
O resgate de Heráclito serve a Nietzsche
para entender a complexidade do mundo sem necessariamente
fragmentá-lo em suas partes supostamente mais simples - ao
contrário de Descartes, que através da análise
pretendia entender o todo por meio de suas partes mais “elementares”.
Para compreender o complexo é preciso ver os fenômenos
do mundo de forma entrelaçada, conectados - a importância
está na articulação dos fenômenos entre
si, na percepção dos fatores que os influenciam.[1]
Neste sentido, Nietzsche importa-se, sobretudo, com a
complementaridade - não simples ou complexo, mas sim simples e
complexo integrados, quase não perceptíveis
isoladamente. Trata-se, pois, da dissolução da tensão
entre “dualidade” e “unicidade”. Sobre isso, Cunha observa:
“O universo nietzschiano é imanente como o cosmos para
Heráclito: ‘Deus é dia e noite, inverno e verão,
guerra e paz, saciedade e fome; ele se transforma como o fogo que
sendo uma mistura de aromas, recebe diversos nomes, segundo o perfume
de cada um [sem grifo no original]’” (2003, p. 32[2]).
Além
disso, a interpretação, o sentido que se projeta sobre
os fenômenos, é também valorizado:
A
crítica de Nietzsche se faz, primeiramente, por meio de uma
inversão dos valores tradicionais, ou seja, da metafísica
de Platão e sua conseqüente duplicação do
mundo, e da reivindicação da aparência como única
realidade (...) Contudo, sua crítica é radicalizada até
a superação da oposição metafísica
dos valores (de cunho maniqueísta), efetuando uma
“transvaloração de todos os valores”. O autor
postula a emancipação dos valores morais vigentes,
dizendo “sim” a tudo quanto foi até então proibido,
desvalorizado, maldito. Por esse motivo, sua argumentação
não deve se compreendida como a descoberta de uma outra
verdade, como mais uma verdade e sim como mais uma interpretação,
uma perspectiva “estratégica” que serve como referencial
para demarcar outras possíveis interpretações de
mundo [sem grifos no original]. (Cunha, 2003, p. 35-6)
Uma
vez que várias interpretações são
legitimadas, são tornadas possíveis - e não
apenas uma “verdadeira” ou “essencial” -, torna-se relevante
perceber os critérios hermenêuticos, os referenciais
adotados, que possibilitam uma determinada leitura da realidade.
A
ênfase em “leituras ou interpretações da
realidade” ao invés de uma busca pela “realidade” revela
uma diferença essencial entre Platão e
Nietzsche:
(...) para o primeiro [Platão] o
sensível é um obstáculo ao pensamento, a
filosofia se erige contra a doxa e não a seu favor, o filósofo
é o dialético que através do método
dialético em suas duas vertentes, a ascendente (epanodos) e a
descendente (epígonos), desacorrenta os prisioneiros do
sensível (...), elevando-os até o Inteligível
para a visão das essências (...); enquanto que para o
segundo [Nietzsche], ao contrário, o sensível é
um estímulo, uma ancoragem não somente necessária
e imprescindível, mas a única possível. (Cunha,
2003, p. 37)
II. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO
Já
em 1873[3], Nietzsche dá sinais da “(...) radical
contingência que caracterizaria a existência do intelecto
e do conhecimento humanos (...)” (Pimenta, 2000, p. 73). Ele
censura a metafísica clássica, em especial, no que diz
respeito à busca por conceitos absolutos tal como a “verdade
universal” ou a “razão universal”. Os conceitos são,
para ele, “fabricados”, construídos: eles possuem
necessariamente um vínculo histórico e social.[4]
Explicitando essa questão e ligando-a ao que Nietzsche chama
de “vontade de potência”, Cunha declara:
Para
Nietzsche, porém, a história do Ocidente é a
história da vontade de potência negativa posto que a
vontade de potência afirmativa sempre esteve aprisionada pela
reatividade, isto é, pela crença em um outro mundo
supra-sensível constituído por valores absolutos logo
superiores, em detrimento de outros considerados inferiores, e com
isto, transformando-se em espírito de vingança, de
dominação, de ressentimento que se resume no anseio de
reduzir o mundo àquilo que pode ser conhecido e codificado,
simplificado, esquematizado, vale dizer, “corrigir” a realidade
negando-a, igualando-a através da razão, instituindo-se
como vontade de verdade [sem grifos no original]. (Cunha, 2003, p.
30)
Nietzsche pretendeu sustentar que a atividade de
conhecer sempre acaba por produzir certas respostas úteis a
demandas humanas voltadas para a conservação da
espécie. Os conceitos, que com o decorrer do tempo são
consolidados, passam a ser vistos já não mais como
ficções necessárias a um grupo social num dado
contexto histórico, mas sim como “verdades”, como
essências mesmas da realidade. Sua origem é camuflada
com um véu de objetividade, de cientificidade. Essa atitude é
agudamente criticada por Nietzsche, segundo o qual esses conceitos
passam a ser aceitos como se fossem valiosos em si mesmos: “(...)
as verdades são ilusões que nós esquecemos que o
são (...)” (1978, p. 201). Uma ilustração
recorrentemente mencionada dessas ilusões ou ficções
úteis envolve a identificação do não
idêntico: é, por exemplo, o que ocorre quando se fala do
“Homem” (com H maiúsculo) quando na verdade o que existe
são homens negros, brancos, pobres, ricos, do sexo masculino,
do sexo feminino, brasileiros, alemães... e toda a variedade
de combinações entre essas categorias, de certa forma,
arbitrárias. Semelhantes sim, porém não iguais:
esta é a idéia que Nietzsche parece pretender
propor.
Crítico da tradição filosófica
racionalista e iluminista, suas idéias representam, como já
se disse, uma gu
inada em relação às
idéias que deram suporte ao período histórico
denominado “modernidade”. Pode-se considerar que houve duas
grandes tendências que dominaram a reflexão sobre o
problema do conhecimento no “mundo moderno”: o empirismo e o
racionalismo. Ambas são, por ele, atacadas. Contra as
tendências reunidas sob o rótulo de “empiristas” ou
“empiricistas”[5], Pimenta comenta:
(...)
Nietzsche afasta toda a expectativa de uma percepção
livre da realidade, estruturada a partir de fatos isentos da
interferência daqueles em que esta mesma percepção
se produz. Verificações empíricas são
repletas de interesse e de pressuposições das mais
variadas ordens: teóricas, psicológicas, valorativas,
etc. (Pimenta, 2000, p. 76)
E, contra a orientação
epistemológica dita “racionalista”, o mesmo comentador
observa que, para Nietzsche,
(...) um mundo metafísico
modelar, constituído por entidades perfeitas, ou mesmo uma
linguagem paradigmática, capaz de descrever a essência
humana, são apenas fruto das mesmas pressuposições
aduzidas acima. Não existe um fundo primitivo e originário,
que imprime às realizações humanas sua marca, a
não ser para aqueles que acreditam nisso [sem grifo no
original]. (Pimenta, 2000, p. 76)
A afirmação
final sublinhada sugere que a crença, o olhar preparado para
ver algo que se quer, desempenha acentuada função na
elaboração do conhecimento, na compreensão de
tudo o que nos rodeia e interfere no que somos e fazemos. É
nesse espírito que Cunha cita trecho de Nietzsche - o qual
parcialmente se reproduz:
Não somos rãs
pensantes, nem aparelhos registradores com entranhas frigorificadas;
devemos parir constantemente os nossos pensamentos na dor e dar-lhes
maternamente tudo aquilo que temos de sangue, coração,
fogo, prazer, paixão, tormento, consciência, destino,
fatalidade. (Nietzsche apud Cunha, 2003, p. 37).
Seu
“levante” contra as prestigiadas formas de pensamento em vigor
teve reflexos também na forma de sua reflexão. Em seus
escritos, Nietzsche não segue um roteiro pré-estabelecido.
Sua reflexão não conforma uma narrativa rigidamente
construída, mas manifesta-se de forma anti-sistemática.
Sua escrita é peculiar, desenvolvida de maneira arrojada e,
sobremaneira, sintética. Sobre sua especial forma de
manifestar, Cunha acentua que
A filosofia de Nietzsche
se caracteriza por ser uma filosofia capaz de libertar a potência
criativa do pensamento, subvertendo os modos de expressão
filosóficos e científicos até então
concebidos, trazendo para esses discursos o aforismo e o poema
(Cunha, 2003, p. 3).
Com efeito, em importantes obras,
ele se expressou sob a forma de aforismos, encharcando-as de um ritmo
poético e fragmentário que, pode-se dizer, obstaculiza
esforços de se conhecer suas idéias de forma linear,
metódica e esquematizada. Suas palavras vão, tal qual
um conjunto de peças, compondo um mosaico (ou trama, como
prefere Cunha – cf. citação a seguir) cujo vislumbre
total só pode dar-se ao final. Sobre isso, Cunha diz:
(...)
a trama conceitual nas obras de Nietzsche surge como efeito poético
do movimento da obra, compondo um tecido extremamente complexo, por
vezes paradoxal, de difícil leitura, uma vez que o autor lê
e relê o seu próprio pensamento em diversos níveis,
perspectivas múltiplas, apresentando caminhos e descaminhos
imbricados uns nos outros, tendo o leitor que recolher aqui e ali os
elementos que irão compor o conjunto da obra. Cabe ressaltar
que o fato de o autor privilegiar a escrita poética não
invalida a prática conceitual, própria ao pensamento
filosófico. Os dois movimentos perfazem um todo na obra do
filósofo. (Cunha, 2003, p. 4)
O poético
é, portanto, para Nietzsche, uma forma de apreensão do
real: forma essa que liberta a palavra do conceito (Cunha, 2003, p.
4). Essa forma artística parece ser adequada aos objetivos de
sua filosofia: “a proposta nietzschiana (...) se direciona contra a
rigidez do conceito, pois o conceito sendo rígido, abstrato e
genérico não dá conta da vida que é fluxo
ininterrupto e constante, eterno” (Cunha, 2003, p. 26). Além
de melhor captar a dinamicidade e fluidez da vida, essa modalidade de
expressão poética contempla a ambigüidade, o
complexo, não empreendendo reduções,
simplificações ou limites por demais
castradores.
(...) só o poético diz o
devir, por captar o ritmo dinâmico do universo conciliando a
ambigüidade no interior do seu sistema. No mito e na poesia, por
exemplo, os contrários não são contraditórios
mas sim, complementares, perfazendo uma lógica da ambigüidade
ou do paradoxo. (Cunha, 2003, p. 26)
Sua forma de
escrita sugere, pois, a preferência em libertar o leitor de
conceitos herméticos, ampliando a possibilidade de o mesmo ter
novas idéias a partir das suas. Talvez, a importância de
sua obra esteja nisso: não na tentativa de descobrir o sentido
“verdadeiro”, único, correto ou absoluto de suas palavras,
mas na turbulência, no desconforto da comodidade (gerada pelas
convenções arraigadas), enfim, na ampliação
do potencial de se ter continuamente novas idéias. Resgatando
ainda os comentários de Cunha, vale destacar que:
(...)
Nietzsche defende um outro tipo de imagem do pensamento, em que não
há dualidade, cisão, transcendência, afirmando o
sensível, a aparência e o jogo ilusionista da vida,
(...) daí sua postura se engajar em um projeto de demolição
da metafísica Ocidental. Essa vontade negativa de potência,
porquanto negadora da vida em nome de um sistema abstrato, lógico,
intelectual é reativa, assegurando a hegemonia do “espírito
de vingança” sobre o escoamento do devir. (Cunha, 2003, p.
32)
Isso é coerente com o assalto que Nietzsche
promove aos conceitos e aos absolutos. O “ser” deve ser deslocado
em nome do “tudo veio, e vem, a ser”. Nietzsche não opera
com supostos “fatos”, mas apenas com interpretações
dos mesmos, como já se apontou previamente. Essa modalidade de
abordagem envolve o chamado “perspectivismo”. Nele as idéias
de “substância” e de “corpos” são dissolvidas,
optando-se por trabalhar com “forças” - que não é
um conceito rigidamente delimitado - até porque isso seria
prejudicial segundo a perspectiva nietzschiana, pelas razões
já apontadas. Além disso, as forças são
definidas em função de suas relações umas
com as outras, em função de um “jogo do acaso” que
as integra ou dispersa. No perspectivismo, não só o
homem, mas cada centro de força, avalia e constrói todo
o resto do universo a partir de si mesmo. Os modelos, formatos e
dimensões do cosmos são proporcionais à própria
“força”.
Dada a predileção em se
ocupar de forças e não de substâncias, Nietzsche
acaba por suprimir, por tornar sem efeito, as noções
clássicas de sujeito cognoscente e objeto cognoscível.
Isso, porém, não é fácil: “(...)
difícil não se deixar levar pela segurança
oferecida pela divisão do mundo entre objetos passíveis
de apropriação e sujeitos capazes de dominá-los
graças a dons que lhes são essenciais e inalienáveis”
(Pimenta, 2000, p. 78). No entanto, compreender o “sujeito” como
determinado, influenciado e entrelaçado com os “objetos”,
não sendo mais do que um centro de “forças” que se
chocam com maior ou menor intensidade, em maior ou menor número
é imprescindível para entender a própria vida.
Não se trata de compreender o mundo que nos rodeia, mas sim, o
“mundo que somos”. Nietzsche afirma: “É de importância
cardeal suprimir o mundo-verdade. É ele que diminui o valor do
mundo que somos e que erige dúvidas contra ele: o
mundo-verdade foi até o presente o mias perigoso atentado
contra a vida” (Nietzsche apud Cunha, 2003, p. 36).
III.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração
deste trabalho encerrou certas dificuldades. Significativa parte
delas é oriunda da implosão deflagrada pelas idéias
de Nietzsche. Como escrever modestamente sobre o problema do
conhecimento em Nietzsche sem recorrer às categorias clássicas
que sempre, até então, balizaram as discussões
epistemológicas? Trata-se de tarefa de grande autocontrole
atentar continuamente para a escolha das palavras, para que não
se caísse em sua “sedução”. Palavras essas
que não guardam um único sentido, uma lógica
interna, mas cuja “lógica” ou “sentido” depende,
sobretudo, do contexto e das “forças” envolvidas. Palavras
que são úteis, que propiciam segurança, mas
nunca certeza absoluta.
Apesar de não se expressar de
maneira sistemática, de maneira “codificada”, há
uma forte correlação entre as idéias que
Nietzsche prega e a escrita poética por ele utilizada. Pode-se
dizer que idéia e forma vinculam-se, pois, de maneira
sistemática. Isto é, se sua escrita não é
vista como sistemática em si, há uma sistemática
entre idéias (que pretendem, por ex., a unicidade de
categorias então percebidas de forma dual) e expressão
(aforismos e poesia que enriquece e amplia o entendimento).
Tendo
em vista o acento colocado por Nietzsche sobre a atividade
interpretativa, fica para um trabalho futuro a questão acerca
das condições de surgimento dessa atividade. Há,
porém, desde já, um entendimento inicial de que não
existe uma base original e originária onde a interpretação
deve se deter. Isso faz sentido uma vez que as forças são
os ”estimulantes interpretativos”, que operam na conservação
e na transformação dos estados de coisas.
Por
fim, o “grito” de Nietzsche por se entender as coisas de forma
conexa, em suas relações, por se perceber a plenitude
da vida, já não enjaulada em esquemas “lógicos”,
segundo ficções úteis, e o “não
confundir o modelo com a realidade” foi ouvido e muito poderá
servir daqui por diante.
IV. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
[1] CUNHA, Maria Helena Lisboa da.
Nietzsche espírito artístico. Londrina: CEFIL,
2003.
[2] NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. São
Paulo: Abril, 1978.
[3] PIMENTA NETO, Olímpio José.
Razão e conhecimento em Descartes e Nietzsche. Belo Horizonte:
UFMG,
2000.
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[1]
É possível traçar diversas analogias e perceber
semelhanças entre as idéias pregadas por Heráclito
e Nietzsche e o filme Ponto de Mutação, inspirado nas
idéias de Fritjof Capra.
[2] Aqui, Cunha cita Heráclito
- “Da Natureza”. Na página 34 da obra a que se refere,
Cunha cita várias passagens de Nietzsche que exaltam
Heráclito.
[3] No preâmbulo à Introdução
teorética sobre a verdade e a mentira em sentido extra moral.
[4] No campo oposto, pode-se mencionar as idéias de
Descartes acerca do conhecimento. Essas são inspiradas em três
eixos básicos: autarquia e independência em relação
a quaisquer injunções alheias à teoria, sua
unidade interna segundo um método e a possibilidade de sua
fundamentação absoluta em termos racionais (Pimenta,
2000, p. 12).
[5] Representadas, em especial, por John Locke
(Ensaio sobre o Entendimento Humano). Essas tendências acentuam
o papel da percepção sensível, do aparato
sensorial no processo de conhecimento.
*Mestre em Sociologia e direito pelo PPGSD/UFF; Pós-graduando em filosofia contemporânea
**Profa. Dra. Titular do Depto. de Filosofia da UERJ
HALIS, Denis de Castro; CUNHA, Maria Helena Lisboa da. O problema do conhecimento em Nietzsche. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br Acesso no dia 04 de agosto de 2006