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A corrupção: uma visão jurídico-sociológica
Emerson Garcia *
Sumário:
1. Considerações Iniciais. 2. Corrupção e
Democracia. 3. Corrupção e Procedimento Eletivo. 4.
Corrupção e Divisão dos Poderes. 5. Corrupção
e Deficiências na Organização Estatal. 6.
Corrupção e Publicidade. 7. Corrupção e
Desestatização. 8. Corrupção e
Responsabilidade do Agente Público. 9. Dosimetria das Sanções
e Perspectiva de Efetividade. 10. Corrupção e Interesse
Privado. 11. Custos Sociais da Corrupção. 12. Simulação
da Licitude dos Atos de Corrupção. 13. O
Redimensionamento de Práticas Privadas como Mecanismo de
Contenção da Corrupção. 14. Corrupção
e Globalização. 15. O Combate à Corrupção
no Plano Internacional. 15.1. A Convenção Da
Organização dos Estados Americanos contra a Corrupção.
15.2. A Lei Anti-corrupção da França. 16.
Considerações Finais. Referências
Bibliográficas.
1. CONSIDERAÇÕES
INICIAIS.
Sob o prisma léxico, múltiplos
são os significados do termo corrupção. Tanto
pode indicar a idéia de destruição como a de
mera degradação, ocasião em que assumirá
uma perspectiva natural, como acontecimento efetivamente verificado
na realidade fenomênica, ou meramente
valorativa.
Etimologicamente, corrupção
deriva do latim rumpere, equivalente a
romper, dividir, gerando o vocábulo corrumpere,
que, por sua vez, significa deterioração,
depravação, alteração,
sendo largamente coibida pelos povos
civilizados.
Como já tivemos
oportunidade de afirmar[1], a corrupção, tal
qual o câncer, é um mal universal.
Combatida com empenho e aparentemente
controlada, não tarda em infectar outro
órgão. Iniciado novo combate e mais uma vez
sufocada, pouco se espera até que a metástase
se implemente e mude a sede da afecção.
Este ciclo, quase que inevitável na origem
e lamentável nas conseqüências
deletérias que produz no organismo
social, é tão antigo quanto o homem. “O
primeiro ato de corrupção pode ser
imputado à serpente seduzindo
Adão com a oferta da maçã, na troca
simbólica do paraíso pelos
prazeres ainda inéditos da carne”.[2]
A
inevitabilidade do fenômeno
não passou despercebida à
própria Bíblia, sendo encontrada no
Êxodo, Capítulo XXIII, Versículo 8, a seguinte
passagem relativa às testemunhas:
“Também presente não tomarás:
porque o presente cega os que têm vista, e
perverte as palavras dos justos.” No
Deuteronomio, Capítulo 16, Versículo 18, na
disciplina concernente aos deveres
dos juízes, está dito que “não
torcerás o juízo, não farás
acepção de pessoas, nem tomarás
peitas; porquanto a peita cega os olhos dos sábios,
e perverte as palavras dos justos”. Em
Isaías, Capítulo 1, Versículos 21 a 23, é
analisada a corrupção na
polis: “Como se prostituiu a cidade fiel, Sião,
cheia de retidão? A justiça habitava
nela, e agora são os homicidas. Tua prata
converteu-se em escória, teu vinho misturou-se com água.
Teus príncipes são rebeldes, cúmplices
de ladrões. Todos eles amam as dádivas e andam
atrás do proveito próprio, não
fazem justiça ao órfão e a causa da
viúva não é evocada diante
deles”.
Por ser a corrupção um fenômeno
universal, nos pareceu relevante uma análise, ainda que breve,
de alguns de seus principais aspectos. Além disso, o termo
corrupção, aos olhos do leigo e de não poucos
operadores do direito, é o elemento aglutinador das condutas
mais deletérias à função pública,
isto sem olvidar a degradação de caráter que
indica ao mais leve exame.
Especificamente em relação
à esfera estatal, a corrupção indica o uso ou a
omissão, pelo agente público, do poder que a lei lhe
outorgou em busca da obtenção de uma vantagem indevida
para si ou para terceiros, relegando a plano secundário os
legítimos fins contemplados na norma. Desvio de poder e
enriquecimento ilícito são elementos característicos
da corrupção.
No Brasil, como se sabe, a
corrupção configura tão-somente uma das faces do
ato de improbidade, o qual possui um espectro de maior amplitude,
englobando condutas que não poderiam ser facilmente
enquadradas sob a epígrafe dos atos de corrupção.
Improbidade e corrupção relacionam-se entre si como
gênero e espécie, sendo esta absorvida por
aquela.[3]
Tratando-se de tema que apresenta dimensões
oceânicas, procuraremos realizar, a título meramente
ilustrativo, um breve esboço de sistematização
das causas da corrupção e dos efeitos deletérios
produzidos por sua proliferação no âmbito da
atividade estatal.
2. CORRUPÇÃO E
DEMOCRACIA.
A democracia, na medida em que permite a
ascensão do povo ao poder e a constante renovação
dos dirigentes máximos de qualquer organização
estatal, possibilita um contínuo debate a respeito do
comportamento daqueles que exercem ou pretendem exercer a
representatividade popular, bem como de todos os demais fatos de
interesse coletivo.
A partir dessa singela constatação,
é possível deduzir que os regimes ditatoriais e
autocráticos[4], por serem idealizados e conduzidos com
abstração de toda e qualquer participação
popular, mostram-se como o ambiente adequado à aparição
de altos índices de corrupção.
A
debilidade democrática facilita a propagação da
corrupção ao aproveitar-se das limitações
dos instrumentos de controle, da inexistência de mecanismos
aptos a manter a administração adstrita à
legalidade, da arbitrariedade do poder e da conseqüente
supremacia do interesse dos detentores da potestas publica face ao
anseio coletivo.
Esse estado de coisas, longe de se diluir com
a ulterior transição para um regime democrático,
deixa sementes indesejadas no sistema, comprometendo os alicerces
estruturais da administração pública por longos
períodos. Ainda que novos sejam os mecanismos e as práticas
corruptas, os desvios comportamentais de hoje em muito refletem
situações passadas, das quais constituem mera
continuação.
O sistema brasileiro, como não
poderia deixar de ser, não foge à regra. Os
intoleráveis índices de corrupção hoje
verificados em todas as searas do poder são meros
desdobramentos de práticas que remontam a séculos,
principiando-se pela colonização e estendendo-se pelos
longos períodos ditatoriais com os quais convivemos.
A
democracia, longe de ser delineada pela norma, é o reflexo de
lenta evolução cultural, exigindo uma contínua
maturação da consciência popular. O Brasil, no
entanto, nos cinco séculos que se seguiram ao seu
descobrimento pelo 'velho mundo', por poucas décadas conviveu
com práticas democráticas.
Como desdobramento
dessas breves reflexões, é possível afirmar, com
certa tristeza, que a ordem natural das coisas está a indicar
que ainda temos um longo e tortuoso caminho a percorrer. O combate à
corrupção não haverá de ser fruto de mera
produção normativa, mas, sim, o resultado da aquisição
de uma consciência democrática[5] e de uma lenta e
paulatina participação popular, o que permitirá
uma contínua fiscalização das instituições
públicas, reduzirá a conivência e, pouco a pouco,
depurará as idéias daqueles que pretendem ascender ao
poder. Com isto, a corrupção poderá ser
atenuada, pois eliminada nunca o será.
Essa observação
se faz necessária na medida em que a maior participação
popular, inclusive com um sensível aumento do acesso aos meios
de comunicação, pode conduzir à equívoca
conclusão de que, não obstante os ventos democráticos
que atualmente arejam o país, a corrupção tem
aumentado. A corrupção, em verdade, sempre existiu. Em
regimes autoritários, no entanto, poucos se atreviam a retirar
o véu que a encobria, mostrando-lhe a face. Os motivos, aliás,
são de todos conhecidos. Assim, é preciso não
confundir inexistência de corrupção com
desconhecimento da corrupção.
A corrupção
está associada à fragilidade
dos padrões éticos de determinada
sociedade, os quais se refletem sobre a ética
do agente público. Sendo este, normalmente, um mero
'exemplar' do meio em que vive e se desenvolve, um contexto social em
que a obtenção de vantagens indevidas é vista
como prática comum pelos cidadãos, em geral, certamente
fará com que idêntica concepção seja
mantida pelo agente nas relações que venha a
estabelecer com o Poder Público. Um povo que preza a
honestidade terá governantes honestos. Um povo que, em seu
cotidiano, tolera a desonestidade e, não raras vezes, a
enaltece, por certo terá governantes com pensamento
similar.
É importante ressaltar que o próprio
regime democrático possui vertentes que propiciam, ou mesmo
estimulam, a prática de atos de corrupção. Em
que pese à pureza de seus ideais, a democracia, muitas vezes,
tende a ser deturpada por agentes que pretendem se perpetuar no
poder. Um dos instrumentos comumente utilizados para esse fim é
o ilegítimo repasse de recursos financeiros aos partidos
políticos ou àqueles que prestigiem a postura
ideológica (!?) sustentada por tais agentes, o que pode se dar
de múltiplas formas: repasses de verbas às vésperas
da eleição, realização de obras com a
nítida intenção de promoção
político-partidária e admissão de
correligionários do partido em cargos em comissão, com
a ilegítima permissão de que busquem sua promoção
pessoal no exercício da função etc.
A
corrupção é a via mais rápida de acesso
ao poder. No entanto, traz consigo o deletério efeito de
promover a instabilidade política, já que as
instituições não mais estarão alicerçadas
em concepções ideológicas, mas, sim, nas cifras
que as custearam.[6]
3. CORRUPÇÃO E
PROCEDIMENTO ELETIVO.
Não raro, os desvios
comportamentais dos gestores do
patrimônio público, especificamente
daqueles que ascenderam ao poder por meio de um
mandato político, são meros
desdobramentos de alianças que
precederam à própria investidura
do agente.
Por certo, ninguém ignora que
o resultado de um procedimento
eletivo não se encontra unicamente
vinculado às características
intrínsecas dos candidatos
vitoriosos. O êxito nas eleições,
acima de tudo, é reflexo do poder econômico,
permitindo o planejamento de uma
estratégia adequada de campanha,
com a probabilidade de que seja alcançada
uma maior parcela do eleitorado. Esta
receita, por sua vez, advém de financiamentos,
diretos ou indiretos, de natureza pública
ou privada.
O dinheiro público é
injetado em atividades político-partidárias
com a utilização dos expedientes
de liberação de verbas orçamentárias,
de celebração de convênios às
vésperas do pleito etc, fazendo que o
administrador favorecido aufira
maior popularidade, que reverterá
para si, caso seja candidato à reeleição,
ou para a legenda partidária a que
pertença, alcançando os
candidatos apoiados por esta.
Tratando-se
de financiamento privado, a imoralidade
assume perspectivas ainda maiores. Estas
receitas, em regra de origem duvidosa, não
consubstanciam um mero ato de benevolência
ou um abnegado ato de exteriorização
de consciência política. Pelo
contrário, podem ser concebidas como
a prestação devida por um dos sujeitos
de uma relação contratual de natureza
sinalagmática, cabendo ao outro, tão
logo seja eleito, cumprir a sua parte na avença,
que normalmente consistirá na
contratação de pessoas indicadas
pelos colaboradores para o preenchimento
de cargos em comissão, na contratação
de obras e serviços sem a realização
do procedimento licitatório,
ou mesmo com a realização deste em
caráter meramente formal, com desfecho
previamente conhecido etc.[7]
Nessa
linha, é inevitável a constatação
de que a imoralidade detectada no
financiamento da campanha permite
projetar, com reduzidas perspectivas
de erro, o comportamento a ser adotado
pelo futuro agente público.[8]
4.
CORRUPÇÃO E DIVISÃO DOS PODERES.
Em
que pese não ser imune a críticas, a democracia é
o sistema político que com maior probabilidade preserva o
interesse público. A democracia, no entanto, deve estar
cercada de mecanismos aptos à preservação das
instituições e à prevenção da
ilicitude. Nesse particular, merece realce o relevante papel
desempenhado pelo sistema dos checks and balances, o qual permite que
o poder venha a conter os excessos do próprio poder.
O
poder de decisão, sempre que outorgado a um agente público,
trará consigo a semente do abuso, que pode ou não
florescer. A manutenção desse poder nos limites da lei
e da razão constitui uma das finalidades a serem alcançadas
pelo sistema da divisão dos poderes, evitando-se a
disseminação do arbítrio e da corrupção.
A partir de um controle recíproco entre as diferentes funções
estatais, maior será a possibilidade de contenção
dos desvios comportamentais dos agentes públicos.
O
sistema dos checks and balances, em linhas gerais, possui relevância
ímpar na produção normativa, permitindo a
confluência de forças entre Executivo e Legislativo na
edição da norma mais adequada à contenção
da corrupção. É igualmente relevante no controle
da execução da norma por parte da administração,
que se subdivide nas vertentes judicial e legislativa, neste último
caso com a possibilidade de responsabilização política
dos agentes públicos.
A exemplo do que se verifica em
qualquer vertente da atividade estatal, também a separação
de poderes deve estar direcionada à consecução
do interesse público. Assim, merecem total reprovação
as normas editadas pelo Poder Legislativo com o fim, único e
exclusivo, de desautorizar decisões judiciais e beneficiar
agentes que integram a classe dominante.[9]
5.
CORRUPÇÃO E DEFICIÊNCIAS NA ORGANIZAÇÃO
ESTATAL.
A ineficiência estatal, quer seja na
esfera legislativa, administrativa ou jurisdicional, é um
importante fator de desenvolvimento das práticas
corruptas.
Como manifestações inequívocas
das falhas do aparato estatal, podem ser mencionadas: a) as decisões
arbitrárias, que resultam de uma excessiva discricionariedade
dos agentes públicos e desvirtuam o uso do poder, estimulando
as práticas corruptas e o seu uso em benefício de
terceiros; b) as conhecidas mazelas no recrutamento dos ocupantes dos
cargos comissionados, que relegam a plano secundário a
valoração da competência e prestam-se ao
favorecimento pessoal, o que termina por estimular a corrupção
em razão dos desvios comportamentais de tais agentes; c) o
corporativismo presente em alguns setores do Poder, em especial no
Judiciário e no Legislativo, isto sem olvidar o Ministério
Público - que, no Brasil, apesar de não ostentar esse
designativo, tem prerrogativas próprias de um Poder - o que em
muito dificulta a investigação de ilícitos
praticados pelos setores de maior primazia nesses órgãos;
d) a quase que total ineficiência dos mecanismos de repressão
aos ilícitos praticados pelos altos escalões do poder;
e) a concentração, em determinados funcionários,
do poder de gerenciar ou arrecadar elevadas receitas; e f) a
tolerância, em especial na estrutura policial, das práticas
corruptas.
Os desvios comportamentais que redundam em
estímulo à proliferação da corrupção,
na medida em que se apresentam como práticas rotineiras, ainda
possuem uma dimensão mais deletéria e maléfica à
organização estatal: ensejam o surgimento de um código
paralelo de conduta, à margem da lei e da razão, que
paulatinamente se incorpora ao standard de normalidade do homo
medius. Uma vez iniciado esse processo, difícil será a
reversão ao status quo, fundado na pureza normativa de um
dever ser direcionado à consecução do bem de
todos.
Além disso, a corrupção
no ápice da pirâmide hierárquica
serve de fator multiplicador da corrupção
dentre aqueles que ocupam posição
inferior, desestimulando-os a ter conduta
diferente.
Um outro fator de estímulo à
corrupção pode ser identificado na própria
substância de certas normas de conduta. Como se sabe, o
legislador deve ter uma visão prospectiva, pois a norma, em
regra, é editada com o fim de regular situações
futuras. Absorvendo as regras de experiência e valorando de
forma responsável o presente, poderá o legislador
estabelecer o regramento das situações que se formarão
na linha de desdobramento da evolução da sociedade. A
partir dessa singela equação, é possível
afirmar que a produção normativa, em sua essência,
não deve se afastar da realidade que pretende regular. Fosse
de outro modo, bastaria transpor a legislação de um
país com altos índices de desenvolvimento social e
humano para outros que ressintam desses fatores para que, tal qual um
passe de mágica, todos os problemas da humanidade fossem
solucionados. Infelizmente, tal não é
possível.
Considerando que a norma de conduta se
destina a regular as relações jurídicas de
determinado grupamento, em certo local e em dado período da
história, sempre que o conteúdo formal da norma se
distanciar da realidade que pretende regular, menores serão as
perspectivas de sua efetividade. Em conseqüência, vendo-se
impossibilitado de adequar seu comportamento às exigências
do ordenamento jurídico, maiores serão as perspectivas
de que o indivíduo trilhe o caminho da corrupção.
O legislador, assim, ao dispor sobre o que deve ser, terá de
atentar para o que é possível ser, isto sob pena de
esvaziar o comando normativo - que se tornará inócuo
ante a impossibilidade de cumprimento - e estimular a corrupção.
6. CORRUPÇÃO E PUBLICIDADE.
Como
decorrência lógica de sua natureza ilícita, não
se costuma conferir publicidade aos atos de corrupção.
Por tal razão, é tarefa assaz difícil a
realização de um estudo estatístico a respeito
desse desvio comportamental dos agentes públicos. Dificuldades
à parte, é digna de encômios a atividade
desenvolvida pela organização não-governamental
germânica, sem fins lucrativos, denominada Transparência
Internacional, fundada em 1993 e que, desde 1995, estuda o problema
utilizando o denominado 'índice de percepção da
corrupção'.
Anualmente, a Transparência
Internacional divulga um quadro analítico contendo um amplo
estudo da corrupção em inúmeros países do
mundo. Para tanto, são colhidas informações
junto a empresários, analistas, usuários de serviços
públicos e a população em geral. Como é
fácil perceber, as fontes de pesquisa são inaptas a
fornecer um retrato preciso da corrupção, já
que, além de variarem ano a ano, são distintos os
padrões ético-morais dos entrevistados, o que
inviabiliza seja traçado um critério de percepção
uniforme em todo o mundo. Apesar disso, trata-se de índice que
em muito reflete as imagens dos países no cenário
mundial, merecendo ser respeitado e divulgado.
Tomando-se como
parâmetro os estudos concernentes ao exercício de 1998,
os resultados não são nada animadores. Com efeito,
variando o 'índice de percepção da corrupção'
(CPI) em uma escala de 0 a 10[10], dos 85 países avaliados, 50
receberam uma avaliação inferior a 5 e, 20 deles, não
alcançaram sequer a nota 3. Em 1999, o estudo se estendeu por
99 países.[11] Em 2002, a pesquisa foi realizada em 102
países.[12]
O objetivo principal desse estudo é
expor, de forma sintética, aos dirigentes de cada um dos
países pesquisados e à comunidade internacional, os
diferentes graus de corrupção que degeneram suas
estruturas organizacionais, o que, em um segundo momento, atuará
como elemento estimulador de políticas públicas
tendentes a atenuá-la.
O índice de percepção
da corrupção indica a predisposição dos
agentes públicos à percepção de vantagens
indevidas, não indicando, com precisão, a freqüência
com que tal ocorre. Isto é justificável na medida em
que as empresas, por reconhecerem o caráter delituoso dessa
prática, não colaboram com o fornecimento de
informações dessa natureza. Por essa razão,
somente em 1999 a Transparência Internacional divulgou o
'índice de pagadores de suborno' (BPI), que alcança os
19 principais países exportadores do mundo e procura refletir
a freqüência com que as empresas neles situadas pagam
suborno, aumentando a pontuação conforme diminuam os
pagamentos.[13]
À probidade e à transparência
está contraposta a corrupção. Por tal razão,
o grau de corrupção também está
diretamente relacionado ao denominado 'fator opacidade',[14] que pode
ser expresso pela seguinte fórmula: 'Oi= 1/5 [Ci + Li + Ei +
Ai + Ri]'. As variáveis da fórmula expressam as
informações a seguir discriminadas:
'i=
país;
O= pontuação final;
C=
impacto de práticas corruptas;
L= efeito da opacidade
legal e judicial;
E= efeito da opacidade econômica e
política;
A= efeito da opacidade contábil; e
R=
impacto da opacidade regulatória e incerteza e
arbitrariedade'.
7. CORRUPÇÃO E
DESESTATIZAÇÃO.
Sendo a corrupção
uma conseqüência assaz comum nas hipóteses de
concentração de poder, um dos instrumentos utilizados
para combatê-la é a descentralização de
poder.
Especificamente no que concerne à intervenção
do Estado no domínio econômico, abstraindo-nos de
concepções ideológicas, é possível
afirmar que a sua paulatina redução importará em
proporcional diminuição dos poderes dos agentes
públicos, o que acarretará o estreitamento de seu campo
de ação e em muito restringirá o estímulo
à prática dos atos de corrupção.
O
estímulo à iniciativa privada é uma importante
medida de combate à corrupção. Oferecendo-se
facilidades, pouco espaço sobra para que o agente público
venda dificuldades. Quanto menor for a intervenção do
Estado no mercado, menor será a relevância do papel
desempenhado pelo agente público, o que em muito reduzirá
o espaço aberto à corrupção.
Não
se ignora, no entanto, que a livre concorrência, apesar de
apresentar os aspectos favoráveis acima referidos, não
pode ser levada a extremos. Não raro será imperativa a
intervenção do Estado no domínio econômico,
o que preservará a igualdade de oportunidades e reduzirá
a possibilidade de dominação de mercados.
Frise-se,
ainda, que a própria redução da intervenção
estatal no domínio econômico tem sido fonte de
incontáveis atos de corrupção, em especial para
a obtenção de informações privilegiadas e
conseqüente limitação da competitividade nos
respectivos leilões de privatização.
8.
CORRUPÇÃO E RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO.
Como derivação da própria noção
de democracia, que congrega a idéia de representatividade de
interesses alheios, deve ser prestigiada a possibilidade de
responsabilização de todos aqueles que desempenhem esse
munus.
Em sua essência, a responsabilidade do agente
público pelos ilícitos que venha a praticar é
conseqüência lógica da inobservância do dever
jurídico de atuar em busca da consecução do
interesse público. Dessa concepção teleológica
derivam o dever de transparência e o dever de prestar contas da
gestão dos recursos públicos. Descumpridos os deveres,
haverá de incidir a sanção correspondente.
Inexistindo sanção, ter-se-á o enfraquecimento
da própria concepção de dever.
A
responsabilização dos agentes públicos pode se
disseminar em múltiplas vertentes, assumindo um colorido
administrativo, político, penal, cível ou mesmo moral.
Tais vertentes, que acompanharão a natureza do ato e a sua
potencialidade lesiva no contexto social, possibilitarão a
aplicação de sanções extremamente
variáveis, quer seja em grau ou em essência.
A
inter-relação entre as responsabilidades política
e judicial (rectius: penal ou cível) merece uma breve
reflexão. Como ensinam as regras de experiência, na
medida em que se ascende no escalonamento hierárquico, mais
remotas se mostram as possibilidades de responsabilização
do agente público. Tal constatação deriva das
maiores prerrogativas que a lei concede ao agente, de sua ascendência
política, da possibilidade de manipulação da
opinião pública, da maior disponibilidade de recursos
financeiros - o que lhe permitirá uma ampla defesa (quer seja
lícita ou ilícita) - e de um possível
direcionamento da estrutura administrativa à consecução
de seus próprios interesses. No que concerne aos agentes
políticos, que normalmente ocupam o ápice do
escalonamento funcional, raros são os casos de
responsabilização política, o que deriva da
constatação de que a própria atividade
partidária, a cada dia mais ampla e organizada, tende a evitar
que o Chefe do Executivo tenha contra si uma forte oposição
no Parlamento, isto sem olvidar os ajustes políticos de toda
ordem que são diuturnamente realizados.
Ante a ínfima
possibilidade de responsabilização política, que
seria um eficaz mecanismo de prevenção e repressão
à corrupção, resta a responsabilização
perante os órgãos judiciais, o que pressupõe a
tramitação de um demorado e custoso processo e o
preenchimento de requisitos específicos, como o elemento
subjetivo exigido pela norma (dolo ou culpa) e o enquadramento da
conduta em uma tipologia específica. A distinção
entre responsabilidade política e responsabilidade judicial,
conquanto clara para o operador do direito, é quase que
imperceptível à população em geral. Como
conseqüência, uma possível condenação
judicial pode ensejar, aos olhos do leigo, o surgimento de um
sentimento de ilegitimidade em relação ao Poder
Judiciário, pois o agente político contou com o
beneplácito dos parlamentares, que são representantes
do povo, o que impossibilitou o simultâneo reconhecimento de
sua responsabilidade política. Com isto, tem-se uma
indesejável semente de desprestígio do aparato judicial
frente à população, já que à
condenação jurídica não esteve atrelada a
condenação política e a necessária
responsabilização moral.
Especificamente em
relação à responsabilidade moral, tem-se a
projeção dos efeitos da publicidade do ato no organismo
social, que os absorverá e formará um juízo
crítico a respeito das virtudes e dos valores ético-morais
do agente público. Sua conduta tanto poderá merecer o
beneplácito como o repúdio de seus pares, o que terá
grande relevância nas hipóteses em que o agente, por
pretender exercer a representatividade popular, dependa dos votos
daqueles que tiveram conhecimento de seus atos. O juízo
crítico acima referido, elemento condicionante da própria
responsabilidade moral, variará em graus semelhantes à
capacidade de percepção do organismo social. A
disseminação da informação pressupõe
uma imprensa livre (e responsável), enquanto a sua assimilação
exige uma população com níveis satisfatórios
de desenvolvimento social e intelectual.[15] Em um país de
baixo desenvolvimento humano, como é fácil concluir, a
responsabilização moral do agente é
sensivelmente enfraquecida, terminando por se diluir com uma mistura
infalível: o passar do tempo e um bom exercício de
retórica. Frustrados os mecanismos de controle social, não
resta outra alternativa senão buscar a efetividade dos
instrumentos de persecução e de repressão à
corrupção.
9. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES
E PERSPECTIVA DE EFETIVIDADE.
Além dos
mecanismos de prevenção já mencionados, o
combate à corrupção está diretamente
entrelaçado à perspectiva de efetividade das sanções
cominadas. A prática de atos de corrupção,
dentre outros fatores, sofre um sensível estímulo nas
hipóteses em que seja perceptível ao corrupto que
reduzidas são as chances de que sua esfera jurídica
venha a ser atingida em razão dos ilícitos que
perpetrou. Por outro lado, a perspectiva de ser descoberto, detido e
julgado, com a conseqüente efetividade das sanções
cominadas, atua como elemento inibidor à prática dos
atos de corrupção.
Ainda que esse estado de
coisas não seja suficiente a uma ampla e irrestrita coibição
à corrupção, seu caráter preventivo é
induvidoso. Além das sanções de natureza penal,
que podem restringir a liberdade individual, é de indiscutível
importância a aplicação de reprimendas que
possam, de forma direta ou indireta, atingir o bem jurídico
que motivou a prática dos atos de corrupção: o
patrimônio do agente.
Quanto maiores forem os prejuízos
patrimoniais que o agente poderá suportar e mais aprimorados
se mostrarem os meios de controle, menores serão os estímulos
à corrupção. Essa afirmação,
aparentemente simples, não deve ser interpretada como um mero
exercício de retórica. À sua concreção
no plano fático deve estar vinculada a efetiva existência
de custo econômico para o agente que venha a sofrê-las.
Esse custo econômico estará atrelado não só
à perda patrimonial atual, como também à futura.
A perda patrimonial futura refletirá, em especial, os ganhos
que o agente deixará de receber caso venha a perder o cargo
ocupado e a inabilitação para o exercício de
outra função no prazo fixado em lei. Dessa constatação
resulta a conclusão de que o receio do prejuízo
patrimonial, verdadeiro elemento inibidor da corrupção,
será tanto maior quanto mais elevada for a remuneração
recebida pelo agente. Remuneração insignificante, além
de atentatória à dignidade da função e
comprometedora da subsistência do agente, é um
indiscutível elemento de estímulo à
corrupção.
Merece ser realçado que, além
do aspecto jurídico das sanções, os agentes
públicos, em especial aqueles que exercem função
política, em muito prezam a reputação que
ostentam e, uma condenação por corrupção,
como se sabe, reduz sensivelmente as perspectivas de êxito em
um futuro pleito.
Repita-se, uma vez mais, que é
absolutamente inútil a cominação de severas
sanções se os mecanismos de controle e de execução
são ineficazes. O temor que reduzirá o ímpeto do
agente para a prática do ilícito surge a partir da
constatação de que uma sanção será
inevitavelmente aplicada. Ao revés, não obstante a
cominação legal, havendo a certeza de que a sanção
não se efetivará, o temor se transmuda em estímulo,
em muito enfraquecendo os freios inibitórios do agente.
Além
do aspecto preventivo, a sensação de efetividade das
sanções terá como sucedâneo a lenta e
paulatina diminuição dos próprios custos com os
mecanismos de controle, pois, na medida em que se difunde a repulsa à
ilicitude, em menor número serão aqueles que se
aventurarão à sua prática.
10.
CORRUPÇÃO E INTERESSE PRIVADO.
A
corrupção, a partir da relação
estabelecida entre corruptor e corrompido, busca minimizar os custos
e maximizar as oportunidades. Nessa perspectiva, a corrupção
se apresenta como um meio de degradação do interesse
público em prol da satisfação do interesse
privado. O agente público, apesar de exercer suas funções
no âmbito de uma estrutura organizacional destinada à
consecução do bem comum, se desvia dos seus propósitos
originais e passa a atuar em prol de um interesse privado bipolar,
vale dizer, aquele que, a um só tempo, propicia uma vantagem
indevida para si próprio e enseja um benefício para o
particular que compactuou com a prática corrupta. A questão,
acaso dissociada de balizamentos éticos, sendo analisada sob
uma ótica meramente patrimonial, permitirá concluir
que, em inúmeras oportunidades, o particular tenderá a
aceitar a prática corrupta para a satisfação
mais célere ou menos custosa de seu interesse privado, ainda
que o interesse público termine por ser prejudicado.
Essa
ausência de consciência coletiva, com a correlata
supremacia do interesse privado sobre o público, é,
igualmente, um poderoso elemento de estímulo à
corrupção, tornando-a socialmente aceitável. Seu
combate está diretamente relacionado ao desenvolvimento dos
padrões educacionais e da consciência cívica da
população, fatores que exigem um processo contínuo
de aperfeiçoamento e que somente apresentam resultados
satisfatórios a longo prazo.
Deve-se afastar a
vetusta concepção de que a coisa
pública não é de ninguém, fruto
indesejado do perverso ciclo de
perpetuação da ignorância
popular[16]: povo ignorante não se insurge
contra o agente corrupto, o agente
corrupto desvia recursos públicos e
os afasta das políticas de concreção
da cidadania, o povo fica mais ignorante e
dependente daquele que o lesou, sendo incapaz de
romper o ciclo – quando muito, altera os
personagens.
Regra geral, a corrupção
é deflagrada por grupos de pressão,
os quais atuam de forma sistemática junto
aos poderes constituídos para a
consecução de seus objetivos,
culminando em direcionar-se para aquela
vertente sempre que não alcancem seus fins
por meios diversos.
Sob a ótica empresarial, a
corrupção, normalmente, é vista como um
instrumento necessário à manutenção da
própria competitividade entre aqueles que atuam em um meio
reconhecidamente corrupto. Aqueles que abdicarem da corrupção
se verão em uma posição de inferioridade em
relação aos competidores que se utilizam desse
mecanismo, sendo possível, até mesmo, sua exclusão
da própria competição (v.g.: órgão
público cujos agentes fraudam com freqüência suas
licitações ou que exigem um percentual do objeto do
contrato para a sua adjudicação, somente permitirá
que o certame seja vencido por empresa que se adeqüe ao esquema
de corrupção).
O contratante beneficiado pelos
atos de corrupção, não raro, deixa de cumprir os
requisitos técnicos exigidos para o caso e deixa de realizar a
melhor prestação, isto porque o custo da corrupção
haverá de ser transferido para a execução do
contrato, o que redundará em prestação com
quantidade ou qualidade inferior à contratada.
As
formas de corrupção - não só toleradas
como estimuladas no âmbito empresarial - apresentam múltiplas
variações. Dentre as mais comuns, podem ser
mencionadas: a) a entrega de presentes aos agentes públicos
que de algum modo possam beneficiar a empresa no exercício da
função; b) a desmesurada hospitalidade na recepção
dos agentes públicos; c) o custeio de despesas que recaem
sobre tais agentes; d) o fornecimento de viagens gratuitas etc.
A
corrupção pode se manifestar, igualmente, como projeção
das alianças que propiciaram ao agente público a
ascenção ao poder. Em casos tais, os benefícios
auferidos pelo agente antecederam o próprio exercício
da função pública, mas gerarão reflexos
na atividade finalística a ser por ele ulteriormente
desenvolvida. Trata-se de verdadeira corrupção
diferida, na qual a vantagem recebida no presente desvirtuará
a atividade administrativa em momento futuro.
11.
CUSTOS SOCIAIS DA CORRUPÇÃO.
O regular
funcionamento da economia exige transparência e estabilidade,
características de todo incompatíveis com práticas
corruptas. A ausência desses elementos serve de desestímulo
a toda ordem de investimentos, que serão direcionados a
territórios menos conturbados, o que, em conseqüência,
comprometerá o crescimento, já que sensivelmente
diminuído o fluxo de capitais.
Quanto maior for a
relevância dos interesses que o agente público venha a
dispor em troca das benesses que lhe sejam ofertadas, maior será
o custo social de sua conduta.[17]
As políticas
públicas, ademais, são sensivelmente atingidas pela
evasão fiscal, que consubstancia uma das facetas dos atos de
corrupção. Com a diminuição da receita
tributária, em especial daquela originária das classes
mais abastadas da população, diminui a redistribuição
de renda às classes menos favorecidas e aumenta a injustiça
social. Esse quadro ainda servirá de elemento limitador à
ajuda internacional, pois é um claro indicador de que os
fundos públicos não chegam a beneficiar aqueles aos
quais se destinam.
Esse ciclo conduz ao estabelecimento de uma
relação simbiótica entre corrupção
e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo.
Quanto maiores os índices de corrupção, menores
serão as políticas públicas de implementação
dos direitos sociais.[18] Se os recursos estatais são
reconhecidamente limitados, o que torna constante a invocação
da reserva do possível[19] ao se tentar compelir o Poder
Público a concretizar determinados direitos consagrados no
sistema, essa precariedade aumentará na medida em que os
referidos recursos, além de limitados, tiverem redução
de ingresso ou forem utilizados para fins ilícitos.
Como
os atos de corrupção normalmente não ensejam o
surgimento de direitos amparados pelo sistema jurídico, já
que escusos, a solução dos conflitos de interesses
verificados nessa seara normalmente redunda na prática de
infrações penais, o que estimula o aumento da própria
criminalidade.
A corrupção, assim, gera um
elevado custo social, sendo os seus malefícios sensivelmente
superiores aos possíveis benefícios individuais que
venha a gerar.[20]
12. SIMULAÇÃO DA
LICITUDE DOS ATOS DE CORRUPÇÃO.
Não
raro, a normatização de regência das relações
intersubjetivas é utilizada como mecanismo de legitimação
da vantagem indevida obtida com os atos de corrupção.
Tal simulação pode revestir-se de inúmeras
facetas. À guisa de ilustração, mencionaremos as
seguintes: a) simulação de contratos de compra e venda,
com objeto fictício ou com a fixação de preço
superior ao valor real do bem, o que termina por conferir ares de
legitimidade ao numerário que exceder o valor real; b)
transferência de recursos para paraísos fiscais, nos
quais a abertura das contas é realizada por meios eletrônicos,
inexistindo prova contundente de que o agente é o seu titular;
c) utilização de títulos ao portador ou de
pessoas jurídicas - normalmente controladas por outras pessoas
jurídicas sediadas no exterior e cujo acionista controlador é
desconhecido; d) estabelecimento de relações fictícias
entre pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras,
possibilitando a lavagem de dinheiro e a indevida remessa de divisas
para o exterior; e) instrumentos procuratórios que propiciam a
manipulação dos denominados 'laranjas' ou 'testas de
ferro', em regra pessoas humildes e com reduzida capacidade
intelectiva que assumem, formalmente, a titularidade dos bens do
corrupto; f) utilização de pessoas jurídicas,
normalmente sem fins lucrativos (associações e
fundações) para gerir os recursos captados com a
corrupção, transmitindo a falsa impressão de que
sua origem é lícita e de que se destinam à
satisfação do interesse social.
A tendência
é que tais mecanismos venham a se proliferar, tornando cada
vez mais complexa a sua compreensão e conseqüente
repressão. A contenção desse estado de coisas
exige que aos agentes públicos seja dispensado um tratamento
jurídico diferenciado em relação aos
particulares, o mesmo devendo ser feito quanto aos particulares que
pretendem contratar com o Poder Público. Em casos tais, as
perspectivas de efetividade das posturas preventiva e repressiva
dissentem entre si em grande intensidade, sendo esta nitidamente
inferior àquela.
13. O REDIMENSIONAMENTO DE
PRÁTICAS PRIVADAS COMO MECANISMO DE CONTENÇÃO DA
CORRUPÇÃO.
O agente público, na
medida em que exerce uma função de igual natureza, deve
ter uma conduta absolutamente transparente, daí a necessidade
de serem amenizadas as regras que reduzem a publicidade de sua
evolução patrimonial, em especial as concernentes aos
sigilos bancário e fiscal.[21] Devem ser instituídos
órgãos responsáveis pelo efetivo monitoramento
da evolução patrimonial do agente, sempre buscando
analisar a compatibilidade entre o que fora informado e a realidade
fenomênica. Com isto, evitar-se-ão situações
que em muito contribuem para o enfraquecimento das instituições,
como na hipótese de o agente receber parca remuneração
e usufruir de bens de consumo de alto custo, sem que nenhum órgão
afira a desproporção entre esses dois
vetores.
Determinadas operações deveriam ser
necessariamente transparentes, ainda que oriundas de profissionais
liberais, como os advogados, ou de instituições
financeiras (v.g.: necessidade de comunicar a existência de
depósitos superiores a valores que suportem o padrão
médio, proscrição dos títulos ao portador
e dos depósitos não identificados etc.). Como forma de
proteção à intimidade, que em um Estado
Democrático não pode ser concebida como um direito
absoluto, o que legitima a sua ponderação com outros
valores relevantes à sociedade, o acesso às informações
poderia ser restrito a um órgão governamental, que
seria responsável pelo cadastramento e batimento das
informações coletadas.
O combate à
corrupção, assim, longe de estar unicamente atrelado à
existência de severas normas sancionadoras, em muito depende do
redimensionamento de institutos regidos pelo direito privado, os
quais, acaso utilizados com abuso de poder, inviabilizam a sua
identificação e conseqüente coibição.
Enfraquecidos os subterfúgios utilizados para simular a
licitude do numerário obtido com a prática da
corrupção, melhores perspectivas surgirão na
atividade investigatória, já que sensivelmente
reduzidos os meandros a serem percorridos na identificação
do ilícito.
14. CORRUPÇÃO E
GLOBALIZAÇÃO.
Apesar de a corrupção
estar presente em praticamente todas as fases do desenvolvimento
humano, o aumento das transações comerciais
internacionais e o constante fluxo de capitais entre os países
em muito contribui para a sua proliferação.
Por
estarem alheias aos prejuízos sociais que as práticas
corruptas podem acarretar, as multinacionais delas se utilizam com
freqüência, buscando obter informações
privilegiadas, licenças de operação, facilidades
no escoamento da produção etc.
Há poucos
anos, era comum que países desenvolvidos, buscando aumentar a
competitividade de suas empresas, autorizassem o pagamento de
'comissões' a agentes públicos de países
importadores, admitindo, inclusive, que tais valores fossem deduzidos
dos tributos devidos ao fisco. Regra geral, o único elemento
limitador dessa prática era o de que os atos de corrupção
deveriam ser praticados fora do território nacional.[22]
Em
relação ao comércio internacional, é
extremamente delicada a situação das alfândegas,
seara em que a corrupção, não raras vezes, é
o mecanismo utilizado para encobrir inúmeras 'práticas
comerciais', verbi gratia: a) a triangulação comercial,
utilizada para fraudar o país de origem da mercadoria com o
objetivo de submeter o produto a tratamento tributário mais
favorável; b) o subfaturamento ou a aquisição de
produtos novos como se usados fossem, influindo na base de cálculo
do tributo; c) a aquisição de produtos proibidos
(contrabando); d) a aquisição de produtos permitidos
sem o correspondente recolhimento do tributo (descaminho); e e) a
obtenção de isenções sem o cumprimento
dos requisitos essenciais do drawback.
A globalização
também se apresenta como elemento estimulador da corrupção
na medida em que realça e aproxima as desigualdades de ordem
econômica, social, cultural e jurídica, o que permite a
coexistência de realidades que em muito destoam entre si. Com
isto, tem-se um campo propício ao oferecimento e à
conseqüente aceitação de vantagens indevidas, em
especial quando os envolvidos ocupam pólos opostos em relação
aos mencionados indicadores.
15. O COMBATE À
CORRUPÇÃO NO PLANO INTERNACIONAL.
A
corrupção, quer seja estudada sob o prisma sociológico
ou jurídico, há muito deixou de ser concebida como um
fenômeno setorial, que surge e se desenvolve de forma
superposta aos lindes territoriais de determinada estrutura
organizacional. Na medida em que a corrupção rompe
fronteiras, expandindo-se de forma desenfreada, torna-se imperativa a
existência de ações integradas e de mecanismos de
cooperação entre os diferentes Estados.
Neste
tópico, realizaremos uma breve referência a alguns
acordos de cooperação que bem refletem a preocupação
da comunidade internacional com esse deletério fenômeno.
A enumeração, por evidente, não é
exaustiva, e a abordagem é eminentemente ilustrativa. De
qualquer modo, nos pareceu relevante a referência. Nos itens
subsequentes, analisaremos, de modo um pouco mais amplo, a Convenção
da Organização dos Estados Americanos contra a
corrupção e os instrumentos de combate à
corrupção existentes na França.
Em 13 de
novembro de 1989, foi editada, pelo Conselho das Comunidades
Européias, a Diretiva sobre coordenação das
normas relativas às operações com informação
privilegiada, que alcança tanto o setor público como o
privado.
O Conselho das Comunidades Européias editou,
em 10 de junho de 1991, a Diretiva nº 91/308, relativa à
prevenção da utilização do sistema
financeiro para a lavagem de dinheiro. Essa diretiva, em linhas
gerais, buscou combater tal prática assegurando o acesso a
informações que permitissem identificar a realização
de operações ilícitas com a intermediação
de instituições financeiras.[23]
A Declaração
de Arusha sobre Cooperação e Integridade Aduanera,
celebrada na Tanzânia, em 7 de julho de 1993, sob a coordenação
da Organização Mundial do Comércio, buscou
adotar medidas de combate à corrupção na área
aduaneira. Essa Declaração, observada por mais de 150
(cento e cinqüenta) países, estatuiu, dentre outras
medidas, a necessária rotatividade entre os funcionários
das alfândegas, a existência de critérios rígidos
e objetivos de seleção, a redução da
esfera de discricionariedade de tais agentes, o pagamento de
remuneração compatível com a importância
do cargo e a existência de mecanismos efetivos de controle, em
especial na órbita disciplinar.
O Convênio
relativo à proteção dos interesses financeiros
das comunidades européias, de 26 de julho de 1995, coíbe
a participação de agentes públicos em fraudes
fiscais, falsificações, desvios ou retenções
indevidas de fundos, prática que evitaria a redução
do ingresso de receitas tributárias, em especial aquelas
originárias dos impostos aduaneiros.[24] Esse Convênio,
firmado com base no artigo K-3 do Tratado da União Européia,
foi integrado pelo Protocolo Adicional de 21 de setembro de 1996,
direcionado ao combate à corrupção dos agentes
públicos.
A Organização Mundial do
Comércio difundiu critérios de ordem objetiva a serem
observados pelo Poder Público na contratação de
obras e serviços a nível internacional, todos
direcionados à transparência do procedimento
licitatório. Tais diretrizes foram veiculadas no Acordo
plurilateral sobre contratação pública,
celebrado em Marrakech, no ano de 1996.
Em 26 de maio de 1997,
foi firmado, no âmbito da União Européia, com
base na alínea c da cláusula 2 do artigo K-3 do Tratado
da União Européia, o Convênio de luta contra atos
de corrupção nos quais estejam envolvidos funcionários
das Comunidades Européias ou de Estados membros da União
Européia.[25] Esse convênio já foi ratificado por
inúmeros países, como França, Alemanha, Espanha,
Suécia, Finlândia e Suécia.
As sucessivas
medidas adotadas pela União Européia com o fim de
depurar as relações mantidas entre os Estados membros,
em especial aquelas estritamente relacionadas aos agentes públicos,
ensejou a elaboração do Corpus juris 2000 de
disposições penais para a proteção dos
interesses financeiros da União Européia, sendo
encontrados no texto oito tipos penais. Trata-se de uma proposta
legislativa que busca unificar, no âmbito da União
Européia, princípios comuns de direito penal dos
Estados membros, com vistas a estatuir uma estrutura judicial comum.
À guisa de ilustração, merece referência o
art. 5.2 do Corpus Juris, que tipifica os atos de corrupção
ativa ou passiva que possam ocasionar prejuízos a interesses
financeiros dos Estados membros. [26]
Em relação
às tendências verificadas no âmbito da União
Européia, já são múltiplas as vozes que
sustentam a necessidade de se criar um 'Fiscal Europeu
Anti-corrupção', que exerceria funções
inerentes ao Ministério Público, em especial as de
ombudsman e de investigação de infrações
penais. Com isto, serão robustecidos os instrumentos
atualmente existentes, como a 'Oficina de Luta Anti-fraude', que
seria supervisionada pelo referido agente.
Em 5 de maio de
1998, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa editou a
Resolução nº 7, que autorizou a criação
do 'Grupo de Estados contra a Corrupção' ('GRECO -
Group of States against Corruption'). O Conselho da Europa adotou, em
22 de dezembro de 1998, a ação comum 'sobre a corrupção
no setor privado'.[27] Em 27 janeiro de 1999, foi firmado, pelos
países integrantes do Conselho da Europa, o Convênio de
Direito Penal contra a corrupção.[28] Posteriormente,
em 4 de novembro de 1999, o Conselho da Europa editou o Convênio
de Direito Civil sobre corrupção, segundo o qual os
Estados partes deveriam adotar medidas legislativas em prol daqueles
que tenham sofrido danos como resultado de atos de corrupção,
permitindo a defesa de seus direitos, incluindo a possibilidade de
compensação pelos danos sofridos.[29] Esses convênios,
como é fácil perceber, buscavam estabelecer medidas
preventivas e repressivas à corrupção em suas
múltiplas vertentes, alcançando, inclusive, o setor
privado, em regra o principal beneficiário de tal
prática.
Trinta e três Estados integrantes da
Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico subscreveram, em 17 de dezembro de
1997, na Cidade de Paris, a 'Convenção de Luta Contra a
Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros em
Transações Comerciais de Caráter Internacional',
que considera infração penal o suborno de tais
agentes.[30] Anteriormente, a OCDE já havia recomendado que
não deveriam ser permitidas quaisquer deduções,
em matéria tributária, das importâncias pagas a
título de suborno.[31]
O Fundo Monetário
Internacional, em 26 setembro de 1999, aglutinou inúmeras
medidas de combate à corrupção, em matéria
financeira, no 'Código sobre Boas Práticas de
Transparência em Políticas Monetárias e
Financeiras'. Esse Código busca tornar acessíveis ao
cidadão comum, de forma simples e objetiva, as medidas
econômicas, monetárias e financeiras adotadas pelos
governantes.[32]
A Organização das Nações
Unidas editou as Resoluções nº 50/106, de 20 de
dezembro de 1995, 51/191, de 16 de dezembro de 1996, e 53/176, de
janeiro de 1999, que veiculam medidas de combate à corrupção
nas transações internacionais.
A Assembléia
Geral das Nações Unidas, por intermédio da
Resolução nº 51/59, de janeiro de 1997, veiculou
um 'Código de Conduta para Funcionários Públicos',
que, dentre outras medidas, estabeleceu inúmeras
incompatibilidades incidentes sobre aqueles que tivessem acesso a
informações privilegiadas no exercício da
função. Em 21 de fevereiro de 1997, emitiu a
'Declaração sobre a Corrupção e os
Subornos nas Transações Comerciais Internacionais', a
qual, além de outras providências, dispôs que os
Estados examinariam a possibilidade de considerar o enriquecimento
ilícito de agentes públicos, incluindo os eleitos, como
uma prática ilícita.[33]
A Organização
dos Estados Americanos, em agosto de 1998, editou um Modelo de
Legislação sobre enriquecimento ilícito e
suborno transnacional, que, dentre outras sanções,
previa a impossibilidade de obtenção de benefícios
fiscais ou subvenções de origem pública.
Na
senda das medidas anticorrupção adotadas no plano
internacional, inúmeros países têm redimensionado
seus sistemas de combate à corrupção. No Brasil,
foi editada a Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de
1992, diploma singular e sem paralelo no mundo. Na Itália, o
Código de comportamento dos empregados das Administrações
Públicas, de 1993. Na França, a Lei sobre a prevenção
da corrupção e a transparência da vida econômica
e dos procedimentos públicos, de 29 de janeiro de 1993. Na
Espanha, a Lei nº 10, de 1995, criou a Fiscalía Especial,
também conhecida como Fiscalía Anticorrupción,
órgão integrante do Ministério Público
incumbido da repressão aos crimes econômicos
relacionados à corrupção. Na Alemanha, a lei de
combate à corrupção, de 20 de agosto de
1997.
15.1. A CONVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
DOS ESTADOS AMERICANOS CONTRA A CORRUPÇÃO.
Sensíveis ao fato de que a corrupção,
além de comprometer a legitimidade das instituições
públicas, atenta contra a sociedade, a ordem moral e a
justiça, retardando o próprio desenvolvimento dos
povos, os Estados membros da Organização dos Estados
Americanos (OEA) subscreveram, em 29 de março de 1996, na
Cidade de Caracas, a 'Convenção Interamericana Contra a
Corrupção' (CICC).[34]
Essa Convenção,
como resulta de seu preâmbulo, tem por fim despertar a
consciência coletiva para a existência e a gravidade do
problema, estimular ações coordenadas entre os Estados
para o combate aos atos de corrupção que transcendam as
lindes de seu território e evitar que se tornem cada vez mais
estreitos os vínculos entre a corrupção e as
receitas provenientes do tráfico ilícito de
entorpecentes, 'que minam e atentam contra as atividades comerciais e
financeiras legítimas e a sociedade, em todos os níveis'.
O
texto é especificamente direcionado à prevenção,
detecção, sanção e erradicação
da corrupção no exercício de funções
públicas e nas atividades especificamente vinculadas a tal
exercício. Considera função pública toda
a atividade, temporária ou permanente, remunerada ou não,
realizada por pessoa natural a serviço ou em nome da
administração direta ou indireta, qualquer que seja o
nível hierárquico. Funcionário público,
por sua vez, é aquele que mantém vínculo com a
administração, alcançando os oriundos de
eleição, contratação ou aprovação
em concurso público.[35]
Além de veicular normas
de natureza penal e penal internacional, a CICC buscou introduzir
modificações no próprio sistema administrativo
dos Estados Partes, cuja atuação deveria ser
necessariamente direcionada por critérios de eqüidade,
publicidade e eficiência.
O art. II veicula um extenso
rol de medidas preventivas que os Estados se comprometem a
implementar. Por sua importância, passamos a
transcrevê-las:
'1.Normas de conduta para o
correto, honorável e adequado cumprimento das funções
públicas. Essas normas deverão estar orientadas a
prevenir conflitos de interesses e assegurar a prevenção
e o uso adequado dos recursos atribuídos aos funcionários
públicos no desempenho de suas funções.
Estabelecerão também as medidas e sistemas que exijam
dos funcionários públicos informar às
autoridades competentes sobre os atos de corrupção na
função pública de que tenham conhecimento. Tais
medidas ajudarão a preservar a confiança na integridade
dos funcionários públicos e na gestão
pública.
2. Mecanismos para tornar efetivo o
cumprimento das referidas normas de conduta.
3. Instruções
ao pessoal das entidades públicas, que assegurem a adequada
compreensão de suas responsabilidades e das normas que regem
suas atividades.
4. Sistemas para a declaração
de rendas, ativos e passivos por parte de pessoas que desempenham
funções públicas nos cargos que estabeleça
a lei e para a publicação de tais declarações
nos casos correspondentes.
5. Sistemas para a contratação
de funcionários públicos e para a aquisição
de bens e serviços por parte do Estado que assegurem a
publicidade, eqüidade e eficiência de tais sistemas.
6.
Sistemas adequados para a arrecadação e o controle das
rendas do Estado, que impeçam a corrupção.
7.
Leis que eliminem os benefícios tributários de qualquer
pessoa ou sociedade que realize ações em violação
à legislação contra a corrupção
dos Estados Partes.
8. Sistemas para proteger os funcionários
públicos e cidadãos particulares que denunciem de
boa-fé atos de corrupção, incluindo a proteção
de sua identidade, de conformidade com a Constituição e
os princípios fundamentais do ordenamento jurídico
interno, e a legislação contra a corrupção
dos Estados Partes.
9. Órgãos de controle
superior, com o fim de desenvolver mecanismos modernos para prevenir,
detectar, sancionar e erradicar as práticas corruptas.
10.
Medidas que impeçam o suborno de funcionários nacionais
e estrangeiros, tais como mecanismos para assegurar que as sociedades
mercantis e outros tipos de associações mantenham
registros que reflitam com exatidão e razoável
detalhamento a aquisição e alienação de
ativos, e que estabeleçam suficientes controles contábeis
internos que permitam ao seu pessoal detectar atos de corrupção.
11.
Mecanismos para estimular a participação da sociedade
civil e das organizações não-governamentais nos
esforços destinados a prevenir a corrupção.
12.
O estudo de outras medidas de prevenção que levem em
conta a relação entre uma remuneração
eqüitativa e a probidade no serviço público.'
Ao
menos sob o aspecto formal, inúmeras medidas preventivas de
combate à corrupção já foram adotadas no
Brasil: a) múltiplas unidades da Federação
estatuíram códigos de conduta para os seus servidores;
b) a omissão do superior hierárquico na informação
dos ilícitos praticados por seus subordinados pode configurar
o ato de improbidade previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/92 e o
crime de condescendência criminosa, tipificado no art. 325 do
Código Penal; c) o fornecimento anual da declaração
de rendas já é contemplado no art. 13 da Lei nº
8.429/92 e na Lei nº 8.730/93; d) os agentes públicos,
ressalvadas algumas poucas exceções, são
recrutados por meio de concurso público; e) as contratações
de bens e serviços são precedidas de licitação,
o que assegura a sua publicidade e eqüidade; f) a gestão
das receitas do Estado, além de serem objeto de fiscalização
pelas Cortes de Contas, devem render obediência aos ditames da
Lei de Responsabilidade Fiscal; g) as pessoas físicas e
jurídicas que se envolvam na prática de atos de
corrupção, consoante o art. 12 da Lei nº 8.429/92,
podem ser proibidas de contratar com o Poder Público; h) a lei
contempla um programa de proteção às
testemunhas; i) a todos é assegurado o direito de
representação; etc. Resta, no entanto, a necessidade de
que tais medidas venham a ser transpostas do plano normativo para o
fático, o que ainda não ocorreu em sua
inteireza.
Segundo o art. VI, a Convenção
será aplicada aos seguintes atos de corrupção:
'a.
requerimento ou aceitação, direta ou indiretamente, por
um funcionário público ou uma pessoa que exerça
funções públicas, de qualquer objeto de valor
pecuniário ou outros benefícios como dádivas,
favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou
entidade em troca da realização ou omissão de
qualquer ato no exercício de suas funções
públicas;
b. o oferecimento ou a concessão,
direta ou indiretamente, a um funcionário público ou a
uma pessoa que exerça funções públicas,
de qualquer objeto de valor pecuniário ou outros benefícios
em troca da realização ou omissão de qualquer
ato no exercício de funções públicas;
c.
a realização por parte de um funcionário público
ou de uma pessoa que exerça funções públicas
de qualquer ato ou omissão no exercício de suas
funções, com o fim de obter ilicitamente benefícios
para si mesmo ou para um terceiro;
d. o aproveitamento doloso
ou a ocultação de bens provenientes de qualquer dos
atos a que se refere o presente artigo;
e. a participação
como autor, co-autor, instigador, cúmplice, acobertador ou em
qualquer outra forma na prática, tentativa de prática,
associação ou confabulação para a prática
de qualquer dos atos a que se refere o presente artigo.'
Além
do rol mínimo de ilícitos que devem ser necessariamente
coibidos pelos Estados Partes, nada impede que outros mais sejam
previstos na legislação interna. Também o
suborno internacional foi objeto de preocupação pela
Convenção, devendo ser proibidas e sancionadas as
condutas consistentes em oferecimento ou entrega de vantagens a
funcionário de outro Estado, com o fim de obter a prática
ou a omissão de determinado ato.[36]
O art. IX da
Convenção veicula regra de relevância ímpar
para a contenção da corrupção no setor
público, dispondo que os Estados partes devem adotar as
medidas necessárias no sentido de tipificar, como infração
penal, o enriquecimento ilícito do agente público.
Considerar-se-á enriquecimento ilícito, a evolução
patrimonial que exceda, de forma significativa, as receitas recebidas
legitimamente pelo agente em razão do exercício de suas
funções e 'que não possa ser razoavelmente
justificada por ele'. Nessa hipótese, como deflui dos claros
termos do preceito, caberá ao órgão responsável
pela persecução penal o dever de provar a desproporção
entre o patrimônio e a renda do agente, enquanto que sobre este
recairá o ônus de demonstrar os fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos da pretensão autoral, vale dizer,
a origem lícita das receitas que propiciaram tal evolução
patrimonial.
No art. XI é veiculado um rol de condutas
correlato aos atos de corrupção e que deve ser
igualmente coibido pelos Estados partes. São elas: a) a
utilização indevida de informações
privilegiadas obtidas em razão ou no exercício da
função; b) o uso indevido, em proveito próprio
ou de terceiros, de bens a que o agente teve acesso em razão
ou no exercício da função; c) o comportamento de
agentes estranhos à administração que busquem
obter desta uma decisão que lhes propicie um benefício
ilícito em detrimento do patrimônio público; d) o
desvio de finalidade, quer seja em benefício próprio ou
de terceiro, no emprego de bens ou valores que tenha recebido em
razão ou no exercício da função.
Outra
importante regra contemplada na Convenção é a de
que a sua incidência independe da produção de
prejuízo patrimonial para o Estado, o que é um
indicativo de que a preservação da moralidade
administrativa foi um dos vetores que nortearam a sua elaboração.[37]
A obtenção de vantagens indevidas, em razão da
função, é um indicativo da degradação
moral do agente, ainda que não seja divisado qualquer dano ao
erário.
Buscando a efetividade de seus preceitos,
dispõe a Convenção que os Estados Partes devem
colaborar entre si na identificação, no rastreamento,
na indisponibilidade e no confisco dos bens obtidos com infringência
aos seus preceitos.[38] Para tanto, nem mesmo o sigilo bancário
pode ser erigido como óbice a tal cooperação.[39]
A
Convenção está sujeita a ratificação
dos Estados partes,[40] sendo admissível a formulação
de reservas[41] e a denúncia por qualquer dos Estados.[42]
15.2. A LEI ANTI-CORRUPÇÃO DA FRANÇA.
O direito positivo francês inaugurou uma nova
fase no combate à corrupção com a edição
da Lei nº 93-122, de 29 de janeiro de 1993 (JO de 30/01/1993, p.
1.588 e ss.), 'relativa à prevenção da corrupção
e à transparência da vida econômica e dos
processos públicos'.[43]
Os seis primeiros artigos da
Lei, que não estão situados sob um título
específico, tratam da instituição de um novo
serviço administrativo, vinculado ao Ministério da
Justiça, que é encarregado de centralizar e analisar as
informações úteis à prevenção
da corrupção, encaminhando-as ao Procurador-Geral da
República em sendo detectada a prática ilícita.[44]
Esse Service Central busca suprir uma das grandes deficiências
detectadas no combate a esse tipo de ilícitos: a pulverização
de informações entre órgãos desvinculados
entre si, o que confere maior lentidão à sua circulação
e compromete a efetividade das medidas a serem adotadas. Iniciativa
semelhante já fora divisada com a edição da Lei
nº 90-614, de 12/07/1990, JO de 14/07/1990, p. 8.329), que
instituíra a estrutura denominada de TRACFIN (Service de
traitement du renseignement et d'action contre les circuits
clandestins). Essa estrutura detinha alguns poderes investigatórios,
sendo-lhe assegurado o anonimato de suas fontes de informação,
e lhe era interdito utilizar os dados obtidos para fins outros que
não a luta contra a lavagem de capitais oriundos do tráfico
de entorpecentes.[45] Sobre o Service Central instituído pela
Lei Anti-corrupção recai o dever de fornecer
informações aos órgãos legitimados a
obtê-las, expedir recomendações e disponibilizar
os serviços de auditores ao Ministério Público e
ao Poder Judiciário em matéria financeira. A forma de
exercício desses poderes deve ser disciplinada pelo Conselho
de Estado[46], o que foi feito com a edição do Decreto
nº 93-232, de 22/02/1993, JO de 24/02/1993, p. 2.937.
O
primeiro título da Lei dispõe sobre o financiamento das
campanhas eleitorais e dos partidos políticos.[47] Nesse
particular, o sistema francês evoluiu da seguinte forma: a) até
1988 - proibição total de doações; b) de
1988 até 1990 - permissão de doação aos
candidatos a cargos do Legislativo e à Presidência,
sendo prevista, inclusive, a possibilidade de deduções
fiscais; c) de 1990 até 1993 - permissão de doação
também aos partidos políticos; e d) a partir da Lei
Anti-corrupção - é admitida a doação,
mas são instituídos mecanismos rígidos de
publicidade, o que inclui o dever de publicar uma relação
das pessoas, físicas e jurídicas, responsáveis
pelos repasses financeiros. Com essa última medida,
possibilitou-se a própria identificação dos
setores sociais com os quais os candidatos e os partidos se
comprometeram no curso da campanha. Em que pese à insistência
de algumas vertentes políticas, em especial daquelas de
colorido socialista, foram consideradas 'irreais' e 'inexeqüíveis'
as propostas que preconizavam a proibição do
financiamento privado, devendo a atividade partidária ser
custeada unicamente com os recursos repassados pelo erário.
Ainda
em relação ao financiamento das campanhas e dos
partidos, a Lei Anti-corrupção instituiu dos critérios
para o repasse de recursos públicos, os quais coexistiriam com
aqueles de origem privada: a) parte da receita seria repartida entre
os partidos que, nas eleições nacionais, apresentaram
candidatos em pelo menos cinqüenta circunscrições
eleitorais; e b) a outra parte seria repartida proporcionalmente ao
número de parlamentares que foram eleitos pela legenda
partidária.
O segundo título veicula inúmeras
medidas de transparência das atividades econômicas,
alcançando: a) a contratação de publicidade[48]
- estabelecendo mecanismos para a identificação das
receitas auferidas pelas agências que intermediam as
negociações entre o anunciante e o veículo de
comunicação, somente sendo admitida a percepção
de remuneração atribuída àquele, com o
que se busca assegurar a lealdade para com o contratante; b) o
urbanismo comercial[49] - estabelecendo critérios objetivos de
aferição e evitando que as dificuldades no atendimento
aos requisitos exigidos para a ur
banização
de 'grandes superfícies' atuem como estímulo à
corrupção (é a denominada 'gestão da
raridade', que faz com que a menor oferta aumente a corrupção
entre os incorporadores e os políticos locais); c) as
delegações de serviço público e as
contratações públicas, ainda que estabelecidas
com empresas vinculadas ao Poder Público,[50] tornando
obrigatória a concorrência e a transparência do
procedimento, o que restringirá a contratação
direta às hipóteses de ausência de proposta ou no
caso de a administração não aceitar, por
desvantajosa, aquela formulada; e d) as atividades imobiliárias,[51]
disciplinando as cessões de terrenos e do direito de construir
das coletividades locais ou das sociedades de economia mista locais,
bem como o dever de disponibilizar equipamentos públicos
(praças, escolas etc.) nas áreas construídas.
O terceiro título veicula disposições
relativas às coletividades locais[52], garantido-lhes a
possibilidade de explorarem diretamente algumas atividades de
interesse público, prevendo a expedição de
avisos, pelas cortes regionais de contas, buscando orientar a
execução orçamentária, veiculando normas
de controle das sociedades de economia mista locais, dispondo sobre o
cumprimento das decisões judiciais que fixem astreintes,
submetendo os políticos locais à competência da
Corte de Disciplina Orçamentária e criminalizando
qualquer obstáculo oposto ao exercício dos poderes das
Cortes de Contas ou das Câmaras Regionais de Contas, sendo
cominada pena pecuniária.
O descumprimento das normas
veiculadas pela Lei nº 93-122 poderá acarretar a nulidade
do ato e a apuração da responsabilidade do infrator
perante o órgão competente, em regra com a adoção
de medidas de caráter penal.
16. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A corrupção, como se intui por
essas breves linhas, é fenômeno que há muito se
dissociou da individualidade dos sujeitos imediatos de sua prática:
corruptor e corrompido. Os atos de corrupção, a um só
tempo, além de inerentes à própria natureza
humana, se disseminaram por todo o organismo social, o que permitiu a
transposição das fronteiras estatais e a própria
globalização dessa prática.
Não
obstante universal, as conseqüências e a aceitabilidade da
corrupção variam conforme o referencial de análise:
em países de população esclarecida e com
consciência coletiva, a corrupção se desenvolve
em patamares nitidamente inferiores àqueles verificados nos
países em que, além de comum o analfabetismo, o
interesse privado relega a plano secundário a satisfação
das necessidades coletivas. Educação e civismo são
eficazes indicadores dos graus de corrupção presentes
em qualquer estrutura estatal.
A degeneração de
caráter do agente público gera conseqüências
muito mais graves que a mera omissão ou retardamento de um
ato, ou mesmo a obtenção de uma vantagem que não
encontre correspondência na renda auferida legitimamente pelo
agente. A corrupção, em verdade, corrói o
próprio alicerce do Estado de Direito, pois associa as
instituições à ilicitude, transmudando em
corriqueiro aquilo que, por essência, é excepcional.
Aquilo que é formalmente ilícito passa a ser
materialmente lícito, já que incorporado aos padrões
comportamentais de grande parte da população.
Se
grande parte da população entende ser normal o
oferecimento de benesses a um agente público em troca de um
comportamento favorável, é inevitável a
incorporação de tal prática aos padrões
do homo medius, o que acarretará a sua paulatina degradação.
Considerando que em um país democrático o governante
ascende do próprio organismo social, é fácil
perceber os valores que tal agente trará consigo ao assumir o
ônus de atuar em prol do interesse público. E o pior, na
medida em que indivíduos moralmente degradados ascendam aos
estamentos mais elevados da organização estatal, será
inevitável a degradação de boa parte daqueles
que ocupam um escalão inferior na pirâmide hierárquica.
As implicações da corrupção com o
crime organizado e os efeitos deletérios por ela provocados no
próprio Estado de Direito serviram de estímulo à
edição de inúmeras normas com o fim de coibi-la,
inclusive no plano internacional. No direito interno, a maior parte
das medidas legislativas adotadas busca instituir instrumentos que
permitam anular os atos oriundos de práticas corruptas, bem
como responsabilizar o agente no plano político,
administrativo e, principalmente, criminal. No direito internacional,
os tratados e demais atos de natureza similar, em regra, prevêem
a necessidade de repressão criminal aos atos de corrupção,
comprometendo-se os Estados partes a adotar as medidas legislativas
tendentes a esse fim. Esse quadro demonstra o grande avanço
ocorrido no Brasil com a edição da Lei nº
8.429/92, também denominada 'Lei de Improbidade', que dispôs
sobre um extenso rol de sanções a serem aplicadas aos
agentes públicos que apresente desvios comportamentais
incompatíveis com a gestão da coisa pública.
Tais sanções têm natureza cível e serão
aplicadas por um órgão jurisdicional, o que demonstra
que o sistema brasileiro, por acrescer um novo sistema de combate à
corrupção dentre os já tradicionais, figura
entre os mais avançados do mundo.
Apesar disso, não
obstante a previsão normativa, a chama da impunidade ainda
está acesa, já que freqüentes e vigorosas as
tentativas de deformar a Lei nº 8.429/92 e inviabilizar a sua
efetivação, isto sem olvidar uma grande parcimônia
na aplicação das sanções cominadas ao
ímprobo.
Dentre as tentativas de se retirar a
efetividade da Lei nº 8.429/92, pode ser mencionada a alteração
introduzida pela Medida Provisória nº 2.225/45 no art. 17
da Lei de Improbidade, que, além de contribuir para a máxima
postergação do aperfeiçoamento da relação
processual, em muito dificultando o próprio recebimento da
inicial, chega a permitir que o juiz, antes mesmo da produção
de qualquer prova por parte do autor, se convença da
inexistência do ato de improbidade e rejeite a ação,
segundo alguns, com julgamento antecipado do próprio
mérito.
Outro exemplo é a persistência
daqueles que lutam por estender às ações de
improbidade o foro por prerrogativa de função previsto
na esfera criminal.[53] Acostumados com essa regra de exceção
que, ao nosso ver, sequer deveria existir em um País que se
diz democrático, sonham em transferir à esfera cível
a impunidade que assola a seara criminal. Não que a impunidade
também não seja a regra em termos de combate à
improbidade, mas, sim, porque os arautos da 'tese da prerrogativa' há
muito perceberam que são grandes as perspectivas de alteração
desse quadro. Pergunta-se: quem deseja a manutenção do
status quo, a população ou aqueles que se acostumaram e
pensam em institucionalizar a confortável sensação
de liberdade que a garantia da impunidade lhes causa? Alguém
seria ingênuo o suficiente para não perceber as
conseqüências que a pretendida alteração
legislativa causaria no combate à improbidade? Basta afirmar
que as investigações e a conseqüente propositura
das ações deixariam de ser realizadas por milhares de
Promotores de Justiça e Procuradores da República e
passariam a ser concentradas nas mãos de alguns poucos Chefes
institucionais, diga-se de passagem, escolhidos pelo Chefe do
Executivo, o que acrescenta um indesejável componente político
à estrutura organizacional do Ministério Público
- mau-vezo que os defensores da 'tese da prerrogativa' teimam em não
extirpar.
Rui Barbosa[54], com a perspicácia e o
aguçado espírito crítico que sempre o
caracterizaram, proferiu lição que parece ter sido
escrita com os olhos voltados para o futuro: 'Todos são iguais
perante a lei. Assim no-lo afirma, no parágrafo seguinte, êsse
artigo constitucional (Art. 72, § 2º, da Constituição
de 1891). Vêde, porém, como os fatos respondem à
Constituição. Na Grã-Bretanha, sob a coroa de
Jorge V, o arquiduque herdeiro da coroa d’ Áustria é
detido na rua e conduzido à polícia como contraventor
da lei, por haver o seu automóvel excedido à velocidade
regulamentar. As mesmas normas se observavam no Brasil, sob o cetro
de D. Pedro II, quando o carro do imperador era multado, por
atravessar uma rua defesa. Num e noutro caso a lei é igual
para todos: todos são iguais ante a lei. Mas no Brasil dêstes
dias, debaixo do bastão do Marechal Hermes, o seu secretário,
por duas vêzes, quando um guarda-civil lhe acena ao motorista
com o sinal de aguardar, enquanto se dá passagem a outros
carros, apeia irriminado, toma contas ao agente da lei, nota-lhe o
nome, e imediatamente o manda punir com a demissão. Noutra
ocasião é um general do Exército, que salta,
iracundo e decomposto, do veículo, ameaçando com o seu
revólver o policial que ousou exigir do automóvel menor
celeridade na carreira. Êsses exemplos, da mais alta
procedência, verificados e registrados pelos jornais, na
metrópole brasileira, desmascaram a impostura da igualdade
entre nós, e mostram que valor tem, para os homens da mais
eminente categoria, entre as influências atuais, como para os
que mais perto estão do chefe do Estado, as promessas da
Constituição. Essas potências, no seu
insofrimento dos freios da legalidade, nem ao menos evitam os
escândalos da rua pública, ou observam a compostura
ordinária da boa educação. É uma
selvageria que nem o verniz suporta do mais leve decoro.'
Esse
estado de coisas, que assume um colorido todo próprio em
países como o Brasil, não passou despercebido à
organização não-governamental Human Rights
Watch, que no relatório correspondente ao ano de 1994 afirmou:
'embora muitos países na região sejam governados por
regimes que se formaram a partir de eleições, a América
Latina tem o direito de esperar mais de suas incipientes democracias:
mais participação nos processos de decisão, mais
transparência nas ações governamentais e mais
respostas das instituições estatais, particularmente
daquelas que são designadas para a proteção dos
direitos dos cidadãos. Para nós, um governo não
pode chamar a si próprio democrático ao menos que seus
agentes sejam responsáveis por suas ações; suas
Cortes e Promotores sejam protetores dos direitos dos cidadãos
e ofereçam respostas para as injustiças; seu Governo
permita e encoraje o desenvolvimento de independentes organizações
da sociedade civil; e os conflitos políticos e sociais sejam
geralmente resolvidos de forma pacífica'.[55]
Obstáculos
à parte, a Lei de Improbidade tem promovido significativas
alterações comportamentais dos agentes públicos.
Essa eficácia transformadora, ainda que muitas vezes
desacompanhada de uma efetividade jurídica, não lhe
pode ser negada. Esse fato, por si só, já é
suficiente para conferir maior concretude à outrora vã
esperança de uma administração proba e
comprometida com o bem-estar da população.
Há
mais de vinte anos, a conceituada Revista Justitia publicava
pequenino artigo, de autoria do então 'Promotor Público'
João Benedito de Azevedo Marques, intitulado 'O Papel do
Promotor na Sociedade Democrática'[56]. Na ocasião, em
suas concisas, porém profundas reflexões, afirmava o
articulista que 'não basta somente combater a criminalidade
comum, fruto da desordem e da injustiça social, se
continuarmos a desconhecer ou a tratar olimpicamente o crime de
colarinho branco. Esses criminosos não são deserdados
da sorte e, além de bem nutridos, na sua grande maioria
cursaram a universidade e usaram do conhecimento adquirido para,
cinicamente, roubar o País, envenenar os produtos
alimentícios, os medicamentos, os cursos d'água, ganhar
milionárias concorrências públicas, mediante o
uso de expedientes ilícitos, enriquecer a custa do prévio
conhecimento da alta do dólar, usar a administração
pública para a colocação de parentes, amigos e
apanigüados, provocar falências fraudulentas, grilar a
terra de posseiros, promover a indústria dos loteamentos
clandestinos, vender ações de companhias estatais de
maneira duvidosa, destruir nossas florestas, exterminar índios,
violar, sistematicamente, os direitos humanos, enfim, praticar
aqueles atos de todos conhecidos, mas nunca punidos'.
Decorridos
mais de vinte anos desde a publicação do referido
artigo, questiona-se: alguma coisa mudou? Se omitíssemos a
informação, alguém perceberia que já se
passaram tantos anos desde a publicação do artigo? As
respostas, por certo, todos as conhecem. Nossa esperança, no
entanto, é que daqui há vinte anos não sejamos
obrigados a reconhecer a humilhante verdade de que nada mudou...
Esperamos, sinceramente, que o belo artigo de João Benedito de
Azevedo Marques, publicado no início de 1980, e estas
despretensiosas linhas, elaboradas no limiar de 2003, sirvam, daqui a
vinte anos, tão-somente para lembrar um passado de triste
memória para os brasileiros.
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[1]
Cf. Improbidade Administrativa, 1ª parte, 1ª ed., 2ª
tiragem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 131.
[2] Cáio
Tácito, “Moralidade Administrativa” (RDA 218/2,
1999).
[3] A Lei nº 8.429/92, regulamentando o art. 37, §
4º, da Constituição da República,
considerou atos de improbidade as condutas praticadas por agente
público, no exercício da função, que
importem em enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio
público ou violação aos princípios
regentes da atividade estatal. Praticando tais atos, de natureza
cível e que serão apreciados por um órgão
jurisdicional, estará o agente sujeito às sanções
cominadas no art. 12 da denominada Lei de Improbidade: suspensão
dos direitos políticos, perda da função pública,
perda dos bens adquiridos ilicitamente, dever de reparar o dano,
proibição de contratar com o Poder Público ou
receber incentivos fiscais ou creditícios e multa.
[4]
O regime autocrático se distingue do liberal na medida em que
seus lineamentos básicos advém de um grande número
de normas, produzidas de forma livre pelo poder político e que
regem todos os domínios da esfera social, de modo que os
mecanismos de controle da produção normativa e a margem
deixada à autonomia, individual ou coletiva, englobando os
direitos, liberdades e garantias, é em muito enfraquecida. Cf.
Francis Hamon, Michel Tropper e Georges Burdeau, Droit
Constitutionnel, 27ª ed., Paris: Librairie Générale
de Droit et de Jurisprudence, 2001, p. 87.
[5] Segundo
Eduardo A. Fabián Caparrós ('La Corrupción
Política y Económica: Anotaciones para el Desarollo de
su Estudio', in La Corrupción: Aspectos Jurídicos y
Económicos, org. por Eduardo A. Fabián Caparrós,
2000, p. 18), 'por todo ello, la dimensión política de
la corrupción no cabe resolverla tan sólo desde las
garantías formales, sino, sobre todo, desde el fomento entre
el cuerpo social de una democracia militante. Recordando a
Löwenstein, si no se trasciende desde lo meramente semántico
al ámbito de lo normativo, los mecanismos de control carecerán
de contenido y, por ello, de eficacia. Frente a esa contracultura, es
preciso edificar uma cultura de la participación ciudadana que
no se resigne a convivir día a día com el cohecho,
favoreciendo la intervención de particulares y colectivos
comprometidos en la lucha contra la corrupción'.
[6]
De acordo com o Relatório Nolan, elaborado no Reino Unido a
partir de informações colhidas nos anos de 1994 e 1995,
em virtude de inúmeros escândalos veiculados pelos meios
de comunicação, o paulatino aumento da desconfiança
da população nos agentes públicos é um
fator de desestabilização do próprio sistema
democrático, o que torna imperativo que práticas
corruptas sejam severamente perquiridas e punidas.
[7] Esse
fenômeno, evidentemente, não é setorial. Dworkin
(Sovereign Virtue, The Theory and Practice of Equality, 4ª
tiragem, London: Harvard University Press, 2002, p. 351), ao
discorrer sobre 'política americana e o século que
termina', não exitou em afirmar que 'nossos políticos
são uma vergonha, e o dinheiro é a raiz do problema.
Nossos políticos precisam, angariam e gastam mais e mais
dinheiro em cada ciclo de eleições. O candidato que
tenha ou angarie mais dinheiro, como as eleições do
período de 1998 demonstraram mais uma vez, quase sempre vence.
Funcionários começam a angariar dinheiro para a próxima
eleição no dia seguinte à última, e
freqüentemente dispensam mais tempo e dedicação a
essa tarefa do que àquela para a qual foram eleitos. Além
disso, eles gastam a maior parte do dinheiro que arrecadaram com
publicidades na televisão, que são normalmente
negativas e quase sempre inertes, substituindo slogans e canções
como argumento. De mais dinheiro precisam os políticos para
serem eleitos, e mais eles precisam de ricos contribuintes, e mais
influência cada contribuinte terá sobre suas decisões
políticas uma vez eleito'.
[8] No direito brasileiro,
as exceções certamente existem,
mas sua ocorrência é tão
insignificante que dispensa
comentários que desbordem do mero
registro, motivo pelo qual nos limitaremos a
ele. Para evitar esses efeitos deletérios,
é imprescindível que seja conferida
maior efetividade aos mecanismos de
proteção à moralidade
previstos na legislação
eleitoral, os quais, infelizmente, são
cuidadosamente preparados
para que poucos efeitos possam gerar. Citando-se
apenas um exemplo, pode-se mencionar o lapso de
três anos de inelegibilidade
previsto na Lei Complementar no 64/90, a que estão
sujeitos aqueles que incorrerem em abuso de poder
político ou econômico
praticado em detrimento do procedimento
eletivo. Levando-se em conta que as eleições
são quadrienais, não são necessárias
maiores divagações para se concluir
que caso o agente concorra sempre a
determinado cargo, a sanção de
inelegibilidade nunca será
aplicada, pois os três anos começam a
fluir a contar da eleição em que o abuso fora
praticado, o que torna a aplicação
da sanção restrita às situações
em que o agente pretenda concorrer a cargo
diverso, cuja eleição seja realizada
no triênio.
[9] No Brasil, país de
democracia incipiente e opinião pública embrionária,
os desvios da função legislativa ainda são
freqüentes. Para citarmos apenas um exemplo, merece ser lembrado
o caso do Senador da República que utilizou o serviço
gráfico do Senado Federal para confeccionar calendários
contendo a sua imagem, com ulterior envio aos cidadãos do
Estado no qual possuía domicílio eleitoral, tudo em
pleno ano eleitoral. Reconhecido o abuso de autoridade pelo Tribunal
Superior Eleitoral (Caso Humberto Lucena, RO nº 12.244, rel.
Min. Marco Aurélio, j. em 13/09/1994, RJTSE vol. 7, nº 1,
p. 251) e mantida a decisão pelo Supremo Tribunal Federal
(STF, Pleno, RE nº 186.088/DF, rel. Min. Néri da
Silveira, j. em 30/11/1994, DJ de 24/02/1995, p. 3696), o Legislativo
pouco tardou em praticar um dos mais deploráveis atos surgidos
sob a égide da Carta de 1988. Trata-se da Lei nº 8.985,
de 7 de fevereiro de 1995, diploma que merece ser transcrito por bem
representar a degradação moral da classe dominante à
época: 'Art. 1° É concedida anistia especial aos
candidatos às eleições gerais de 1994,
processados ou condenados ou com registro cassado e conseqüente
declaração de inelegibilidade ou cassação
do diploma, pela prática de ilícitos eleitorais
previstos na legislação em vigor, que tenham relação
com a utilização dos serviços gráficos do
Senado Federal, na conformidade de regulamentação
interna, arquivando-se os respectivos processos e restabelecendo-se
os direitos por eles alcançados. Parágrafo único.
Nenhuma outra condenação pela Justiça Eleitoral
ou quaisquer outros atos de candidatos considerados infratores da
legislação em vigor serão abrangidos por esta
lei. Art. 2° Somente poderão beneficiar-se do preceituado
no caput do artigo precedente os membros do Congresso Nacional que
efetuarem o ressarcimento dos serviços individualmente
prestados, na conformidade de tabela de preços para reposição
de custos aprovada pela Mesa do Senado Federal, excluídas
quaisquer cotas de gratuidade ou descontos. Art. 3° Esta lei
entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se
a quaisquer processos decorrentes dos fatos e hipóteses
previstos no art. 1° desta lei. Art. 4° Revogam-se as
disposições em contrário'. Um país cuja
classe política tem a coragem (ou o desatino!) de idealizar,
discutir, votar, aprovar, sancionar e publicar uma lei como essa,
certamente ainda tem um longo caminho a percorrer.
[10] O CPI
(Corruption Perception Index) varia consoante a probabilidade de que
os particulares, quando realizem negócios nos países
estudados, sejam instados a entregar determinado numerário
como suborno, sendo menor a pontuação obtida conforme
aumente tal probabilidade.
[11] Como anota María
Victoria Muriel Patino ('Economía, Corrupción y
Desarrollo', in La Corrupción: Aspectos Jurídicos y
Económicos, org. por Eduardo A. Fabián Caparrós,
2000, pp. 27/28), o índice de percepção da
corrupção 'se basa en 17 encuestas y estudios
diferentes realizados por 10 instituciones independientes, y sólo
se incluyen en el índice aquellos países para los que
existen datos procedentes de, al menos, 3 fuentes diferentes, razón
por la que es posible que los países incluidos en los índices
cambien de año en año. En 1999, los 10 países
mejor situados fueron Dinamarca - com um CPI de 10 - Finlandia -
9.8-, Nueva Zelandia, Suecia -ambos 9.4-, Canadá, Islandia -
9.2-, Singapura -9.1.-, Países Bajos -9.0-, Noruega y Suiza -
8.9-. En el mismo año, los 10 peores resultados fueron para
Camerún -su CPI fue de 1.5 -, Nigeria -1.6-, Indonesia,
Azerbaiyán -ambos 1.7-, Uzbekistán, Hunduras -1.8-,
Tanzania -1.9-, Yugoslavia, Paraguay y Kenia -2.0-. En el número
22 de la tabla encontraríamos a España con un CPI de
6.6, al igual que Francia, por debajo de Chile - en el número
19, con un CPI de 6.9 - y por delante de otros países
latinoamericanos como Perú -número 40, CPI 4.5-, Brasil
-45 y 4.1-, México -61 y 3.4- o Colombia - número 72,
CPI 2.9'-.
[12] O índice de percepção da
corrupção (CPI) relativo ao ano de 2002 apresentou os
seguintes resultados: 1º) Finlândia -9.7-, 2º)
Dinamarca - 9.5-, 3º) Nova Zelândia - 9.5-, 4º)
Islândia -9.4-, 5º) Singapura e Suécia -9.3-, 7º)
Canadá, Luxemburgo e Holanda -9.0-; 10º) Reino Unido
-8.7-;,(...) 40º) Costa Rica, Jordânia, Maurício e
Coréia do Sul -4.5-, 44º) Grécia; 45º)
Brasil, Bulgária, Jamaica, Perú e Polônia -4.0-;
50º) Gana -3.9-, 51º) Croácia -3.9-, (...) 98º)
Angola, Madagascar e Paraguai -1.7-, 101º) Nigéria -1.6-
e 102º) Bangladesh -1.2.
[13] Tomando-se como parâmetro
o BPI (Bribe Payers Index) de 1999, os países com melhor
colocação são os seguintes: Suécia -9.3
pontos-, Austrália, Canadá -8.1. para ambos-, Áustria
-7.8-, Suíça -7.7- e Holanda -7.4. Os piores, por sua
vez, são China -3.1-, Coréia do Sul -3.4-, Taiwan
-3.5-, Itália -3.7-, Malásia -3.9- e Japão -5.1.
Em 2002, a linha de pesquisa foi ampliada e os índices foram
os seguintes: 1º) Austrália -8.5-, 2º) Suécia
e Suíça -8.4-, 4º) Áustria -8.2-, 5º)
Canadá -8.2-, 6º) Holanda e Bélgica -7.8-, 8º)
Reino Unido -6.9-, 9º) Singapura -6.3-, 10º) Alemanha -
6.3-, 11º) Espanha -5.8-, 12º) França -5.5-, 13º)
Estados Unidos -5.3-, (...) 20º) China -3.5-, e 21º) Rússia
-3.2. Quanto às atividades mais propícias à
corrupção entre os funcionários públicos,
eis os dados de 2002: obras públicas e construção
-1.3-, armamento e defesa -1.9-, petróleo -2.7-, área
imobiliária -3.5-, telecomunicações -3.7-, (...)
e agricultura -5.9, sendo esta última a que apresenta a menor
probabilidade de práticas corruptas.
[14] Cf. estudo
apresentado no Congresso Nacional de Jovens Lideranças
Empresariais, Ética e Transparência para o
Aperfeiçoamento Contínuo da Sociedade, apud, Lincoln
Magalhães da Rocha, 'Probidade Administrativa, Eqüidade,
e Responsabilidade Fiscal e Social num Mundo Globalizado', in Revista
do Tribunal de Contas da União nº 92/312, 2002.
[15]
Uma valoração responsável do comportamento do
agente público exige breves reflexões em torno da noção
de moral crítica. Enquanto a moral comum apresenta
dissonâncias compatíveis com uma sociedade pluralista,
não sendo divisada, em linha de princípio, qualquer
compromisso com a justificação de seus conceitos, a
moral crítica resulta de um iter procedimental destinado a
conferir racionalidade às conclusões que dela defluam.
Para maior desenvolvimento do tema, vide H. L. A. Hart, Law, Liberty
and Morality, Stanford: Stanford University, 1997.
[16] Nas
palavras de Konrad Hesse (in Elementos de Direito Constitucional da
República Federal da Alemanha, 1998, p. 133), 'em tudo,
democracia é, segundo seu princípio fundamental, um
assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma
massa ignorante, apática, dirigida apenas por emoções
e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados ou
mal-intencionados, sobre a questão do próprio destino,
é deixada na obscuridade'.
[17] Conforme conclusões
exaradas em estudo realizado pelo Banco Mundial, publicado na Revista
Veja nº 1.491, de 14/03/2001, acaso diminuídos os níveis
de corrupção pela metade, acarretariam eles a redução
dos seguintes fatores de arrefecimento social: a) mortalidade
infantil - 51%; b) desigualdade na distribuição de
renda - 54% e c) porcentagem da população que vive com
menos de dois dólares por dia - 45%. Além disso,
ressalta que 'a diferença básica entre os países
não é a existência da corrupção,
mas a forma de puni-la. Há, neste particular, diferenças
culturais. No Japão, país opaco, políticos e
empresários que são flagrados recebendo regalos em
troca de benefícios se matam de vergonha. Na Itália,
perdem o poder. Na Arábia Saudita, perdem a mão. Em
Cingapura, paraíso da transparência, são
condenados à morte.'
[18] Cf. Agostin Gordillo, 'Un
Corte Transversal al Derecho Administrativo: La Convención
Interamericana Contra la Corrupción', in LL 1997-E, p. 1.091.
[19] Vide Ernest W. Böckenförde, Los Derechos
Fundamentales Sociales en la Estructura de la Constitución, in
Escritos sobre Derechos Fundamentales, trad. de Juan Luis Requejo
Pagés, Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 72 e ss.
[20] Como
lembra María Victoria Muriel Patino ('Economía,
Corrupción y Desarrollo', in La Corrupción: Aspectos
Jurídicos y Económicos, org. por Eduardo A. Fabián
Caparrós, 2000, pp. 27/28), alguns sustentam a existência
de aspectos positivos nas práticas corruptas: 'Hay que
destacar que no todos los analistas concluyen que la corrupción
produce efectos indiscutiblemente negativos sobre la economía,
si bien la postura que defiende que los efectos netos son positivos
es cada vez más minoritaria. En este sentido, algunos autores
señalan que la corrupción em ocasiones mitiga - aunque
no elimina - el problema de la pobreza, al permitir que algunos
ciudadanos escapen a legislaciones demasiado restrictivas que les
impedirían todo acceso a determinados bienes y actividades -
economía sumergida, construcción ilegal de vivendas...
- que proporcionan un cierto bienestar. También se argumenta
que la corrupción puede incluso dar lugar a un mayor
crecimiento económico, dado que los individuos corruptos
generalmente disponen de mayor renta y, por tanto, de mayor capacidad
para realizar inversión productiva. En cualquier caso, no
puede pasarse por alto el hecho de que ambos argumentos únicamente
tienen um sentido parcial, no generalizable. Incluso aceptando que
pequeños actos de corrupción puedan mejorar
puntualmente el bienestar de algunos de los individuos más
pobres, no cabe duda de que existen numerosas formas de afrontar el
problema subyacente de distribuición de la renta más
adecuadas que la tolerancia de la corrupción.'
[21] No
Brasil, a Lei nº 8.730/93 - que dispõe sobre a
obrigatoriedade de apresentação da declaração
de bens e rendas para o exercício, no âmbito da União,
de cargos nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem
como no Ministério Público - prevê, em seu art.
1º, § 2º, IV, que o Tribunal de Contas publicará,
'periodicamente, no Diário Oficial da União, por
extrato, dados e elementos constantes da declaração'.
[22]
Essa prática foi acolhida por inúmeros países
europeus na década de 70, podendo ser mencionados a Alemanha e
a França. Neste último País, a exclusão
do crédito tributário era precedida de um procedimento
confidencial, instaurado no âmbito do Ministério das
Finanças, no qual o exportador 'negociava' a exclusão
pretendida e fornecia, em obediência ao Código Geral de
Impostos, o 'nome, prenome, função e endereço do
beneficiário' do pagamento (Christophe Guettier, La Loi
Anti-corruptión, Paris, Éditions Dalloz, 1993, p. 40).
Nos Estados Unidos da América, esse tipo de comportamento foi
proibido com a edição do Foreign Corrupt Practices Act
de 1977, cuja Seção 162 (Internal Revenue Code) dispõe
que os pagamentos efetuados a funcionários estrangeiros não
poderão ser deduzidos nos casos em que a legislação
do país de origem desses últimos os considerem ilegais.
Esse diploma aperfeiçoou o sistema americano, que já
contava com a lei sobre organizações corruptas e
negócios ilícitos (RICO - Racketeer Influenced and
Corrupt Organizations, 18 U.S.C. Secs. 1962 e ss.), que buscou
combater a máfia, e com a lei que autorizava o confisco das
vantagens auferidas com o suborno (18, U.S.C. Sec. 3.666). Em 1997,
quase 40 países integrantes da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico
subscreveram a Convenção de luta contra os subornos a
funcionários públicos estrangeiros em transações
comerciais de caráter internacional e que recomendava não
fossem permitidas quaisquer reduções, em matéria
tributária, das importâncias pagas a título de
suborno.
[23] Na Espanha, a diretiva redundou na edição
da Lei nº 19, de 28 de dezembro de 1993, que impôs
inúmeras obrigações às instituições
financeiras. No caso de descumprimento, a depender da gravidade da
conduta, que pode ser grave ou muito grave, são previstas as
sanções de advertência privada, advertência
pública, multa, suspensão do empregado responsável
pela prática indevida, inabilitação para o
exercício de funções em instituições
financeiras e revogação da autorização
para operar. Essa Lei foi regulamentada pelo Real Decreto nº
925, de 9 de junho de 1995.
[24] Trata-se de Convênio
composto por 13 artigos: art. 1º) elenca inúmeras
condutas que consubstanciam fraude contra os interesses financeiros
das Comunidades Européias e dispõe sobre a obrigação
de os Estados membros traslada-las ao direito penal interno; art. 2º)
necessidade de as sanções penais serem efetivas,
proporcionais e dissuasórias, devendo ser prevista, ao menos
em relação à fraude grave, penas privativas de
liberdade que possam dar lugar à extradição,
sendo admissível, quanto às fraudes leves, sanções
mais brandas; art. 3º) consagra a responsabilidade penal dos
dirigentes de empresa, com poderes de decisão ou controle,
ainda que a fraude seja praticada por uma pessoa submetida a sua
autoridade, desde que atue em nome da empresa; art. 4º)
estabelece regras de competência para a persecução
das infrações; art. 5º) o Estado membro que não
conceda a extradição deve adotar as medidas necessárias
à coibição das infrações, ainda
que praticadas fora do seu território; art. 6º)
estabelece regras de cooperação quanto à
investigação das infrações penais, ao
cumprimento de diligências judiciais e à execução
das sanções aplicadas; art. 7º) veda, ressalvadas
algumas exceções (v.g.: fatos que constituam crime
contra a segurança ou outros interesses essenciais do Estado
membro e ilícito praticado por funcionário de Estado
membro que importe em descumprimento das obrigações do
cargo - sendo afastada a incidência das exceções
no caso de processamento ou deferimento do pedido de extradição),
a persecução do mesmo fato em Estados membros
diferentes nos casos em que a sanção já tenha
sido cumprida, esteja em vias de ser executada ou não possa
ser executada segundo as leis do Estado que a impôs; art. 8º)
dispõe sobre a competência do Tribunal de Justiça
da União Européia; art. 9º) consagra a
possibilidade de os Estados membros adotarem disposições
cujo alcance seja maior que aquelas do convênio; art. 10)
dispõe sobre o dever de comunicação, à
União Européia, dos textos adotados no âmbito do
direito interno em cumprimento ao convênio; art. 11) trata da
entrada em vigor do Convênio, o que ocorrerá noventa
dias após a notificação pelo Estado membro que,
em último lugar, implemente, no âmbito do direito
interno, as medidas necessárias à sua adoção;
art. 12) contempla a possibilidade de adesão por outros
Estados que venham a se tornar membros da União Européia;
e art. 13) o depositário do Convênio será o
Secretário-Geral do Conselho da União Européia.
[25] Esse Convênio é integrado por 16 artigos:
art. 1º) estabelece o conceito de funcionário, gênero
que engloba os funcionários comunitários e nacionais;
art. 2º) define o crime de corrupção passiva, que
se consuma com o recebimento de vantagem ou com a mera promessa; art.
3º) define o crime de corrupção ativa; art. 4º)
dispõe que a prática de crimes de corrupção
por altas autoridades nacionais será perquirida de modo
similar àquele relativo às autoridades da Comunidade
Européia; art. 5º) dispõe que, sem prejuízo
das medidas disciplinares, as sanções penais cominadas
aos crimes de corrupção, além de poderem ser
idênticas àquelas, o que reflete a independência
entre as instâncias, deverão ser proporcionais e
dissuasórias, incluindo, ao menos em relação aos
casos graves, penas privativas de liberdade que podem dar lugar à
extradição (o que não exclui, sequer, os
nacionais); art. 6º) consagra a responsabilidade penal dos
dirigentes de empresa, com poderes de decisão ou controle,
ainda que o crime de corrupção seja praticado por uma
pessoa submetida a sua autoridade, desde que atue em nome da empresa;
art. 7º) estatui diretrizes para a fixação da
competência do órgão jurisdicional; art. 8º)
dispõe sobre a extradição, inclusive de
nacionais; art. 9º) estabelece regras de cooperação
quanto à investigação das infrações
penais, ao cumprimento de diligências judiciais e à
execução das sanções aplicadas; art. 10)
veda, ressalvadas algumas exceções (v.g.: fatos que
constituam crime contra a segurança ou outros interesses
essenciais do Estado membro e ilícito praticado por
funcionário de Estado membro que importe em descumprimento das
obrigações do cargo), a persecução do
mesmo fato em Estados membros diferentes nos casos em que a sanção
já tenha sido cumprida, esteja em vias de ser executada ou não
possa ser executada segundo as leis do Estado que a impôs,
sendo garantida, nas hipóteses em que a persecução
seja admitida, a detração da pena já cumprida;
art. 11) consagra a possibilidade de os Estados membros adotarem
disposições cujo alcance seja maior que aquelas do
convênio; art. 12) dispõe sobre a competência do
Tribunal de Justiça da União Européia; art. 13)
trata da entrada em vigor do Convênio, o que ocorrerá
noventa dias após a notificação pelo Estado
membro que, em último lugar, implemente, no âmbito do
direito interno, as medidas necessárias à sua adoção;
art. 14) contempla a possibilidade de adesão por outros
Estados que venham a se tornar membros da União Européia;
art. 15) somente admite a formulação de reservas quanto
ao art. 7º, cláusula 2 (normas de competência) e ao
art. 10, 2 (situações que justificam a persecução
de um mesmo fato mais de uma vez); e art. 16) o depositário do
Convênio será o Secretário-Geral do Conselho da
União Européia.
[26] Além da pena
privativa de liberdade, a condenação pela prática
das infrações penais constantes do Corpus Juris, a
depender da gravidade, pode ensejar a divulgação do
decreto condenatório em publicações da União
Européia, a impossibilidade de receber subsídios, a
vedação de contratar com o Poder Público, a
proibição de exercer função pública
por até cinco anos e a perda dos bens auferidos com o ilícito
(art. 14 - Penalties and measures).
[27] A Ação
Comum é composta de 10 artigos: art. 1º) define pessoa,
pessoa jurídica e descumprimento das obrigações;
art. 2º) define o crime de corrupção passiva no
setor privado, que está associado ao recebimento de vantagem
ou à promessa de recebê-la, em razão de uma ação
ou omissão relacionada ao exercício da atividade
empresarial; art. 3º) define o crime de corrupção
ativa no setor privado; art. 4º) necessidade de as sanções
penais serem efetivas, proporcionais e dissuasórias, devendo
ser prevista, ao menos nos casos graves, penas privativas de
liberdade que possam dar lugar à extradição;
art. 5º) dispõe sobre a responsabilidade das pessoas
jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade penal das
pessoas físicas, em relação aos atos de
corrupção praticados por pessoa que ostente um cargo de
direção ou que ostente poder decisório, bem como
sobre a responsabilidade dos subordinados em relação
aos atos de corrupção ativa advindos do descumprimento
do dever de vigilância que recai sobre os superiores
hierárquicos; art. 6º) as pessoas jurídicas
poderão estar sujeitas, dentre outras sanções de
caráter penal ou administrativo, à exclusão do
recebimento de vantagens ou ajudas públicas, à
proibição temporária ou permanente de
desenvolver atividades comerciais, à vigilância judicial
e à medida judicial dissolutória; art. 7º) estatui
diretrizes para a fixação da competência do órgão
jurisdicional; art. 8º) dois anos após a entrada em vigor
da Ação Conjunta, os Estados membros apresentarão
propostas visando à sua efetividade e, três anos após
a sua entrada em vigor, o Conselho da União Européia
avaliará o seu cumprimento pelos Estados membros; art. 9º)
a Ação Comum será publicada no Diário
Oficial; e art. 10) entra em vigor na data da publicação.
[28] O Convênio é composto de 42 artigos. Dentre
outras disposições, estatui alguns conceitos (art. 1º)
e um rol de condutas que devem ser tipificadas como infrações
penais pelos Estados partes (corrupção no setor
público, corrupção em transações
internacionais, corrupção no setor privado, corrupção
de organizações internacionais, tráfico de
influências e lavagem de dinheiro - arts. 2º usque 14) .
[29] A implementação do Convênio será
monitorada pelo GRECO - Group of States against Corruption (art. 14).
[30] Dispõe o Convênio que os atos de corrupção
devem sujeitar os envolvidos a penas privativas de liberdade, a
extradição, a sanções pecuniárias
e ao perdimento do que auferissem com o ilícito (art. 3,
incisos 2 e 3). Além disso, poderiam os Estados partes, de
forma adicional, cominar outras sanções cíveis
ou administrativas. Por força desse Convênio, inúmeros
Estados realizaram adequação em sua legislação
penal. A Espanha, por meio da Lei Orgânica nº 3, de 11 de
janeiro de 2000, alterou o Código Penal de 1995 para
introduzir, após o Título XIX ('Delitos contra la
Administración Pública'), o Título XIX BIS
('Delitos de corrupción en las transacciones comerciales
internacionales'), constituído por um só artigo. O
Brasil ratificou a convenção por meio do Decreto
Legislativo nº 125, de 14 de junho de 2000, sendo posteriormente
promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000.
Consoante o art. 1º, caput, desse último decreto, a
convenção 'deverá ser executada e cumprida tão
inteiramente como nela se contém', ressaltando, em seu
parágrafo único, que 'a proibição de
recusa de prestação de assistência mútua
jurídica, prevista no Artigo 9, parágrafo 3, da
Convenção, será entendida como proibição
à recusa baseada apenas no instituto do sigilo bancário,
em tese, e não a recusa em decorrência da obediência
às normas legais pertinentes à matéria,
integrantes do ordenamento jurídico brasileiro, e a
interpretação relativa à sua aplicação,
feitas pelo Tribunal competente, ao caso concreto'. Incorporada a
Convenção ao direito interno, foi editada a Lei nº
10.467, de 11 de junho de 2002, que acresceu o Capítulo II-A,
intitulado 'Dos Crimes Praticados por Particular contra a
Administração Pública Estrangeira', ao Título
XI do Código Penal, sendo referido capítulo integrado
por três artigos. Além disso, acresceu um inciso VIII ao
art. 1º da Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre os
'crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e
valores'.
[31] Tal recomendação foi expedida em
23 de maio de 1997: 'The Council, (...) I. Recommends that those
Member Coutries which do not disallow the deductibility of bribes to
foreign public officials re-examine such treatment with the intention
of denying this deductibility. Such action may be facilitated by the
trend to treat bribes to foreign officials as illegal'.
[32]
Dentre as práticas sugeridas com o fim de aumentar a
transparência e diminuir a corrupção, estão:
acesso dos cidadãos às informações
financeiras do Poder Público, necessária apresentação
de contas pelos funcionários dos organismos financeiros
estatais, imperativa publicidade das decisões relacionadas à
política financeira; transparência no exercício
da função pública e definição de
responsabilidades e objetivos dos bancos centrais. Um exemplo de
materialização das diretivas veiculadas pelo Código
de boas práticas do FMI é a Lei de Responsabilidade
Fiscal brasileira, de 4 de maio de 2000, que, entre outras medidas,
em inúmeros preceitos estimula a ideologia participativa
(arts. 48, 51, 56, § 3º e 67).
[33] '(...) Member
Sates, individually and through international and regional
organizations, taking actions subject to each State's own
constitutional and fundamental legal principles and adopted persuant
to national laws and procedures, commit themselves: (...) 7. To
examine establishing illicit enrichment by public officials or
elected representatives as na offence.'
[34] O Brasil
ratificou a Convenção em 25 de junho de 2002
(Decreto-Legislativo nº 152), sendo ela posteriormente
promulgada pelo Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002 (DOU
de 08/10/2002), sofrendo pequena alteração redacional
por força do Decreto nº 4.534, de 19 de dezembro de 2002.
A única reserva feita à Convenção
refere-se ao art. XI, 1, c ('art. XI. '1. A fim de impulsionar o
desenvolvimento e a harmonização das legislações
nacionais e a consecução dos objetivos desta Convenção,
os Estados Partes julgam conveniente considerar a tipificação
das seguintes condutas em suas legislações e a tanto se
comprometem: (...) c. toda ação ou omissão
realizada por qualquer pessoa que, por si mesma ou por interposta
pessoa, ou atuando como intermediária, procure a adoção,
por parte da autoridade pública, de uma decisão em
virtude da qual obtenha ilicitamente, para si ou para outrem,
qualquer benefício ou proveito, haja ou não prejuízo
para o patrimônio do Estado.' Segundo o art. 1º do Decreto
nº 4.410/02, a convenção 'será executada e
cumprida tão inteiramente como nela se contém'. Em
outros países, a ratificação da Convenção
foi muito mais célere: na Argentina, por exemplo, tal se deu
com a Lei nº 24.759, sancionada em 4 de dezembro de 1996 e
promulgada em 13 de janeiro de 1997 (B.O. de 17/01/1997).
[35]
Vide art. I.
[36] Vide art. VIII.
[37] Vide art.
XII.
[38] Vide art. XV.
[39] Vide art. XVI.
[40]
Vide art. XXII.
[41] Vide art. XXIV.
[42] Vide art.
XXVI.
[43] Esse diploma legal aperfeiçoou e deu
continuidade às ações que buscavam moralizar a
vida política, econômica e financeira na França.
Anteriormente a ele, já haviam sido editadas inúmeras
leis com idêntico objetivo: a) leis que buscavam regulamentar o
financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais (Lei Orgânica
nº 88-226 e Lei nº 88-227, de 11/03/1988, JO de 12/03/1988,
p. 3.288, concernentes à transparência financeira da
vida política; Lei nº 90-55, de 15/01/1990, JO de
16/01/1990, p. 639, que tratava da limitação das
despesas eleitorais e do esclarecimento do financiamento das
atividades econômicas); b) Lei nº 89-531, de 02/08/1989,
JO de 04/08/1989, que reformou os poderes da Comissão de
Operações da Bolsa; c) Lei nº 90-614, de
12/07/1990, JO de 14/07/1990, JO de 14/07/1990, p. 8.329, concernente
à repressão à lavagem de dinheiro originário
do tráfico de entorpecentes; e d) Lei nº 91-3, de
03/01/1991, JO de 05/01/1991, p. 236, que dispunha sobre o controle
das contratações públicas.
[44] Art. 2º
da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.
[45] As atribuições
do TRACFIN foram ampliadas pelos arts. 72 e 73 da Lei nº 93-122,
de 29/01/1993.
[46] Art. 6º da Lei nº 93-122, de
29/01/1993.
[47] Arts. 7º usque 17 da Lei nº 93-122,
de 29/01/1993.
[48] Arts. 20 usque 29 da Lei nº 93-122,
de 29/01/1993.
[49] Arts. 30 usque 37 da Lei nº 93-122,
de 29/01/1993.
[50] Vide, respectivamente, arts. 38 usque 50
da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.
[51] Arts. 51 usque 71
da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.
[52] Arts. 72 usque 81
da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.
[53] Em 28 de junho de
2002, período em que o País estava eufórico com
a participação da seleção brasileira no
campeonato mundial de futebol, foi aprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei nº 6.295/02, que introduzia alteração
no art. 84 do CPP determinando que a prerrogativa de foro assegurada
a determinados agentes na esfera criminal prevaleceria no âmbito
cível em relação às ações
de improbidade. Essa estranha alteração, que inseria na
lei adjetiva penal normas de competência de natureza cível,
na forma em que foi concebida, sequer seria submetida a votação
no plenário, permitindo o seu imediato encaminhamento ao
Senado. Os parlamentares, no entanto, acostumados com uma realidade
diferente daquela em que vivemos hoje, não contavam com a
enérgica indignação dos mais diversos setores da
sociedade, que, pouco a pouco, não mais vêem a
desonestidade e a má-fé com ares de normalidade.
Roberto Romano, professor de ética e filosofia na Unicamp, em
artigo intitulado 'Contra o foro privilegiado dos políticos',
publicado na Folha de São Paulo de 16/07/02, seguindo o
pensamento de Rousseau, assim se pronunciou: 'se o governo recebe do
soberano as ordens que dá ao povo, para que o Estado esteja
num bom equilíbrio, é preciso, tudo compensado, que
haja igualdade entre o produto ou a potência do governo tomado
em si mesmo e o produto ou a potência dos cidadãos, que
são soberanos de um lado e súditos de outro. Os atos
que geram mais poder aos governantes e desequilibram a igualdade do
Estado destroem a base política. Se os dirigentes usam
artifícios legais para fugir da igualdade e usurpam o poder
soberano, eles diminuem a majestade do Estado e negam a universal
força de constrangimento legítimo. Quando os
administradores agem assim, o grande Estado se dissolve, formando-se
um outro no seu interior, composto só pelos membros do
governo, e que é para o resto do povo apenas seu senhor e seu
tirano' ('Do Abuso do Governo e de Sua Inclinação para
Denegar'). No Brasil, a reunião dos políticos que hoje
exije para si o estatuto de República autônoma, superior
à dos cidadãos, representa pequena minoria. Mas ela
causa estragos consideráveis, como neste ensaio para outorgar
foro privilegiado aos governantes. Até 9 de agosto (data
limite para colheita das assinaturas necessárias e
interposição de recurso para o plenário),
saberemos se aumentou o número dos cidadãos da
república, ou o condomínio particular dos políticos.
As oposições e mesmo os que apoiam os dirigentes, mas
são democratas, podem afastar o golpe. Caso contrário,
em pouco tempo o Brasil será um imenso Espírito Santo,
um Estado que prova, de modo cabal, o que significa o privilégio
dos administradores, em detrimento dos contribuintes'.
Lamentavelmente, o projeto terminou por ser convertido na Lei nº
10.628/02, o qual teve a sua inconstitucionalidade suscitada perante
o Supremo Tribunal Federal.
[54] In Sylvino Gonçalves,
'Rui Barbosa: coletânea forense para os estudantes de direito,
Igualdade perante a Lei, Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1959,
p. 99.
[55] Apud Flávia Piovesan, in Direitos Humanos
e o Direito Constitucional Internacional, São Paulo: Max
Limonad, 1996, p. 288.
[56] Justitia nº 110/140.
*Membro do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro
Disponível
em: http://www.mundojuridico.adv.br/
Acesso em: 02 agosto 2006.