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A base das civilizações

 

 

 

Heitor Miranda de Souza*

 

 

 

 *acadêmico do Curso de Direito da UNIMESP -FIG, ganhador do II Concurso de Artigo Jurídico.

 

 

 

 

Considerações Introdutórias

 

Escrever sobre temas que são do conhecimento de todos recebem um papel de altíssima relevância: Não devemos mostrar a simplicidade do assunto questionado, mas sim, sua importância dentro de nossas vidas. Vejamos a importância da família para a criança e para a sociedade.

 

 

 

 

Aspecto Filosófico

 

 

O ser humano é uma figura especial dentro da natureza. Assim como os demais seres, o indivíduo possui vantagens e desvantagens comparando-se àqueles. Façamos uma breve comparação entre o homem e uma ave: se ambos estiverem perante um abismo e desejarem passar para o outro lado, a ave baterá suas asas e voará, ao passo que o homem, se insistir na idéia de atravessar o abismo, provavelmente construirá uma ponte para que possa efetuar a travessia. O exemplo é simples. A ave recebeu asas para voar, mas o homem não recebeu esta qualidade. Porém, o homem exemplificado acima conseguiu atravessar o abismo, construindo uma ponte. Mas, de onde veio a idéia de construir uma ponte? A idéia veio de uma vantagem que o ser humano possui sobre os demais seres: o raciocínio.

 

 

Segundo o ensinamento cristão, no período de criação do mundo, mais precisamente no sexto dia, Deus criou sua imagem e semelhança para reinar sobre a terra (Gên 1, 26). Diante desta passagem, pode-se perceber o vínculo existente entre o ser humano e o poder. Para estar no poder, deve-se ter responsabilidade. A responsabilidade é fruto do raciocínio. Mas como o indivíduo obterá o raciocínio para, futuramente, obter a responsabilidade? Através de um ponto que é fonte geradora do raciocínio humano, qual seja a cultura.

 

 

A cultura pode ser considerada como o conjunto de valores, conhecimentos, regras, dentre outros atributos formadores de uma personalidade, adquiridos na passagem de gerações e através do convívio com outras pessoas e demais seres, formando uma sociedade.

 

No dizer de Gilberto Cotrim, a cultura: Abrange o que pensamos, fazemos e temos como membros de um grupo social .

 

 

O grupo social, portanto, possui relevante importância para o indivíduo. As palavras do filósofo grego Aristóteles ao definir o homem como um ser eminentemente social, um animal político são de total veracidade. Se o indivíduo não integrar-se em um grupo social, conforme o ensinamento aristotélico, não sobreviverá. [...], pois se o homem, chegado à sua perfeição, é o mais excelente dos animais, também é o pior quando vive isolado, sem leis e sem preconceitos .

 

 

O desenvolvimento racional é fruto de um longo processo que envolve experiências e estudos pessoais; convívio social; ensinamentos adquiridos de pessoas próximas ou até distantes. Mas, nota-se que em todos os casos, o ser humano possui outros indivíduos ao seu lado. À união de duas ou mais pessoas dá-se o nome de sociedade. Dentro da sociedade, os membros possuem características ou até objetivos em comum, motivo pelo qual realizaram esta união.

 

 

Seguindo a linha política que, segundo a acepção filosófica, busca garantir uma organização social eficaz para seus membros, devem-se existir líderes dentro das sociedades. Por meio do líder, a sociedade comunica-se com outras. Do conjunto de sociedades, forma-se um Estado. Pode-se conceituar o Estado como uma sociedade politicamente e juridicamente e organizada para atender ao bem comum.

 

Diversas são as teorias que procuram explicar o fenômeno que tem como objeto a criação do Estado. Partindo-se da teoria contratualista, defensora da opinião de o Estado nascer do acordo entre os indivíduos, estabelecendo-se o poder através do mútuo consentimento destes, com o intuito de se obter uma pacífica convivência social, tal acordo nasce por meio de um contrato .

 

 

Segundo os contratualistas, o indivíduo não adere ao contrato no momento em que vem a nascer. Desta forma, antes de integrar-se ao Estado, o indivíduo passa por um estado de natureza. Pode-se considerar o estado de natureza como a fase inicial do ser humano dentro do Estado, pois receberá os ensinamentos necessários para sua integração. Lembrando-se que o Estado, para se obter a ordem, necessita de regras e líderes que regularão o comportamento de seus membros, portanto o indivíduo precisa compreender tais institutos. Através do estado de natureza, o futuro membro do Estado será preparado para o convívio social.

 

 

Como foi dito anteriormente, a formação do Estado se dá por meio da união de inúmeras sociedades. O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau afirma ser a família a mais antiga das sociedades, bem como ser a única natural . Deste conceito entende-se que o Estado é composto de inúmeras famílias. A família oferecerá ao indivíduo todas as suas condições essenciais para integrar-se ao Estado. Uma fase de completa formação da personalidade.

 

 

Para o filósofo francês, um dos idealizadores da revolução francesa, a fase familiar possui relevante importância, além de ser o melhor dos estados. No estado de natureza (familiar), o ser humano vivia feliz e livre. Certas vantagens são adquiridas ao aderir ao contrato social, porém, seria sacrificada sua liberdade e, por conseguinte, sua felicidade. Na política familiar, seria o pai o cabeça (líder) e os filhos o povo.

 

 

A família tem sido ponto de inúmeras discussões. Enquanto alguns defendem sua fundamental importância, outros a criticam. Os gregos, por exemplo, contrários a Rousseau, acreditam que o Estado antepõe-se a família, pois devido a sua eminência social, ou seja, sua necessidade de relação com outros indivíduos, um grupo antecede ao indivíduo, logo, a sociedade geral (Estado) deve-se antepor a sociedade primitiva (família) .

 

 

Ideais Marxistas criticam a formação familiar: Abolição da família! Até os mais radicais ficam indignados com essa infame intenção dos comunistas . Os comunistas entendem que a família apenas existe nas sociedades burguesas. O proletariado não conhece este valor primordial de instrução para que os indivíduos venham futuramente integrar-se ao Estado. Dentro da suposta família proletária, encontra-se apenas uma visão de exploração dos serviços, em outras palavras, o homem visa a mulher e filhos apenas como meios de produção do capital. O papel da família será exercido, dentro do regime comunista, pelo Estado.

 

 

Para os comunistas, fica a seguinte reflexão: Mas, onde fica o afeto existente entre pais e filhos? O desejo de um pai, independente da classe social a que venha pertencer, de que seu filho obtenha sucesso e consiga garantir uma vida digna? O amor de uma mãe que guarda o filho dentro de seu corpo durante a gestação esperando o nascimento deste?

 

 

Por fim, diante de tais argumentos pode-se perceber que o vínculo familiar possui relevante importância na vida do ser humano. Uma sociedade que, assim como as demais, possuiu características semelhantes entre seus membros. Mas, não se delimita uma família como qualquer outra sociedade, pois há um vínculo que a difere das demais: o amor.

 

 

A dificuldade para se definir o amor é de total relevância. Diz o psicanalista Flávio Gikovate que o amor seria o sentimento que traz a sensação de aconchego e paz. Um prazer negativo, pois vem de uma sensação de incompletude . O primeiro amor de um ser humano, seguindo a linha do psicanalista, é o amor materno, formando dois seres inteiros indivisíveis. No decorrer de sua vida, o indivíduo encontrará outro ser que lhe oferecerá aconchego e paz.

 

Portanto, o amor encontra-se em todas as classes sociais, não se podendo excluir a família de nenhuma destas. Platão é claro ao dizer que a respeito do amor não existe rico ou pobre, pois tem por objetivo conservar e reproduzir a vida, tanto corpórea quanto intelectual .

 

 

Aspecto Jurídico

 

 

O Estado Brasileiro, na forma do artigo 226 de seu Texto Constitucional, declara plenamente ser a família a base da sociedade, tendo assim os ideais contratualistas defendidos por Rousseau na teoria do contrato social. Diante da presente afirmação, a família torna-se um direito pertencente aos membros do Estado.

 

 

Para tutelar o referido direito, amparado na Constituição Federal e portanto admitido como princípio aplicável no cenário nacional, normas de conduta foram promulgadas a fim de se regular a presente instituição (família), estabelecendo direitos e deveres a serem cumpridos perante o meio social. Iniciando-se pelo Código Civil, lei fundamental que disciplina sobre os fatos iniciais existentes nas relações humanas, um capítulo situado em sua parte especial foi destinado para tratar do tema em questão: Do Direito de Família. Um capítulo que tem por objetivo mostrar as formas de criação, administração, relação e extinção da família dentro do ordenamento jurídico pátrio.

 

 

Voltando ao Texto Constitucional, em seu artigo 227, percebe-se nitidamente a importância da família para o indivíduo. A família possui em elo com o Estado onde ambos possuem o dever de assegurar primordialmente aos menores direitos fundamentais previstos na Constituição brasileira. Para a criança, a família recebe um valor de altíssima relevância para o seu desenvolvimento. Segundo a Constituição, os primeiros pontos que ensejarão no indivíduo para a formação de seu raciocínio são frutos da convivência familiar. Se o ser humano não possuir uma família, além de não atender aos objetivos constitucionais, sua formação e desenvolvimento encontrará grandes dificuldades, bem como sua convivência com o meio produzirá grandes sofrimentos pessoais.

 

O Estatuto da criança e do adolescente (lei n. 8.069/90), norma de conduta criada com o objetivo de regular os direitos dos novos membros ingressantes na vida social. A referida lei, com base no Texto Constitucional, defende a família como a base dos seres humanos. Estabelece o Estatuto duas espécies de famílias: natural e substituta. Entende-se por família natural aquela em que seus membros possuem entre si o vínculo sanguíneo. Não havendo a possibilidade de constituição familiar pela forma natural, recorre-se à família substituta, dividida em três espécies, quais sejam a guarda; tutela; e adoção.

 

 

A guarda e a tutela possuem um papel acessório sobre a criança, suprimindo a ausência de uma família. Na adoção, o indivíduo recebe uma nova família, que substituirá os entes naturais. Todo o indivíduo tem direito à uma família, seja natural ou substituta, pois o meio de obtenção do conhecimento e formação decorre de uma fonte. A família é a fonte que produzirá a dignidade humana do ser humano, fundamento constitucional (art. 1º, III da CF).

 

 

Lembrando-se do caráter democrático da República Federativa do Brasil, bem como os princípios que regem suas relações internacionais, a adoção pode ser tanto nacional quanto internacional. No que diz respeito à adoção por brasileiros, critérios estabelecidos no Estatuto da criança e do adolescente determinam os critérios e regras a serem cumpridas, tendo em vista que se trata de uma nova integração social. Pessoas que, em todos os aspectos, serão a base de um indivíduo. O Estado não pode permitir, com base em seu objetivo de oferecer o bem comum, a adoção que não atenda aos objetivos e preencha os fundamentos previstos em seu Texto Constituinte.

 

 

Sobre a adoção internacional, os requisitos devem estar de comum acordo com os ordenamentos que regem as relações entre os estados estrangeiros. A declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas no ano de 1948, estabelece os direitos e garantias, bem como os deveres do ser humano em suas relações tanto em âmbito nacional quanto internacional. Um ponto que diz respeito à maternidade e a infância tomam destaque na realização do presente trabalho: A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do patrimônio, gozarão da mesma proteção social .

 

 

Para que tratados e convenções internacionais possuam eficácia dentro do Estado Brasileiro, estes devem ser aprovados e promulgados, respectivamente, pela Casa do Senado Federal e pelo Presidente da República. No ano de 1999, aprovou-se a Convenção concluída em Haia no ano de 1993, que tem por objeto a proteção das crianças e a cooperação em matéria de adoção internacional.

 

 

A presente convenção reconhece a necessidade familiar para uma criança, tanto sobre a formação de sua personalidade quanto a harmonia existente no convívio em família, pontos que definem a razão e a emoção do indivíduo. Desta forma, reconhece ainda a convenção que a adoção internacional deve atuar de forma subsidiária à adoção nacional. Não havendo a possibilidade formar uma nova família composta por pessoas de igual nacionalidade, recorre-se à adoção internacional. Com a convenção, buscou-se atender aos interesses da criança, respeitando as relações internacionais e, por conseguinte, diminuir a venda, o seqüestro, e o tráfico de crianças.

 

Para que as regras estabelecidas na convenção de Haia sejam aplicáveis aos países que a aderiram, estabelece a presente convenção em seu artigo 6º que os estados deverão possuir um órgão, qual seja, uma Autoridade Central com o papel de fiscalizar as relações concernentes à adoção, verificando se estas estão de acordo com as obrigações impostas pela referida convenção.

 

 

O Decreto n. 3.174/99 determinou atribuições às Autoridades Centrais. Com base na convenção de Haia, o Estado brasileiro possui Autoridade Central Federal; Autoridade Central Distrital; e Autoridades Centrais Estaduais. O referido decreto também criou o Conselho de Autoridades Centrais Brasileiras, composto por um membro de cada Autoridade Central; um representante do Ministério das Relações Exteriores; e um representante do Departamento da Polícia Federal.

 

 

Toda matéria que diz respeito à proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente, previstos no Texto Constitucional; Estatuto da Criança e do Adolescente; Declaração Universal dos Direitos Humanos; Convenção de Haia, dentre outras normas, são garantidas através de políticas utilizadas pelo Conselho de Autoridades Centrais Brasileiras. O objetivo do Conselho, bem como dos demais órgãos que o compõem, é o de poder oferecer ao indivíduo a dignidade e todos os valores sociais a que possui direito para sua integração ao meio social.

 

 

Diante de todos os recursos apresentados, percebe-se a família como base da sociedade. Os pontos determinantes de um indivíduo surgem por meio da convivência familiar. Não se pode tirar a família de um ser humano, e este não possuir, tem-se um dever: arrumar uma família para o indivíduo.

 

Conclusões

 

 

Após a elaboração de algumas considerações a respeito da família, fazendo uso de ciências fundamentais a fim de se explicar sua importância, tornando-a um direito de todos, em especial da criança, diante de um vasto ordenamento jurídico visando tutelar o presente direito, não se podem calar algumas questões. Por que a família possui tamanha importância ao ser humano? Não poderíamos ser criados, segundo Marx, pelo Estado tendo em vista que nós somos o próprio Estado, ao invés de seguirmos ideais que afirmam ser a família o estado natural, estado de formação onde o ser humano pode ser considerado livre?

 

 

A família é a base das civilizações. No século XX, criou-se uma ciência chamada psicanálise. Fundada por Freud, a psicanálise é uma parte da psicologia e um novo método de tratamento das doenças decorrentes do pensamento humano (neuroses). Freud defende a idéia de que o cérebro possui dentro de si três seguimentos: ID (inconsciente); Ego (consciente); Superego (super consciente). O primeiro seguimento seriam as fases emotivas de um indivíduo. Por não ter conceitos formados, age segundo os instintos e de acordo com o seu sentimento.

 

Para Freud, o ID possui grande freqüência de atuação na vida de um ser humano até os seus sete anos. O segundo seguimento seria a fase executória na vida de um ser humano. Em decorrência de passagens ocorridas em sua infância, fase movida por emoções, bem como por meio de conhecimentos provenientes da convivência familiar e social, o indivíduo começa a formular o seu raciocínio iniciando-se a vida dentro do meio social.

 

 

Por fim, o terceiro seguimento seria o arquivo do ser humano. Todos os fatos ocorridos na vida de um indivíduo ficam armazenados em sua memória, cabendo ao superego fazer o juízo de valor, determinando o que venha a ser aplicável ou não dentro da vida do ser humano.

 

 

Ao desenvolver sua teoria, Freud tinha como objetivo entender a formação da personalidade humana. Fica nítida a presença da família neste processo de formação. Sem a família, a personalidade do ser humano fica desfragmentada. Por isso sua importância para o indivíduo e, por conseguinte, para a sociedade.

 

 

Portanto, a criança possui um direito fundamental dentro do processo de sua formação: a família. Sem a devida instrução, não se obtém o raciocínio, logo, não se cumpre com o papel destinado ao ser humano, tornando-se indivíduos sem qualquer espécie de valores para a natureza.

 

 

Referências Bibliográficas

 

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