A
mercantilização dos cursos jurídicos frente à Portaria nº 2.402 do MEC
Angela Valeska Cesar Wanderley *
Já não é de hoje que se fala a respeito do problema da moralização e da
qualificação dos profissionais do Direito no Brasil, contudo, quando se trata
de tal assunto, há que se deixar bem claro e evidente que a opinião de alguns
não é, de forma alguma, aquela condizente com a realidade dos fatos.
Procuramos materializar a idéia de que advogados, juizes, promotores,
enfim, todos os operadores jurídicos, são profissionais capazes, bem
preparados, conhecedores dos "caminhos da Justiça", diligentes e
dispostos a concretizar os ideais da sociedade portando-se com ética.
Espantou-se o mundo jurídico este mês com a notícia do advento de mais
uma portaria baixada pelo Ministério da Educação datada de 09 do mês de
novembro deste ano de 2001. A mencionada Portaria nº 2.402 trata de regular o
aumento do número de vagas para diversos cursos de graduação, inclusive o curso
de Direito.
Por tal determinação vem a Portaria estabelecer que, quando do aumento de
seu número de vagas, as faculdades prescindem de autorização prévia, ou seja,
as faculdades podem, ao seu bel prazer, fazer as devidas alterações no número
de vagas disponíveis no seu quadro de ensino sem que haja qualquer necessidade
de antes receber um "OK" daquele órgão que se coloca diante de nós
como o responsável pela educação no país.
Requisitos como capacidade, organização, critérios de avaliação,
condições de ensino, formação dos docentes, recursos empregados, investimentos
na parte física da unidade de ensino superior, etc, nem sequer são questionados
para que possam ser avaliadas as possibilidades de um pleiteado direito de aumento
de vagas.
À primeira vista a coisa já parece bastante séria, porém, é bem mais
séria do ora se apresenta, pois, a inclusão do curso de Direito no rol daqueles
que são suscetíveis de aumento de seu número de vagas sem prévia autorização do
MEC afronta diretamente Lei Federal nº 8.906 de 04 de julho de 1994, ainda em
vigor, que, em seu artigo 54, inciso XV, expressamente determina que a OAB
possui atribuição para, previamente, apresentar opinião nos pedidos de criação,
reconhecimento e credenciamento dos cursos jurídicos que forem apresentados aos
órgãos competentes, no caso ao Ministério da Educação e Cultura.
SZKLAROWSKY, destacando o papel da mencionada instituição, em atendimento
ao expresso na Lei 9649/98, elucida:
"A OAB, ex
vi de norma constitucional, possui ainda funções constitucionais próprias, além
da fiscalização profissional, com participação nos procedimentos de ingresso na
Magistratura, no controle da constitucionalidade de leis, na defesa da
Constituição e da ordem jurídica",
Por tal permissivo legal, porém imoral, o aumento pode ser feito até a
percentagem máxima de 50% sem qualquer autorização prévia, e tal benéfice está,
por força desta nova portaria, estendida a todas as faculdades e não só, como
anteriormente era previsto, às universidades que dispunham de autonomia. Vê-se,
de logo, que a possibilidade absurda de aumento de vagas arrasta consigo o
agravante da mercantilização dos cursos jurídicos, afastado que foi da lista
dos cursos vinculados ao crivo de seu respectivo conselho quando da expansão de
vagas.
Como se já não bastasse a exploração financeira sofrida pelos alunos das
universidades e faculdades particulares, esta possibilidade trazida pela
Portaria nº 2.402 vem evidenciar que o interesse financeiro está acima de tudo
e de todos, sim, porque não se está pensando na formação do estudante e futuro
profissional. A própria OAB diz que o crescimento do número das faculdades de
Direito no país é o grande responsável pelo alto índice de reprovação nos
exames da Ordem, tendo em vista que tal crescimento favorece à falta de
fiscalização e, conseqüente, organização, orientação ou, até mesmo, punição,
por parte do MEC.
A ameaça de uma explosão de advogados mal graduados, desprovidos de
conhecimento técnico e incapazes de serem participantes da formação e
construção do Direito Nacional, está intimamente ligada a esta liberalidade
concedida pelo MEC. Os militantes do mundo jurídico não têm dúvida do quanto é
fundamental que o advogado, o defensor do Direito, saiba ler as leis,
interpretá-las abstratamente e aplicá-las a situações concretas, quer seja
confirmando o seu sentido (interpretatio declarativa) quer seja
entendendo o seu sentido (interpretatio extensiva), ou ainda
restringindo-o (interpretatio restrictiva);
Numa época de crise institucional como a que vivemos, cabe a nós,
operadores do Direito, batalhadores pela valorização desta profissão,
resguardada pela Constituição Federal de 1988 e definida como imprescindível à
Justiça, lutar para que ameaças como estas não se concretizem. Como bem disse
ARNOLDO WALD, "as grandes realizações nem sempre podem ser atendidas
pelo esforço individual naturalmente limitado, necessitando assim da cooperação
de muitos para atingir uma finalidade, um objetivo ou um ideal comum."(2)
NOTAS
(1) SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Exceção de Pré-executividade em Face da
LEF. Online. Capturado em 25 mai. 2001. Disponível na Internet:
(2) WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Introdução e
Parte Geral. 7.ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 155.
* Acadêmica de
Direito da Universidade Católica de Pernambuco.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2646>. Acesso em: 20 jul. 2006.