Especialização
ou alienação jurídica?
Danielle
Lorencini Gazoni *
Não se pretende neste modesto artigo exercitar a defesa
aos aspectos positivos da especialização e, conseqüente, condenação aos
aspectos negativos da mesma. O objetivo destas linhas é somente analisar tais
aspectos, bem como as influências da modernidade sobre ambos.
A dedicação, o aperfeiçoamento e o domínio sobre
determinada área do Direito é indiscutivelmente um dos pontos positivos da
especialização jurídica.
Desta forma, diversos fatores contribuem
significativamente para a implementação da especialização na área científica do
Direito, por seus próprios profissionais, no presente, ou então, num futuro bem
próximo.
Segundo ordem obrigatoriamente imposta pelo Ministério da
Educação, com relação aos ensinos superiores, os discentes do curso de Direito,
ao iniciarem a busca pela graduação em bacharel em Direito, embora não
percebam, já dão início à especialização.
É indiscutível o "alívio" destes jovens, tanto
por serem aprovados em dificílimo concurso vestibular, quanto por não mais
serem obrigados a dominar matérias tão desgastantes do ensino médio, como
física, matemática ou química; estas, então, as verdadeiras "vilãs"
de qualquer vestibulando para o curso de Direito.
A especialização, portanto, inicia-se de pronto. Quais
acadêmicos de Direito (a não ser aqueles que continuam sendo professores
particulares de matérias do ensino médio) permanecem estudando as referidas
matérias escolares? Aliás, nem mesmo outras relevantemente pertinentes, como
história, língua inglesa ou espanhola, são objetos de contínuo estudo por estes
novos discentes, agora em curso superior.
O "destino" trilhado a caminho da especialização
não pára por aí. Surge uma nova fase da especialização, a jurídica.
Uma matéria obrigatória, pelo MEC, na grade curricular do
curso de Direito é a chamada Prática Jurídica, geralmente incentivada pelas
Faculdades de Direito através dos escritórios experimentais do Núcleo de
Prática Jurídica.
Por fornecer atendimento jurídico gratuito à comunidade
carente, verifica-se grande demanda nas áreas cíveis, especialmente Direito de
Família e Direito das Sucessões, trabalhistas, previdenciárias e do Direito do
Consumidor.
Por mais que os Coordenadores dos Núcleos de Prática
Jurídica tentem direcionar os alunos a um mínimo de experiência em todos os
ramos do Direito, percebe-se, novamente, a tendência à especialização jurídica.
A solução seria a criação de subnúcleos para dividir o
alunado em áreas específicas? O lado positivo deste método seria o oferecimento
de alunos cada vez mais capacitados em áreas específicas de atendimento, eis
que os mesmos reforçariam seus estudos nas áreas que mais lhes agradam. Porém,
o reverso consistiria na apresentação de profissionais incapacitados em áreas
jurídicas diversas daquelas em que foram os mesmos atuantes.
Ao atingir a condição de "formandos", amigos,
parentes e até mesmo profissionais do Direito, ao parabenizá-los pela grande
conquista, não obstam em perguntar quais serão as áreas de atuação dos jovens
bacharelandos.
Como responder tal pergunta? Aqueles que foram estagiários
em escritórios de advocacia, geralmente familiares, continuam seguindo a área
de atuação de tal escritório, que geralmente, já se encontra especializado em
alguma área jurídica.
Os "marinheiros de primeira viagem na prática do
Direito", um tanto embaraçados, reforçam-se a explicar que no início da
carreira de todo profissional do Direito é preciso atuar em todas as áreas para
adquirir experiência, sendo impossível escolher uma determinada área para
atuar.
Ao proferirem tal afirmativa, têm, os novos profissionais,
receio de parecerem modestos, como se fossem profundos conhecedores de
quaisquer ramos do Direito, ou, ao contrário, de serem vistos como péssimos
profissionais, haja vista que ninguém consegue ser expert em todas as
áreas alcançadas pela ciência jurídica.
Como inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, a pressão
da especialização aumenta, devido à concorrência no mercado de trabalho, à
"corrida" contra os prazos processuais, às primeiras consultas aos
primeiros clientes, bem como às primeiras audiências, principalmente as de
instrução e julgamento. Os novos profissionais sentem a necessidade de melhor
organizarem seus próprios horários, objetivando condições para melhor estudo,
não resumindo, este, aos casos a serem defendidos.
Ocorre, portanto, o incontrolável desejo de
especializar-se. Primeiramente, percebe-se a especialização gradativa em seus
escritórios, pois já não militam em todas as áreas do Direito, e sim,
restringem-se a certas áreas para melhor defendê-las, com dedicação,
conhecimento e melhores probabilidades de êxito.
Mesmo os que não optaram pela advocacia, assim se sentem,
ao escolherem a carreira pública, como por exemplo os Promotores de Justiça e
os Juízes de Direito.
Os representantes destas Classes são unânimes quando
revelam que os trabalhos realizados no interior do Estado servem como espécie
de "laboratório", onde há a necessidade de estudar todos os
institutos jurídicos, para que possam opinar ou julgar sobre quaisquer
assuntos. Ao se tornarem titulares, já se dão ao "luxo" de
aprofundarem seus estudos a limitados institutos, pertinentes à área jurídica
de atuação.
Torna-se clara, neste instante, a dimensão da
especialização jurídica. Qual advogado militante na área tributária se permite
a estudar com afinco as nulidades do processo penal? Qual magistrado titular da
Vara de Órfãos e Sucessões sentir-se-á confortável para proferir palestra sobre
Ação de Cumprimento?
O avanço tecnológico também contribui bastante para o
avanço da especialização jurídica, pois permite o acesso a milhares de
informações, em espaço mínimo de tempo, sendo praticamente impossível o
acompanhamento de todas as novidades que surgem no campo das ciências
jurídicas.
Vale ressaltar, ainda, que vivemos num País muito rico,
porém, habitado por muitos economicamente desfavorecidos, tornando, todavia, o
aspecto financeiro igualmente favorável à especialização, porque é ainda raro o
cidadão que tenha condições de matricular-se em vários cursos de pós-graduação,
em áreas não semelhantes, ou mesmo de adquirir bons livros jurídicos, sobre
diversos temas do Direito, embora qualquer curso de graduação de qualidade
instrua todos seus alunos a estudarem o mesmo instituto jurídico por, no
mínimo, três autores diferentes.
A pretensão, de inquestionável boa fé, destes estudiosos
em especializar-se em uma área jurídica, quando isto se torna possível, para
destacar-se como um dos melhores conhecedores daquele ramo é aspecto a ser
aclamado, eis que só com o aprofundamento científico podem ser revelados
juristas de qualidade.
Porém, parece-me, também, incontroversa a afirmação de que
quanto mais especialista for a comunidade jurídica, por outro lado, mais
distantes estarão estes profissionais da cultura como um todo, tornando-se,
paradoxalmente, especialistas e alienados jurídicos.
* Advogada no
Espírito Santo, professora de Direito das Faculdades Integradas de Vitória
(FDV), pós-graduanda em Direito Processual Civil pela FDV.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2238>. Acesso em: 20 jul. 2006.