Direito pré-moderno:
um contributo histórico e uma crítica presente
Ivan Furmann; Thais Sampaio da Silva *
Sumário: 1. O resgate das origens históricas e os
ecos de Walter Benjamim; 2. Sociedade medieval e a pré-modernidade; 3. A
construção jurídico-dogmática dos corpos na pré-modernidade; 4. A dogmática da
Escola de Bolonha (Glosadores); 5. Embate ao Dogma, ao Dogmatismo e à
Dogmática; 6. Notas; 7. Referências Bibliográficas.
1. O resgate das origens históricas e os ecos de
Walter Benjamim
A intenção de se fazer História, e no caso, História do
Direito, não prescinde de um referencial que lhe proporcione um substrato
teórico adequado. Walter Benjamin configura-se assim, pela inauguração de uma
peculiar forma de temporalidade, como o referencial teórico ideal ao presente
trabalho.
Pertencente à primeira fase da Escola de Frankfurt
[01], Walter Benjamin, "filósofo de origem judaica, de pensamento
extremamente original, dedicou-se, sobretudo, a questões de linguagem e
cultura, notabilizando-se seus estudos sobre o drama barroco alemão, sobre a
teoria da tradução e a filosofia da História". [02] Além disso,
sua obra figura-se excepcionalmente inovadora por seu particular modo de
expressão, veiculado por meio de ensaios e aforismas.
Crítico da modernidade – sobretudo no tocante à cultura –
desenvolve um conceito de moderno que, segundo Anita Helena Schlesener
[03], pode ser lido como se opondo à concepção weberiana. Se, para Weber,
a modernidade é produto de processos de racionalização que têm raízes na
reforma protestante e se estendem à vida social e cultural, nesta expressado
pelo desencantamento do mundo, em que o avanço da dominação da natureza com a aplicação
da ciência e da técnica provocam uma superação do mito; para Benjamin, a
modernidade, enquanto organização estrutural da sociedade, possui determinadas
características que demonstram que o que ocorreu não foi um desencantamento do
mundo, mas a reinstauração do mito em novas formas. "O mito é recriado nas
relações sociais modernas nas noções de progresso e cultura, sob as quais a
modernidade esconde sua natureza de exploração, de fetiche e de repetição. A fé
na razão, a confiança ilimitada na ciência, o poder descomunal do Estado, a
moralidade secular, a História linear e homogênea são outras formas de
expressão da força mítica". [04]
Benjamin pretende, portanto, questionar a racionalidade
moderna e redefini-la, de modo que a razão possa cumprir as promessas de
emancipação que se frustraram no decorrer da História. A Filosofia da História
sobre a qual Benjamin se debruçou reside, aliás, na crítica a História
pré-determinada – a História que tem uma empatia com os vencedores/dominadores,
como ele chama na Tese nº 7 "sobre o conceito de História" [05]
-, que tenta obscurecer os fracassos e gera a passividade: "nessa
perspectiva, não é o passado que está perdido, mas o futuro, porque nos
recusamos a construí-lo". [06] Segundo SCHLESENER [07],
a crítica ao progresso e à cultura como mecanismos de dominação permeiam o
panorama da modernidade e se traduzem numa nova interpretação da História,
fundada na estrutura da experiência e na tentativa de explicitar a nova
sensibilidade moderna. Essa valorização da experiência é marcante em Benjamin
que considera a pobreza da experiência como expressão da barbárie.
A modernidade supervaloriza o novo – moderno como sinônimo
de novidade e progresso – conseqüentemente subestimando o passado. Marx e
Engels observaram: "Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu
séqüito de crenças e opiniões tornadas veneráveis pelo tempo, são dissolvidas,
e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem. Tudo o que é sólido e
estável se volatiliza, tudo que é sagrado é profanado". [08] É
por isso que a História é trazida dessa forma linear, como se fosse uma
ascendente, como se houvesse uma evolução de racionalidade, e a experiência e a
tradição são excluídas. Porém, para Benjamin:
Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele [o anjo
da História] vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre
ruína e dispersa a seus pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e
juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas
asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele
irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o
amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de
progresso. [09]
Portanto, o que a História linear entende como progresso,
Benjamin entende como catástrofe, como barbárie. Esse se dedica, então, a
tarefa de inaugurar uma nova forma de interpretação, corolária de uma nova
forma de temporalidade [10], que é o que aqui se privilegiará,
evitando o estudo linear da História que, "acaba impondo uma lógica ao
passado que em verdade lhe é estranha, ao mesmo tempo em que lança sobre a
época pretérita as questões, preocupações, valorações e ansiedades que
pertencem ao presente". [11]
Benjamin considera necessário buscar na História, no
passado (e na experiência do passado), as forças para atuar no presente e no
futuro. A forma de olhar para o passado é diversa, pois escapa a concepção
linear de homogeneidade e coerência – passado e presente são rupturas. Esse é o
teor da crítica (quase poética) que ele desfere ao historicismo: "O
historiador consciente disso, renuncia a desfiar entre os dedos os
acontecimentos, como as contas de um rosário. Ele capta a configuração em que
sua própria época entrou em contato com uma época anterior, perfeitamente
determinada. Com isso, ele funda um conceito de presente como um ‘agora’ no
qual se infiltraram estilhaços do messiânico". [12]
Nessa nova noção de temporalidade inaugurada por Benjamin,
o passado é interpelado, para ser imobilizado. "O passado, para Benjamin,
só pode se mostrar ao presente num momento em que for visado por ele.
Explicando melhor: só num determinado momento em que o presente vivenciar o que
Benjamin denomina de ‘instante de perigo’, no momento em que houver uma
exigência presente de rememoração, uma necessidade de redenção do passado, é
que este passado pode se revelar". [13] É isso o que pretende
dizer Benjamin quando coloca: "A verdadeira imagem do passado perpassa,
veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja
irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. (...) Articular
historicamente o passado não significa conhecê-lo como ele de fato foi’.
Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento
de perigo". [14]
Assim, parafraseando Ricardo Marcelo FONSECA [15],
na sua esclarecedora leitura de Benjamin, para este nada está perdido para a
História. O passado não pode ser considerado de forma linear, porque ele
"perpassa veloz", somente se apresentando ao presente quando por este
visado, no momento em que o presente invoca sua redenção: no instante de
perigo. Trata-se de encontrar a presença do passado no presente, sendo que a
conexão entre eles não serve a recuperar o passado, mas a transformar o
presente.
Desta feita, no tocante à História do Direito, não se
pretende fazer um resgate de formas jurídicas arcaicas – pois esta é a postura
do historicismo jurídico, que impõe uma continuidade arbitrária/estranha (!) às
instituições –, mas, nas palavras de Benjamin, "escovar a História a
contrapelo" [16], interpelando o passado jurídico como ele se
mostra ao presente no instante de perigo.
Mas qual seria esse instante de perigo para o Direito?
Seria a crise das instituições? Da família? Da propriedade? Seria a crise nos
mecanismos de representação democráticos? Ou a crise da ordem legal vigente?
A resposta, entretanto, não se encontra necessariamente na
idéia de crise, afinal o modelo jurídico atual expressa (ainda que
arbitrariamente) uma concretude social. Nesse sentido, o que se observa não é
uma crise, mas um contra-senso entre a realidade e as conquistas
civilizatórias. O anjo da História de Benjamim só enxerga pilhas e pilhas de
entulhos, de morte, de barbárie. As teorias de Direito modernas, o positivismo
e o jusnaturalismo, autorizam a proteção ao sistema posto – mais do que isso –
elas legitimam a opressão. Legitimam através de verdades cristalizadas: dogmas.
Essas "verdades" cristalizadas que engessam o
universo jurídico num campo de abstrações (metafísicas) e não o permitem
dialogar com a realidade social, fazendo-o renunciar ao seu papel de
transformação social. Segundo Lênio L. STRECK: "a dogmática jurídica
coloca a disposição do operador um prêt-à-porter significativo contendo uma
resposta pronta e rápida" [17], porém, acrescente-se tantas
vezes inadequada, pois, prossegue, "os juristas só conseguem ‘pensar’ o
problema a partir da ótica forjada no modo liberal-individualista-normativista
de produção do Direito". [18]
Aliás, o modo liberal-individualista-normativista é o modo
de pensar da modernidade. É nesse instante de perigo, nesse "agora",
em que o passado se apresenta num "relampejar fugaz", que se invoca o
pré-moderno – a ruptura, a descontinuidade, a transição.
Por isso, não se pretende resgatar o passado pré-moderno,
o principal viés da análise recai, não na pré-modernidade em si, mas na noção
de dogma que nela adquiriu autoridade, aprisionando até hoje o papel do
Direito. O dogma – e a astúcia da razão dogmática [19]– desloca o
Direito do mundo da vida para o mundo das instituições, das verdades
desprovidas de conteúdo, das abstrações arbitrárias. É esse o
"perigo" do qual o presente pretende se redimir – buscar o passado do
dogma e proporcionar a sua transformação no presente. Se a modernidade, como Benjamin
asseverava, cria mitos – o dogma, como mito, precisa ser desmitificado.
2. Sociedade medieval e a pré-modernidade
Partindo do princípio, portanto, de que a História não é
uma sucessão de continuidades, mas, pelo contrário, o lugar privilegiado das
rupturas, para compreender a modernidade, da qual somos herdeiros (ou membros),
mister que seja compreendido o período que a precedeu, a pré-modernidade.
Trata-se de um período que, segundo Ricardo Marcelo Fonseca, marca "a passagem
de uma sociedade holística para uma sociedade atomística ou, se se preferir, a
passagem de uma sociedade de ordens para uma sociedade de indivíduos".
[20]
Antonio Manuel Hespanha [21], constatando que,
desde o séc. XVIII, o individualismo propusera uma imagem centrada no
indivíduo, sendo que toda a teoria social baseara-se numa análise das
características do ser humano individual, como toda política social se
orientara para a satisfação dos interesses e dos fins dos indivíduos [22],
observa que o coletivo não adquiria natureza diferente da soma das realidades
individuais – e, por isso, não apresentava finalidades próprias. O fim da
sociedade não era senão a soma dos fins dos seus membros e a utilidade geral
não era senão a que resultava da soma das utilidades de cada indivíduo.
O pensamento social medieval, ao contrário, era dominado
pela idéia de "corpo", ou seja, de organização supra-individual,
dotada de um fim próprio, e auto-organizada ou auto-regida em função desse fim;
assim como o pensamento social da escolástica [23] medieval é
dominado pela idéia da existência de uma ordem universal – cosmos –, abrangendo
o homem e as coisas, que orientava todas as criaturas para um objetivo último,
que o pensamento cristão identificava com o próprio criador.
No entanto, essa unidade dos objetivos da criação não
exigia que as funções de cada uma das partes do todo na consecução desses
objetivos fossem idênticas – cada parte cooperava de forma diferente na
realização do destino cósmico: "cada ‘ordem’ da criação – e, dentro de
cada uma delas, cada espécie, e, dentro da espécie humana, cada grupo ou corpo
social – teria, nesse destino, um objetivo próprio e irredutível a
realizar". [24]A sociedade seria, assim, como que um organismo,
cujo bem estar em geral depende do desempenho autônomo – mas harmônico ou
coerente – das funções dos vários órgãos ou membros.
Prossegue HESPANHA [25], asseverando que esta
concepção "antropomórfica" tinha diversas conseqüências no plano da
teoria acerca do ser da sociedade e da organização política ideal.
A idéia de que a harmonia da sociedade não requer a
igualdade dos seus membros ou a uniformidade das suas funções: tal como nos
organismos vivos, o equilíbrio resulta, pelo contrário, da não
intermutabilidade das partes e o respeito pelos seus função e estatuto
específicos; a natureza – e também a natureza da sociedade – aparece, assim,
como uma "ordem de coisas díspares".
Indispensabilidade de todos os órgãos da sociedade e,
logo, impossibilidade de uma administração absolutamente centralizada. A
administração social deveria, portanto, ser mediata, deveria repousar na
autonomia (iurisdictio) dos corpos sociais e respeitar a sua articulação
natural – entre a cabeça e a mão, deve existir o ombro e o braço, entre o
soberano e os oficiais executivos, devem existir instâncias intermédias.
Cada corpo social, como cada órgão corporal, tem a sua
própria função, de modo que a cada corpo deve ser conferida a autonomia
necessária para que possa desempenhar essa função. A essa idéia de autonomia funcional
dos corpos anda ligada a idéia de auto-regulamentação, que o pensamento
jurídico medieval designou com a expressão iurisdictio [26]e
na qual englobou o poder de fazer leis estatutos, de julgar os conflitos
internos e de emitir comandos. Essa função social leva a que a caracterização
social dos indivíduos (como pai, vizinho, clérigo) não seja um simples nome,
mas uma qualidade pertencente à própria natureza individual. Com a conseqüência
de que, então, os elementos em que a sociedade se analisa não são os
indivíduos, mas os grupos de indivíduos portadores da mesma função e titulares
de um mesmo estatuto. Estas funções são definidas pela tradição – isto leva a
que o estatuto social decorra não tanto da situação atual das pessoas, mas,
sobretudo, de uma "posse de estado", estabelecida pela tradição
familiar [27].
A função da cabeça não deve ser a de destruir a autonomia
de cada corpo social inferior, mas a de manter a harmonia entre todos eles,
atribuindo a cada um o lugar que lhe é próprio, garantindo a cada qual o seu
"foro" ou "direito"; numa palavra, realizando a justiça; e
assim é que a realização da justiça se acaba por confundir com a manutenção da
ordem social e política [28].
Se um dos traços da sociedade pré-moderna é essa
irredutibilidade dos corpos acima caracterizada, o outro dos seus traços é o
anti-individualismo. Não se deve partir da consideração do indivíduo isolado,
mas antes dos grupos em que ele natural e inevitavelmente se integra. A teoria
política e o Direito não reconheciam os indivíduos como fonte autônoma de
direitos e obrigações, mas apenas como produtores dos direitos e deveres
próprios do corpo ou corpos em que estão integrados, ao contrário do Direito
moderno, que não concebe jamais um direito sem que este esteja vinculado a um
sujeito individualmente considerado [29]. Para HESPANHA [30],
de tudo isso resulta uma concepção social que:
- valoriza os fenômenos grupais ou coletivos;
- considera o poder como algo originariamente repartido
por múltiplos corpos sociais, cada qual dotado de autonomia política e jurídica
exigida pelo desempenho de sua função social;
- reserva ao poder político global apenas a função de
garantir essa autonomia e especificidade do estatuto social de cada corpo e
assegurando, desta forma a paz;
- vê o indivíduo como parte de grupos e os seus direitos e
deveres com reflexos do estatuto ("foro") dos grupos em que se
integra;
- recusa a distinção, própria do pensamento moderno, entre
sociedade civil e Estado. (A sociedade civil – estudada pela política – opunha-se
à sociedade doméstica – estudada pela economia; é nesse sentido que muitos
autores se recusam a falar de Estado para a organização política do antigo
regime)
3. A construção jurídico-dogmática dos corpos na
pré-modernidade
Ainda amparando-se na obra de HESPANHA [31],
constata-se que à erupção dos corpos no plano social, político e ideológico
correspondeu também o seu reconhecimento pelo Direito – ou seja, a necessidade
de um aparato dogmático para "legitimar" a sociedade descrita
alhures. Como pondera o autor, embora a idéia de personalidade jurídica
"coletiva", ao lado da personalidade jurídica "singular",
só tenha sido completamente desenvolvida pela pandectística alemã do séc. XIX
(Savigny), o reconhecimento pelo Direito, da existência de sujeitos jurídicos
coletivos – capazes de direitos e obrigações – surge no Direito medieval. Com
ela o Direito pode, pela primeira vez, lidar com as formas grupais de
organização social, justificando sua autonomia política e a sua capacidade de
auto-organização.
Para a corrente dominante nessa época (Bártolo, Baldo), o
direito de constituir associações decorria não apenas da lei positiva ou da
autorização do soberano, mas mesmo do Direito natural, apenas com a restrição
de que o fim visado pela associação fosse justo ou conforme o bem comum,
estando proibidas, por exemplo, associações destinadas a criar ou manter
monopólios.
A organização interna e a representação externa dos corpos
constituem também pontos relevantes da doutrina jurídica medieval. Baseados em
textos do Corpus iuris, os juristas medievais defendem a opinião de que
os corpos são incapazes de exercer por si os seus direitos, carecendo,
portanto, de alguém que atue na defesa de seus interesses no plano externo. É
esta a função do procurador a quem compete gerir, no plano externo, os
interesses do corpo e confirmar as suas deliberações. Isto diminui
substancialmente, se não o poder de auto-regulamentação dos corpos, pelo menos
o controle da aplicação das decisões internas.
No plano da organização interna, os corpos contavam, de um
modo geral, com uma estrutura triádica de órgãos de governo: uma assembléia
geral de seus membros, um conselho deliberativo restrito e um órgão
(individual) executivo e de deliberação. Havia, assim, uma legitimação
doutrinária que ocasionava algumas distorções ao princípio da horizontalidade
na participação política. A participação dos membros do corpo no seu governo
obedecia ao princípio de que o maior poder e responsabilidade na gestão
corporativa deveriam caber àqueles que mais contribuíssem para o desempenho das
funções do corpo.
Assim, retomando a noção de que à erupção, no plano da
teoria filosófico-social, destas concepções teve correspondências no mundo da
dogmática, pode-se, com HESPANHA [32], descrever algumas delas: a
construção dogmática da personalidade coletiva, como dito; o reconhecimento
jurídico do direito de associação que permitiu dar livre curso às tendências
para a constituição de novos agregados políticos; e o aberto reconhecimento,
por parte do Direito, do caráter originário ou natural dos poderes políticos
dos corpos; apuramento do conceito de iurisdictio, que leva à distinção
de vários níveis de poder, permitindo conceptualizar o complexo de relações
políticas de um sistema de poder essencialmente pluralista.
A situação, no entanto, é completamente diversa da
encontrada na modernidade, pois, quando os temas acerca da teoria dos corpos
sociais aparecem na dogmática jurídica moderna, os pontos de vista dominantes
não são os da teoria corporativa, mas os da teoria permissionista, para a qual
o direito de associação sujeita-se à autorização real, a jurisdição é
considerado um atributo real, pelo que toda a jurisdição exercida pelos corpos,
pelos senhores ou pelos magistrados, representa uma mera delegação da
jurisdição do soberano.
Contudo, conforme alerta HESPANHA [33], se no
plano da dogmática não havia grandes aberturas para o reconhecimento teórico de
uma capacidade originária de auto-regulamentação dos corpos inferiores, o certo
é que a predominância da teoria que concebia a jurisdição dos corpos inferiores
como um poder apenas delegado não impediu, na prática, a dispersão do poder por
uma constelação, órgãos e magistraturas dotados de poderes que o Direito
acabava por reconhecer como inatacáveis pelo poder político central. Na
verdade, a jurisprudência julgava freqüentemente como contratuais ou
remuneratórias as doações régias de jurisdição, tornando-as, deste modo,
inatacáveis; e assim se iam consolidando nas cidades, nas corporações, nos
senhorios e nos oficiais, jurisdições que o soberano não pode violar sob pena
de "desaforo" ou de "usurpação de jurisdição". A autonomia
prática, portanto, radica não na força da teoria corporativa, mas na construção
dogmática do privilégio e da doação régia e da sua revogabilidade. Nesse
sentido, a contribuição da dogmática medieval foi de fundamental importância na
construção da racionalidade jurídica de seu tempo, adaptada a essa realidade
social.
4. a dogmática da Escola de Bolonha (Glosadores)
Num perturbado momento, ainda medieval, mas com lentas
transformações na estrutura social, os germes das (futuras) teorias modernas de
Direito começam a florescer, em locais específicos, face ao específico
desenvolvimento cultural de determinadas regiões. Aliás, nesse sentido, defende
o prof. Boaventura de Souza Santos o surgimento do "(...) paradigma
cultural da modernidade (...) antes do modo de produção capitalista se ter
tornado dominante (...)". [34] Assim, pois, em grande parte
para suprir o modo de produção emergente surgem novas formas de pensar o
Direito. A Escola de Bolonha mostrou-se como um exemplo desse movimento de
reorganização cultural que duraria séculos. [35]
Bolonha, porém, não foi por mero acaso o palco da
redescoberta dos textos clássicos. [36] Diversos elementos
postularam a seu favor: (a) Bolonha era uma cidade mercantil do centro-norte da
Itália, sua realidade cultural era diversa da realidade da Europa continental;
(b) o contato com culturas não romanizadas, sobretudo as orientais (árabes), e
sua filosofia aristotélica; (c) a atividade comercial crescente exigia novas
soluções jurídicas. Atente-se, entretanto, que apesar da influência decisiva do
comércio, não é possível resumir a esse elemento a retomada do estudo dos
textos romanos (Direito Justinianeu). [37] O desenvolvimento da
Escola de Bolonha deve ser ponderado dentro de uma perspectiva cultural.
Importa relembrar que em parte da Itália medieval há a manutenção do Império
Bizantino, sem o qual não seria possível reconstruir o Código Justinianeu (Corpus
Iuris Civile). [38] Por outro lado, nas cidades mercantis da
Itália, além dos ideais universais do império romano, era possível se observar
uma espécie de nacionalismo. A congruência desses dois aspectos, quais sejam, o
universalismo do império e o nacionalismo das cidades, foi fundamental no
surgimento da Escola de Bolonha [39].
A Escola de Bolonha foi originariamente uma escola de
Artes. Diferenciava-se das escolas medievais tradicionais porque estas
permaneciam intimamente ligadas ao ensino teológico, o que caracteriza a Idade
Média. A origem profana e citadina da Escola de Bolonha influenciou
sobremaneira o estudo do Direito por um ângulo inovador. A libertação do
primado da teologia a diferenciava das demais instituições da época [40].
Destaca-se, nesse sentido, a criação do studium civile de Bolonha, uma
escola jurídica profana.
A utilização dos textos clássicos remontou a proposta
universalista do império romano. Alia-se a essa característica a utilização do trivium
[41] escolástico das universidades medievais. A propedêutica foi o
substrato dos estudos em Bolonha. A releitura dos textos jurídicos antigos a
partir de tais disciplinas originou um ´´entusiasmo acadêmico´´ que,
notoriamente, será estranho à atitude moderna, pois pautada na crença da
autoridade e do formalismo intelectual. Nota-se que a Escola de Bolonha deteve
acesso progressivo a textos anteriormente proibidos pela igreja, a qual
monopolizava o saber durante a idade média, como os escritos de Aristóteles (Organon).
Logo, o desenvolvimento de Bolonha está intimamente ligado
ao movimento cultural (germes de modernidade) e ao desenvolvimento econômico
(germes capitalismo) que desembocaram nas cidades mercantis italianas.
Se de um lado a aplicação do Direito Justinianeu gerou
diversos conflitos nesse período medievo, devido às diferenças históricas
gritantes entre as realidades medieval e imperial romana. Por outro lado, a
autoridade dos textos antigos os fazia intocáveis. "O Corpus Iuris gozava
da mesma autoridade no pensamento jurídico – em virtude da crença na origem
providencial do império –, constituindo mais do que um jogo de palavras o
dizer-se que ele teve sobre o sentimento jurídico medieval a força de uma revelação
no plano do direito". [42] Por isso, a solução para a superação
de tal impasse era o constante esforço interpretativo e criativo. A principal
herança histórica dessa Escola.
A ideologia que permeia a igreja romana medieval é a de
que o Direito romano refletia o Direito da Humanidade, do gênero humano. Tal
fato reflete a crença na sua pretensa dignidade histórica e autoridade
metafísica (ligada ao surgimento do Cristianismo). O Corpus Iuris Civile
não era utilizado apenas por juristas, mas também por teólogos em escritos
sobre a moral. Percebe-se que a adoção do Direito Justinianeu não era apenas
uma questão técnica-formal, mas também uma necessidade daquela sociedade em
resgatar um fundamento seguro para uma ética político-social. O Direito
Justinianeu chegou a ser considerado a ratio scripta.
Em relação às técnicas de estudo, a expositiva é trazida
do trivium escolástico para o estudo do Direito, absorvendo-se muitas de
suas características. São comuns o uso da glosa gramatical ou semântica, a
interpretação dos textos, a concordância e a distinção. A interpretação dos
glosadores, entretanto, difere das exegeses modernas. Sua técnica de
interpretação está calcada na harmonização-estruturação de idéias pautadas em
princípios predeterminados pelo fundamento da autoridade. Em sua interpretação,
os glosadores, não precisavam (e nem pretendiam) por a prova a justiça do texto
clássico (afinal o texto era sacro e, portanto, intocável); também não
pretendiam compreendê-lo ou fundamentá-lo historicamente; nem tampouco buscavam
conciliá-lo com a necessidade prática. "O que eles queriam era antes
comprovar com o instrumento da razão – que, para eles, era constituído pela
lógica escolástica – a verdade irrefutável da autoridade". [43]
Por ser parte de uma verdade absoluta, cada parte do texto
constitui, em si mesma, uma verdade absoluta. A glosa (comentário escrito nas
margens do texto) é, portanto, a forma básica utilizada. Destacam-se os estudos
de figuras de dedução lógica aristotélica, aliás, a utilização da filosofia
aristotélica em contraposição a perspectiva da filosofia platônica irá ser uma
das influências na formação da racionalidade moderna. Perceba-se que apenas
parte da filosofia aristotélica é absorvida (analítica), olvidando-se da
dialética. Os glosadores também realizavam atividades que pretendiam a compatibilização
de textos contraditórios – através de operações de divisões/subdivisões e
sínteses – a fim de comprovar o caráter absoluto e total contido nas verdades
dos textos.
Foi a partir da referida técnica de compatibilização de
regras que se forma a primeira dogmática autônoma da História européia (Summa
ordinaria). Este conjunto de interpretações formou o antepassado da
dogmática jurídica. A dogmática, portanto, surgiu a partir de uma proposta
permeada em verdades absolutas. "Na verdade, a jurisprudência manteve-se
até à atualidade (como para além dela, apenas a teologia) como uma dogmática –
que pressupõe uma autoridade pré-estabelecida e absoluta de certos dogmas
acerca da verdade (...)". [44] A dogmática medieval, portanto,
era permeada pela idéia da autoridade do texto do Corpus Iuris Civile,
sendo sua atividade uma constante busca pela ratio legis (razão da lei).
O que diferencia a Escola de Bolonha da racionalidade jurídica moderna (em
especial a jusnaturalista) será que a primeira observou sempre a dogmática como
um substrato necessário para o processo de interpretação criativa enquanto que
a segunda criou o mito do dogma para impor de forma acrítica o Direito Romano
como ratio scripta. O ardil da racionalidade jurídica moderna está na
impossibilidade de interpretação do dogma, algo que sequer a Escola de Bolonha
cogitava.
Os principais glosadores foram objeto de muitos textos
biográficos. Entretanto, os seus predecessores ainda permanecem em certa
obscuridade pela falta de informações históricas. Nesse sentido, nota-se a
importância da Escola de Bolonha no cenário político medieval, sendo
reconhecida tanto pela Igreja quanto pelos reis da Lombardia.
Destaque-se ainda que, apesar de ser Bolonha o centro de
referência no estudo do Direito Romano, seu estudo não ficou restrito a escola
de Bolonha, existindo notícias sobre seu estudo em regiões do sul da França, da
Catalunha e Grã-Bretanha. A partir do método escolástico, os textos produzidos
nessas regiões posteriormente seriam utilizados pelos glosadores. Importante
notar, que em Bolonha os estudos sobre o Direito Romano ganham relativo avanço
e suporte graças à sistematização do conjunto da obra.
Outra questão de destaque é a formação em massa dos
juristas, formando assim uma categoria social, responsável pela administração
pública, pelo manuseio do Direito. Portanto, provenientes da elite, surgem, ao
lado dos clérigos, os juristas ou legalistas responsáveis pela racionalização
da justiça.
O Direito Romano passou a ser um fundamento para a justificação
de força sócio-política em relação aos direitos locais, as palavras sacras do
dogma romano constituíam autoridade acima das partes num litígio. A necessidade
do uso de um Direito geral influenciou sua recepção nos moldes da Escola de
Bolonha. São estas características que mantiveram o Direito Romano como base do
Direito privado alemão e, enfim, europeus modernos.
5. Embate ao Dogma, ao Dogmatismo e à Dogmática
O dogma, na aurora da modernidade, constitui a argamassa
da construção das teorias versando sobre o Direito. O dogma fundamentou (e
fundamentará?) as concepções modernas de Direito, polarizadas na dicotomia
entre Direito Positivo e Direito Natural, impregnaram de forma direta ou velada
o pensar jurídico Ocidental.
A doutrina distingue da seguinte maneira as duas
concepções de Direito modernas: "(...) o direito natural é aquele de que
obtemos conhecimento através da razão, de vez que esta deriva da natureza das
coisas; o direito positivo é aquele que vimos a conhecer através de uma declaração
de vontade do legislador (...) o direito natural estabelece aquilo que é bom, o
direito positivo estabelece que é útil". [45] Ambas, portanto,
apóiam-se em proposições metafísicas. O Direito Natural na idéia de justo. O
Direito Positivo na absolutização da virtude significativa do texto legal.
O problema que se enfrenta, num relampejar fugaz,
figura-se na proposição doutrinária de distinção entre dogma e dogmática.
[46] Em Lyra Filho, é possível observar-se o combate à expressão
‘dogmática’ em igual proporção de combate a expressão ‘dogmatismo’. Quando esse
critica a distinção entre ‘dogmática’ e ‘dogmatismo’ alude ao fundamento de
absoluto presente nas duas expressões, ou seja, critica a absolutização da
doutrina. "Por outras palavras, o dogma é a petrificação da
doutrina". [47]
Lyra Filho combate tanto à dogmática dita ‘reacionária’
quanto à dogmática dita ‘progressista’. "O dogma, apega-se, antes, à letra
da teoria: ele não admite o desenvolvimento e as revisões doutrinárias. Em
conseqüência, e sobretudo no emprego do adjetivo-dogmático – e do
substantivo-dogmatismo –, evoca a rigidez, mais próxima da opinião
imutável". [48] Por isso, a utilização do ordenamento jurídico
em prol das classes oprimidas não significa defender uma nova dogmática, mas
superar as ‘verdades absolutas’ cristalizadas em ‘dogmáticaS’.(!) Verdades
absolutas não se prestam na construção de uma nova teoria do Direito. Isso não
contraria, entretanto, a idéia de base de fundamentação para argumentação
jurídica, mas elucida uma base em constante transformação.
Em suma, "Dogma e dogmatismo, portanto, revelam a
tendência a enuclear-se em torno das idéias de teoria assente ou práxis
obrigatória, amparadas no argumento da autoridade [e agora já é possível
repensar historicamente o argumento de autoridade a partir do fundamento
teológico medieval e a crença na ratio scripta] ou na determinação do
poder, sem qualquer apoio em experimento ou demonstração". [49]
Todavia, não há uma continuidade histórica, pois o argumento de autoridade não
permaneceu imutável. Há uma realocação do absoluto, do dogma. O que antes se
prendia a argumentos teológicos hoje se prende a idéia de discurso competente
da ‘dogmática’.
O problema em questão, entretanto, não é apenas teórico.
Sob a benção da dogmática tradicional, ligada aos interesses dos donos do
poder, se atua com o argumento da verdade. "O paradigma da moderna
dogmática jurídica forja-se sobre proposições legais abstratas, impessoais e
coercitivas, formuladas pelo monopólio de um poder público centralizado (o
Estado), interpretadas e aplicadas por órgãos (Judiciário) e por funcionários
estatais (os juízes)". [50]
A História perpassa veloz nos momentos de perigo. O que
observamos na atualidade é a cristalização da dogmática jurídica, inclusive a
partir de sua utilização nas teorias ‘críticas’ do Direito. O apelo, em certo
ponto ingênuo (ou não?), a mera concretização do ordenamento posto não se
coaduna com a luta dos oprimidos pelo sistema social. É preciso mais, além de
implementar o ordenamento, quando coerente com a realidade, é preciso resgatar
a dialética do Direito. Afinal, ater-se ao Direito posto é ater-se a História
dos vencedores e sua dominação. Por isso, o dogma não se presta a transformação
social. Enquanto jusnaturalismo, órfão de mãe (História); enquanto positivismo,
pai adotivo de Brutus (lei positiva).
Em Gramsci já era possível encontrar o caminho para a
construção de um Direito crítico, para o mestre italiano: "A concepção do
direito deverá ser libertada de todo resíduo de transcedência e de absoluto
(...)". [51]
De igual sorte, Lyra Filho não fica apenas na contestação
ao controle do Direito pela classe dominante, ele adentra as estruturas de
dominação a fim de entender a ideologia utilizada pela classe dominante. A
libertação dos resquícios de transcendência e de absoluto começa em Lyra Filho
com a superação do dogma: "O poder burguês, em nosso tempo, se resguarda
pelos dogmas, que, mesmo quando as contradições da superestrutura levam a
doutrina, a jurisprudência ou até a lei a dar certa flexibilidade ao esquema
jurídico-positivo, de toda sorte permanece dentro do marco infra- estrutural do
modo de produção capitalista". [52] Identifica na ciência
jurídica tradicional enormes distorções. "Esta não é ciência (porque
ciência não tem dogmas e, mesmo quando versa sobre ‘dogmas’, não pode
recusar-se a problematizá-los); não é, tampouco, do Direito (porque nos
apresenta um Direito capado); nem é sequer uma dogmática moderna (porque até os
que lidam com dogmas religiosos estão tratando de interpretá-los evolutivamente
(...))". [53] Enfim, Lyra Filho contesta a ciência jurídica que
sustenta atrocidades em nome do Direito. [54]
Diríamos até que, se o Direito é reduzido à pura
legalidade, já representa a dominação ilegítima, por força desta mesma suposta
identidade; e este ‘Direito’ passa, então, das normas estatais, castrado, morto
e embalsamado, para o necrotério duma pseudociência, que os juristas
conservadores, não à toa, chamam de ‘dogmática’. Uma ciência verdadeira,
entretanto, não pode fundar-se em ‘dogmas’, que divinizam as normas de Estado,
transformam essas práticas pseudocientíficas em tarefa de boys do
imperialismo e da dominação e degradam a procura do saber numa ladainha de
capangas inconscientes ou espertos. [55]
Superar o dogmatismo enquanto método (pseudo) científico
[56] é tarefa da teoria crítica do Direito. "O dogmatismo é a
esclerose teórica; seu equivalente prático é a inquisição, sempre disposta a
culminar em violência, que vão do temor infundido à força, erguida pelos
‘justiceiros’. Esta, a suprema irrisão da espada maniquéia, levantada para um
simulacro de Justiça". [57] "(...) Um dogmatismo é uma
tese aceita às cegas, sem crítica, sem levar em conta as condições de sua
aplicação. O dogmatismo é característico de todos os sistemas que defendem o
caduco, o velho, o reacionário e combatem o novo, o progressista".
[58]
Se o momento de perigo, consubstanciado nesse apego ao
dogmatismo, fez necessária a interpelação do passado histórico, foi para dizer
o seguinte: o dogma jurídico, e a noção de autoridade nele contido, nasce
aliado ao momento histórico pré-moderno; porém, a modernidade – anacronicamente
– não o elimina, ao contrário, mitifica-o, "acumula ruína sobre
ruína". O Direito é reduzido à abstrações, desapegadas da realidade
concreta – um perigo cuja crítica (histórica) não está disposta a perpetuar.
Por isso, a defesa acritica (e incondicionalmente) do
ordenamento jurídico posto (defendendo uma democracia de papel) e dos
conseqüentes comentários da dogmática mostra-se tarefa alheia ao passado
oprimido. A autoridade do discurso competente da dogmática serve apenas como
engodo para que se beatifique a opressão – na prece dos donos do poder. A
teoria crítica começa na desabsolutização da dogmática e, principalmente, dos dogmáticos,
os quais ainda acreditam ser a rainha de copas do mundo de Alice no país das
maravilhas.
6. Notas
01 MARCONDES, Danilo. Iniciação à História
da Filosofia – dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6a ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 233-234: "Denomina-se ‘Escola de
Frankfurt’ o grupo de intelectuais, sociólogos, filósofos e cientistas
políticos que se reuniram em torno do Instituto de Pesquisas Sociais fundado em
Frankfurt em 1924. (...) Os pensadores da Escola de Frankfurt procuraram desenvolver
uma teoria crítica do conhecimento e da sociedade inspirados na obra de Marx e
em suas raízes hegelianas, relacionando o marxismo com a tradição crítica
moderna. O principal aspecto dessa crítica diz respeito à racionalidade técnica
e instrumental que teria dominado a sociedade moderna com a Revolução
Industrial. (...) Contra essa tendência, dominante em nossa época, é necessário
desenvolver a razão emancipatória, com base na crítica da dominação e em nome
da comunicação e do consenso entre indivíduos racionalmente livres."
02 MARCONDES, Danilo. Op. Cit., p. 234.
03 SCHLESENER, Anita Helena. Introdução a
Walter Benjamin: o Moderno e a História. In: A Escola de Frankfurt no
Direito. Curitiba: EDIBEJ,
1999, p. 63-64.
04 Ibid., p. 65.
05 BENJAMIN, Walter. Magia e
técnica, arte e política [trad. Sérgio Paulo Rouanet]. 3a ed.
São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 225.
06 SCHLESENER, Op. Cit., p. 68.
07 SCHLESENER, Op. Cit., p.68.
08 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto
do Partido Comunista [trad. Pietro Nasseti]. São Paulo: Martin Claret, 2002,
p. 48.
09 BENJAMIN, Op. Cit., p. 226.
10 Para FONSECA, Ricardo Marcelo. Walter Benjamin, a
Temporalidade e o Direito. In: A Escola de Frankfurt no Direito. Curitiba:
EDIBEJ, 1999, p. 80: "A tarefa de fundar uma nova temporalidade tem um
duplo aspecto: um teórico – na medida em que visa suplantar uma concepção de
conhecimento histórico que na verdade se afasta cada vez mais da realidade
passada que pretende estudar – e político – na medida em que a ruptura com a perspectiva
historiográfica tradicional significa romper com a própria perspectiva dos
dominadores e com a História dos vencedores."
11 FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e
Contrato de Trabalho – do Sujeito de Direito à Sujeição Jurídica. São
Paulo: LTr, 2002, p. 26.
12 BENJAMIN, Op. Cit., p.232.
13 FONSECA, Ricardo Marcelo. Walter
Benjamin (...), p. 81.
14 BENJAMIN, Op. Cit.,
p. 224.
15 FONSECA, Ricardo Marcelo. Walter Benjamin
(...), p. 81
16 BENJAMIN, Op.Cit., p. 225.
17 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica
e(m) Crise – uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 4aed.
rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 34.
18 Ibid., p.35.
19 Termo cunhado por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,
Apud STRECK, Lênio Luiz. Op. Cit., p. 70.
20 FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e
Contrato de Trabalho – do Sujeito de Direito à Sujeição Jurídica. São
Paulo: LTr, 2002, p.30-31.
21 HESPANHA, Antônio Manuel. História das
Instituições. Coimbra: Livraria Almedina, 1982, p.205-206.
22 Aliás, segundo pondera MARCONDES, Danilo. Iniciação
à História da filosofia, p. 140, a própria noção que se tem de moderna nos
coloca essa característica, pois "duas noções fundamentais estão,
entretanto, diretamente relacionadas ao moderno: a idéia de progresso,
que faz com que o novo seja considerado melhor ou mais avançado do que o
antigo; e a valorização do indivíduo, ou da subjetividade, como lugar da
certeza e da verdade, e origem dos valores, em oposição à tradição, isto é, ao
saber adquirido, às instituições, à autoridade externa".
23 Conforme elucidação trazida por MARCONDES,
Danilo. Op. Cit., p. 116: "É, portanto, apenas em torno dos
sécs.XI-XII que assistimos ao surgimento da assim chamada ‘escolástica’, como
ficou conhecida a filosofia medieval a partir de então. Este termo designa, de
modo genérico, todos aqueles que pertencem a uma escola ou que se vinculam a
uma determinada escola de pensamento e de ensino. Passou a significar também,
por esse motivo, um pensamento filosófico que compartilha a aceitação de certos
princípios doutrinários comuns, os dogmas do cristianismo que não deveriam ser
objeto de discussão filosófica, embora na prática essa discussão não tenha
deixado de acontecer."
24 HESPANHA, Antônio Manuel. Op. Cit., p. 206
25 Ibid., p. 207-209.
26 Cf. HESPANHA, Antônio Manuel. As vésperas
do Leviathan, p. 301-302: "Iurisdictio é, antes de mais, o acto de
dizer o direito – ‘iurisdictio – escreve Irnério – est potestas cum necessitate
iuris redendi equitatisque statuendae’ ao passo que, na terminologia política
alto-medieval, a linguagem do poder se organiza em torno dos núcleos
iudicare/iudicari".
27 Cf. Ibid., p. 308.
28 Segundo HESPANHA, Antônio Manuel. Justiça
e Litigiosidade: História e Prospectiva, p. 395: "A justiça era,
portanto, um domínio de actividade do poder. Não apenas, porém, um domínio de
actividade ao lado dos outros, compreendidos nas esferas ‘económica’ ou
‘política’. Mas antes um domínio que é suscetível de cruzar todos os outros,
de, uma palavra, sobredeterminar todos os outros, desde que estes colidissem
com iura radicata. Numa sociedade em que uma enorme gama de situações sociais,
políticas, simbólicas, eram configuradas como direitos adquiridos, o âmbito da
justiça era, então, vastíssimo. Para além de que, um vez estabelecida certa
situação por um acto gracioso, econômico ou político, ela se consolida num
direito e não pode voltar a ser modificada senão da justiça. Com isto, a esfera
de descricionariedade do poder – o seu domínio econômico ou político – vai sendo
progressivamente ocupada por uma actividade vinculada aos critérios da
justiça".
29 Sobre o aparecimento do sujeito de direito
na modernidade cf. FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e Contrato de
Trabalho (...), p.72-76.
30 HESPANHA, Antônio Manuel. História (...),
p. 211.
31 Ibid., p.212-215.
32 HESPANHA, Antônio Manuel. As vésperas
(...), p. 301-303.
33 HESPANHA, Antônio Manuel. História (...),
p. 215-216.
34 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de
Alice: O social e o político na pós-modernidade. 3ª ed. São Paulo: Cortez,
1997, p. 76.
35 A ciência (européia) do direito propriamente
dita nasce em Bolonha no século XI "Nas últimas décadas do séc. XI
começou, provavelmente em Bolonha, a recensão crítica do Digesto
justinianeu que, conhecido por littera Bononiensis (Vulgata Digesto), se
havia de transformar no texto escolar básico do ius civile
europeu". WIEACKER, Franz. História do Direito Privado moderno.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [S.D.], p. 39.
36 Essa fundamentada numa redescoberta metodológica, a
filosofia de Aristóteles e a analítica.
37 "A vida econômica não teria precisado
do direito romano (como se prova pelo exemplo das ao mesmo tempo florescentes
cidades da Flandres)". WIEACKER, Franz. História do Direito Privado
moderno, p. 40.
38 "O Corpus juris civilis é, ao
contrário, uma coletânea de leis anteriores; mesmo o Digesto (uma de
suas quatro partes) não é de fato um código, mas antes uma antologia jurídica,
sendo constituído por trechos (ditos ‘fragmentos’) dos principais
jurisconsultos romanos, distribuídos por matéria e geralmente ligados entre si
e adaptados às exigências da sociedade bizantina pelo sistema das
‘interpelações’ (isto é, acréscimos, modificações ou cortes feitos pelos compiladores)".
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito.
(tradução Marcio Pugliese, et alii). São Paulo: Ícone, 1995, p. 64.
39 "I guai cominciano con la dinamica dei
secoli XI-XII, con la complessità, con l´´esigenza di edificazione di un
diritto Che, senza tradire i fatti, fosse sopraordinato ai fatti e li ordinasse
in schemi universali". GROSSI, Paolo. L’ordine giuridico medievale.
[S.D.]: Editori Laterza,
2003, p. 155. Tradução livre: "As dificuldades começam com a
dinâmica dos séculos XI-XII, com a complexidade, com a demanda de construir de
um direito que, sem trair os fatos, fosse além dos fatos ordinários e que se
organizasse em esquemas universais".
40 Lembre-se que no período medieval a igreja
controlava o conhecimento e seu acesso, portanto a criação do studium civile,
escola de direito profana, foi algo extremamente inovador para o
desenvolvimento do direito.
41 O trivium consistia em um dos
conjuntos de disciplinas que orientavam as universidades medievais. consistia no
estudo da Gramática, da Retórica e da Dialética.
42 WIEACKER, Franz. História do Direito
Privado moderno, p. 43.
43 WIEACKER, Franz. História do Direito
Privado moderno, p. 48.
44 Ibid., p. 54.
45 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico:
lições de filosofia do Direito, p.22-3.
46 Essa distinção é freqüente, principalmente,
entre aqueles juristas ligados ao movimento de Direito Altermativo. Vide:
CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Alternativo: teoria e prática. Porto
Alegre: Síntese, 1998, p. 53; STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m)
Crise – uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 4aed.
rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 235; CLÉVE,
Clemerson Merlin. Uso alternativo do direito e saber jurídico alternativo.
In: ARRUDA Jr., Edmundo Lima de (org); et alii. Lições de
Direito Alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1991, p. 107.
47 LYRA FILHO, Roberto. Humanismo Dialético.
In: Direito e Avesso. Brasília, Ano II, nº 3: p. 15-103, Jan-Jun de
1983, p. 34.
48 Ibid., p. 34.
49 LYRA FILHO, Roberto. Para um Direito sem
Dogmas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1980, p. 12.
50 WOLMER, Antonio Carlos. Pluralismo
Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3ª ed. São Paulo:
Editora Alfa-Omega, 2001, p. 69.
51 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e
o Estado moderno. (Trad. Luiz Mário Gazzaneo). Rio de Janeiro: Editora
civilização brasileira, 1968, p.96.
52 LYRA FILHO, Roberto. Para um Direito sem
Dogmas, p. 24.
53 LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar
Direito, hoje? Brasília: Edições Nair Ltda, 1984, p. 09.
54 "Estou pensado naquele juiz que como
qualquer máquina, qualquer computador, diante de uma petição de uma ação
possessória, onde lhe pedem, não importa o que argumentaram, uma liminar e ele
concede essa liminar. Em seguida ele se transforma num irmão gêmeo daqueles
cientistas que produziram a bomba atômica: na semana em que ele concedeu essa
liminar e em função de se tentar cumpri-la, morreram, pelo menos treze
pessoas". PRESSBURGUER, Miguel. Estágio e extensão nos cursos
jurídicos: Assessoria Jurídica e Assistência Judiciária. In: Anais
Seminário Nacional de Ensino Jurídico, Cidadania e Mercado de Trabalho.
Curitiba: Gráfica Linarth, 1996, p. 59.
55 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito?
11ª ed. São Paulo: Editora brasiliense, 1984, p. 10-1.
56 No ensino jurídico: "O dogmatismo é a
outra característica do modelo central de ensino jurídico. Ao estruturar o
conhecimento através de pontos inquestionáveis, criam-se limites não só à
aplicação do direito, mas ao aprendizado mesmo. Limita-se o conhecimento do
direito porque o ensino dogmático ignora as contradições da realidade e impede
a construção de novas e possíveis soluções para os conflitos". CORTIANO
JUNIOR., Eroulths. O Discurso Jurídico da propriedade e suas rupturas: uma
análise do Ensino do Direito de propriedade. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2002, p.202.
57 LYRA FILHO, Roberto. Desordem e processo:
um posfácio explicativo. In: LYRA, Doreodó Araujo (org.). Desordem
e Processo: estudos sobre o Direito em homenagem a Roberto Lyra Filho.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 294.
58 LYRA FILHO, Roberto. Para um Direito sem
Dogmas, p. 12-3.
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