juiz
de direito em Parnaíba (PI), escritor
I - Introdução
Sabe-se que a lei, por excelência, é a fonte do
Direito... Mas o Direito, também, nasce do costume, que nada mais é senão as
práticas e usos comuns do povo.
Analisaremos alguns aspectos interessantes desse tema:
quando o costume é saudável e quando ele é péssima lição de vida; quando a lei
é boa para o povo e quando ela agride o povo e seus costumes.
II - Lei
De modo genérico, lei é força. Força que obriga
acontecer algo na natureza, ou força que obriga seres humanos a procederem
desta ou daquela maneira. Grosso modo, existem duas categorias de leis: as
naturais e as humanas. As primeiras, criadas pela ordem natural das coisas; as
últimas, pela inteligência humana. Aquelas regem o Universo; estas regem as
relações de convívio pacífico entre os homens. A lei, qualquer que seja ela,
visa à harmonia. Senão vejamos: todas as leis da Natureza convergem para um
lugar comum: a harmonia perfeita do Universo. Tudo na Natureza tem uma razão de
ser e uma utilidade. O que é aparentemente nocivo à vida (humana, animal ou
vegetal), investiguemos, haverá de ter - e tem! - uma utilidade; até para que
dessa aparente nocividade desabroche a bonança e o pronto restabelecimento da
harmonia.
Mas, tratemos da Lei dos Homens.
Para que a harmonia paire, serenamente, sobre a
Terra... É para isto que existem as leis. O homem é inteligente: inova,
modifica, cria... destrói! O produto de sua inteligência pode levar ao que é
saudável e ao que é nocivo a ele próprio, ao grupo a que pertence, à Humanidade
e à Natureza. Assim, é que o próprio homem teve de inventar a lei: para reger
suas próprias ações ou omissões, de modo a canalizá-las para a harmonia social
e, conseqüentemente, para a harmonia universal. O homem, com sua poderosíssima
inteligência - que é a sua força incomensurável -, poderia interferir na ordem
natural das coisas... Antes que tal acontecesse, por obra e graça da Natureza, ele
- o homem - inventou a lei, que, no fundo, é instrumento da paz social, da
harmonia, da felicidade. Eis a essência da lei!
Mas... e na prática, o que é a lei?
GAIUS a definiu: "A lei é aquilo que o povo ordena
e constitui."(1) Já deixamos claro que a lei busca a paz social. Logo, se
ela é uma ordem do povo, é uma ordem benéfica, pois o bem comum, a paz, a
harmonia é o que o povo quer para si. Agora vejamos, de forma mais precisa, do
ponto de vista jurídico, o que vem a ser a lei. Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, lei é
"a ordem geral obrigatória que, emanando de uma autoridade competente
reconhecida, é imposta coativamente à obediência geral(2)".
Essa autoridade competente a que se refere o
jurisconsulto é o próprio povo, politicamente organizado. Vale dizer:
legitimamente representado. Por uma questão meramente racional e lógica, o povo
se faz representar: pinça do meio de si alguns indivíduos e incumbe a estes a
tarefa legiferante. Opera-se como que um pacto seriíssimo e solene. O
legislador, que é o indivíduo humano escolhido, agirá em nome do povo e
elaborará a lei. Para buscar e garantir a harmonia social, a felicidade geral
de todos, leis têm de ser feitas e cumpridas. O conjunto de todas essas leis, a
que se chama ordenamento jurídico, é que governa o povo. Governar é guiar;
buscar o bom caminho, a satisfação material e a satisfação espiritual. Os seres
humanos - e o seu conjunto é o povo - buscam subida, elevação, felicidade. Mas
o governo das leis é, também, punir! O povo se auto-governa através das leis.
Logo, o povo se pune a si próprio, de livre e espontânea vontade. Eis a verdade
sobre a lei: ainda que seja para punir, castigar, se é a vontade do povo, é lei
verdadeira! E, via de conseqüência, absolutamente necessária como instrumento
que leva à paz social e à felicidade geral. Assim é que não se pode falar em
lei sem levar em conta o seu conteúdo sociológico. A lei "é um resultado
da realidade social. Ela emana da sociedade, por seus instrumentos e instituições
destinados a formular o Direito, refletindo o que a sociedade tem como
objetivos, bem como suas crenças e valorações, o complexo de seus conceitos
éticos e finalísticos."(3) O povo caminha sobre a terra com objetivos
claros e determinados: querendo ir para a frente, para o alto, para o mundo da
bonança e da felicidade. A lei é como que o plano de metas do povo, que leva a
esse desiderato. Traçar o plano, eis a questão! Más leis ou boas leis - uma
questão de erro ou acerto.
Porém, algo inusitado chama-nos a atenção: feita a lei,
ela é imposta à obediência geral. Pois bem: e se se cuida de uma lei má, que
não espelha a realidade social e não busca os objetivos verdadeiros do povo? O
julgador, aquele indivíduo a quem o povo incumbiu a missão de aplicar a lei, e,
por conseguinte, aplicar o Direito, e restabelecer a paz e a harmonia, é que
viverá esse grande dilema. Afinal, tal lei representa ou não representa o
Direito? Para solucionar o conflito que se lhe apresenta à frente, capaz de
abalar a harmonia entre os homens e comprometer os objetivos de todo o povo, um
juiz - que não pode ir além do que lhe foi confiado, felizmente, ao seu dispor,
não tem apenas a lei, que é a meta. Tem todo o plano, que é o Direito. Por isso
que o juiz cumprirá a sua parte nessa melindrosa operação de promover o
restabelecimento da paz social e da harmonia sobre a Terra, aplicando o Direito
como um todo, que é o mesmo que aplicar a Justiça. Pois: "O Direito é mais
que um agregado de leis. É o que torna as leis instrumentos vivos da
Justiça".(4)
III. Costume
Fizemos alusão à boa lei e à lei ruim. E o costume?
Haveria o bom costume e o mau costume?
Primeiramente, vejamos o que seja o costume. FERRARA,
citado por HERMES LIMA, assim o conceitua: "é um ordenamento de fatos que
as necessidades e as condições sociais desenvolvem e que, tornando-se geral e
duradouro, acaba impondo-se psicologicamente aos indivíduos."(5)
- Julga! Garante ou restabelece a paz social! - eis o
que ordena o povo ao juiz. E completa: - Usa apenas o Direito! Vale dizer:
Faça-se Justiça!
Nada obstante seja a lei a principal fonte do Direito,
este emerge, também, do costume do povo, das lições dos doutores(doutrina), da
analogia, da jurisprudência e dos princípios gerais. Justiça é um sentimento. O
povo sente-se, racional e espiritualmente, realizado e feliz diante de
determinadas situações fáticas. Frisamos: ‘racionalmente’! Sim, porque o povo
pode em determinadas situações passageiras perder o controle do raciocínio. E
aí não há falar-se em Justiça, posto que esta sublime virtude mora no mundo da
inteligência e da razão.
O Direito, então, há que levar em consideração este
importante componente: o costume do povo, que são práticas usuais tornadas
regras no meio social.
O nosso ordenamento jurídico consagra o acolhimento de
tais regras não-escritas quando, diante do caso concreto, a lei não for
satisfatória, de modo a proporcionar um julgamento justo, aquele que vá ao
encontro do bem-estar social, da paz, da harmonia. A propósito, diz o art. 4º,
da Lei de Introdução ao Código Civil: "Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito." Mas, se o Direito amplia-se, evolui, alcança progressos - e
disto não se duvida -, é porque, necessariamente, ocorrem inovações em suas
fontes. A vontade do povo, corporificada em leis escritas ou em regras de
convivência pacífica não-escritas, segundo o fluir dos tempos, pode mudar. Tudo
o que há sob o sol se transforma - eis uma verdade inconteste! Logo, é forçoso
reconhecer que o costume, sendo a exteriorização mais atual da ordem do povo, é
a fonte do Direito que melhor espelha essa evolução ou mudança. Não é sem razão
de ser, pois, que o julgador, diante de intrincadas questões, socorre-se do
costume do povo, que é Direito vivo, para julgar com Justiça. A lei, que é
regra escrita, parada no tempo, pode não mais se adequar à realidade atual,
revelando-se impotente como instrumento de pacificação social. No Brasil, que é
nação nova, que luta contra a corrida do tempo em busca de progressos, essas
regras de convivência que objetivam o Bem Comum se renovam, se ampliam de
maneira inusitada. Por isso é que o nosso ordenamento jurídico recomenda o
julgamento justo, em qualquer circunstância, ainda que tenha o julgador de
valer-se do Direito não-escrito; vale dizer: do costume do povo.
Mas o julgador, como o legislador, não é qualquer um: é
indivíduo pinçado do meio do povo - é bem verdade -, mas com atributos morais,
éticos e científicos satisfatórios para desincumbir-se do seu mister - o de
operar o Direito e realizar a Justiça - com a mais absoluta desenvoltura. Assim
não procedendo, não será julgador autêntico, verdadeiro. O Direito lhe fugirá
das mãos e a Justiça passará de largo.
IV - Conclusão
Convém refletir: Não sendo boa a lei?... Não sendo
saudável o costume?... Bem, leis corroídas pelo tempo ou leis novas elaboradas
à revelia da vontade geral do povo não são leis boas; não representam o bom
Direito e, portanto, não bastam, por si sós, para a realização da Justiça. O
sentimento de Justiça, posicionado no tempo, há que ser proporcionado por
regras escritas que exteriorizem a vontade geral do povo naquela exata quadra
de tempo. A justiça de antanho nem sempre será a justiça de hoje. Assim, é que
leis há, no Brasil, corroídas pelo tempo e que não mais se prestam ao papel de
representar o Direito. Este, sim, que é sempre contemporâneo, atual! Pois
nasce, se conserva e se renova nos atos humanos, nas relações socias, que por
sua vez se transformam, se ampliam, multiplicam-se.
Por outro lado, o velho costume, esquecido,
desprezado... bem como as práticas e usos irracionais, beligerantes ou de mau
gosto... isto não pode representar o Direito, que é instrumento da Justiça.
Frisamos linhas atrás que o povo, envolto em determinadas circunstâncias e no
curso de determinada fração de tempo, pode não saber o que faz. Logo, o
sentimento coletivo, assim comprometido pela irracionalidade e mesmo pela
desinteligência, pode não ser capaz de divisar a Justiça, esta, a virtude sublime
garantidora da harmonia sobre a Terra.
Costume, como expressão do Direito, a ser considerado
pelo julgador no ato de solucionar o conflito, é aquele que se expresse em
sadia mensagem para o futuro e que represente, na atualidade, a ordem racional
do povo.
Se existe o Povo, existe o Direito!... Que está nas
regras escritas ou nas regras não-escritas. O julgador, indivíduo a quem o povo
confia a melindrosa tarefa de solucionar o conflito e restabelecer ou garantir
a harmonia entre os homens, deve, antes de tudo, ter a capacidade de buscar na
fonte o Direito. Bem, aplicá-lo ao caso concreto... é julgar com Justiça.
Notas
1. in DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, ed.
univ.,3ª edição, vol. III-IV,Forense, p. 62.
2. Idem. Ibidem.
3. MIRANDA ROSA. Apud João Baptista Herkennhoff.
Direeito e Utopia. Editora Acadêmica, 1993, p. 20.
4. RASCOE POUND. Apud SÉFORA SCHUBERT GELBECKE e outra.
Frases Jurídicas. Juruá, 1999, p. 37.
5. Introdução à Ciência
do Direito. Freitas Bastos, 25ª edição, p. 47.
Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2113