A linguagem no Direito:
análise semântica, sintática
e pragmática da linguagem jurídica
advogado, professor da PUC/SP,
Uniban e Faculdades Integradas de Jaú,
mestrando pela PUC/SP,
especialista em Direito Empresarial pela
Università Degli Studi di Bologna
(Itália)
PRIMEIRA PARTE – ANÁLISE SEMÂNTICA
I - Introdução:
Dois dos ramos mais importantes da lingüistica tratam
diretamente das palavras: a etimologia, que é o estudo da origem das palavras,
e a semântica, que é o estudo do significado das palavras.
Das duas, a etmologia é uma disciplina já enraizada e a
muito difundida, enquanto que a semântica é relativamente recente. A
especulação feita em torno da origem das palavras teve especial importância na
antiga filosofia grega, em particular, a importante cotribuição de Platão, em
seus estudos intitulado Crátilo.
Havia duas escolas de pensamento rivais: os naturalistas,
que acreditavam existir uma relação intrínseca entre o som e o sentido, e os
convencionalistas que sustentavam ser a relação puramente arbitrária. Quando,
no século I, antes de Cristo, Varrão codificou a gramática latina, considerou a
etimologia como uma das três principais divisões dos estudos lingüísticos, ao
lado da morfologia e da sintaxe.
Sendo certo que os métodos etimológicos, até ao século
XIX, continuaram a não ser científicos, mas o próprio contributo etmológico
manteve sempre uma posição chave no estudo da linguagem. Até muito mais tarde,
não se sentiu a necessidade de uma ciência autônoma do significado: foi apenas
no século XIX que a semântica como uma divisão importante da lingüística,
surgiu e recebeu seu nome moderno.
Não significa, contudo, dizer que os Antigos fossem
indiferentes aos problemas do significado. Fizeram várias observações acerca do
emprego e do sentido das palavras e mencionaram diversos aspectos fundamentais
da mudança semântica.
O estudo moderno da linguagem(1), tendo por meta os
níveis de investigação, necessariamente passa pela abordagem dos signos
lingüísticos que, como menor unidade de qualquer sistema de linguagem
corresponde a base do trabalho de hermenêutica.
Os signos como unidades de qualquer sistema lingüístico,
estão presentes independentemente da forma pela qual se expressa a comunicação.
Na linguagem do direito, enquanto normas de conduta, posto não ser admitido em
nosso sistema a constituição de regras jurídicas através da simples
verbalização, se apresentam, na maioria das vezes, na forma escrita,
representando pelas leis latu sensu e pelas decisões judiciais.
Enquanto considerado não só como regras de conduta, mas
em toda sua amplitude, incluindo-se neste particular os atos praticados com
respaldo na faculdade de agir conferida pela lei ou para dirimir a solução dos
conflitos, os signos lingüísticos também se apresentam verbalmente, fatos que
ocorrem com maior freqüência no direito processual, através da sustentação oral
dos advogados nos tribunais, da inquirição das testemunhas, no apregoamento das
partes para ter início a audiência e em muitos outros atos praticados no
decorrer do processo e que exteriorizados são registrados para fins de prova
sua concretização.
Por outro lado, em que pese a semelhança dos signos com a
palavra escrita ou verbal, este não corresponde e não se confunde com esta,
tendo em vista que corresponde a menor unidade de um sistema de linguagem,
estando presente em qualquer meio de comunicação, mesmo através da mímica, onde
o diálogo é mantido através de gestos efetuados entre os interlocutores,
correspondendo a verbalização ou escrituração as formas possíveis que se
revestem.
Para a completa compreensão dos signos na estrutura da
linguagem, deve-se ter em mente que é uma entidade lógica, dotada de suporte
físico, correspondente a matéria concreta pela qual se exterioriza, um
significado que é o seu equivalente no mundo exterior e uma significação, que é
a idéia ou noção que elaboramos em nossa mente do objeto representado.
Quanto ao significado, este encontra-se intimamente unido
ao suporte físico, sendo seu correspondente no mundo exterior, tomando-se por
base direito como sistema de linguagem enquanto ciência, não se restringe este
apenas ao texto da lei, mas a todo estudo tendo por temática a interação do
homem na sociedade, correspondendo a todo e qualquer objeto de existência
concreta ou imaginária, presente ou passado, de produção natural ou artificial.
II - Análise Semântica:
A semiótica distingue três planos de investigação dos
signos lingüísticos, a análise semântica, a sintática e a pragmática.
Na análise semântica, o campo de estudo é o vínculo do
signo com a realidade que exprime, onde o objetivo da investigação é procurar
destacar dentre diversos possíveis, o significado correto dos signos,
distinguindo e eliminando os demais que a ele se encontram associados,
procurando extrair ao máximo toda a imprecisão natural dos termos, na maior
parte oriundos da linguagem natural.
Desta forma, a análise semântica de qualquer dispositivo
legal, implica na busca de sua conotação e denotação, primeiramente para
estabelecer a relação dos termos por ela empregados alcançando o conjunto de
objetos que representa, ou seja, delimitando sua extensão.
A denotação, por sua vez, surge posteriormente à
conotação a medida que passamos a predicar, a determinado termo, conjunto de
propriedades que o distingue dos demais.
Sob o aspecto semântico, as palavras (termos ou
expressões lingüísticos) são consideradas em sua dimensão de referência à
realidade; busca-se, assim, o sentido ou significado dos símbolos. Ou seja,
investiga-se a parcela da realidade representada pelas palavras. Nesse
contexto, o termo "mesa" significa determinado objeto plano, a certa
altura do chão.
As imprecisões naturais, acima descritas, podem, como já
foi dito, estarem relacionadas à conotação(2) (ambigüidade) ou à denotação(3)
(vagueza). Considerando-se que as normas jurídicas são expressas através de
orações ou enunciados, na atividade interpretativa das mesmas, é raríssimo
deparar-se com ambigüidades, porquanto os termos jurídicos (palavras ou
expressões) virão sempre contextualizados. (4)
Por outro lado, a interpretação das normas jurídicas, não
poucas vezes, enfrenta termos e expressões vagos, ou seja, depara-se com
palavras denotativamente imprecisas.
Cabe lembrar, também, que os principais trabalhos exclusivamente
semânticos, na linguagem do direito, são dicionários técnicos que procuram
estabelecer o significado dos signos lingüísticos, informando os diversos
significados que estão agregados aos termos jurídicos.
Contudo, evidente que a semântica na linguagem do direito
não se restringe apenas a dicionários técnicos jurídicos, podendo-se até
afirmar que trabalhos dessa natureza decorrem da dinâmica do direito,
representando pela constante instituição de leis e com estas, novos termos para
representar os fatos sociais e os objetos jurídicos tutelados, bem como, pela
própria jurisprudência que progressivamente vai estabelecendo a definição de
determinados termos integrados a linguagem do direito.
Não raro, observa-se que determinados textos legais
procuram definir o significado dos signos lingüísticos empregados, realizando a
própria lei um trabalho semântico, prática que, embora seja defendida por
alguns, outros de forma vêemente condenam, por entender que a partir do momento
que o texto normativo passa a definir o alcance dos signos utilizados estará
restringindo sua extensão não só no espaço como também no tempo, restringindo o
exercício de interpretação.
Face as considerações de ordem interpretativa,
interessante e oportuno, a menção ao campo de aplicação dentro do direito. Com
a promulgação do Código Civil Francês, também conhecido como Código
Napoleônico, em 1.804, a aplicação do direito passou a ser vista como um
procedimento lógico-formal. Trata-se da continuidade de uma tradição dos
séculos XVI, XVII e XVIII: a idéia de sistema como um método, como um
instrumento metódico do pensamento sistemático do direito. A esta
característica é que se liga, segundo o Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr., o
chamado procedimento-construtivo e o dogma da subsunção. (5)
As limitações do positivismo jurídico do século XIX
revelam-se, porém, quanto a dois aspectos básicos. Primeiramente, quanto à
insuficiência de estudos puramente sistemáticos e normativos no ensino jurídico
tradicional, eis que a aplicação do direito exige, conforme fez anotar Genaro
R. Carrió, o conhecimento de pautas de valores fundados na Economia,
Sociologia, Política e Antropologia, para mencionar apenas os ramos mais
importantes das ciências sociais vinculadas ao Direito.
Por outro lado, a aplicação do direito, enquanto decisão
jurídica de conflitos sociais, não pressupõe apenas um raciocínio de índole
formalista, fundado na Lógica Clássica; ao contrário, o mesmo encontra-se
intimamente vinculado a discursos que articulem valores, que não se confundem
com evidências racionais ou empíricas (pressupostos básicos da aplicação do
raciocínio silogístico dedutivo ou indutivo).
III - Conclusão:
A conclusão, finalmente, é de que na análise semântica
deve-se considerar cada objeto de estudo como um signo integrante da linguagem
do direito, quer corresponda a um termo jurídico, a um dispositivo de lei, ao
texto legal ou a todo ordenamento jurídico em sua totalidade.
Inobstante tal fato, a análise semântica, seja qual for o
signo que tenha por objeto, jamais pode ser efetuada isoladamente do contexto e
sua importância reside na possibilidade de eliminar a ambigüidade e imprecisão
que os termos de uma norma jurídica podem apresentar, permitindo alcançar a
exatidão que deve corresponder o direito enquanto sistema normativo,
constituindo em um dos instrumentos que podem possibilitar o alcance da certeza
que deve residir na aplicação da lei.
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SEGUNDA PARTE – ANÁLISE SINTÁTICA
I - Introdução:
A análise sintática, ao lado da semântica e da
pragmática, corresponde a outro plano de investigação dos signo lingüístico,
onde o ponto central de observação é sua relação com os demais que integram o
sistema.
Assim, tendo em vista o significado lingüístico contido
em determinado signo, ou seja, seu conceito através da análise semântica, a
investigação desloca-se para a relação formal como os demais integrantes do
sistema onde encontra-se situado, imperando, nesse particular, as regras de
sintaxe, representadas, sobretudo, pela gramática.
A razão fundamental é que os signos lingüísticos não são
utilizados ao acaso e de acordo com a conveniência do emissor, mas devem ser
obedecidas as regras convencionalmente estabelecidas para que, dispostos com
observância delas, seja possível não só ao emissor formular sua mensagem, como
também, ao receptor decodificar e apreender seu conteúdo.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a análise sintática no
trabalho da interpretação tem seu campo restrito à relação dos signos entre si,
sem se preocupar com o significado, situando-se apenas no plano formal do
sistema de linguagem.
Tendo em vista que na linguagem do direito, a expressão
oral é feita através da escrita, as regras a serem observadas são as
provenientes da gramática, procurando a investigação verificar se corretamente
foram empregados os termos dentro de uma proposição a nível de concordância
entre sujeitos, objeto, predicado, advérbios, e assim por diante, de acordo com
as regras vigentes para o idioma nacional.
Nota-se, portanto, que a semântica prescinde da sintática
a medida que, o emprego incorreto dos termos não só apresentam-se como erro
estético, como também impossibilitará a adequada interpretação do texto,
distanciando o emissor, involuntariamente, do sentido da mensagem que pretendia
transmitir.
II - Análise Sintática:
A análise sintática desmembra os elementos componentes de
uma "frase", examinando sua estrutura, dividindo "período"
em "orações", e estas nos seus termos essenciais, integrantes e
acessórios.
Assim, toda frase deve conter uma correta justaposição de
vocábulos, uma perfeita construção sintática, para que cumpra seu papel de
comunicação.
Sob o aspecto sintático, investigam-se os símbolos
lingüísticos formalmente considerados, quer em si mesmos, ou nas relações entre
si. Por exemplo, na frase: "A mesa é de madeira", do ponto de vista
da sintaxe interessa identificar morfologicamente cada palavra ("a" é
um artigo; "mesa" é um substantivo; "é" é um verbo, e assim
por diante). Além disso, é nesse contexto que se coloca a gramática, enquanto
regras formais a serem observadas na fala.
Conforme já dito, a respeito dos planos de investigações
básicos da semiótica (sintaxe, semântica e pragmática), tais partes não se
excluem, sendo separadas apenas sob o aspecto didático. Esta regra serve também
com relação à sintaxe e a lexicologia.
É da análise dos padrões frasais, que trata a parte da
gramática tradicionalmente chamada Sintaxe, ao lado da Morfologia, que
depreende os morfemas gramaticais e a sua integração nas unidades fixas
chamadas vocábulos.
Há que se ressaltar, a importância do estudo da forma das
frases que, conforme o Prof. Paulo de Barros Carvalho(6), se dá, basicamente,
nos quadros da sintaxe, podendo ser distribuída por três sub-capítulos: sintaxe
de concordância, de subordinação ou regência, e de colocação.
Alguns autores, apresentam seis classes de frases,
segundo sua forma, quais sejam: frases declarativas, interrogativas,
exclamativas (abrangendo as optativas e imprecativas) e as imperativas.
Contudo, deve-se observar, que nem sempre existe correspondência entre as
formas de frase e diversas funções que cumprem na comunicação humana, pois
estas não se prendem a formas determinadas.
A importância da sintaxe no discurso jurídico, pode ser
destacada a partir da elementar interpretação do conceito "direito".
A interpretação jurídica, que não se confunde com o mero
conhecimento sintático do texto legal, posto que dela se utiliza para o
conhecimento inicial do texto e, consequentemente, uma perfeita determinação do
sentido ou dos vários sentidos e alcance das expressões do direito, faz-se
necessária não somente aos textos obscuros, defeituosos, duvidosos, ambíguos,
envolvendo métodos científicos.
Nas disposições cujo sentido é o expresso na lei, o
trabalho é menor, mas existe sempre. Até porque a verificação de sua clareza,
pressupõe o uso preliminar da exegese. Ademais, o alcance de um artigo de lei
se percebe do confrontamento com outros artigos, isto é, se faz uso do método
sistemático.
Nota-se, portanto, que a sintaxe, como os demais níveis
de investigação da linguagem (semântica e pragmática), é ferramenta valorosa na
interpretação das proposições jurídicas normativas, máxime em si mesmas
(principalmente através do método gramatical) ou entre elas (basicamente pelo
método sistemático, em sentido amplo, abrangendo proposições normativas de um
mesmo diploma ou de outros diplomas, sempre dentro de um mesmo sistema
jurídico).
Segundo o Eminente Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr. (7),
que inclui de certa forma, parte da lexicologia(8) no tema da sintaxe, os
problemas sintáticos referem-se a questões de conexão das palavras nas
sentenças: questões léxicas; à conexão de uma expressão com outras expressões
dentro de um contexto: questões lógicas; e à conexão das sentenças num todo
orgânico: questões sistemáticas.
Quanto à questão léxica, o ilustre professor, acima
mencionado, afirma que parte-se do pressuposto de que a ordem das palavras e o
modo como elas estão conectadas são importantes para obter o correto
significado da norma, muito embora, por se tratar de uma linguagem natural,
dúvidas podem surgir.
Assim, a interpretação gramatical(9), é apenas o ponto de
partida, o instrumento de que se utiliza o jurista para a demonstração do
problema e não para resolvê-lo.
Ressalte-se a importância de determinadas partículas que
servem para interligar as proposições normativas e as partes constituintes de
uma proposição.
Segundo o Prof. Lourival Vilanova(10), as partículas lógicas
e, ou, se ... então, não se referem a nenhum objeto do mundo. Seu papel é
puramente sintático: o de relacionar proposições. Nem todas as partículas
gramaticais que têm papel sintático-gramatical têm relevância formal. Às vezes
são ambíguas; outras, abrigam várias funções de acordo com a estrutura
gramatical, ou, diferindo vocabularmante, têm significado equivalente (são
permutáveis por sinonímia).
Quanto à questão dos problemas lógicos, que exigem
interpretação lógica, entende o Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr, que parte-se do
pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as demais do
contexto são importantes para a obtenção do significado correto, embora possa
ocorrer o descumprimento do princípio lógico da identidade quando, num mesmo
diploma legal, usa-se o mesmo termo, em normas distintas com conseqüências
diferentes.
Referido professor, no que tange aos problemas de
compatibilidade, num todo estrutural da pressuposição hermenêutica, trata-se da
unidade do sistema jurídico do ordenamento, nunca se devendo isolar um
preceito, nem no seu contexto.
As questões relativas à constitucinalidade das normas
infra-constitucionais, são de ordem sintática, pois referem-se à
compatibilidade de normas jurídicas, dentro do sistema jurídico.
Observe-se, entretanto, que a atividade interpretativa
não se limita a extrair o sentido e o alcance da norma, mas eleger qual dos
sentidos ou das possíveis soluções é a mais adequada, útil ou justa para a vida
social, o que, evidentemente, pressupõe, além de uma análise sintática, uma
semântica e uma pragmática, do texto normativo.
Nesse sentido, merece destaque, conforme Anamaria
Löwenthal(11), seguindo M. Pêcheux, que as palavras, expressões, proposições,
mudam de sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às
formações ideológicas em que se inscrevem.
Portanto, o jurista, não pode assumir um papel meramente
sintático, na interpretação dos textos normativos. Não há, no nosso
entendimento, um jurista sintático, um semântico e outro pragmático, porque a
sintaxe, encontra seu complemento necessário na semântica, e esta na
pragmática. São facetas de uma mesma realidade.
Ademais, deve-se ressaltar que o direito não se resume a
proposições normativas, como artigos de lei, contratos e sentenças, sendo a
sintaxe um instrumento útil, também, para analisar as proposições descritivas
do direito.
Finalmente, outro aspecto que merece algum relevo, é o
que trata da análise sintática das proposições jurídicas. Diz respeito à forma
em que estas se apresentam (imperativas, declarativas...), muito embora como
afirmado anteriormente, as formas nem sempre correspondem às verdadeiras
funções da linguagem, fornecendo, apenas precários indícios sobre estas.
III - Conclusão:
Do acima exposto, conclui-se que a análise puramente sintática
dos signos da linguagem do direito somente ocorre quando se tem por base
determinado termo de uma norma jurídica, onde se pode simplesmente analisá-la,
tendo por critério as regras da gramática.
A partir desse plano, ao pretender-se efetuar análise
mais abrangente, tendo por campo de investigação uma norma em relação a lei ou
esta em face do ordenamento, a análise puramente sintática é extremamente
difícil, uma vez que é impossível a investigação da relação de uma norma com
outra, sem que seja primeiramente estabelecido os significados destas.
Nesse sentido, se coloca a teoria de Kelsen(12), somente
ocorrendo análise sintática se considerarmos que um signo da linguagem do
direito estará sintaticamente adequado com outro do sistema quando este for seu
fundamento de validade, enquanto observados os procedimentos nele estabelecidos
para instituição daquele e enquanto integrado ao sistema através de autoridade
com competência por ele delegada.
Entretanto, só não será considerada válida uma norma
jurídica se não forem observadas as regras concernentes ao processo legislativo
ou quando instituída por autoridade imcompetente sem se ater ao seu conteúdo
material, desconsiderando-se a força vinculante do ordenamento, o que seria
inaceitável.
Nesse sentido, a força vinculante implica a não aplicação
da teoria formal desenvolvida por Kelsen, pois ao se admitir a validade de uma
norma de conteúdo material oposto ao das que lhe são superiores, estaria-se
permitindo a instituição do caos na vida social.
Finalmente, isso não quer dizer que basta que a norma
tenha correspondência material com as que lhe são superiores, para terem
validade, mas acima de tudo, que sua validade reside também na observância tanto
da semântica quanto da sintática para que seja capaz de integrar o ordenamento,
impondo rejeição da norma não só quando formalmente não possua pressuposto de
validade, quando também seja contrária aos valores juridicamente tutelados.
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TERCEIRA PARTE – ANÁLISE PRAGMÁTICA
I - Introdução:
Hodiernamente o tema da análise pragmática, é de grande
relevância, tendo em vista as rápidas transformações sociais nas relações
jurídicas e o acesso a informação mundial, via internet, entre outras, pois sua
finalidade é fazer com que, após emitida uma mensagem, em determinada
linguagem, seja recebida e, conseqüentemente, entendida pelo destinatário.
A análise pragmática se utiliza basicamente da relação
existente entre os signos e as pessoas que deles se utilizam. É essencial para
que a comunicação possa surtir os efeitos desejados, ou seja, que o destinatário
compreenda, como já foi dito, a mensagem e tendo compreendido, possa repeti-la
nos exatos termos, sem que haja um desvio de sua real intenção.
II - Análise Pragmática:
Pragmática, cuja origem é grega pragmatikós, significa a
relação existente entre os sinais, estudos pela semiótica ou semiologia, com as
pessoas que se utilizam desses sinais. É a relação entre a pessoa que fala e o
que ela está falando. É, na verdade, o próprio uso da linguagem(13).
O Prof. Paulo de Barros Carvalho(14), interpretando Pierce
e Charles Morris, quando tratam de "Signo, Linguagem e Conduta",
destaca planos na investigação dos sistemas sígnicos, dentre eles, "o
pragmático, no qual se examina a relação do signo como os utentes da linguagem
(emissor e destinatário)". E continua, "o plano pragmático que é de
extrema fecundidade, sendo infinitas as formas de utilização dos signos pelos
sujeitos da comunicação, em termos de produzir mensagens".
Segundo o Prof. Tércio(15), "a análise pragmática é
como definimos o uso do termo tendo em vista a relação do termo por quem e para
quem o uso".
Sob o aspecto pragmático, interessam os efeitos
interacionais que o uso da linguagem produz entre os membros de uma comunidade
lingüística; vale dizer, estudam-se as relações sociais que se instauram
através do uso concreto da linguagem.
Portanto, ressaltando-se a importância dos aspectos
pragmáticos da linguagem jurídica, torna-se fundamental afirmar que, diante de
textos normativos denotativamente imprecisos (vagos) torna-se necessário o
recurso à argumentação(16), enquanto raciocínio que visa à aplicação das normas
jurídicas aos casos concretos. deste modo, a aplicação do direito não se
procede mediante demonstração (raciocínio tipicamente lógico formal, que
pressupõe que o direito articule evidências empíricas ou racionais), mas
através de argumentação.
Nesse sentido, o processo argumentativo não tem como
ponto de partida evidências (juízos de realidade), mas sim juízos de valor, que
são resgatados através das normas jurídicas. A argumentação no direito
pressupõe a articulação de um discurso(17) com vistas a persuadir o órgão
responsável pela decisão ou ainda o órgão responsável por eventual revisão da
decisão a aderir à interpretação que se quer ter como vinculante para o caso
concreto (conflito social que exige decisão jurídica).
Há que se destacar os aspectos pragmáticos da linguagem
neste particular, em virtude de que os discursos que intentam fazer prevalecer
uma determinada interpretação das normas jurídicas não possuem apenas um uso ou
função informativos (enquanto meras descrições das normas jurídicas), mas
surgem como explicitamente diretivos e expressivos, porquanto destinados a
influir na decisão a ser tomada pelo órgão competente e também porque envolvem
não apenas aspectos racionais, mas também emotivos (face à carga emocional dos
termos e expressões invocados em sustentação a uma determinada interpretação)
(18).
A retórica assume, nesse contexto, papel primordial,
enquanto processo argumentativo que, ao articular discursivamente valores tem
por objetivo a persuasão dos destinatários da decisão jurídica quanto à
razoabilidade da interpretação prevalecente(19)
Até o presente momento, embora de modo não explícito,
deu-se maior enfase ao caráter vago da expressão lingüística de normas
jurídicas descritivas de situação de fato (regras jurídicas).
Dispositivos constitucionais e legais, revelam a
presença, na linguagem das normas jurídicas, de termos e expressões vagos. Tal
circunstância torna a atividade de interpretação e aplicação do direito
bastante implicada com os valores morais, culturais, econômicos, sociais e
políticos de uma comunidade.
III - Conclusão:
Portanto, conclui-se, que a análise pragmática destina-se
a deixar assente, a relação e, conseqüente, comunicação por intermédio de
signos, que se instala entre o emissor e aquele ao qual a mensagem está sendo
dirigida, isto é, o destinatário.
Dessa forma, tem-se a medida de recepção e compreensão
que alcançou o destinatário da mensagem, quando de sua decodificação,
levando-se em conta o conjunto de signos pelo qual o receptor da mensagem é
conhecedor.
Sendo certo que a análise pragmática tem por objetivo,
fazer com que o texto legal seja, de plano, assimilado pelo cidadão, que é o
destinatário final da norma e, conseqüentemente, o cidadão comum compreendendo
a norma posta, dessa forma, estará atendido o objeto da análise pragmática.
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NOTAS
Antes que sejam apreciados os
principais aspectos da linguagem das normas jurídicas no tocante à
interpretação e sua aplicação no campo do direito, é importantíssimo, fazer-se
algumas considerações acerca da chamada linguagem natural. inicialmente, há que
se fazer uma distinção entre os signo e símbolo. Enquanto o signo expressa uma
representação natural da realidade (por exemplo: as poças de água representam
naturalmente ter chovido num determinado lugar), os símbolos expressam uma
representação cultural da realidade. Ou seja, o seu respectivo sentido não se
extrai através de uma relação de causalidade existente na própria natureza, mas
sim a partir de usos ou convenções sociais. A linguagem, consiste, pois, no
sistema de símbolos articulados por uma comunidade para representar a sua
respectiva realidade. A linguagem natural é aquela de que os usuários se servem
na comunicação normal e cotidiana. Por outro lado, linguagem científica é
aquela elaborada teoricamente para fins de compreensão rigorosa de uma
determinada realidade.
As imprecisões conotativas são
denominadas ambigüidades. A ambigüidade se verifica quando não é possível desde
logo precisar quais são as propriedades em função das quais um termo deve ser
aplicado a um determinado conjunto de objetos.
As imprecisões denotativas
denominam-se vaguezas. A vagueza se verifica quando ocorre dúvida acerca da
inclusão ou não de um ou mais objetos dentro da classe de objetos aos quais um
determinado termo se aplica. Ou, ainda, quando ocorre incerteza sobre
determinado termo.
Apud do texto Direito, Cidadania e
Justiça, cujos coordenadores são Beatriz di Giorgi, Celso Fernandes Campilongo
e Flávia Piovesan, pág. 86: "Em que pese tal observação, Carlos Santiago
Nino, in "Introducción al análisis del derecho", ed. Astrea de
Alfredo Y Ricardo Depalma, Buenos Aires, 1.988, aponta alguns exemplos de
ambigüidades na redação das normas jurídicas, pp. 260 a 264".
"De um modo geral, pelo
procedimento construtivo, as regras jurídicas são referidas a um princípio ou a
um pequeno número de princípios e daí deduzidas. Pelo dogma da subsunção,
segundo o modelo da lógica clássica, o raciocínio jurídico se caracterizaria
pelo estabelecimento tanto de uma premissa maior, a qual conteria a diretiva
legal genérica, quanto da premissa menor, que expressaria o caso concreto,
sendo a conclusão, a manifestação do juízo concreto ou decisão", in
"Introdução ao Estudo do Direito", pág. 83.
Artigo utilizado nas aulas de
mestrado, cujo título é "Língua e Linguagem".
in "Introdução ao Estudo do
Direito", ed. Atlas, São Paulo, 1.991.
Não se deve confundir, o estudo da
sintaxe com a lexicologia (do grego lexis, ou seja, palavra). Esta corresponde
a um ramo da lingüística destinado ao estudo das palavras, sob vários aspectos,
máxime a respeito dos morfemas que a compõem.
Preliminarmente, se pode partir de
uma caracterização meramente informal do conceito de gramática. No plano
intuitivo, a linguagem parece inserir-se, entre outras, em duas dimensões
distintas: uma, "física", definível, por exemplo como uma seqüencia
fônica; e a outra, da significação, deixando-se este termo totalmente em aberto
(quer dizer: nesse nível não é necessário pronunciar-se sobre o tipo de
entidades que ele deveria denotar). Diz-se, então, que uma gramática é um
dispositivo que permite associar sons e significados. Portanto, a
caracterização da Gramática deverá prever (ao menos) três níveis de
representação: será necessária uma especificação suficientemente adequada do
componente fonético (tarefa avocada pela análise fonológica: redução do
continuum sonoro constituído pela emissão verbal a uma entidade tornada
discreta pela introdução, por exemplo, de traços distintivos), do componente
"significado" (cuja tematização cabe à análise semântica. E, por,
fim, do componente sintático (o que equivale a individuar as modalidades
segundo as quais certos constituintea se combinam para formar os enunciados de
uma língua).
in "Estruturas Lógicas e o
Sistema do Direito Positivo", ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.977.
Sujeito de Direito: "a pessoa
natural como sujeito de direitos e o tracejamento de seu perfil pela linguagem
jurídica". Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Filosofia do Direito na PUC/SP.
in "Teoria Pura do
Direito", ed. Martins Fontes, São Paulo, 1.994.
in "Apostila do curso de
Mestrado da PUC/SP, André Franco Montoro.
in ob. cit.
in op. cit., pág. 39.
Para Perelman e Tyteca, a
finalidade da argumentação é provocar ou acrescer a adesão dos espíritos às
teses que se apresentam ao seu assentimento. Deste modo, a discussão passa a
organizar-se primordialmente do ângulo do orador, aparecendo como um processo
cuja finalidade primária é a conquista da adesão e, com ela, do consenso das
partes implicadas. Isto reduz a fundamentação de cada ação lingüística à
estratégia do consenso, onde desponta o ideal romântico da verdade, da justiça,
da beleza, etc., como eterna discussão e do concesso universal como critério de
legitimação.
Para o Prof. Tércio Sampaio Ferraz
Jr, "Todo discurso, ocorrendo numa situação comunicativa, constitui uma
discussão. mas nem por isso todo discurso deve ser considerado dialógico.
Aquele discurso onde o ouvinte aparece como não habilitado para uma intervenção
ou como não interessado ativamente nela, revela-se como monológico. A presença
passiva do ouvinte, na discussão, modifica profundamente o comportamento do
orador e, em conseqüência, as características do próprio discurso. Faz-se
mister analisar o monólogo em função dos componentes a ele pertinentes. É
preciso, nesse sentido, estabelecer o que significa a passividade do ouvinte,
qual influência do seu comportamento no que diz respeito ao orador e,
finalmente, qual a significação da relação orador-ouvinte na qualificação do
objeto do discurso e na determinação da sua estrutura. O discurso monológico
tem função de sinal diferente. A atitude passiva do ouvinte não significa, é
verdade, que ele não esteja ali, que não exista ouvinte, mas o seu
comportamento não se reveste das mesmas qualidades ativas de que ele goza no
discurso dialógico. Sua atitude é, em princípio, a de theorós,, isto é, daquele
que assiste ao espetáculo sagrado. Neste sentido, modifica-se também a função
estimativa do discurso, ;pois o ouvinte tem, afinal, alguma coisa a dizer, o
espetáculo pode agradá-lo ou desagradá-lo, mas ele não interfere na própria
ação representada. O seu comportamento, para usarmos uma imagem da tradição filosófica,
resume-se em ver a ordem cosmológica, sem poder, em princípio, equiparar-se à
medida do cosmos, sem poder reproduzi-la em si próprio. A posição do ouvinte no
discurso monológico, tendo em vista a situação comunicativa e em oposição ao
diálogo pode ser considerada como abstrata, isto é, a sua subjetividade
desaparece enquanto individualidade, a sua adesão ao discurso parece suspensa,
não existe expectativa de reação ativa. Por isso, sua presença pode ser
abstraída, no sentido de que o ouvinte se desfaz na universalidade do
auditório.
Para um exame profundo e detalhado
da dogmática da decisão ou teoria dogmática da argumentação jurídica, in
"Introdução ao Estudo do Direito", de Tércio Sampaio Ferraz Jr.,
capítulo 6, págs. 282 a 317.
Apud do texto Direito, Cidadania e
Justiça, cujos coordenadores são Beatriz di Giorgi, Celso Fernandes Campilongo
e Flávia Piovesan, pág 90: "A importância da retórica para o raciocínio
jurídico é assinalada por Chaim Peralman em sua obra La Lógica Jurídica e y la
Nueva Retórica ,Editorial Civitas S.A., 1.988.
BIBLIOGRAFIA
1. Sampaio Ferraz Jr., Tércio, in "Introdução ao
Estudo do Direito", atlas, São Paulo, 1.991;
2. Reale, Miguel, in "Fontes e modelos do
direito", saraiva, São Paulo, 1.994;
3. Vilanova, Lourival, in "Teoria das formas
sintáticas", revista estudos universitários, 1.969;
4. Ullmann, Stephen, tradução de Mateus, J. A. Osório, in
"Uma introdução à ciência do significado", 5ª ed., Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian;
5. Giorgi di, Beatriz e outros, in "Direito,
cidadania e justiça", São Paulo, RT, 1995;
6. Bonomi, A. e Usberti, G., in "Sintaxe e semântica
na gramática transformacional", ed. perspectiva;
Dsponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=50