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A PUBLICIDADE COMO CARACTERIZADORA
DA JURISDIÇÃO
Dr. Emerson
Wendt (1)
1 – Introdução:
Nas abordagens sobre o
exercício do poder jurisdicional do Estado, através do Poder Judiciário, uma de
suas mais primorosas funções, indaga-se, e acrescenta-se, sempre, a questão da
preservação de soberania, tida esta como uma não intervenção externa de poder,
portanto, com decisões próprias e não dependentes de outro (s) Estado (s), e na
questão da defesa de suas fronteiras, questão esta analisada no campo
topo-geográfico.
Também, perquire-se, desde
os primórdios, sobre a principal característica da Jurisdição, que, não é
exclusividade do Poder Judiciário, já que permeia a totalidade dos poderes,
seja executivo, seja legislativo, seja judiciário, como haveremos de ver.
Ao par disto, resolvemos
colocar uma questão aos insignes pensadores e idealizadores de uma nova Teoria
Geral do Processo, cuja referência passa, necessariamente, sobre uma definição
de jurisdição e sua necessária limitação aos lindes do exercício do poder jurisdicional
dentro do Poder Judiciário.
2 – Conceito de Jurisdição:
Buscamos,
originariamente, o conceito terminológico de jurisdição, esboçado por Aurélio (2): "Poder atribuído a uma autoridade para
fazer cumprir determinada categoria de leis e punir quem as infrinja em
determinada área.", ou "Alçada, competência", ou "Área
territorial dentro da qual se exerce este poder", referindo-se à
jurisdição contenciosa como aquela exercida pelo juiz ao conhecer, julgar e
executar os litígios.
Ao buscar uma conceituação
sobre o tema, Ovídio Baptista (3) refere que
o ato jurisdicional ao ser praticado pelo juiz, este deve fazê-lo "como
finalidade específica de seu agir", vindo a diferenciar-se da atuação
do administrador, que tem na lei seu limite de ação. Referiu o autor, também,
que outro componente fundamental do ato jurisdicional é a imparcialidade do
julgador, mantendo-se numa posição de independência e estraneidade
relativamente ao interesse a ser tutelado.
Galeno Lacerda, citado por
Athos Gusmão Carneiro
(4) , tem a seguinte
definição: "É a atividade pela qual o Estado, com eficácia vinculativa
plena, elimina a lide, declarando e/ou realizando o direito concreto."
É claro que esta conceituação, como veremos, adota como característica da
jurisdicão a coisa julgada, ao referir-se aos termos eficácia
vinculativa plena. Também, utiliza o conceito de lide.
Embora valiosas as
conceituações apontadas, mais valorosas são as discussões que trazem consigo.
3 – ‘Jurisdição’ e ‘Jurisdicionalidade’:
Importante para o presente
trabalho, limitarmos o termo jurisdição, já que ao aceitá-lo teríamos
necessariamente de vinculá-lo aos outros poderes que não o Judiciário.
Averiguamos isso na medida
em que se exigirmos a presença de um juiz, não haveríamos como explicar o juízo
arbitral, atividade privada que está fora das funções do Estado. Também, se
exigirmos que o juiz seja órgão do Poder Judiciário deixaríamos de explicar o
Processo de Impeachment (5).
Para tanto, vemos a
necessidade de limitarmos o tema da jurisdição ao campo do Poder Judiciário,
denominando-a de ‘jurisdicionalidade’, quando o ato é praticado perante – ou por - o
juiz de direito. Ou, como faz referir Ovídio: natureza do ato
jurisdicional.
4 - Caracterizações da
Jurisdição:
Várias teorias procuram explicar
a natureza da atividade jurisdicional do Estado, mas não conseguem driblar as
críticas contra si apontadas. Vejamos as principais, em breves notas:
4.1 – A teoria da substituição de Chiovenda (6):
Refere Chiovenda que a
função dos juizes seria a de afirmar e atuar a vontade abstrata
da lei, onde a ‘característica da função
jurisdicional seja a substituição por uma atividade pública de uma
atividade privada de outrem’, sendo que
a substituição de que fala poderia estar presente tanto no processo
cognitivo quanto no de execução (7).
Por esta teoria, conforme
crítica apontada por Ovídio (8), o juiz não
teria como finalidade de agir o bem comum, mas tão somente a própria
lei, para atuação desta. Esta teoria deixa de fora os conflitos sobre valores
indisponíveis, sobre os quais não se pode alcançar uma solução pela atividade
direta das partes (9), também, deixa de lado o processo
inquisitório e as decisões sobre questões de processo, principalmente, quando
dizem respeito à própria atividade do juiz (10).
4.2 – A teoria da Coisa Julgada de Calamandrei e Allorio (11):
Para esta teoria a essência
do ato jurisdicional – diga-se, da jurisdicionalidade
– estaria em sua aptidão para produzir a coisa julgada, sendo
que o efeito declaratório é o sinal inequívoco da verdadeira e
própria jurisdição (12). Calamandrei afirma que a coisa
julgada "é a pedra de toque" do ato jurisdicional.
As críticas a esta teoria
são fortes, já que ficariam de fora os processos de execução e cautelar, além
da jurisdição voluntária
(13). Poder-se-ia dizer
que a coisa julgada é atributo próprio da jurisdição, porém, esta não tem
aquela como atributo único (14).
4.3 – A teoria de lide de Carnelutti:
Sob o ângulo desta teoria,
a jurisdição consiste na justa composição da lide, pressupondo um
conflito de interesses, qualificado pela pretensão de alguém e pela
resistência de outrem. Isso caracterizaria a lide: a pretensão resistida,
e, sem haver lide não haveria atividade jurisdicional.
A priori, Carnelutti excluiu da formulação
originária de sua teoria o processo de execução, mas posteriormente incluiu o
conceito de pretensão insatisfeita, consistindo, portanto, a lide em pretensão
resistida (processo de conhecimento) ou insatisfeita (processo de
execução).
Há, no entanto, que se
considerar a existência de casos em que não há lide entre as partes, v.g.
as ações constitutivas necessárias.
Calamandrei, citado por
Cândido Rangel Dinamarco (15), disse: "parece que a
existência da lide não pode ser considerada como condição necessária para o
interesse de agir em todos os caos nos quais, mesmo se lide não existisse, nem
por isso seria possível ao interessado conseguir extrajudicialmente, pelo
consenso espontâneo da outra parte, aquilo que somente a sentença pode
dar-lhe".
4.4 – A teoria da Imparcialidade:
Como já referimos, Ovídio
Baptista refere como essencial componente do ato jurisdicional a condição de terceiro
imparcial em que se encontra o juiz com relação ao interesse sobre o qual
recai a sua atividade. Podemos questionar a hipótese de o juiz, considerado
suspeito para o julgamento de determinado caso, não assim se declarar.
De outra parte, a
caracterização do juiz como terceiro imparcial tem seu ponto fraco no
processo penal, especialmente quando o único ofendido é o Estado, de que ele – juiz – é órgão.
5 – Outras Considerações:
E não se trata aqui de
verificarmos todas as questões atinentes à processualística civil ou penal.
Cabe, contudo, efetuar verificações que fazem críticas ao até agora adotado e
pensado. Assim, na simples afirmação de que o juiz regula a relação entre autor
e réu, ignoramos o instituto da substituição processual, em que não há
coincidência entre as partes em sentido material e as partes em sentido formal.
Também, ao afirmarmos que cabe ao juiz aplicar a lei existente,
desconsideraríamos a aplicação da equidade e os princípios norteadores do
direito, quando àquele cabe suprir as lacunas deixadas pela lei.
Se considerarmos que os
órgãos jurisdicionais são inertes, deixaríamos de lado o processo inquisitório,
quando o juiz age de ofício: decretação, ex officio, da falência de um
comerciante, quando no curso do processo de concordata verifica a falta de um
requisito para esta (16) ; o caso da execução trabalhista (17), e; também, a concessão ex officio de habeas
corpus (18).
6 – Uma nova proposta:
A idéia de que os
envolvidos em um processo ficam sujeitos à autoridade do Estado, que, através
de seu órgão jurisdicional, imporá aos mesmos uma decisão inatacável, não é
nova, tendo surgido quando houve a necessária abstração da relação de direito
processual da relação de direito material.
Embora, na maioria da
vezes, o que se discute em juízo seja do interesse restrito dos envolvidos,
interesse maior se reserva ao Estado, que persegue uma grande gama de
interesses públicos (sociais e políticos), com o fim de protegê-los (19). Dinamarco acrescenta a necessidade de que o
processo seja permeado da conotação de público, para que apareça
e funcione como instrumento do Estado.
Não queremos confundir a
condição publicista do processo com o tema analisado – característica da jurisdicionalidade –, mas, tão
somente, aproveitar as observações já expostas e incluí-las neste contexto, uma
vez que não podemos desconsiderar as novas exigências da Ordem Constitucional,
ditadas no plano político, porém de interesses cruciais à ordem jurídica
processual moderna.
O interesse público, no
dizer de Cândido Dinamarco (20), "transcendente
aos limites objetivos e subjetivos do litígio é que fada à ineficácia a inércia
das partes ou ato dispositivo de situações jurídico-processuais, pois do
contrário esses comportamentos conduziriam indiretamente ao sacrifício da
sociedade interessada no resultado do pleito."
Portanto, vemos como
imprescindível e inarredável a característica da publicidade da
jurisdicionalidade, porquanto o interesse não se restringe às partes, mas à
sociedade interessada no pleito.
Verificamos, sem dúvida,
adiantando críticas, que em determinados casos há a necessária restrição do
assunto sub judice tão somente às partes, mas nem por isso deixamos de
verificar a presença dos requisitos da publicização dos atos inter partes,
primordialmente na processualística penal e no direito de família.
A exempli gratia
podemos mencionar a Lei 9.296/96 – interceptação
das comunicações telefônicas – onde, através de seu art. 1º, in fine, há referência ao segredo de justiça,
sendo certo que haverá manutenção deste com o fim único de salvaguardar o
interesse pessoal, restrito do investigado, já que, posteriormente, terá acesso
às provas, podendo efetuar sua defesa validamente.
Outra hipótese é a
estabelecida para que o condenado ou reincidente solicite a reabilitação, cujas
diligências serão realizadas cercadas de sigilo possível (art. 745 do
CPP).
Em outros casos, a violação
de sigilo estabelecido em lei vem a configurar infração penal. Veja-se o
disposto nos art. 17 e 26 da Lei 6.368/76 – Lei
Anti-tóxicos.
Portanto, está posta a
discussão referente a publicidade como principal característica do ato
jurisdicional, em breve notas não audaciosas, mas críticas, tomadas com base na
nova realidade constitucional.
O presente trabalho teve
como base de pesquisa as aulas ministradas no Curso de Pós-Gradução em Direito Lato
Sensu da URI – Campus Frederico Westphalen pelos
Professores José Luiz Bolzan de Moraes e João Protásio Domingues Farias de
Vargas, além dos livros mencionados em notas de rodapé.
__________
(2) In Novo Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Edição
Revista e Ampliada, Ed. Nova Fronteira.
(3) In Curso de
Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição,
Porto Alegre: SAFE, 1991.
4) In Jurisdição e
Competência, 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 1995
(5) Art. 86, e seus §§, da Constituição Federal de 1988, e Lei 1079/50, que trata
dos Crimes de Responsabilidade.
(6) São seguidores desta
teoria, no Brasil: Calmon de Passos, Moacyr Amaral dos Santos e Celso A. Barbi.
(7) Vide Ovídio Baptista,
ob. cit., p. 19.
(8) Ob. cit., p. 20.
(9) Especificamente os
casos de Jurisdição Voluntária (tutela pública dos interesses privados: de
pessoas incertas – v.g. nascituro, herança jacente –; de incapazes – v.g.
pátrio poder –; de atos da vida privada v.g.
registros públicos –; da prova de fatos jurídicos – v.g. produção antecipada de provas –, e; assistência judiciária – para suprir a incapacidade financeira). Esta, que se limita
à cognição e à cautela, diferencia-se da contenciosa, que abrange também a
execução.
(10) V.g., os casos de
suspeição e as questões de competência.
(11) São seguidores desta
teoria, no Brasil: José Frederico Marques, Arruda Alvim, A. A. Lopes da Costa,
Kasuo Watanabe, dentre outros.
(12) Conforme definição
de Allorio, citada por Ovídio, ob. cit., p. 22.
(13) Veja-se nota 9.
(14) Athos Carneiro, ob.
cit., p. 12.
15) In A
Instrumentalidade do Processo, 3ª Edição,
São Paulo: Malheiros, 1993, p. 48 (nota de rodapé 8).
(16) Art. 162 da Lei de
Falências.
(17) Art. 878 da CLT.
(18) Art. 654, § 2º, do CPP.
(19) Dinamarco, ob. cit.,
p. 51, refere vários pontos de preponderância da ordem pública sobre os
interesses privados: a) a inafastabilidade do controle jurisdicional; b)
garantia do juiz natural; c) impulso oficial (do processo); d) livre
investigação das provas, liberdade de convencimento, dever de fundamentar
sentença; e) conhecimento de ofício (objeções); f) nulidades absolutas; g)
indisponibilidades; h) contraditório efetivo e equilibrado; i) ampla defesa; j)
autoridade do juiz, seu dever de polícia, dever de lealdade, repulsa à
litigância de má-fé e atos atentatórios à dignidade da Justiça; k) tutela penal
do processo.
(20) Ob. cit., p. 57.
Dr. Emerson Wendt (1)
E-Mail:
emerson@doors.psi.br
(1) O autor é Delegado de Polícia da
Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul desde agosto de 1998. Formou-se
pela Universidade Federal de Santa Maria – RS, em
janeiro de 1997. É pós-graduando em Direito Lato Sensu pela Universidade
Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Campus de Frederico Westphalen – RS, tendo entregue a monografia sobre Direito Penal
Ambiental. Atualmente, é professor de Direito Processual Penal no 5º Semestre da URCAMP –
Universidade Regional da Campanha –Campus de
São Gabriel
Retirado de: http://www.jusristantum.adv.br