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O ADVOGADO DO
NOVO MILÊNIO
Edna Cardozo Dias (Advogada em Belo
Horizonte/MG, pós graduada em Direito Público, doutoranda em Direito pela UFMG,
curso de especialização em Criminologia, presidente da Liga de Prevenção da
Crueldade contra o Animal, vice-presidente para as Américas da Organization
Internacionale pour la Protection des Animaux, membro da Câmara Técnica de
Assuntos Jurídicos do Conselho Nacional do Meio Ambiente- CONAMA e autora do
livro Manual de Crimes Ambientais – e-mail: edna@newview.com.br)
A história do Direito está ligada à civilização. Imergindo na atualidade
social, o papel do advogado é o de um conciliador entre a paz e a justiça
social. O cunho social de nossa profissão nos convida, incessantemente, a rever
os processos históricos. Desde que o homem descobriu sua interdependência
emergem os aspectos globais da missão do advogado e de nosso destino.
O mundo de hoje se modifica rapidamente. O socialismo caçou a liberdade do povo
e sucumbiu. O capitalismo tem se mostrado incapaz de mudar o curso da história
para realizar a tão sonhada justiça social. A era da tecnologia rompeu com os
valores sociais, trouxe a fome, os alimentos contaminados, os conflitos de
terra, a repressão aos trabalhadores, a destruição da natureza , o medo, o sangue
e a morte. Hoje a nova preocupação surge com o avanço da biotecnologia e as co-
implicações da biogenética com o direito e a bioética, e de como isto poderá
determinar nosso futuro.
O advogado do 3º milênio deve ser sobretudo, um advogado ético. Terá que zelar
pelo aperfeiçoamento da ordem jurídica de modo a se preocupar com os direitos
de seus semelhantes e a fornecer estabilidade para a sociedade futura. A
dogmática jurídica terá que se adequar à nova realidade social, á globalização
da economia e deve buscar seu paradigma na descoberta da interdependência e na
solidariedade
Todo advogado tem um compromisso com seus semelhantes. Não podemos fazer parte
dos carreiristas e dos covardes , sob pena de jamais podermos dizer: - sou um
advogado!
Cumpre ao advogado combater o racismo e toda forma de discriminação e opressão.
Temos todos o direito à cidadania planetária. A meta hoje é a globalização.
Cumpre, entretanto, reconhecer que a opressão sócio - econômica e a injustiça
social nos remetem à luta não só contra a opressão racial, mas contra a
opressão das demais espécies.
É dever do advogado aplicar o mesmo zelo , diligência e recursos do saber
com que defende seus clientes, para defender o Planeta que o abriga, fazendo
desta Terra um lar seguro e hospitaleiro para todos que a habitam
O advogado ético é capaz de visar o bem-estar social como um todo. É
aquele que, projetando sua essência em toda família humana e planetária exerce
sua função social, sem fazer distinções de raça, cor, classe social, convicção
política ou discriminação das espécies. É aquele capaz de trabalhar para a
construção de uma democracia social, onde se inclua toda comunidade terrestre.
Todos os seres que habitam a Terra tem direitos que precisam ser reconhecidos.
O advogado do terceiro milênio terá que ser conciliador. Ao atuar em defesa
de seus clientes não deve massacrar o oponente ou lesar direitos fundamentais
dos seres humanos ou da natureza não humana. Deve respeitar os direitos
fundamentais, sociais e os direitos difusos consagrados em nossa Constituição.
O advogado do novo milênio deve cumprir e ampliar a nobre missão constitucional
da justiça.
É nosso compromisso tornar vivo o dispositivo constitucional em favor das
crianças e adolescentes, transformando em realidade uma vontade nacional que já
existe em torno da questão. É preciso reafirmar, através de nossas ações, a
concepção destes como sujeitos de direitos e a sua condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento.
Hoje a nossa população juvenil está condenada à sub cidadania. Sua condição de
subcidadãos se espelha no trabalho escravo, no subsalário, no desemprego, no
subemprego, na sub- moradia, na subalimentação, configurando assim o total
desatendimento dos seus direitos individuais à vida, à liberdade, ao respeito e
à dignidade, bem como dos seus direitos coletivos, econômicos, sociais e
culturais.
Instituir a justiça é defender, sem discriminação o direito de todas
pessoas à vida, à liberdade, e à segurança pessoal, dentro de um meio ambiente
adequado à saúde humana. Não resta dúvida de que o direito á vida compreende o
direito de viver. O direito de viver é o direito do qual emanam todos os demais
direitos . O direito a um meio ambiente sadio e o direito á paz são uma
extensão do direito de viver. Assim que nos deveres do advogado se
engloba o dever de pleitear o direito à condição de vida num meio
ambiente global viável.
O advogado do novo milênio terá que atuar nas questões das armas nucleares,
das guerras, e na preservação do ar, da água, do solo, dos recursos naturais,
dos animais, das plantas, das flores e das árvores, enfim, de toda
biodiversidade.
Temos que reconhecer o ecocídio com uma das maiores violações dos direitos
humanos e das outras espécies.
Nosso compromisso com a Constituição nos outorga, ainda, o dever de
resguardar os direitos das gerações futuras. A dimensão temporal do
direito hoje é indiscutível. A idéia de uma equidade intergeracional,
juntamente com idéias de sustentabilidade e obrigações com gerações futuras faz
parte da ética do advogado, e deve servir como princípio em todas as leis.
A equidade intergeracional já foi consagrada como princípio em várias
declarações internacionais, como a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos
Estados, em 1974, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, em
1982, na Convenção da Biodiversidade, em 1992, e em nossa Constituição Federal.
Duas décadas depois da Declaração dos Direitos Humanos pela ONU, a
Conferência de Teerã sobre Direitos Humanos, em uma reavaliação à matéria, proclamou
a indivisibilidade de todos os direitos humanos - os direitos civis e
políticos, assim como os econômicos, os sociais e os culturais. Este princípio
foi acatado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1977, em que se afirmou
que os direitos humanos devem ser examinados de forma global.
O novo paradigma que surge nos aponta para uma atuação profissional inspirada
na mais entranhada consciência pessoal, em conexão com a consciência dos outros
e com a Terra. Temos que prevenir ou impedir a ocorrência de danos ambientais
irreparáveis.
Temos que nos habituar a defender os direitos grupais, coletivos de que é
titular uma geração em relação às outras gerações, acatando a dimensão
intergeracional do Direito.
A globalização dos direitos humanos e da proteção ambiental nos trouxe a
noção de garantia coletiva e uma visão integrada de todos os direitos, criando
obrigações subjacentes para todo advogado compromissado com a defesa dos
direitos civis e políticos do cidadão. Temos que assumir esse novo compromisso
de defender os direitos globais de todos os seres. Todos os seres possuem
direitos fundamentais que não podem ser desrespeitados sem que isto afete toda
sociedade.
Na nova ordem mundial que surge a interdependência entre todos os
povos trará novas estruturas de poder político, dando lugar a novos padrões de
relacionamentos, cuja tônica terá que ser a responsabilidade.
As medidas econômicas, sociais e mesmo políticas não são suficientes por elas
mesmas para mudar o curso da história . É aqui que entra a responsabilidade
como um aspecto inerente à atuação do advogado.
Agir de maneira responsável e consciente, deve ser uma característica
inalienável do advogado do terceiro milênio.
A nossa responsabilidade surge logo que formamos e aumenta quando nos organizamos.
O nosso ingresso na Ordem dos Advogados do Brasil representa mais que uma
distinção, é uma grande responsabilidade.
Temos que exercitar a não - violência em nossa atuação profissional,
reconhecendo a nossa responsabilidade de concretizar a paz e a justiça, assim
como de por em prática as leis que a representam.
Temos que atuar sempre em consonância com a garantia dos direitos humanos ,
das liberdades fundamentais e dos direitos dos outros seres. É chegado o tempo
de utilizarmos nosso saber para assumir a responsabilidade por nós mesmos
e pelo meio ambiente em que vivemos.
Acima de tudo o maior compromisso do advogado é com a liberdade, em todas as
suas formas de expressão, pois sem ela não há direito que sobreviva ou justiça
que se concretize.
Mas, nós não podemos nos libertar sozinhos. Esta é uma verdade
inexorável. O ser humano só poderá se libertar como um todo, no âmbito de sua
comunidade e do Universo. A libertação de todas as criaturas será, pois, a
libertação dos seres humanos.
Enquanto prendermos os animais em gaiolas nossas prisões estarão sempre
lotadas. Enquanto matarmos os animais os homicídios proliferarão.
Enquanto houver massacre de animais haverá guerras. Existe uma relação em tudo.
O bem e o mal estão no coração do homem. É na mente dos homens que começam as
guerras.
A liberdade demanda uma nova forma de relações onde seja reconhecida a
interdependência de toda vida e a necessidade de se desenvolver uma ação
conjugada, que resulte em relações humanas e sociais mais benevolentes, mais
respeitosas e mais éticas em comunhão com tudo que nos cerca: as pessoas, os
animais, a natureza e o cosmo.
Nossa história nos legou as revoluções da fome, que não lograram
êxito. Esta é a hora da revolução da liberdade. Temos que agir com coragem,
mesmo quando perseguições decorram de nossa postura.
Ao abraçarmos valores que transcendam o velho paradigma da economia com sua
ênfase ao lucro e á exploração do ser humano e da natureza, poderemos formar
uma classe forte, capaz de transformar este planeta na morada da justiça, da
igualdade e da paz. E então, só então, poderemos sonhar com a nossa merecida
liberdade.
Nenhum país é livre sem advogados livres. O verdadeiro advogado terá que ser
capaz de acusar reis e defender um cão.
E eu espero. Tenho fé - que todo advogado do 3º milênio terá como meta a luta
pela liberdade, e que será proclamada como primeira lei planetária sobre a face
da terra este mandamento: Não matarás, nem mesmo em nome da ciência, da
fome ou da pátria.
Possa a força deste meu desejo a todos unir e encorajar.
E que através desta união a paz possa nascer e viver para sempre na corrente
eterna do tempo.
Bibliografia
NALINI José Renato, coordenação. Faria José Eduardo, Silva Elvino Filho,
Mazzilli Hugo Nigro, Martins Ives Gandra da Silva, Nalini José Renato, Kyriakos
Norrma, colaboradores. Formação jurídica. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1994.
LYRA Roberto. Formei-me em direito. E agora?. Rio de Janeiro: José Olympio
Editora, 1998.
MILLER Robert. O nascimento de uma civilização global. São Paulo: Aquariana,
1993.
TRINDADE Antônio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio-ambiente, paralelo
dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris
Editor, 1993. Editora Revista dos