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Lei e Justiça







Jucyane Pontes de Assis

Acadêmica de Direito da UFAC







A Justiça é tida por muitos como um ideal; como um conceito que sempre estará fora do alcance do ser humano. No entanto, ela está mais presente em nossa vida do que podemos imaginar, pois em qualquer caso, se não há justiça, há injustiça. E mesmo que não seja uma opção própria, consciente, nós sempre acabamos por tomar uma atitude justa ou injusta.

Mas o que é Justiça?

Ela recebe infinitos conceitos, mas qual será o melhor deles? Será: Justiça é a Constituição? É a Lei? É o Direito? Ou será o ato de dar a cada um o que é seu? Ou o princípio de Talião: "olho por olho, dente por dente? Ou ainda a faculdade de julgar segundo o direito e a melhor consciência? Há duas doutrinas filosóficas do Direito que tratam de maneira diferente a Justiça: Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico.

O Jusnaturalismo coloca a Justiça como fator primordial sobre as relações humanas. É o dever-ser jurídico. Porém, enfrenta problemas por não ter uma definição uniforme e universal a seu respeito. Já o Positivismo Jurídico, que influencia o Direito Positivo, é a aplicação da lei, da vontade do povo estabelecida em um sistema normativo, o qual tem o Direito como a ordem estabelecida. Para esta corrente, o que importa é exatamente a aplicação da lei. O juiz não pode substituir-se às soluções que a norma comporta. No drama judiciário, o ponto de referência é a lei, não a consciência do juiz. Todavia, o juiz não é um autônomo, primeiro pela sua natureza de ser humano, segundo porque, sendo a lei norma geral abstrata, quando aplicada tem de adequar-se à configuração específica do caso sob sua alçada. Em termos de lógica abstrata, a aplicação da lei seria impraticável. Eis porque aplicar a lei importa, antes de tudo, em estabelecer a ordem, assegurar direitos, impedir os conflitos e solucioná-los quando surgirem.

Discussões à parte, a verdade é que nem sempre o Direito e a Lei andam de mãos dadas com a Justiça. E um bom exemplo deste fato, que mostra que Lei e Justiça podem andar de lados opostos, é o APARTHEID.

Em nenhuma outra parte do mundo a questão racial assumiu proporções tão graves como na África do Sul. Embora os negros, mestiços e indianos constituíssem, na época, quase 85% da população, eram os brancos que detinham todo o poder político, e somente eles gozavam de direitos civis.

A ordem desse sistema, denominado APARTHEID, data de 1911, quando os africânderes (descendentes de agricultores holandeses que emigraram para a África do Sul) e os britânicos estabeleceram uma série de leis para consolidar seu domínio sobre os negros. Em 1948, a política de segregação racial foi oficializada criando direitos e zonas residenciais diferentes para brancos, negros, asiáticos e mestiços.

De acordo com as leis do Apartheid, os não-brancos sul africanos não tinham acesso: à propriedade da terra; à participação política (somente os brancos podiam votar ou concorrer a cargos públicos; a profissões mais bem remuneradas (ou recebiam, numa mesma ocupação, salários menores que os brancos); às zonas residenciais brancas, sendo obrigados a viver em áreas separadas. Além disso, o Apartheid proibia os casamentos mistos e as relações sexuais entre pessoas de raças diferentes.

Diante de tal situação, cresceram o descontentamento e a revolta na maioria subjugada pelos brancos; os choques tornaram-se freqüentes e violentos e as manifestações de protesto eram decorrência natural desse quadro injusto. A comunidade internacional usou algumas formas de pressão contra o governo sul-africano, especialmente no âmbito diplomático e econômico, no sentido de fazê-lo abolir a instituição do Apartheid.

Como resultado dessas sanções, a África do Sul ficou impossibilitada de renovar seus empréstimos internacionais, várias empresas norte-americanas e européias deixaram o país, a inflação aumentou e a moeda nacional - o rand - sofreu desvalorização. Esses fatos, aliados ao crescimento da violência e dos distúrbios internos, levaram o país a atenuar o regime de segregação, libertando o líder negro NELSON MANDELA, em 1990, após 27 anos de prisão. Em 1991, o governo realizou um plebiscito em que cerca de 70% dos brancos votaram a favor do processo de democratização e de negociações com a maioria negra.

Em 1994, Nelson Mandela e o então presidente da África do Sul, Frederik de Klerk, ganharam o prêmio Nobel da Paz por terem conduzido, de forma pacífica, o Fim do APARTHEID. No mesmo ano, foram marcadas as primeiras eleições multirraciais sul-africanas. Mandela foi eleito o primeiro presidente negro do país.

Percebe-se então, que não podemos viver bem sem acabarmos com estados de opressão e preconceitos. A aplicação da Justiça está na aplicação dos direitos humanos, que são o direito à vida, à liberdade de ir e vir, à livre expressão, à participação ativa na vida política e social do país, o direito de ter direitos e de ter obrigações.

Enfim, não importa quem, não importa onde e não importa quando: todos devemos ser observados pelas mesmas leis, estarmos sujeitos às mesmas regras. A Justiça está no fato de todos poderem exercer seus direitos, mas não porque são ricos ou pobres, brancos ou negros, instruídos ou analfabetos... não por isso. A Justiça está no fato de todos poderem exercer seus direitos simplesmente por serem seres humanos.









Retirado de: http://www.uff.br/direito/artigos