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Jurisdição das liberdades públicas





Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva

Prof. Adjunto. Mestre e Doutor em Direito Processual Civil (UGF). Pós-graduado em Direito Penal (UnB).







SUMÁRIO



1. JURISDIÇÃO DAS LIBERDADES PÚBLICAS. INTRODUÇÃO



2. APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL



3. DIREITO ADQUIRIDO E ATO JURÍDICO PERFEITO



4. PODER JUDICIÁRIO NORTE-AMERICANO



5. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO



6. PODER JUDICIÁRIO. INDEPENDÊNCIA E NEUTRALIDADE



7. CONCLUSÃO



8. BIBLIOGRAFIA









1. JURISDIÇÃO DAS LIBERDADES PÚBLICAS. INTRODUÇÃO.



A evolução da doutrina dos direitos fundamentais está marcada por três gerações distintas. A primeira, com as liberdades públicas, diante do arbítrio governamental; a segunda, face os desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais; e a terceira, na defesa dos interesses difusos, com os direitos de solidariedade.





No sentido técnico-jurídico são as liberdades públicas direitos subjetivos oponíveis ao Estado, dos quais o interesse individual, coletivo ou difuso são objeto. Dessa maneira, a distinção ontológica entre liberdades públicas e direitos econômicos, sociais ou de solidariedade reside na fixação da sua titularidade passiva. Enquanto estes últimos estão direcionados a entes privados, as liberdades públicas a entes públicos. Não que as liberdades públicas sejam inoponíveis à particulares, porém a sua destinação imediata é uma atuação do Estado. Denominam-se liberdades negativas, sempre que houver um dever de abstenção do Estado; e liberdades positivas, um dever de prestação.





A efetividade dos direitos fundamentais está associada às "garantias" a eles atribuídas pelo texto constitucional. As garantias-limite, que impõem restrições ao poder legislativo; as garantias-instituições, que prevêm os órgãos de proteção; e as garantias-instrumentais, aquelas que instrumentalizam o exercício dos direitos fundamentais através dos órgãos de controle. Sempre que houver deficiência em alguma dessas garantias, há risco de descrédito das instituições e crise de governabilidade.





Se o texto constitucional declara direitos fundamentais, que pela sua própria essência são de conteúdo programático, além de causar frustração, põe em xeque tanto as autoridades administrativas, que estariam obrigadas a cumprí-las, quanto as judiciárias, que deveriam impô-las. Da mesma forma, na ausência de um Judiciário (órgão de controle) independente e devidamente estruturado, de nada servirão as declarações fundamentais.





Os preceitos das liberdades públicas são alicerce do Estado de Direito, no qual todos, inclusive o Poder Público, estão subordinados a um Direito objetivo, que exprime o justo. Portanto, o positivismo limita a atuação dos órgãos de controle (Judiciário). Porém, se o sentimento de justiça da coletividade não coincidir com o ordenamento jurídico, cairá este no desuso, contribuindo para o esvaziamento do Estado de Direito. Daí a afirmação de que a governabilidade depende, por um lado das condições políticas, econômicas e sociais que se apresentam num determinado momento; por outro, da adequação da máquina estatal aos objetivos almejados.





Como o presente estudo se destina à reflexão sobre as causas da eficácia das garantias jurisdicionais da legalidade da administração e dos administrados, inicialmente discorreremos sobre a aplicação e interpretação das normas constitucionais, e a extensão de certas declarações fundamentais, nos pontos mais controvertidos; a seguir, sobre os instrumentos constitucionais de proteção dessas declarações fundamentais; e, ao final, anotações sobre o Poder Judiciário e a independência como necessidade de garantia das instituições democráticas, indicando aspectos de ordem adminsitrativa e legislativa, bem como situando-o perante os sistemas germânico e norte-americano.





2. APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL.



É pacífico no Supremo Tribunal Federal que uma lei revoga tratado anterior, sem prejuízo de quebra de compromisso internacional, fato que resulta da culpa dos poderes políticos a que o Judiciário não tem como remediar. As consideradas exceções, a do art. 98 do Código Tributário Nacional e as da Lei 6.815/80, relativas a extradições, na verdade não fogem a regra geral de soberania do Direito interno. O referido dispositivo, de natureza tributária, só tem eficácia perante as leis ordinárias, devendo ceder ante o advento de lei complementar com ele incompatível. E quanto às hipóteses de extradição, ocorre que o Estatuto dos Estrangeiros é por demais genérico e, desde que haja compatibilidade, prevalecerá sempre a regra especial do tratado, seja anterior seja posterior.





Estando em grau de igualdade, os tratados e a legislação infra-constitucional, estão os primeiros sujeitos ao controle de constitucionalidade difuso. Prevalência do princípio da supremacia da Constituição sobre os atos internacionais.





Eventualmente, no plano concreto, se faz necessária a aplicação de Direito estrangeiro, desde que atendida a ordem pública, que se entende como norma constitucional. Por outro lado, indaga-se se, ao aplicar o Direito estrangeiro, deve a autoridade brasileira, antes de tudo, aferir sua constitucionalidade em face do ordenamento de origem. A meu juízo, qualquer órgão judicial deve pronunciar, in concreto, a inconstitucionalidade de lei estrangeira em face da Constituição sob a qual foi editada, desde que o possam fazer as autoridades judiciárias do Estado de origem da lei perante a sua própria Constituição.





Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu, como premissa, que não lhe cabia apreciar a constitucionalidade de norma estrangeira em face do ordenamento de origem. Porém, mais tarde, o fez na Extradição 541, como se extrai do voto condutor do Min. Sepúveda Pertence, in verbis: "Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, juiz da extradição passiva, no Brasil, julgar da invalidade, perante a ordem jurídica do Estado requerente da promessa de reciprocidade em que baseado o pedido, a fim de negar-lhe a eficácia extradicional pretendida".





Que a norma infra-constitucional, anterior à nova Constituição e com ela incompatível, seja hipótese de revogação e não de inconstitucionalidade, não restam dúvidas. Contudo, dispensar o mesmo tratamento às normas que já contrariavam a Carta anterior, é medida que merece algumas considerações. A consequência prática é relevante, na medida em que a revogação, além de surtir efeitos ex nunc, na via incidental, não possibilita o controle direto.





Há quem sustente que o conflito intertemporal de normas deve ocorrer apenas entre as de grau hierárquico igual, de modo que, sendo o conflito entre a Constituição e a lei anterior resolvido no plano da validade, a incompatibilidade entre ambas enseja a inconstitucionalidade da norma, e não a sua revogação. Contudo, a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal são pacíficas em entender que a hipótese é de revogação, assentadas na idéia de que "o vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes; revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária."





As regras de hermenêutica são as do Direito em geral. Quanto à origem, a autêntica (legislativa), a judicial (jurisprudência) e a doutrinária. Quanto aos efeitos, extensiva, declarativa ou restritiva, valendo lembrar que a extensiva, também chamada de analógica, não se confunde com analogia, que é fonte de direito sempre que houver lacunas na lei, o que por sua vez não se confunde com omissão legislativa de norma constitucional programática, que deve ser suprida através dos instrumentos adequados.





Quanto aos meios, pode o hermeneuta se valer da interpretação literal (gramatical) ou teleológica. A teleológica pode estar fundada na ocasio legis, ratio legis, elemento sistemático, direito histórico e comparado. A mens legis, que não se confunde com a mens legislatoris, também é fundamento da interpretação teleológica e a ela se costuma emprestar a expressão "destinação social da lei" contida no art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil. Não deve, contudo, a mens legis servir de instrumento de Direito alternativo, que na realidade prolifera a insegurança jurídica com a quebra de unidade do Direito federal, mediante decisões judiciais que mais expressam o sentimento pessoal de justiça de cada magistrado.





3. DIREITO ADQUIRIDO E ATO JURÍDICO PERFEITO.



Fato jurídico significa todo acontecimento que gera consequências jurídicas, vale dizer, constitui, modifica ou extingue direitos subjetivos. Portanto, só há direito subjetivo se um fato o constitui. No tema de Direito adquirido, deve-se sempre verificar, inicialmente, se o seu fato constitutivo foi implementado, já que uma lei pode atingir fatos ainda em formação, ou que ainda estejam por se formar, sem que com isso haja retroatividade. Caso o fato se tenha implementado, e daí o status de fato pretérita, a lei nova deve respeitá-lo, juntamente com o efeito produzido, o direito adquirido. Caso contrário, estaremos diante de expectativa de direito ou direito futuro, o que não é garantido constitucionalmente. O ato jurídico perfeito é justamente o fato jurídico humano, normalmente um contrato, que se torna imutável em face do advento da nova norma, o que não implica imutabilidade dos seus efeitos futuros e mediatos, que se protraem no tempo. Comumente mal compreendido, tem sido tais garantias fundamentais, nos últimos tempos, causa das maiores descrenças do Estado como interventor na economia.





4. PODER JUDICIÁRIO NORTE-AMERICANO



É marcante a consciência dos juízes norte-americanos de que, caso todas as ações propostas fossem a julgamento, o sistema estaria falido. Dessa maneira, apenas 10% das demandas são apreciadas por um juiz. O restante fica por conta dos precedentes judiciais e ainda do ADR - conhecida forma alternativa de solução de litígios que consiste num procedimento prévio de conciliação a cargo de servidores do tribunal, bacharéis em direito e especialistas.





O precedente judicial é encarado com naturalidade pelos juízes. Alegam que, se estão vinculados a lei, ato normativo oriundo do legislativo, por que não se vincular a um ato normativo oriundo do próprio Judiciário? Constituem, assim, os precedentes grande parte do conjunto de normas jurídicas aplicadas nas cortes. São eles respeitados tanto pelo Judiciário quanto pelo Executivo, proporcionando certa estabilidade nas relações sociais.





Quanto ao ADR, permito-me tecer algumas consideracões. O juiz ao receber uma petição inicial, em audiência explica às partes as vantagens do programa (não haver perdedor, sem custas, redução do tempo gasto e outras) e decide, com as partes e advogados, se o ADR é aplicável, ou qual programa mais indicado e quando a sessão inicial será marcada.





A mediação é formulada por um terceiro neutro (mediador) que auxilia as partes, em audiências, explorando as possíveis soluções. Dependendo da complexidade do caso, serão necessárias mais sessões, o que demandará um tempo maior. O mediador não emite juízo de valor, mas incentiva as partes a avaliarem seus interesses levando em consideração as possíveis soluções. Em algumas jurisdições, o mediador precisa de ser bacharel em direito e ter efetuado um programa de treinamento. Atualmente, existe o programa de mediação em causas de família, em causa cíveis (como mediação civil), em processos relativos a direito tributário (o mediador tem de possuir experiência no campo tributário).





O processo de mediação é confidencial e inicia-se com audiência do mediador e as partes para delimitar melhor os pontos controvertidos, o mediador explica o processo e concede a cada parte a oportunidade de expor sua opinião sobre o litígio, como se fosse uma discussão inicial entre as partes e o mediador sobre o caso. No final dessa audiência, o mediador se reúne individualmente com cada parte, aconselhando-lhes a analisarem suas posições, propondo sugestões, incentivando-os a apresentarem propostas. Posteriormente,podem ser necessárias novas audiências, dependendo da complexidade do caso, e o procedimento de mediação terminará com um acordo ou quando expirar o prazo fixado pelo juiz. Depois da primeira audiência, as partes apresentarão ao mediador, em sete dias, petição com no máximo dez páginas, delimitando os fatos e fundamentos da causa. Se houver acordo, as partes assinarão um termo escrito, com estipulação de uma pena para o não cumprimento. Se não for possível o acordo, o mediador fará a comunicação imediata à Justiça, para que o caso continue no processo litigioso. É importante salientar que nos EUA não há distinção, ao se fazer um acordo, se uma das partes for entidade pública.





A seleção dos juízes norte-americanos consiste num processo político no qual inexiste concurso público. O juiz é indicado pelo Presidente da República (ou Governador, se juiz estadual), dentre cidadãos não necessariamente bacharéis em direito, o Departamento de justiça verifica a qualificação e investiga a vida pregressa do candidato e, posteriormente, o nome é levado ao Congresso para aprovação. Tal critério de investidura é tradição secular no Direito norte-americano. Apenas em alguns estados que a investidura decorre de eleição popular. Acreditam eles que, embora a investidura seja política, a jurisdição não o é, já que ao juiz é garantida a independência calcada nas seguintes regras:







separação dos poderes;





igualdade entre poderes;





separação do poder judiciário do Ministério da Justiça;





vitaliciedade dos juízes;





remuneração adequada;





irredutibilidade de vencimentos;





pessoal de apoio adequado;





inamovibilidade;





poder de revisão, através dos recursos (ou seja, os recursos contra as sentenças devem ser analisados pelo próprio judiciário);





correção dos erros pelo próprio poder judiciário, sem interferência dos demais;





submissão ao Código de Ética (formulado pelo próprio poder judiciário);





administração dos órgãos judiciais pelo próprio judiciário;





controle das atividades pelos tribunais (através da conferência judicial);





controle dos processos nos tribunais pelos próprios juízes;





controle das atividades diárias pelos juízes;





controle sobre a educação judicial;





controle do espaço e instalações do judiciário pelos juízes;





formação dos profissionais que desempenharão as funções de gerência dos tribunais.





Nos EUA um governante é conhecido pelos juízes que indica, de modo a tornar criteriosa a escolha. É bem expressiva a participação da imprensa na avaliação dos juízes, o que leva à idéia de participação popular, como forma de controle. Além disso, sustentam que a investidura política pode aferir a maturidade e o caráter do candidato, o que não se obtém de forma satisfatória com a realização de concurso público. Lembre-se ainda que a opinião pública deposita grande percentual de credibilidade no Judiciário.





Um juiz federal norte-americano percebe em média a importância de 132 mil dólares por ano (primeiro grau), 140 mil (segundo grau) e 160 mil (Suprema Corte). Os federais possuem uma verba aproximada de quarenta mil dólares anuais para destinar ao seu gabinete, distribuindo-a entre os seus subordinados, da forma que melhor lhe convier. Não há utilização de carros oficiais ou outra vantagem qualquer. Não ouvimos críticas dos magistrados sobre a remuneração.





Não há aposentadoria compulsória. Partem da premissa de que quanto mais experiente o juiz melhor a jurisdição. Em alguns casos, se do desejo do juiz, poderá haver redução da carga de trabalho, e no caso da aposentadoria dos juízes vitalícios é mantida em favor deles um escritório com secretária para eventuais trabalhos acadêmicos.





A assessoria dos juízes é bem difundida. É comum recém-formados ingressarem nos tribunais como assessores de juízes. Aliás, todo bom currículo contém uma passagem por um tribunal, já que posteriormente são os assessores disputados pelos melhores escritórios de advocacia. É uma espécie de estágio, por prazo determinado, sendo os assessores recrutados nas melhores universidades. Dessa maneira, tem-se mão de obra capacitada, estimulada e sem vínculo. A eles cabe relatar processos e ainda as decisões de menor importância, devendo o juiz adotar critérios de modo a evitar a delegação da jurisdição.





Os juízes norte-americanos, estaduais e federais, estão sujeitos a um código de ética, que contém sete princípios básicos:





1- O juiz deve abraçar a integridade e independência do judiciário. - A independência judicial está vinculada a sua credibilidade pública, de modo que o juiz deve manter a independência não só internamente, mas demonstrar para o público que age como tal. O juiz deve manter-se como um símbolo e daí o controle da sua vida privada;





2- o juiz deve evitar improbidade e a aparência de improbidade em todas as atividades. - atividades e contatos políticos; exploração da função judicial (tráfico de influência); comportamento pessoal e correlatos; desqualificação. É inapropriado que um juiz seja membro de uma associação que faça discriminação de negros, mulher, sexo, religião, raça.





3- o juiz deve exercer suas funções imparcial e diligentemente. - veda-se o nepotismo e favoritismo; as obrigações judiciais têm prioridade. O juiz não deve aconselhar-se com amigos ou técnicos, permitindo-se a consulta apenas entre colegas;





4- o juiz deve engajar-se em atividades extrajudiciais para aperfeiçoar o direito, o sistema legal e a administração da justiça. - falar, palestrar, ensinar; órgãos de deliberação executiva ou legislativa; organizações para melhorar o direito; uso das fontes judiciais. A remuneração para tais atividades não pode superar determinado limite imposto por lei. Qualquer atividade que não importar em melhoria para a imagem do judiciário deve ser evitada;





5- o juiz deve regular atividades extrajudiciais de modo a minimizar o risco de conflito com suas atividades judiciais. Devem ser evitadas condutas que possam o levar aos tribunais. É proibido o exercício de qualquer outra atividade jurídica (advocacia, consultoria etc.); atividades ilegais permitidas, artes, esportes; atividades cívicas, assistenciais e educacionais; proibição do recebimento de fundos e presentes;





6- o juiz deve regularmente arquivar os comprovantes de renda recebidos pela função judicial e atividades extrajudiciais. - limites da compensação (das vantagens); reembolso de despesas; relatórios anuais. É proibido o recebimento de honorários de atividades que tenha exercido antes da sua nomeação;





7- o juiz deve manter-se afastado de atividades políticas. - sem exceções.





Há ainda causas de impedimentos e suspeição que podem ser levantadas por qualquer pessoa e que recebem a denominação de causa de desqualificação. A particularidade é que se mantém em sigilo o nome de quem apresenta a desqualificação. O juiz pode sofrer o impeachemant (afastamento da atividade judiciante), sem prejuízo da condenação penal, se for o caso.





O juiz não pode receber, a qualquer título, renda mensal que supere determinado limite. As dúvidas são esclarecidas mediante consulta por escrito junto a um órgão específico.





5. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO



O Tribunal Constitucional Federal Alemão, dada a amplitude de sua competência, revelou mudanças no papel da Jurisdição das Liberdades Públicas naquela Nação, bem como no desenvolvimento dos princípios constitucionais. Desse modo, algumas considerações passam a ser feitas a respeito da estrutura daquele Órgão Judicial.





O artigo 94, alínea 2, frase 1, da Lei Fundamental, remete para a norma infra-constitucional a regulamentação do procedimento e organização do Tribunal Constitucional Federal. Na 116a sessão do Parlamento Federal, em 1 de fevereiro de 1951, a mencionada lei foi aprovada, tendo entrado em vigor em 16 de abril de 1951.





O Tribunal Constitucional Federal, com status de órgão constitucional, detém autonomia organizacional, orçamento próprio e a não-qualificação de seus membros como funcionários. Não há vinculação com o Ministério da Justiça, tanto administrativa quanto orçamentária. A sua composição é de dois Senados, disso resultando uma diferenciação entre o Tribunal Constitucional Federal como unidade organizacional e o Tribunal Constitucional Federal como tribunal sentenciador.





Cada Senado é composto por oito juízes, que devem ter completados 40 anos de idade, ser elegíveis para o Parlamento Federal e haver declarado, por escrito, estar dispostos a tornar-se membros do Tribunal Constitucional Federal, possuindo ainda aptidão para a judicatura, de acordo com o Estatuto da Magistratura alemã. Esses juízes não podem pertencer nem ao Parlamento, ao Conselho ou ao Governo Federal, nem a órgãos estaduais correspondentes. A atividade judicial é incompatível com uma outra atividade profissional, exceto a de professor de direito em uma escola superior. O mandato tem a duração de doze anos, ou até o limite de idade de sessenta e oito anos. A investidura no cargo decorre de processo político, pelo sitema de eleição, através das duas corporações políticas federais: Parlamento Federal e Conselho Federal. A escolha recai, em parte, sobre juízes integrantes de tribunais federais superiores, competindo, nesse caso, ao Ministério da Justiça Federal a realização da lista de todos os juízes aptos ao cargo de juiz constitucional. Outra lista é apresentada, também pelo Ministério da Justiça, daquelas pessoas que preenchem as condições legais. A nomeação compete ao Presidente da República.





Ao Tribunal Constitucional Federal compete a solução de conflito entre órgãos estatais, de conflitos federativos (entre a Federação e os estados), o controle de normas (abstrato e concreto), o julgamento do recurso constitucional individual (pretensão de pessoa física ou jurídica contra ato ou omissão do poder público, tendo como questão de fundo a Constituição), do recurso constitucional comunal (dos municípios contra leis e decretos), acusação contra o Presidente da República e contra um Juiz.





O controle abstrato tem por fim exclusivo a defesa da Constituição e serve somente ao exame de normas jurídicas. É verificada a conformidade do direito federal e estadual com a Constituição, além da conformidade do direito estadual com o direito federal, de modo a ser considerado guardião da Constituição e do direito federal. Não raro reconhece a Corte que a lei ou a situação jurídica não se tornou "ainda" inconstitucional e exorta o legislador a que proceda - às vezes dentro de determinado prazo - à correção ou à adequação dessa "situação ainda constitucional". No controle concreto, a jurisdição do Tribunal Constitucional Federal decorre da iniciativa de Tribunal inferior que, ao julgar um litígio, suscita dúvidas sobre a validade de norma sobre a qual será fundamentada a decisão. Dessa maneira, o procedimento será suspenso e o órgão judiciante pedirá o pronunciamento do Tribunal Constitucional Federal, que, ao concentrar a competência sobre o controle constitucional, garante a uniformização de jurisprudência e, consequentemente, a unidade da federação. Vale lembrar que apenas a questão de direito será apreciada pelo Tribunal Constitucional Federal, cabendo a controvérsia fática ser dirimida pelo órgão judicante inferior.





As decisões do Tribunal Constitucional Federal possuem força de lei. Não que sejam equiparadas a lei (formal e material), mas apenas que têm semelhança com a lei, uma vez que vinculam todos os tribunais, setores do poder público, pessoas naturais e jurídicas, e também pelo fato de delas não ser cabível qualquer espécie de recurso.





A atividade do Tribunal Constitucional Federal tem contribuído para o desenvolvimento dos princípios constitucionais, a saber: o Princípio do Estado de Direito, o Princípio do Estado Social, o Princípio Democrático e o Princípio Federativo.





Do Princípio de Estado de Direito emerge o preceito da proporcionalidade, impondo a proibição de excesso do legislador como resultante da essência dos direitos fundamentais. A regra geral é de que o particular deve ficar preservado de intervenções desnecessárias e excessivas, já que uma lei não pode onerar o cidadão mais intensamente do que o imprescindível para a proteção do interesse público. No direito penal o preceito da proporcionalidade se expressa no preceito da adequação da pena (a pena deve corresponder a gravidade do ato e a culpa do autor). No direito processual penal, denota-se que a medida constritiva de direitos fundamentais deve ocorrer apenas quando extremamente indispensáveis a efetividade do processo (busca e apreensão, prisão provisória, execução de pena privativa de liberdade). De igual forma, no direito administrativo (limites ao exercício da profissão, desapropriação, direito à liberdade de ação, regulação de taxas, atividade das autoridades administrativas).





O preceito da certeza jurídica e da proteção à confiança são elementos constitutivos do Princípio do Estado de Direito, nos quais se veda ao poder público (legislador) ofender o ato jurídico perfeito, direito adquirido ou coisa julgada, mediante a elaboração de normas retroativas. No preceito da justiça material está disposto que, no confronto entre a verdade real e a verdade formal, deve a primeira prevalecer. O princípio da legalidade é base fundamental do Estado de Direito, no qual todos estão vinculados a lei, inclusive o poder público. Direito a audiência judicial, ao juiz natural e a um procedimento honesto são regras, denominadas preceito da máxima proteção jurídica, as quais garantem a efetividade dos direitos fundamentais. O princípio da separação dos poderes, que garante a independência do judiciário como garantidor dos direitos fundamentais, e o princípio da isonomia, que garante a igualdade de tratamento entre o Estado e os particulares.





O Princípio do Estado Social prescreve as regras básicas do direito de propriedade, de uma ordem social justa, da estrutura do funcionalismo público, da previdência e assistência social, do ensino superior e da garantia financeira da velhice. O Princípio Democrático garante a aplicação concreta da cidadania, bem como do exercício do direito fundamental à liberdade de opinião, à liberdade de informação e à liberdade de imprensa. Por último, o Princípio Federativo declarado pelo Tribunal Constitucional Federal ao admitir que a Alemanha tem como membros a Federação e os estados, com sequelas na repartição de competência legal e material.





6. PODER JUDICIÁRIO. INDEPENDÊNCIA E NEUTRALIDADE.



O Direito é concebido como uma ciência, abstraída de influência política, social ou econômica. É a sua pureza científica que se pauta, classicamente, no emprego da lógica formal; na pretensão de completude; e na neutralidade da lei e do intérprete. Em contraste, a teoria crítica do Direito preconiza a atuação concreta, a militância do operador jurídico à luz das transformações da sociedade, sendo falsa a crença de que o direito seja um domínio neutro e politicamente neutro. No Brasil, o movimento do direito alternativo, uma evolução da teoria crítica do direito, busca novo paradigma, com a superação do legalismo estreito, mas tendo como limites (ou conteúdo racional) os princípios gerais do direito, que são conquistas da humanidade e serão desenvolvidos com mais vagar, tendo como limites, de um lado, o caso concreto e, de outro, os princípios universais do direito.





A neutralidade do aplicador do direito se dilui na imparcialidade - falta de interesse imediato na questão - e na impessoalidade - atuação pelo bem comum, e não para o favorecimento de alguém. O que parece simples, para uns chega a ser utópico. O Constitucionalista Luís Roberto Barroso prega que a neutralidade pressupõe algo impossível: que o intérprete seja indiferente ao produto do seu trabalho. Segundo preleciona, há uma infindável quantidade de casos decididos pelo Judiciário que não mobilizam o juiz em nenhum sentido que não o de burocraticamente cumprir o seu dever. Outros tantos casos, porém, envolvem a escolha de valores e alternativas possíveis. E aí, mesmo que não atue em nome dos interesses de classe ou estamentais, ainda quando não milite em favor do próprio interesse, o intérprete estará sempre promovendo as suas próprias crenças, a sua visão de mundo, o seu senso de justiça, que aliás pode já ser do conhecimento das partes, de modo a colocar em dúvida até mesmo dogmas como o pré-julgamento.





Aspira-se, contudo, no sistema jurídico normativista, perante o direito posto, que o juiz seja neutro, racionalmente educado para a compreensão, para a tolerância, para a capacidade de entender o diferente, seja o homossexual, o criminoso, o negro, o miserável ou o deficiente. Definitivamente, o juiz não pode ignorar o ordenamento jurídico, legislando positivamente, embora possa, motivadamente, adequar a norma a princípios maiores e previstos explicitamente na Constituição Federal. Deve o juiz explorar ao máximo as potencialidades do conjunto normativo.





7. CONCLUSÃO



1. A efetividade das garantias fundamentais depende tanto da adequação das normas constitucionais a uma realidade social (governabilidade) quanto de um Poder Judiciário suficientemente independente.





2. As regras de hermenêutica devem atentar para a supremacia da Constituição inclusive em face do Direito Internacional.





3. O Princípio da Irretroatividade da Lei, um dos pilares do Estado de Direito, deve ser bem delimitado pela norma constitucional, de modo a evitar que controvertidos conceitos sobre ato jurídico perfeito e direito adquirido causem frustrações e descrédito das Instituições.





4. O poder vinculante da Suprema Corte dos EUA e do Tribunal Constitucional Federal Alemão garante a uniformização de jurisprudência sobre questões constitucionais e, via de consequência, a unidade da federação e credibilidade do Judiciário como garantidor dos Direitos fundamentais.





5. No Sistema Jurídico Normativo ao Judiciário é vedado legislar positivamente, cabendo-lhe apenas a aplicação do Direito Posto com limite, contudo, nos Princípios Gerais de Direito inseridos na Constituição Federal.





8. BIBLIOGRAFIA



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Retirado de: http://www.uff.br/direito/artigos