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Direito e Poder

O lado de dentro, e o lado de fora

"O papel do intelectual não é mais o de se colocar `um pouco na frente ou um pouco de lado´ para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da `verdade´, da consciência, do discurso."

* Michel Foucault

A sociedade, ocidental, cristã, contemporânea, chegou à globalização e ao neoliberalismo, traçando um caminho que, muitas vezes, obrigou a criação de desvios que, depois de abandonados, continuam figurando no mapa do caminho do conhecimento social, mas que, é evidente, levam a lugar nenhum.

No Brasil dos nossos dias, experimentando os primeiros passos de democracia pós Constituição de 1988, observamos o surgimento de uma profusão de organismos, criados em torno do compromisso de ajudar a pensar os problemas sociais. São agrupamentos de pessoas, o mais das vezes, originárias das classes médias, com relevante formação moral, intelectual, e, sobretudo muito bem intencionadas, e com excelente disposição para o trabalho, que sabemos árduo. Sucede que, a sociedade concorrencial dos nossos tempos se faz presente no interior de tais organismos, sem que se perceba, como que subliminarmente.

Muitas vezes, tem-se, no exercício dos potenciais individuais, confrontos entre os pares, que levam a desvios conceituais, e que neutralizam o potencial produtivo do grupo. Como conseqüência, mais comum, o grupo sobrevive buscando reforçar as amarras dos elementos comuns aos pares, que ao fim e ao cabo, outra coisa não é que o elemento original que patrocinou o próprio agrupamento. Nesse momento dá-se o "espírito de corpo" e perdem-se as referências socioculturais que, em última instância, devem sempre nortear o trabalho humano.

Tomando o campo das profissões, encontraremos o ambiente onde sobejam as propostas de novos rumos, visando "consertar" as imperfeições das políticas públicas. São médicos, engenheiros, militares, um sem fim de profissões. Entre estes encontraremos também os pensadores do Direito, com efeito, não seria por falta de objeto que os juristas se fariam ausentes nesse momento da história política brasileira.

A radical disparidade entre o desenvolvimento tecnológico e humano, abala profundamente as bases da nossa sociedade. Temos pois, um problema de Estado, mais, temos um problema no Estado. Além fronteiras, perceberemos os vários graus possíveis de avanço no sentido da superação do caos que nos ameaça. Tão importante será observa-los, quanto importante é não perdemos a referência maior, que é a nossa identidade nacional, a nossa História.

O Brasil não faz exceção no mundo ocidental-cristão, é um país historicamente constituído a partir de relações com culturas pré existentes que determinaram a estrutura que hoje temos. Na contramão de um pensamento que, parece-nos, entorpece boa parte da capacidade cognitiva das nossas elites, devemos reconhecer que em nada nos ajuda a mera especulação de como seriamos se não fossemos o que somos. Somos uma sociedade impar, caótica é verdade, porém como todas, o que nos leva de volta ao lugar de onde partimos. É improcedente a discussão que parte de comparações além fronteiras. Seria supor que o caos britânico é menos importante para os ingleses, que os franceses estariam indiferentes aos seus problemas, que o Estado canadense advém como o verdadeiro Nirvana.

Em terras brasileiras, nesses cinco séculos, constituímos o Estado brasileiro, republicado, democrático, e com as mazelas típicas do nosso espírito macunaímico. É este o nosso objeto. Este espírito se espraia por todos os setores da nossa sociedade, logicamente, se faz presente em nossa estrutura estatal republicana, que, por força de conseqüência, alcança o Poder Judiciário.

Aos militantes do Direito cumpre buscar as alternativas que visem superar as mazelas que põem em risco o funcionamento da estrutura judicial. Será, muitas vezes, com sacrifício do conforto que o `intramuros´ das especialidades oferecem. Comprovadamente, não repercute mais, a omissão que se materializa em denúncia dos governos geradores de todos os desmandos. É tempo de assumirmos, como cidadãos nossas responsabilidades, e, se necessário, enveredar pelos descaminhos do poder do Estado, buscando tomar em mãos o timão da nau e alterar o seu rumo.

Grandes momentos da história, o mais das vezes, são convenientemente esquecidos, ou não percebidos, pelo povo como um todo, bem como, por seus partícipes em particular. Lembremos aqui que, antecedeu à elaboração da nossa atual Carta Magna, uma chamada comissão de notáveis que elaborou seu anteprojeto, a referida comissão trazia no seu corpo constitutivo, cinqüenta cidadãos, na maioria de notório saber jurídico, dos quais um mínimo irrisório se dispôs a oferecer seu nome ao sufrágio universal que lhes outorgasse o efetivo poder constituinte.

O debate intramuros é extremamente importante, é o marco inicial, desde que não perca a referência de que o muro tem dois lados, não existe muro de um lado só, o lado de dentro só se materializa na realidade do de fora, e vice-versa.

Edificaremos magníficas bibliotecas com a bibliografia que trata da relação, `sadomasoquista´, do Direito com a Política. O assunto tem conferido notoriedade intelectual a muitos, tanto quanto e o mais das vezes, propicia a tão buscada ascensão social. A história brasileira, no que se refere à produção intelectual, é pródiga, em especial, no que diz respeito ao mundo do Direito. Já fomos chamados o país dos bacharéis "em Direito" e nem por isso nosso sistema judiciário se impõe no Estado, chamado ironicamente, de Direito. A indignação não isenta de responsabilidade. Se aos juristas parece que o cerne dos problemas do sistema judiciário está no Governo, caberá, como militante do Direito, senão como cidadão, buscar minar a subserviência com que os operadores do Direito, a rigor, têm se colocado junto aos governos.

Em tempo, cumpre ressaltar que já se esboça uma aproximação maior entre Direito e sociedade, a partir de uma militância concreta e efetiva junto a organismos sociais e governamentais, conseguimos abrir alguns espaços que começam a por em cheque irremediavelmente, as velhas estruturas. O novo perfil das Ordens dos Advogados espalhadas pelo Brasil, bem como a performance que vem demonstrando o Ministério Público na maioria dos estados membros da federação, têm aberto magníficos precedentes no sentido de demonstrar que a mudança se faz possível, desde que colada à realidade das necessidades do povo como um todo.

Milton Alves - Acadêmico de Direito da Universidade Paulista (Campus Pinheiros) Turma DR3P22

Artigo retirado de: http://www.direito.4t.com