Liberdade dentro da sociedade.
Alvaro Valle
O livre-arbítrio é a possibilidade de escolher, sem restrições, até mesmo a escravidão. A liberdade é a ausência de restrições à realização plena do homem. A confusão entre estas duas noções é muito perigosa para a sociedade.
O homem procura, naturalmente, a Liberdade. No entanto, uma concepção egoísta de liberdade a desvincularia da natureza humana.
O homem é livre, sim, quando pode realizar-se de acordo com as leis naturais, sem sofrer coação irresistível; contudo, a busca da liberdade não nos autoriza a agir contra a natureza, o senso comum, o bem-comum. Há limites, independentes de nossa vontade.
Quando fazemos o que queremos, mas que contraria a natureza, estamos exercendo nosso livre-arbítrio, mas não o nosso direito à liberdade. Por exemplo, quando alguém se droga, não está exercendo a sua liberdade. Pelo contrário, está-se escravizando. Ao tomar a droga, a pessoa exercitou apenas o seu livre-arbítrio. A liberdade é exercida dentro da moldura da natureza, da ética e da moral. É assim que o PL a entende em seu Programa.
Ao longo dos tempos, o problema tem sido o de saber quais são esses limites da liberdade individual. O homem vive comunitariamente, e o Estado surgiu para estabelecer leis e regulamentos condizentes com a harmonia social desejada.
Sabemos que o Indivíduo, a Família e a Sociedade pré-existiram ao Estado, que nasceu para servi-los e disciplinar a sua convivência, defendendo os seus direitos.
O que se pretende, aqui, é discutir:
Esta é a essência do humanismo cristão, tal como tem sido exaustivamente definido. O homem não é, apenas, uma molécula do organismo social. O bem do indivíduo não está somente subordinado ao mecanismo sócio-econômico. O homem, sujeito autônomo de decisão moral — já o citamos anteriormente — não tem a sua sociabilidade baseada tão só no Estado, mas na família e nos grupos de toda a ordem (políticos, profissionais e culturais).
O marxismo, por exemplo, caiu em todo o mundo porque não previa a liberdade humana, nem cultural.
O sistema falhou porque contrariava a ordem natural que fez o homem livre.
Vamos ver como diferentes doutrinas encararam o direito à liberdade e os seus limites diante do Estado ou do poder.
- NO LIBERALISMO CLÁSSICO -
Locke (1632-1704) talvez tenha dado início ao liberalismo, pois já percebera os riscos de os poderes estarem todos concentrados no Rei. Para ele, ao Estado caberia assegurar a liberdade e assegurar a propriedade.
Montesquieu (1689-1755) foi o primeiro liberal a preocupar-se, mais profundamente, com a organização do Estado e com o seu funcionamento.
Em sua obra O Espírito das Leis, defende que, para evitar abusos, os poderes do Estado devem ser divididos: Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um sendo exercido por um ramo diferente. Este modelo influenciou decisivamente a Constituição Americana de 1787.
Adam Smith
Adam Smith (1723-1790) é o pai do Liberalismo Clássico e fundador da Economia Política.
Em sua maior obra, A Riqueza das Nações (1776), ele associou firmemente a liberdade política à liberdade econômica, preocupando-se:
Após Adam Smith, dois grandes acontecimentos abalaram a ciência política e a economia mundiais, marcando-as fortemente: a Independência Americana (1787) e a Revolução Francesa (1789).
Foi um período rico para o liberalismo, com o aprimoramento dos conceitos de liberdade, igualdade, direitos individuais. Nascia o primeiro Estado realmente liberal, de poderes limitados. As leis seriam garantidas por tribunais independentes. Os cidadãos escolheriam seus dirigentes, pelo voto.
A Revolução Francesa foi mais além, definindo um conceito de "participação" dos indivíduos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (27 de agosto de 1789) assegura o princípio de que "toda soberania reside na nação. Nenhum ente ou indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressamente dela". Dentro da tradição liberal, lembra que "a propriedade é direito inviolável e sagrado".
- NO SOCIALISMO E MARXISMO -
O processo histórico foi-se desenvolvendo, surgindo mudanças radicais nos campos econômico, político, social, científico e tecnológico.
Todavia, a preocupação obsessiva e exclusiva com a liberdade individual e com a propriedade privada ia gerando modelos econômicos individualistas e injustos e arbitrários, a serviço da dominação dos mais poderosos. Tais modelos não poderiam satisfazer à grande massa, ao corpo social no seu conjunto. O liberalismo político, já então, servia apenas de suporte ideológico para garantir a liberdade econômica daqueles que já eram proprietários. O Capital passou a ser sagrado, uma nova forma de propriedade — intocável — e o trabalhador acabou tornando-se mercadoria, sujeita ao mercado, não se cogitando do mínimo necessário para o sustento vital do indivíduo e de sua família. O desemprego significava, literalmente, fome, pois não havia qualquer espécie de previdência ou seguridade social.
A Revolução Industrial veio tornar mais evidentes e dramatizar as injustiças sociais, pois não limitava horários de trabalho, sexo, idade do operário ou salário injusto.
O progresso indiscutível do mundo não trazia apenas valores positivos, como o desenvolvimento das indústrias, a criação de novos empregos e a evolução científica e tecnológica. Há outro lado, a acumulação e concentração de riqueza, a miséria das massas. A par da tomada de consciência dos trabalhadores de seus direitos fundamentais.
Começava a acumular-se a grande "dívida social" e, com ela, vinham as reações radicais e revolucionárias ao capitalismo selvagem.
O Socialismo, diz-nos Merquior, não era, em suas origens, uma teoria política, mas econômica, que procurava reorganizar a sociedade industrial.
Há, em verdade, vários tipos de socialismo. Todos eles, no entanto, consideram a liberdade do indivíduo em função da coletividade, e não acima dela.
- Marx -
Karl Marx (1808-1883), que se tornou o mais importante socialista, vê no mundo à sua volta o modelo da exploração capitalista, conseguindo empolgar os vários movimentos socialistas do seu tempo.
Marx foi um pensador teórico, mais preocupado com idéias do que com o modelo de uma sociedade concreta. Para ele, o conceito burguês de liberdade é errôneo, servindo tão-somente para reprimir o proletariado e aliená-lo.
Com efeito, Marx nunca valorizou os direitos civis (de expressão, credo, profissão, associação, etc). O socialismo marxista e todos os governos conduzidos pelo regime comunista sempre refletiram esse menosprezo pelos direitos civis.
Tomando de Hegel a noção do processo dialético, Marx define que a sociedade será levada pela luta de classes a uma inevitável revolução, que culminará com a vitória do proletariado. Essa ditadura será uma fase na passagem para a sociedade socialista, uma sociedade sem classes e justa.
Marx vivia num mundo de absoluta exploração do trabalho, alheio à ética e à justiça. Imagina, dessa forma, que o processo teria agravamento continuado, com o acúmulo cada vez maior de riqueza pelo capitalista e a conseqüente exploração progressiva do trabalhador. Chegaria ao ponto em que o operário não mais resistiria, tornando inevitável a revolução.
Marx rejeitava totalmente a propriedade privada e sacralizava o proletariado, responsável pela revolução, porque, afinal, era o único interessado nela.
Marx pregava a ditadura do proletariado, o partido único e a supressão das liberdades burguesas, para que se pudesse chegar à sociedade comunista ideal, sem os vícios do passado.
- O Fracasso do Marxismo -
Embora tenha analisado, com acuidade, o mundo em que vivia, Marx não foi feliz em suas previsões do futuro. As sociedades comunistas, como sabemos, não surgiram das grandes sociedades industriais, como a Inglaterra ou Alemanha, que permanecem liberais. Vieram de países em fase pré-capitalista — como a Rússia e a China — e nestes o poder foi entregue, não ao proletariado, mas a soldados descontentes, agricultores sem terra e, depois, a burocratas do partido. Estes criaram em seguida sociedades industriais, contrariando toda a fatalidade dialética.
O modelo comunista fracassou porque desconheceu a natureza humana, a liberdade e os direitos naturais. Ideologicamente, tentou adaptar o homem ao mundo imaginário de Marx. Como resultado, em vez de progresso, conduziu os países ao atraso e a ditaduras desumanas.
- NO PÓS-SOCIALISMO -
Depois das guerras de 1914 e 1939, o mundo estava cansado do egoísmo antiético e anti-humanista do liberalismo clássico e dos vícios do capitalismo selvagem. Havia tereno fértil para os variados tipos de socialismo.
Havia também a consciência generalizada de que o mundo se encaminharia para o socialismo, concebendo uma sociedade talvez mais justa e igualitária.
O Estado ia aumentando seus instrumentos de ação, seus tentáculos, e estabeleciam-se restrições à propriedade privada. Durante longo período tivemos Estados fortes, protetores, administradores e centralizadores.
Os tempos pós-guerra — após 1918 e 1945 —, entretanto, trouxeram de volta a rotina do progresso das nações. O desenvolvimento tecnológico diversificou enormemente a produção, e o Estado não mais teve competência para administrar o mercado. Nem para produzir industrialmente a custos competitivos. Nem para, sequer, produzir alimentos baratos e abundantes para abastecer seus próprios povos.
O mundo foi-se conscientizando de que os regimes socialistas não haviam proporcionado nem liberdade, nem justiça.
A acusação — corrente entre os socialistas — de que o Estado burguês estava a serviço da classe e elite dirigentes, passou a aplicar-se, com mais propriedade, aos seus próprios regimes.
Neste espaço, crescia o "esquerdismo" (a caricatura, tão temida por Lenin). Sem conseguir escudar-se na análise científica e sem respaldo na realidade dos fatos, a esquerda radical moderna foi-se reduzindo a frases feitas, preceitos e "slogans", repetidos com fervor quase religioso. Perdido totalmente o senso crítico e da realidade, os esquerdistas não consideram, sequer, os pontos positivos e realizações que se podem creditar ao capitalismo, ao longo da História.
Irrealistas, os esquerdistas ainda falam em ditadura do proletariado, enquanto os operários — que sabem bem o que querem — desejam liberdade e empresas fortes que lhes dêem mais empregos, melhores salários e efetiva assistência e seguridade social. Não querem destruir as classes mais favorecidas: querem acesso a elas.
- Social-Democracia -
Tentando compatibilizar socialismo e democracia, um grupo de políticos e pensadores esforçou-se por renunciar, na gestão pública, ao dirigismo econômico absoluto e à dominação total da economia pelo Estado. Compreendeu, pela visão dos fatos, que o dirigismo socialista provocava sempre ineficiência econômica e despotismo político. Mas não abriu mão da idéia da coletividade prevalecendo sobre o indivíduo. São os sociais-democratas.
Buscam a igualdade por meio do "Estado protetor", que atenda às necessidades elementares da população, sem renunciar à "orientação oficial" da economia. Insistindo em juntar contrários, tendem à burocratização para administrar o Estado e a sociedade.
A social-democracia defende a liberdade individual, tal como os liberais, mas enxerga o indivíduo como uma célula apenas da comunidade.
- NO NEOLIBERALISMO -
O neoliberalismo é uma doutrina liberal que o PL não aceita por considerá-la ultrapassada e tão ideológica quanto o socialismo. Parte de premissas estabelecidas e sobre elas assenta rigidamente um programa radical. Talvez por isso, José Guilherme Merquior o tenha chamado de paleoliberalismo. É quase religiosa a sua crença no mercado, e seus maiores teóricos são Von Mises (1881-1973) e Hayek (1899-1992).
Voltam, com os neoliberais, antigos conceitos: mercado intocável e rejeição absoluta do Estado.
Os liberais clássicos chegavam a aceitar a intervenção protetora do Estado em áreas fundamentais, como navegação e a educação dos pobres, dentre outras.
Os neoliberais nem isso admitem. Acreditam que qualquer intervenção desequilibra o mercado, provocando outras intervenções em cadeia para corrigir os desequilíbrios resultantes.
Justiça Social e Bem Comum não existem para os neoliberais. Seriam meras desculpas de grupos de pressão, que pretendem satisfazer seus interesses às custas do Estado e dos que produzem.
A miséria, numa sociedade competitiva, seria um preço inevitável a pagar. Negam os serviços sociais e a assistência do Estado.
Um mérito tem de ser creditado ao neoliberalismo. Ele fez voltar à ciência política a noção de que é impossível haver democracia política sem democracia econômica, verdade que o socialismo havia feito esquecer.
Raymond Aron, um dos maiores liberais contemporâneos, resumia sua crítica ao neoliberalismo em uma frase: "Eu não recuso a Hayek minha admiração. Mas eu me reservo de dar-lhe minha fé".
Na prática, os neoliberais defendem apenas a liberdade dos proprietários e empresários. A supressão da liberdade dos outros, pela miséria, é aceita por eles como uma realidade inevitável e indispensável. Enquanto Marx aceitava a supressão das liberdades na busca da sociedade justa, os neoliberais aceitam essa supressão na defesa das leis do mercado.
A realidade nos mostra que a competição perfeita é impossível, e assim cai por terra toda a ideologia neoliberal. Para eles, liberdade é uma palavra de "marketing", de que se servem para a defesa dos que só pensam em maiores lucros.
- NO LIBERALISMO SOCIAL -
Como vimos e continuaremos a ver ao longo deste volume, para nós, liberais sociais, a liberdade é entendida em sua dimensão humanística. Ela é uma essência da natureza humana e, por isso, um direito natural. Também por isso, ela só pode exercer dentro do quadro da natureza e destina-se à plena realização do homem e à busca do Bem Comum.
retirado de:
http://www.pl.org.br/culturapl/cap3.htm