A liberdade - o pudor - a estabilidade social
Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
04.04.97
A LIBERDADE
Tiradentes
transmitiu através dos tempos a imagem de paladino da liberdade.
Mártir da
Inconfidência
Mineira encarnou a idéia de uma revolução libertadora,
a exemplo da que
havia sido
feita na América do Norte, amadurecendo esse pensamento, à
medida que
tomava consciência
da riqueza de sua terra e da exploração de que era vítima
o seu povo
por parte
da metrópole.
O homem sempre
lutou e lutará por sua liberdade e a dos seus, pois ela é
um bem supremo,
um valor que
dá conteúdo à vida, e o desfrutar desse bem traz paz
e alegria a todos os
corações.
Cabe aqui,
nesses momentos em que vem à tona a palavra liberdade, formular
a seguinte
reflexão:
quanto luta o homem por sua liberdade e pensar que por dentro é
tão escravo!
Escravo de
idéias, crenças, tradições, da vaidade, do
orgulho e de outras não menos
perniciosas
debilidades.
A luta do homem
de hoje não é mais ao nível daquele então histórico
movimento da agora
comemorada
Inconfidência Mineira, mas voltada para a conquista da liberdade
interior,
posto que
a ignorância, a incapacidade e a impotência representam elos
de uma corrente
que mantém
o homem preso em si mesmo. Haverá de romper esses elos com sua
inteligência,
pensando como tirá-los para poder ganhar a verdadeira liberdade.
Ela é como
o espaço,
de cada um depende que seja amplo ou limitado.
Reduzem a liberdade
os atos equivocados, os erros e faltas, o mau comportamento e a
ignorância.
Para o humanista GONZÁLE PECOTCHE, a liberdade, que é fundamento
essencial
da vida, forma o vértice do triângulo cuja base descansa no
dever e no direito.
Frente a esse
ternário que plasma a síntese da responsabilidade humana
haverá que alçar a
consciência
dos homens e fazer que ela se manifeste em todo seu esplendor e máxima
potência.
O futuro da humanidade depende dessa realização. Neles encontrará
a chave que
assegurará
a paz sobre a terra.
Essa imagem
do triângulo é eloquente e ela está estampada, bem
a propósito, na bandeira
da Inconfidência.
A liberdade é um bem que dá conteúdo à vida.
Ela é o fruto de uma
conquista
que o homem fez ao cultivar sua inteligência, elevar sua moral e
estender a
cultura por
todos os pontos da terra.
É certo
que o que põe em perigo de perder essa liberdade, temporária
ou definitivamente
é o
abuso ou mal uso que dela se faz. Para o referido humanista deste século
aqui citado,
os homens
e os povos nasceram para ser livres e quando forças estranhas ou
alheias a
suas vontades
ameaçam com extinguir essa liberdade, a alma humana se sobrepõe
a todas
as contingências
e a todos os sacrifícios para que ela seja como deve ser; como é:
um bem
supremo do
qual ninguém poderia renegar sem prejudicar seriamente sua natureza
humana
e seu destino.
"A liberdade
individual, inspirada nas profundidades da consciência, permite ao
homem
ser útil
a seus semelhantes, à sociedade e a todo o mundo, desde que buscando
a
superação
pelo esforço, e a capacitação mental pelo exercício
da inteligência, encontra
dentro de
si, na intimidade de seu coração e na potência de seu
pensamento, inestimáveis
recursos que
lhe permitem por de manifesto, em proveito dos demais, o fruto de seus
estudos, de
suas meditações que sempre, em todas as épocas, serviu
como ponto de
referência,
muitas vezes de incalculável utilidade, tanto aos homens de Estado
para a
direção
dos negócios de seu país, como aos que têm a seu cargo
o estudo e sanção das
leis que fazem
possível o mantimento da estrutura política em suas formas
respectivas de
governo, e
da social, em seus múltiplos aspectos".
"A livre exposição
das idéias é sinal inconfundível de progresso e civilização,
quando elas
tendem para o bem e constituem uma contribuição para a solução
dos
problemas
ou para o aperfeiçoamento das leis e das normas vigentes na sociedade
e
também
quando contribuem ao melhoramento da inteligência, da moral e de
tudo quanto
concerne ao
ser no sentido de aumentar seuas possibilidades e estender sua vista para
outros e mais
altos destinos. Porém se a liberdade individual é afetada
em seus mais
legítimos
e naturais direitos de expressão, o espírito se coíbe,
a razão sofre o agravo
inferido à
dignidade, e o povo todo, ferido em seus mais fundos sentimentos e rebaixado
em sua condição
moral, chega a se perverter, seja pela indiferença, ou pelo servilhismo
ou
pela irresponsabilidade"
Não
resta dúvidas que a licenciosidade e desbaratamento e desperdício
das prerrogativas
que a liberdade
confere foram os fatores que comprometeram o conceito de liberdade e é
isso que deve
ser evitado, para que de uma vez por todas voltemos pelos caminhos da
ordem e da
limpeza moral, mas sem prejudicar os nobres fins da liberdade em sua mais
pura e diáfana
expressão de plenitude. Lutar pela liberdade é lutar, enfim,
em defesa da
própria
vida, porque uma não existe sem a outra.
A vida sem
a liberdade perde todo seu conteúdo moral e espiritual. Nesses duzentos
anos
da Inconfidência
Mineira (21 de abril de 1792), em que o Libertas quae sera tamen se
tornou a bandeira
do ideal de liberdade - com um sugestivo triângulo ao centro, imagem
da real liberdade
- somos levados a refletir que somente o conhecimento, esse grande
agente equilibrador
dos domínios da consciência, pode tornar o ser mais livre,
ou seja,
aumentar o
direito de uma maior liberdade, ainda quando condicionando esse direito
às
altas diretivas
de seu pensamento.
E assim, enquanto
o conhecimento confere uma maior liberdade a quem sabe usá-la com
prudência
e inteligência, a ignorância a reduz como também a reduzem,
já o dissemos, os
erros e as
faltas que se cometem.
O PUDOR
Na conceituada
Coluna "ANNA MARINA", do jornal "Estado de Minas"de 16 de outubro
último,
sob o título "Pudor, artigo em falta em nosso Brasil", a articulista
interina Heloisa
Aline Oliveira,
em certa altura do seu artigo pondera que:
"Não
que eu seja moralista, mas ultimamente, me intriga como as pessoas, de
maneira
geral, botam
suas intimidades na rua despudoradamente, como se isso fosse sinônimo
de
modernidade."
Em outro trecho,
refere-se às cenas eróticas e violentas ou de horror que
entremeia os
programas
destinados ao público infantil, nos canais de televisão,
em franco desrespeito,
a nosso ver,
à inocência da criança, desse ser humano em formação,
esquecendo-se os
responsáveis
por isso, a que a influência negativa dessas imagens na mente do
menor é
desatrosa.
Ora, dois pontos
importantes e que merecem profundas reflexões foram tocados nesse
trabalho,
ou seja, a preservação da intimidade de cada um, valor conquistado
pela
humanidade
através dos tempos e que hoje mais do que nunca está sendo
perdido, em
prejuízo
da felicidade do ser humano e o outro, o da preservação da
mente infantil, fértil
por excelência,
e que deve ser cuidada e preservada pelo adulto responsável, como
um
tesouro, onde
as imagens ali plasmadas ficam indelevelmente impressas, comprometendo
para o bem
ou para o mal, o caráter em formação do futuro ser
adulto. Ao tornar pública a
intimidade
o ser está vivendo e se colocando fora de si mesmo, fica vulnerável
à
maledicência
alheia, perdendo todo o controle e domínio do que lhe pertence e
lhe é
próprio,
resultando disso um profundo vazio e tristeza, inexplicáveis.
Pouco se tem
falado sobre o pudor, valor moral que o ente humano traz consigo
naturalmente
e que na convivência hipócrita dos nossos dias é perdido
pouco a pouco,
irremediavelmente,
em nome de uma falsa modernidade e modismos que poderiam ser
"normais"
para o momento, talvéz, mas que não são naturais para
a vida. Não poderiam
ser essas
as causas da infelicidade humana, ao não saber preservar a própria
intimidade e
romper, de
forma violenta e criminosa, a inocência da infância, forçando
a criança a tomar
contato com
cenas fora de sua realidade da infância?
Quem não
preserva a sua intimidade não pode dizer que pertence a si mesmo.
Não
cometeria
um desrespeito a seu próprio ser aquele que torna público
o que pertence
exclusivamente
a sua privacidade, uma vez que ninguém tem o direito de defraudá-la?
Não
ofenderia
a dignidade humana tal atitude?
E esse direito
à intimidade está consagrado na Norma Constitucional de 1988,
ao afirmar
textualmente
que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das
pessoas, assegurando
o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de
sua violação;"
A nossa intimidade respresentaria, analogicamente, a nossa casa mental,
interna, que
à semelhança da moradia, deixaremos entrar e participar dela
aquelas
pessoas selecionadas
por nós.
Algumas, atenderemos
na sala, outras terão o direito de estar na sala de jantar e outras,
dado o grau
de amizade e afeto, as receberemos na cozinha. Definitivamente, nossa casa,
nosso lar,
não é um recinto público onde entram e saem as pessoas
indistintamente. Algo
semelhante,
segundo a imagem analógica, deveria acontecer com nosso recinto
interno,
representado
por nossa intimidade, reduto inviolável. Há pessoas, entretanto,
que vivem
fora de sua
casa e só a ela recorrem para dormir. Vivem mais tempo fora de si
mesmas e,
desse modo,
não são, infelizmente, donas de suas próprias vidas.
É preciso que
retornemos
ao cultivo de determinados valores morais perdidos no tempo.
Resgatar esses
valores como a honestidade, a honradez, o respeito, a intimidade, o pudor
e outros,
não seria uma forma inteligente de se alcançar a felicidade?
Vive-se voltado
para fora
enxergando valores físicos e perecedouros, aprendamos a olhar para
dentro e
veremos outra
classe de valores que enriquecerão a nossa vida moral, tão
esquecida nessa
sociedade
consumista e distante do cultivo dos reais tesouros que a natureza pode
nos
brindar e
que se encontram encerrados dentro de nós mesmos.
A ESTABILIDADE SOCIAL DEVE PREVALECER ACIMA DE TUDO
Há leis
que matam a livre iniciativa ou anulam a esperança num porvir melhor.
O ideal seria
a elaboração de leis para vigorarem por largo espaço
de tempo".
Sob essa frase
clara e terminante, o ilustre magistrado e professor paulista, Dr. Paulo
Lúcio
Nogueria, desenvolveu notável tese, publicada no jornal O Estado
de S.Paulo, de
4-3-90, defendendo
a chamada estabilidade judíridica, "não só através
de leis duradouras,
mas também
de decisões judiciais uniformes", concluindo magistralmente:
"Somente quando
houver uma ordem jurídica estável, confiável e segura
poderemos
desfrutar
alguma paz social, inclusive com reflexos na esfera econômica e política".
A leitura desse
trabalho convidou-nos a reflexões sobre a importância de se
elaborarem
normas que
venham a contemplar a estabilidade social e, de fato, a resolver os problemas
que lhes deram
origem, deixando de criar outros, às vezes mais grave que aqueles.
As leis humanas
não deixam de ser uma pálida manifestação das
leis universais e devem,
portanto,
ser observados, com critério, os efeitos que causam no cenário
social quando
efetivamente
aplicadas, a fim de que essas leis sejam aperfeiçoadas ou substituídas,
se for
o caso, quando
não cumprem satisfatoriamente o objetivo para o qual foram criadas.
No
entender do
pensador latino-americano Carlos Bernardo González Pecotche, "as
leis
foram instituídas
pela mesma humanidade para que os homens possam, mediante seu
conhecimento,
viver em harmonia e respeitar-se mutuamente"
"Os povos se
regem por leis que, segundo as altas miras invocadas pela legislação,
organizam
a vida social humana sobre bases de ordem, disciplina e respeito comum".
Toquemos, agora,
o ponto referente às imperfeições das leis humanas
e suas
consequências
na vida do homem. As falhas humanas, é inegável, dão
origem a todas as
injustiças
ois muitas vezes - segundo PECOTCHE - se plasmam em normas sociais, em
hábitos,
em leis que inundam os códigos e extraviam o pensamento de quem
tem hierarquia
de mando,
seja qual for sua posição, promovendo equívocos em
suas mentes.
As deficiências
de nossas leis e instituições acarretam, diariamente, como
bem esposado
no trabalho
do festejado prof. Paulo Lúcio Nogueira, que inspirou estas linhas,
sérios
desgostos,
os que bem se poderiam evitar com só tomar as medidas que correspondem.
Entre o que
se deve fazer e o que demanda a consciência pública, desde
o
mais íntimo
de seu sentir, está o aperfeiçoamento das leis existentes,
já que lógico é pensar
que quem as
sancionou não pôde prever o que logo, quando estas foram aplicadas,
assinalaria
a própria realidade como deficiência.
Entrentanto,
é quase geral que os que menos se inteiram das falhas de que podem
padecer
as leis, como
assim mesmo os procedimentos usados para sua aplicação, são
os
legisladores
e homens de Estado. Pois bem é sabido que estes jamais sentem em
carne
própria
o rigor injusto e as enormidades que a pouco menos desvalida sociedade
tem que
padecer.
Há leis
que matam a livre iniciativa ou anulam a esperança do homem num
porvir melhor.
E há,
também, as que deprimem o sentir comum e apagam a confiança
que pode ter o
habitante
de um solo livre, nas instituições que formam a estrutura
jurídica e social de
uma nação.
Há leis injustas e rigorosas que proibem até o último
vestígio da liberdade
individual.
transtornos
e inconveniências à sociedade do que os que tinha antes de
elas existirem.
Tudo isto
é porque não se contempla, depois de sancionada a lei, que
mais são os males
que corrige
e quais os que aparecem com ela".
Aqui está,
pois, uma preciosa orientação para o aperfeiçoamento
de nossas leis: devemos
observar,
quando em vigor as leis, os males que corrigem e quais os que aparecem
com
elas.
E mais: sugere-se
"organizar um arquivo de antecedentes no qual se reuniriam as
deficiências
observadas em nossas leis e em nossa organização institucional
e
adminitrativa".
Os indivíduos
sem responsabilidade são os únicos favorecidos com a imperfeição
orgânica
de nossas instituições e leis. Torna-se urgente o aperfeiçoamento
das
leis e das
instituições que visam amparar a dignidade humana.
Aqueles que
têm em suas mãos esse poder de fazê-lo, deverão
corrigir e aperfeiçoar as
leis, a fim
de que mantenham viva a chama da esperança do cidadão na
leis e instituições
que formam
a estrutura jurídica e social de nosso país.
Eis alguns
elementos que o homem pode utilizar para aperfeiçoar as leis existentes
ou
fazer outras
mais justas. Sendo as leis que se sancionam produtos, muitas vezes, de
estudos parciais,
nos que não se examinam com a devida atenção e consciência
os males
que se quer
corrigir, diante da falibilidade dos homens, sugere-se:
"Toda lei deveria
ser sancionada para reger em prazos peremptórios. Toda
disposi&cced>
A inteligência
do homem pode servir-lhe para resolver muitas situações.
E, quando isso
ocorrer, teremos
outra classe de legisladores e homens de Estado que saberão dar
leis
justas e propícias,
que evitem os excessos e ponham limites razoáveis à ambição.
O autor é
advogado em Belo Horizonte/MG.
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email: chagasfaband@metalink.com.br