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Ensino jurídico e a nova LDB.


ÁLVARO MELO FILHO
Diretor da Faculdade de Direito da UFC. Advogado.
Membro das Comissões de Ensino Jurídico e de Exame
de Ordem do Conselho Federal da OAB.
 
"La formación de juristas universitários exige una sabia y prudente combinación de orientación práctica, de desarrolho serio y profundo de los planteamientos tradicionales de la dogmática, con las necesarias correcciones que exige el mundo dinâmico y dominado por la tecnología en que vivimos, y, por último, de constante preocupacion por una reflexion teórica que haga consciente al jurista tanto de los instrumentos conceptuales y metódicos que maneja, o debe manejar, como de la función política y social que cumple el Derecho en la sociedad."
Gregorio Robles
Propõe-se este trabalho a destacar relevantes aspectos da Lei de Diretrizes e Bases - LDB (Lei nº 9.394, de 20.12.96) e suas conexões com o Ensino Jurídico, sem a menor veleidade de esgotar a matéria, quer em sua extensão, quer em profundidade. Demais disso, busca-se propiciar e animar um debate mais profundo em derredor do tema, sem pretensão de ser ponto de partida ou de chegada, até porque "nem tudo o que se pode é lícito, pois, quem faz tudo o que pode, está muito perto de fazer o que não pode".

A "garantia de padrão de qualidade" (art. 31, IX) insculpida no elenco de princípios da LDB é preocupação evidente e concreta da Portaria MEC nº 1.886/94 que fixou as diretrizes curriculares e conteúdo mínimo do curso jurídico, cogentes a partir do ano letivo de 1997. Com efeito, a integração das matérias e disciplinas componentes dos currículos mínimo e pleno, as quantidades didáticas, as atividades complementares, o acervo bibliográfico, a obrigatoriedade do Estágio de Prática Jurídica e a exigência de monografia jurídica final para a conclusão do curso são parâmetros e instrumentos conducentes à "garantia do padrão de qualidade" do ensino jurídico.

Impende, nesse passo, correlacionar com o ensino jurídico as finalidades da Educação Superior expressas no art. 43 da nova LDB.

a) "I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo".
O ensino jurídico promanado da Portaria nº 1.886/94 não está adstrito a disciplinas jurídicas profissionalizantes, contemplando as matérias categorizadas como fundamentais que "estimulam a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico", ao facultar o conhecimento dos pressupostos sócio-econômico-político-filosóficos, sobretudo através da Filosofia, Sociologia, Economia e Ciência Política que ajudam a uma formação humanística, para que o profissional do Direito, seja qual for a área de sua escolha, saiba o que tem sido, o que é e o que pode ser a presença do direito e da justiça no desenvolvimento da pessoa humana e nas relações sociais. Nesse passo, João Baptista Villela anota que "é necessário que no estudo de Direito jamais se perca de vista o seu pertencimento a uma tessitura maior, sob pena de não se entender o fenômeno social de que ele é um dos instrumentos de controle e de não se entender nem mesmo o seu próprio objeto estritamente considerado. A recorrência torna-se, por conseguinte, uma atitude inadmissível no ensino jurídico, sob este sentido, de que é imperioso sustentar uma via permanente de alimentação do Direito pelas outras ciências sociais, sobretudo as humanas."

Acresça-se que "o desenvolvimento do espírito científico" faz com que o ensino jurídico continue a acolher o Código Comercial de 1850, o Código Civil de 1917 e o Código Penal de 1940, concebidos com lastro em valores, motivação e interesses sócio-econômico-culturais ultrapassados. Com efeito, o Direito Comercial, o Direito Civil e o Direito Penal quadram-se, ainda, entre as 10 (dez) matérias obrigatórias profissionalizantes (art. 6º, II da Portaria nº 1.886/94), conquanto essenciais ao exercício da atividade jurídico-profissional. E mais, hão de estar sempre permeáveis aos novos conceitos e concepções jurídicas que regem as necessidades e aspirações do mundo atual, compelindo docentes e discentes a pensar os novos códigos e não apenas raciocinar com os códigos já existentes. Por sinal, Dalmo Dalari verbera contra os "professores que concebem e praticam o ensino jurídico como sendo a transmissão de informações sobre textos de códigos e leis. O professor lê o texto para os seus alunos, como se estes fossem analfabetos, e faz comentários superficiais, que são pouco mais que a releitura do texto por meio de sinônimos." Observe-se também que, na seara didático-pedagógica, "o código comentado é apenas um momento, não o principal, na formação dos operadores jurídicos que possuam agilidade de adaptação à uma sociedade dinâmica e que necessariamente evolui, mesmo sem a mudança dos textos legais" na análise de Horácio Wanderley Rodrigues.

Outrossim, o desenvolvimento do "pensamento reflexivo" constitui-se na maior preocupação metodológica do ensino jurídico de graduação que deve ser capaz de estimular o raciocínio e a criatividade, de exercitar uma visão crítica e de formar cidadãos conscientes de seu papel na sociedade, ou seja, aptos para entender o contexto onde vão operar e o sentido de sua ação no mundo. Com efeito, o ensino jurídico não pode estiolar-se por força da legislação, doutrina e jurisprudência que se repetem mecanicamente, perpetuando a reprodução rotineira do velho, sem lugar para a atividade crítica das fórmulas vigorantes e criadora de uma regulação jurídica até então desconhecida.

Nesse diapasão, no âmbito do ensino jurídico não há nem deve haver assertivas indiscutivelmente verdadeiras, verdades eternas, e, as afirmações devem ser suscetíveis de discussão e de adequação às realidades. Nos domínios do ensino jurídico há, sobretudo, questões que admitem mais de uma resposta, onde a descoberta do problema é mais importante que a conclusão. No ensino jurídico vive-se numa zona de fronteira entre o problemático e o sistemático, onde se circula à volta do problema, através de diferentes argumentos e dos mais variados pontos de vista e opiniões, buscando, de maneira interdisciplinar e pelo "pensamento reflexivo", preparar segmentos jurídicos não só para trabalhar com a complexidade das questões jurídicas, principalmente em um mundo que se transforma com velocidade inimaginável, em termos políticos, econômicos, tecnológicos e sociais, como também para colaborar, com criatividade, na lapidação de um novo ordenamento jurídico, como se faz indispensável.

b) "II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira e de colaborar na sua formação contínua".

"Garamond">A nova formatação do curso jurídico moldada na Portaria nº 1.886/94 abre ao futuro bacharel em Direito um leque significativo de opções profissionais, dos quais a advocacia é apenas uma via, ao lado de tantos outros setores jurídico-profissionais, como a magistratura, o Ministério Público, a carreira de delegado de polícia, o magistério jurídico e a diplomacia. A par disso, a mencionada Portaria possibilita ao curso jurídico "concentrar-se em uma ou mais áreas de especialização" (art. 8º), estimula a verticalização dos estudos jurídicos em áreas específicas e motiva um conhecimento mais aprofundado de "diferentes áreas de conhecimento" jurídico, ao longo da graduação, que deve estar, umbilicalmente, ligada às vocações de cada curso, às demandas sociais e ao mercado de trabalho. De outra parte, os novos paradigmas e as avançadas estratégias inseridas na Portaria nº 1.886/94 têm por escopo fazer os discentes entender e participar da transformação e do "desenvolvimento da sociedade brasileira", tanto no plano institucional, quanto na órbita sócio-político-econômica, sem olvidar o estímulo que representam para o auto-aprimoramento contínuo ou "formação contínua" na área jurídica.


Com efeito, os diplomados em Direito refratários a lifelong learning ou "formação contínua" devem estar alertados que o diploma vale cada vez menos, tamanha a velocidade do conhecimento, inclusive jurídico. Por isto, a recusa ao aprendizado permanente torná-los marginalizados do mercado competitivo como decorrência da "expansão desordenada das normas dispositivas, programáticas e de organização, o aumento incessante de regras editadas por fatores meramente conjunturais, a expansão irracional das matérias submetidas a controle jurídico, a diluição das fronteiras entre o público e o privado, a emergência de um sem número de fontes materiais de direito abrindo caminho para o efetivo pluralismo jurídico", no magistério de José Eduardo Faria. Seja como for, o Direito é maior do que a soma das leis, vale dizer, está acima de suas fontes formais, e, não fora assim, seria inútil ensinar Direito (Ripert).

Aliás, a "formação contínua" propugnada pela nova LDB conduz, no campo da pedagogia do Direito, à adoção do método ativo "em que o trabalho intelectual é um trabalho pessoal que se baseia não em uma ciência adquirida de fora para dentro, dogmaticamente, senão um saber conquistado pelo espírito, organicamente, de dentro para fora" no dizer de Ferrière.

c) "III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive."
O ensino jurídico reserva espaço ao "trabalho de pesquisa e investigação científica" quando inclui entre as atividades complementares (art. 4º da Portaria nº 1.886/94) a "pesquisa" e a "iniciação científica". Vale dizer, como parte do ensino jurídico do aluno a pesquisa pode ser investigação teórica - levantamentos bibliográficos, seleção de jurisprudência, etc - ou empírica - questionários estatísticos, entrevistas, etc. -, preparando o futuro bacharel não são para interpretar e aplicar o direito, mas também para equacionar problemas e buscar soluções harmônicas com o "desenvolver do homem e do meio em que vive". Por outro lado, a iniciação científica estimula, no plano jurídico, elaboração de trabalhos voltados para o "desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura", ao provocar a análise crítica e reflexão sobre as questões determinantes das interpretações jurídicas e decisões judiciais. Há de elidir-se aqui a patologia hermenêutica que conduz a "interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo", denunciada por Luis Roberto Barroso. A propósito, não se pode olvidar a sentença de Ascarelli quando proclama que "o mundo pede aos juristas idéias novas, mais que sutis interpretações".

Ademais, a exigência da monografia jurídica final (art. 9º da Portaria nº 1.886/94) enseja ao discente desenvolver "conteúdos jurídicos epistemológicos e procedimentos metodológicos" indispensáveis à "investigação científica", tornando-se incentivo à realização do "trabalho de pesquisa". Na concepção de José Geraldo S. Júnior a pesquisa "forma o novo tipo de jurista capaz de empreender, para superar a distância que separa o conhecimento do Direito de sua realidade social, política e moral, a edificação de pontes sobre o futuro, através das quais transitem elementos de uma nova teoria do Direito e um novo modelo de ensino jurídico."

Por outra parte, " desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive", no plano do ensino de direito, é reconhecer e debater em sala de aula um sistema jurídico repleto de "leis de circunstância" e "regulamentos de necessidade" condicionados por conjunturas específicas e transitórias e por contextos heterogêneos que levam, muitas vezes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário a não perceber o divórcio entre o modelo e a realidade, bem como a perder a dimensão exata da importância jurídica das regras que editam, dos comportamentos que regulam e dos casos que julgam, porque jungidos a escaninhos mentais delimitados e apegados a uma visão míope, dogmática e legalista do Direito.

Paulo Bonavides observa que "o Direito não é ciência que se cultive com indiferença ao modelo de sociedade onde vive e atua", daí a impossibilidade de "quedar-se surdo às exigências do real e da vida" (De Page). Na mesma diretriz, sustenta Recásens Siches que "esa vida social tiene tanta flexibilidad, tanta riqueza de matices y que se encuentra en continua y constante transformación, lo que significa que el jurista debe aproximarse a este objeto de conocimiento con un espírito abierto y dinamico, para evitar una esclerosis que le impida comprender las constantes transformaciones que se operan en el ordenamiento jurídico". E nesse contexto em que "a ordem jurídica é sempre provisória" (Burdeau), impende ao ensino jurídico conglobar o saber-puro, o saber-fazer e o saber-agir, sem olvidar que há uma constante luta de princípio superior contra princípio inferior, uma tensão que tanto pode ser da natureza contra a aparência, como do conhecimento contra a opinião ou do essencial contra o acidental, dado que o Direito surge dos conflitos concretos que envolvem subjetividade, interesses econômicos, interesses políticos, trabalha em um mundo da materialidade das coisas e da espiritualidade das condutas.

d) "IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou outras formas de comunicação".
Harmônico com esta finalidade da LDB, o art. 5º da Portaria nº 1.886/94 exige de cada curso jurídico, pelo menos, 10 mil volumes de obras jurídicas atualizadas e de periódicos legais, doutrinários e jurisprudências. Vale dizer, sem atender a esta condição objetiva e quantitativa, não será permitido o funcionamento de curso jurídico, configurando esta exigência uma forma de "comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação". Destaque-se no acervo bibliográfico requerido a importância das revistas jurídicas, porquanto são publicações periódicas que condensam resultados das investigações da maior atualidade, dado que os autores primeiro divulgam seus trabalhos em revista, e, só depois, o fazem em manuais, tratados e monografias.

Acrescente-se que, além do acervo bibliográfico quantitativo e qualitativo, ganha realce a necessidade de sua integração em rede cibernética com outras bibliotecas, por ser indissociável da questão do fluxo de informações em uma sociedade global, pois, se assim não ocorrer, docentes e discentes estarão condenados a conviver como que em uma ilha sem comunicações regulares com o resto do arquipélago jurídico.

Ainda no tocante às "publicações ou outras formas de comunicação" o Conselho Federal da OAB, através da Comissão de Ensino jurídico, inseriu entre os indicadores de avaliação externa dos cursos jurídicos a produção científica dos docentes nos últimos 5 (cinco) anos - artigos, ensaios, trabalhos, livros e teses publicadas. Ressalte-se, ainda, que a publicação de periódicos pelo curso de Direito é um indicador de avaliação considerado de grande relevância pelas Comissões de Ensino Jurídico do MEC e da OAB.

e) "V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração."

A moderna gnoseologia impõe a necessidade de colaboração entre as disciplinas diversas ou entre os setores heterogêneos, na busca das interações e dos mecanismos comuns, permitindo-se através da interdisciplinariedade, um total enriquecimento mútuo, valendo acrescentar, nesse particular, que o Direito não é um fenômeno isolado, afastado, nascido de geração espontânea, mas um fenômeno fundamentalmente conectado e interligado com outros fenômenos sócio-econômico-político-culturais. Vale dizer, a época do Direito puro acabou e os tempos atuais estão a reclamar a época do Direito não separado da sociedade e atento às suas necessidades e demandas, pois, nos dias de hoje, no plano do conhecimento a única coisa eterna é a provisoriedade e a única coisa absoluta é a relatividade.

Se de um lado é possível uma fragmentação do saber, cada vez mais acentuada, por outro lado, nenhuma disciplina ou ciência possui autonomia, daí a cognância da interdisciplinariedade (parágrafo único do art. 6º da Portaria nº 1.886/94), tornada componente basilar do currículo de Direito e erigida como "pressuposto fundamental de uma análise dialética do fenômeno jurídico", permitindo "compreender a totalidade estruturada que os contém em interseção de múltiplos conhecimentos". Como define Miguel Reale "a interdisciplinariedade é uma das condições básicas do conhecimento contemporâneo de tal forma que uma descoberta feita num dado setor do conhecimento, desde logo repercute nos demais, formando um todo indecomponível". Sem ela, não há como estabelecer modos possíveis de consideração da realidade e constituir processos de sínteses criadoras para "possibilitar a correspondente concretização do desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional", na dicção do inc. V do art. 43 da LDB, pois, segundo Miaille o "direito nunca está só e "torna-se compreensível unicamente em relação com outros fenômenos sociais". Por isso mesmo, afigura-se necessária a ação integrada dos juristas com os diversos cientistas sociais no equacionamento do problema da violência, da concentração urbana, da redistribuição da renda, da representação política, da estrutura judicial, da solução dos conflitos, da independência tecnológica e tantos outros, dado que, "assim como os problemas sobre os quais intervirá o operador jurídico, não constituem manifestação singela de causa homogênea, também as soluções deverão conciliar alternativas científicas diversas.

Aduza-se que a "integração de conhecimentos que vão sendo adquiridos", assim como a "estrutura intelectual sistematizadora" têm grande significado para o ensino jurídico, conquanto o "direito e a própria vida não se constróem à força de opções sempre radicais, e menos ainda de golpes de espetaculares, senão com a paciência de combinar elementos heterogêneos e tentar costurá-los, sem grande alarde, sem demasiada ambição, num conjunto possível harmonioso", como averba Barbosa Moreira. Aliás, a divisão do fenômeno jurídico em ramos existe por uma razão eminentemente didático-pedagógica. Não há como negar que as chamadas províncias ou disciplinas jurídicas estão estreitamente conexas na unidade de ordenação, caracterizada pela indivisibilidade e indecomponibilidade.

Demais disso, a absorção "do conhecimento de cada geração" inibe que o ensino jurídico siga dando respostas mortas a perguntas vivas, encastelando-se no formalismo das normas legais em atrito e dissintonia com a evolução social e científica. Ademais, os cursos jurídicos não devem limitar-se a encontrar pequenas respostas, devem formular grandes e novas perguntas, pois, é no momento em que o saber jurídico se renova através "do conhecimento de cada geração" que o ensino jurídico cumpre plenamente seu papel.

f) "VI- estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade."
Esta finalidade, em se tratando do ensino jurídico, dissemina-se em dois ditames da Portaria n.º 1.886/94, a saber:
a) o parágrafo único do art. 6º prevê "novos direitos" disciplinas, tais como, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direito de Arbitragem, Direito Municipal, com Informática Jurídica, et allii, que resultam do progressivo surgimento de normas para resolver problemas criados por emergentes e novas realidades "nacionais", sem inibir as peculiaridades, necessidades e preferências "regionais" de cada curso jurídico;

b) o art. 10 que trata do cogente estágio de prática jurídica no seu § 11 prevê que o "atendimento público" será parte do treinamento das atividades profissionais, e, no § 21 abre a possibilidade de convênios com "entidades públicas, judiciárias, empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos".

Adite-se que a globalização econômica como um dos "problemas do mundo presente" tem reflexo e incidência direta no ensino jurídico ao se constatar que para os operadores do direito, não se trata mais de "pensar uma situação em função das categorias abstratas do direito civil", mas, liberando-se do condicionamento da estrita legalidade e do horizonte exclusivamente retrospectivo por ela imposto, de pensá-la em função de suas características concretas; desse modo, "o sujeito de direito cede seu lugar ao assalariado, ao consumidor, ao profissional; a noção de contrato estilhaça-se numa multiplicidade de tipos de contratos suscetíveis de ser, cada um deles, regidos por uma regulamentação particular".

Nessa linha de raciocínio, torna-se ingente ao ensino jurídico formatar "cientistas do direito, investigadores objetivos dos processos jurídicos, técnicos legisladores, juízes de personalidade, e não meros leguleios, exegetas, hermeneutas, homens de lei no sentido antigo" para que o Direito possa assumir uma postura prospectiva e dirigida a uma realidade onde não há "habitat" para as categorias tradicionais, modelos fechados, vistes formalistas e soluhtes abstratas, conquanto o Direito é "ciência brotada da vida e destinada a própria vida" (Max Rumpf).

g) "VII - promover a extensão, aberta a participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica gerados na instituição."
No âmbito do ensino jurídico está sedimentada a concepção de que sem extensão não há o cumprimento da função social do conhecimento produzido, daí porque a extensão integra, taxativamente, as nominadas atividades complementares (art. 4º da Portaria nº 1.886/94), propiciando a prestação de serviços jurídicos, sobretudo às populações carentes em questões de cidadania, família, saúde, educação, conflitos agrários, moradia, etc, até porque "o Direito é experiência desenvolvida pela razão e razão provada pela experiência" (R. Pound), ou, no dizer de Holmes "the life of the law has not been logic, it has been experience".

Tais colocações harmonizam-se com a diretriz postulada para os cursos jurídicos, fundada em Ortega y Gasset ao prelecionar que "a realidade é o único pedagogo do homem", e, com lastro em Edmond Piccard para quem "um bom método deve reconduzir, ligar o Direito à vida real, isto é, à massa, ao povo, aos fatos, ao pragmatismo. O Direito deve situar-se na vida jurídica real com exemplos vários, do meio onde atua. Misturar o mais possível a vida às palavras, os fatos às regras, imaginar e concretizar estas últimas; ilustrar os textos com exemplos práticos concretos, preencher o vazio".

Ainda no campo da extensão ressalta-se que o § 2 do art.10 da Portaria nº 1.886/94 com o animus de socializar os resultados do ensino e pesquisa, dispõe sobre convênios complementares às tarefas de estágio de prática jurídica "que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica", ensejando à população carente de direitos e de justiça "benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa cientifica e tecnológica" gerados no curso jurídico, além de treinar os futuros profissionais para distinguir o saber real do saber imaginário e de abrir canais de interligação Escola/Comunidade.

Curioso repontar que a filosofia e objetivos subjacentes nos analisados incisos I a VII do art. 43 da nova LDB amoldam-se e harmonizam-se in totum com o perfil para o bacharel em Direito delineado pela Comissão do Exame Nacional de Cursos Jurídicos, a saber:

internalização de valores de responsabilidade social, justiça e ética profissional;

formação humanística e visão global que o habilite a compreender o meio social, político, econômico e cultural no qual está inserido e a tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente;

formação técnica e científica para atuar na administração das organizações e desenvolver atividades específicas da prática profissional;

competência para empreender ações, analisando criticamente as organizações, antecipando e promovendo suas transformações;

capacidade de atuar de forma interdisciplinar;

capacidade de compreensão da necessidade do contínuo aperfeiçoamento profissional e do desenvolvimento da autoconfiança.

O art. 46 da nova LDB no seu caput dispõe que a "autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação".

Há de ter-se claro que reduzir a avaliação do ensino jurídico a uma listagem quantitativa de carências ou a um rol de deficiências sem debater as quentes reais que deram origem a elas é uma mistificação. Fazer a avaliação tão apenas para fixar critérios de distribuição de verbas é uma fraude que permitirá às instituições que já têm recursos e pessoal altamente qualificado ampliar a diferença em relação àquelas que não os possuem. Demais disso, restringir a avaliação tão só a um exame final de curso - "provão" - cujo resultado mede apenas os efeitos, mas não as causas que concorrem para a "má formação" dos bacharéis em Direito é um equívoco que corresponde à tentativa de quantificar a qualidade, em vez de empenhar-se pela qualificação da quantidade. Em síntese, a avaliação antes de ser concebida como apenação, deve ser mecanismo de estímulo para transformações qualitativas no ensino do Direito.

Reponte-se que, inobstante a Portaria nº. 1.886/94 não faça referência expressa à avaliação de cursos jurídicos, a CEJ - Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, com o animus de implementar um sistema de avaliação periódica, elencou os seguintes indicadores de qualidade e critérios que podem servir de parâmetros para análise de pedidos de autorização e reconhecimento de Cursos de Direito:

capacitação docente (composição, regime de trabalho, titulação, programa de qualificação docente, recrutamento por concurso ou seleção públicas, progressão por mérito na carreira);

desempenho da atividade docente (distribuição da carga horária, tempo disponível para alunos, assiduidade, metodologia adotada, orientação de pesquisa e iniciação científica, participação em eventos culturais e científicos);

estrutura material (número de salas de aula, salas privativas de professores, salas para projetos de pesquisa e extensão jurídicas, escritório modelo, equipamentos didáticos e audiovisuais, biblioteca com número mínimo de livros e periódicos jurídicos atualizados, apoio para cópias xerográficas, publicação regular de revista ou periódico jurídico);

estrutura acadêmica (utilização do curso no tempo mínimo - cinco anos), carga horária total mínima de 3.300 horas, variedade de formas de avaliação de desempenho do aluno, número de alunos por turmas (no máximo 50), sistema de avaliação interna de curso, política permanente de pesquisa e extensão, funcionamento regular de órgãos coligados, planejamento acadêmico do curso, planejamento anual de atividades dos professores);

capacitação discente (participação em atividades extracurriculares e complementares, freqüência de utilização da biblioteca, publicação de trabalhos, participação em projetos de pesquisa, iniciação científica e extensão, número de formandos e taxa de evasão em cada período, resultados obtidos pelos graduados em Exame de Ordem e concurso públicos para ingresso em carreiras jurídicas, serviços de integração do aluno com o mercado de trabalho - escritório modelo, estágios, etc.);

estrutura curricular (composição e integração das disciplinas formativas, profissionais e práticas, previsão de parte flexível integrada por atividades de seminários, palestras, temas interdisciplinares, disciplinas avulsas, obrigatoriedade de monografia jurídica com defesa perante banca, estágio curricular, freqüência prática aos órgãos de estrutura do Poder Judiciário).

Acresça-se que a maioria desses parâmetros e critérios são utilizados pela OAB para inibir a "proliferação descriteriosa" de cursos desqualificados para a tarefa de formar bacharéis em Direito, e, para frear a mercantilização do ensino jurídico, quando a CEJ faz análise e verificação dos projetos de novos cursos emite um parecer prévio, que, a seguir, submete-se à Comissão de Especialistas de Exame de Direito do MEC, para, finalmente, ser remetido para manifestação conclusiva do Conselho Nacional de Educação.

Cabe ressaltar que a mensuração e ponderação dos dados coletados permite uma radiografia e diagnóstico dos cursos jurídicos, daí porque a avaliação exigida no art. 46 da nova LDB, no caso de ensino jurídico, pouco discrepará deste modelo que garante um processo contínuo e consistente de avaliação, sem dar margem ao subjetivismo ou favorecimento deste ou daquele curso jurídico. É natural que o processo de avaliação seja recebido com ressalvas e temores, posto que, de avaliadores - tanto do trabalho escolar dos discentes, quanto da atuação dos docentes e funcionários - a instituição superior de ensino jurídico transfunde-se em avaliada.

Adite-se que o modelo vigorante na área jurídica conjumina os indicadores quantitativos e qualitativos para que não resulte numa avaliação vesga, míope e incompleta, cujos distorcidos resultados implicariam numa censura pública, com efeitos penosos e irreversíveis. De outra parte, o "processo regular de avaliação" não deve ser vislumbrado como sinônimo de fiscalização, mas, isto sim, entendido como tomada de consciência e racionalização e como instrumento de melhoria da qualidade do ensino jurídico. E, para Loussia Felix, há "um desafio que deve ser enfrentado, nos próximos cinco anos, de definição dos critérios de avaliação não mais dos cursos em si, mas das habilidades e conhecimentos do profissional de Direito para o novo milênio".

O caput do art. 47 da nova LDB impõe que o ano letivo regular, independente do ano civil, tenha, no mínimo, duzentos (200) dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais.

Este dispositivo vem reservar espaço e reforçar as Atividades Complementares (art. 4º da Portaria n.º 1.886/94) que se configura como "trabalho acadêmico efetivo" desdobrado sob a forma de "pesquisa, extensão, seminários, simpósios, congressos, conferências, monitoria, iniciação científica e disciplinas não previstas no currículo pleno". Aliás, com a ampliação do tempo disponível - 200 (duzentos) dias ao invés dos tradicionais cento e oitenta (180) dias (art. 72 da revogada Lei nº. 4024/61) os cursos jurídicos, com imaginatividade e novas concepções do ensino jurídico, poderão flexibilizar o currículo e ensejar maior plasticidade na individualização do curso para cada aluno. No entanto, para inibir abusos, fraudes e cumprimento fictício dessas atividades complementares, o art. 4º referido exige sejam elas previamente ajustadas entre os discentes e a administração acadêmica do curso, a quem caberá o controle e a orientação dos estudantes na escolha dessas atividades que albergam ensino, pesquisa e extensão.

O § 4º do art. 47 da nova LDB (Lei nº 9.394/96) dispõe que "as instituições de educação superior oferecerão, no período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade mantidos no período diurno, sendo obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas, garantida a previsão orçamentária" (grifou-se).

A Portaria n.º 1.886/94, antecipando-se à LDB, expressa no art. 21 que, na área jurídica, "o curso noturno, que observar o mesmo padrão de desempenho e qualidade do curso no período diurno, terá um máximo diário de quatro horas de atividades didáticas". (grifou-se).

A coincidência terminológica não deixa margem a qualquer dúvida quanto a convergência e harmonia entre os dois dispositivos, tanto no seu sentido quanto no seu alcance.

Ao explicitar a necessidade de garantir "o mesmo padrão de desempenho e qualidade", independentemente de ser curso jurídico noturno ou diurno, o que se pretendeu foi elidir um tratamento didático diferenciado e prejudicial à qualidade e ao aproveitamento das aulas de Direito ministradas à noite. Assim, mesmo reconhecendo a condição de aluno-trabalhador como clientela básica e preponderante do curso noturno, o art. 21 procura assegurar formação jurídica sem comprometimento das exigências mínimas e do "padrão de desempenho e qualidade".

É evidente que o aluno do curso noturno, após um desgastante dia de trabalho não pode dispensar, com proveito, às aulas e aos estudos jurídicos, o tempo, a carga e o ritmo de trabalho dos discentes do período diurno. Além disso, a redução da disposição física e mental dos docentes, com reflexos na qualidade metodológica das aulas no período noturno, estão a exigir um tratamento diferenciado, daí a delimitação da carga horária a "um máximo diário de quatro horas de atividades didáticas". Este quantum de quatro (4) horas diárias máximas é contributo essencial para que não haja uma programação excessiva nem parcimoniosa no curso jurídico noturno, ao mesmo tempo que se amolda às circunstâncias e vicissitudes do aluno-trabalhador, explicitando, por via transversa, que o "padrão de desempenho e qualidade" ficará comprometido, caso as atividades do curso jurídico excedam de quatro horas diárias.

A autonomia constitucionalmente assegurada às universidades (art. 207 da Lex Magna ), e, reiterada no art. 53 da LDB, não as permite fazer tabula rasa do currículo mínimo, conquanto o inciso II do citado art. 53 possibilita-as "fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes", que, na hipótese do curso jurídico, estão consubstanciadas na Portaria n.º 1.886/94.

Ressalte-se, por oportuno, que a Educação Física (art. 7º da Portaria n.º 1.886/94), outrora obrigatória em todos os currículos dos cursos superiores (art. 22 da Lei n.º 4.024/61, alterada pelo Decreto-Lei n.º 705/69) transformou-se em optativa, dado que o ‘ 31 do art. 26 da nova LDB tornou-a tão apenas "componente curricular da Educação Básica". Com efeito, como a LDB é silente no capitulo dedicado a Educação Superior e, no seu art. 92 expressamente revogou a Lei n.º 4.024, de 20.12.61, infere-se, sem dificuldade, que a Educação Física transfundiu-se em atividade ou disciplina optativa, daí porque cabe a cada curso incluí-la, ou não, na sua grade curricular.

Nas instituições públicas de educação superior, "o professor ficará obrigado ao mínimo de 8 (oito) horas semanais de aulas" como se deflui da regra corporificada no art. 57 da nova LDB.

A imposição legal de uma carga didática mínima de oito (8) horas semanais é salutar na esfera do ensino jurídico, posto que irá exigir uma dedicação mais integral e efetiva às aulas de Direito, com reflexos positivos na pedagogia jurídica, induzindo a alteração, reversão e até "implosão" de :

mentalidade prevalentemente auto-suficiente dos professores de direito que, ao rotinizar episódicas atuação em aula, consideram não necessitar de qualquer metodologia, senão seu próprio saber jurídico, usando processos típicos dos que se postam como "donos da verdade", com "recurso a uma erudição ligeira, retórica, burocrática, sempre subserviente aos clichês e estereótipos dos manuais";

metodologias de ensino (didáticas) infensas a qualquer inovação, com a dominância da aula-conferência, responsável maior pelas "rotinas ineficazes" e pela "castração intelectual" dos alunos que, "condenados ao silêncio", são compelidos a um comportamento passivo e não-questionador, num desestímulo a qualquer reflexão crítica;

refratabilidade a qualquer método de ensino que escape à retórica e à tradição verbalística habitual e esotérica dos profissionais do direito, dará por que poucos se afastam do padrão clássico da aula expositiva, que resulta na "banalização da formação teórica e na trivialização da cultura técnica dos estudantes";

superficialidade no trato das questões jurídicas apresentadas em sala de aula, simplificação grosseira de teorias jurídicas, além da inarticulação entre atividades de ensino, pesquisa e extensão, formando apenas "técnicos adestrados na manipulação dos códigos e das leis", mas incapazes de "pensar" juridicamente a realidade na qual e sobre a qual devem atuar;

redundâncias, ênfase horizontal e desatualização de conteúdos programáticos de disciplinas jurídicas, além da concepção medíocre, que reduz a missão do professor com o cumprimento de programas enciclopedistas e pouco profundos, ministrados de modo autoritário, através de "ditadura da aula-conferência", que pouco ou nenhum espaço deixa à participação dos alunos.

Vale dizer, a insuficiente carga didática semanal de aulas jurídicas de cada docente tem sido uma das razões por que o ensino jurídico "continua a ser ministrado através do árido e fatigante método formalístico e dogmático dos monólogos catedráticos de docentes imobilizados numa posição didática que os petrifica em desoladora estagnação cultural. Na monotonia desse aprendizado "nocionístico", apodera-se dos estudantes, da geração mais nova, difuso sentimento de dúvida, de desconfiança, de desespero ou de rebelino", como preleciona Orlando Gomes.

É tão palmar a relevância do quantum de horas aulas mínimas semanais que o inciso III do art. 52 da LDB impõe que "um terço do corpo docente em regime de tempo integral", regra que assume dimensões significativas não só para as aulas de direito, pois, a dedicação integral é essencial na implementação das Atividades Complementares, para o Núcleo de Prática Jurídica e para a orientação da Monografia Jurídica conclusiva do curso. Nessa linha de raciocínio, acentua João Maurício Adeodato que "a Portaria n.º. 1.886/94 aumenta o ensino fora de sala de aula, o ensino extra-classe, o que exigirá maior disponibilidade de tempo do professor", sob pena das atividades docentes continuarem a ser um jogo floral de exercícios intelectuais, sem nenhuma conseqüência prática para a aplicação do direito.

O art. 66 da nova LDB determina que "a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á a nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado". Este dispositivo deve ser conjuminado com o inciso II do art. 52 da referida LDB que exige "um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado".

Indubitavelmente, a qualificação do cargo docente é que vai imprimir um "selo de qualidade" ao magistério jurídico. Com efeito, em boa parte dos atuais 246 cursos jurídicos o corpo docente é, em sua maioria, formado por professores que só ouviram falar em didática no dia em que foram convidados a lecionar, tornando-se meros reprodutores de um saber cansado e estéril. Na verdade, a única diferença entre o professor e o aluno na maior parte dos cursos de Direito está em que o docente já se formou, dado que nenhum acréscimo no curso de bacharelado é necessário para que o formando passe a exercer o magistério jurídico. Por isso, explica-se que nas aulas de Direito "no lugar dos fatos a versão, no lugar da teoria a opinião e no lugar do modelo epistemológico é entronizado o mais deslavado senso comum". Nesse contexto, os professores, sem formação pós-graduada e sem vocação, acabam por transformar as aulas de disciplinas jurídicas em palco onde se "preserva a alienação feliz e a reprodutividade satisfeita".

Aliás, a qualificação do corpo docente é de importância basilar, tanto que a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB ao estabelecer os parâmetros para análise da qualidade dos projetos de criação e reconhecimento de cursos jurídicos decidiu que "o corpo docente deve ser composto de, no mínimo, 30% (trinta por cento) de mestres e doutores". Outrossim, guarda-se entre tais parâmetros a imperiosidade do curso apresentar um cronograma ou um plano de capacitação docente que possibilite o acesso de, no mínimo, 30% (trinta por cento) do quadro docente a programas de pós-graduação stricto sensu.

Sem esta exigência de docência qualificada e sem preparo pedagógico os professores da área jurídica transfundem-se em "fariseus do diploma superior", incapazes de superar o senso comum ralo que nutre as aulas de Direito. além disso, tornam-se inabilitados para combater o superficialismo, a erudição gratuita e a desconexão que as caracterizam, porque reduzidas ao ensino da legislação vigente, produto de uma cristalização do passado, com a preocupação única de decodificá-la ou justificá-la, quando "seu verdadeiro papel seria o de preceder, pela pesquisa e pela reflexão criadora, a intervenção do juiz e do legislador". Ou, na arguta observação de Adriano Pinto "a formação jurídica não se confunde com o simples conhecimento das leis vigentes, para a sua aplicação mecânica aos casos concretos, mas corresponde à compreensão do Direito em todas as suas dimensões, com os valores de dignidade humana, liberdade, segurança e justiça social."

Deflui-se desta análise que a Portaria n.º 1.886/94, de irrecusável substrato de legitimidade, conquanto exsurgiu de significativos debates, propostas, relatórios e conclusões de seminários regional e nacional, ou seja, fruto de um autêntico processo de "construção democrática coletiva e compartilhada que caracteriza o regime democrático "é dotada de uma visão dilargada e prospectiva, que antecipou, para o ensino jurídico, diretrizes e bases só agora espraiadas para outras áreas de conhecimento pela nova LDB.

A sintonia e convergência de filosofia e ditames da LDB e da Portaria n.º 1.886/94 propiciarão aos cursos jurídicos condições e possibilidades de uma reflexão mais profunda de como induzir e produzir a melhoria da qualidade, seja identificando os fatores de ordem estrutural e operacional responsáveis por disfunções no seu desempenho acadêmico e administrativo, seja para evitar a postura imobilista, desatenta às mutações sociais e incompatível com a natureza conceitualmente dinâmica do ensino jurídico que não pode mais continuar "preso a abstrações de realidades mortas, no comodismo da rotina e no temor da novidade."

Reponte-se que o ensino jurídico não pode ficar jungido a modelos assentados no passado trabalhando na perspectiva da conservação do sistema jurídico em vigor, pois, como sustenta Fábio Comparato "o papel que incumbe aos juristas não é, apenas, a melhor compreensão do direito vigente, no preciso sentido etimológico do adjetivo, isto é, do direito que existe como componente vivo da realidade social, mas também a produção de instituições jurídicas do futuro, aptos a harmonizar o comportamento humano em meio à radical mudança de valores".

Não é despiciendo, nesse passo, repetir a percuciente observação de Roberto Aguiar para quem a desfuncionalização do ensino jurídico é a maior responsável pela (de)formação do profissional de Direito que "é artesanal no mundo da tecnologia, é retórico no mundo da demonstração, é individual onde o coletivo se defronta, é monista quando o mundo é pluralista, é uno quando o mundo concreto é fragmentário, é ineficaz no mundo do planejamento e da eficácia".

Traga-se à colação, por oportuno, a preciosa lição de San Tiago Dantas de que "nenhum estudo, nenhum ideal, nenhum programa, nenhum organismo, profissão ou atividade está bem justificada aos nossos olhos se não o sentirmos radicado no futuro, se não podemos ter os sinais e a garantia da sua sobrevivência às transformações que passam". Por isso mesmo, impõe-se outorgar ao ensino jurídico uma nova fisionomia calcada em densidade teórica, crítica e técnica, com o objetivo de fugir do jargão que tem caracterizado a maioria das escolas de Direito, tidas como centros reprodutores de conhecimentos codificados, em prejuízo das atividades criadoras, das funções críticas e das finalidades de produção científica e da elaboração reflexiva do pensamento jurídico.

Diante deste quadro delineado, a conjuminação da emergente LDB com a Portaria n.º 1886/94 é essencial para a modelagem do novo "engenheiro social" dotado de inarredável função social, sobretudo diante do processo de globalização que, no plano jurídico, acelerou o surgimento dos direitos de 30 e 40 gerações, por força dos novos atores sociais, das emergentes estratégias de ação coletiva e das novas dimensões da cidadania donde promanarão novas formas de tratamento das relações humanas e dos problemas institucionais que hoje são significativamente diferentes.

Por sinal, com a reengenharia feita no ordenamento jurídico-educacional (nova LDB e Portaria n.º 1.886/94) os futuros profissionais do Direito receberão uma formação que os habilitará a atuar não só como garimpeiros extraindo, da ordem jurídica posta, soluções para os problemas do dia a dia como se fora um metal precioso em estado bruto, mas também conduza-os a agir como artífices de peças de uma bela joalheria, dando seu contributo criativo na proposição de novas instituições para tornar menos iníquo, e mais humano, o perfil da sociedade. Outrossim, como ressalta Aurélio Wander Bastos, estes diplomas legais "iniciam a nova fase de esperanças na consolidação de um ensino jurídico comprometido com o aperfeiçoamento democrático do Estado brasileiro e a modernização de nossa sociedade".

Espera-se que as mutações legais e infra-legais no plano do ensino jurídico tenham não só validez, mas sobretudo eficácia, propiciando a formação de profissionais de Direito capazes de elaboração própria, de confecção de projetos criativos e autônomos, de imaginar soluções engenhosas diante de dificuldades novas. Em outras palavras, augura-se que a passagem do formal para o real apoiada na nova LDB e na Portaria n.º 1.886/94 faça brotar um "profissional de Direito mais preparado, atuante, consciente de sua responsabilidade social, imbuído da vocação de reafirmar o justo e resgatar as vulnerações acumuladas, conduzindo o semelhante a condição de ser humano digno", na colocação de Renato Nalini. Em aditamento, como realça Paulo Lôbo "está havendo a confluência de providências legais que podem conduzir à sensível elevação do nível de qualidade dos profissionais do Direito", porquanto as transformações provocadas pela Portaria n.º 1.886/94 e pela nova LDB não são apenas rotulares, semânticas ou epidérmicas, mas no próprio conceito de ensino jurídico, "descartando" as concepções estáveis e pacíficas de 1827 e "absorvendo" o dinamismo e a insegurança da contemporaneidade.

As idéias aqui esboçadas não têm conformação de produto final e acabado, porém, de qualquer sorte, elas contribuem para a construção do hoje e do amanhã, que, certamente, será melhor do que o ontem do ensino jurídico. Por isso, impõe-se-nos a grande tarefa de encontrar meios de eliminar deficiências, rever prioridades, sem despojar-se do objetivo permanente de tornar o ensino jurídico uma realidade histórica nova, qualitativa e ajustada às demandas diagnosticadas pela Comissão de Ensino Jurídico da OAB, a saber: demandas sociais de novos sujeitos, demandas tecnológicas, demandas ética com s, de especialização, de novas formas organizativas, de efetivação do acesso à justiça, de refundamentação científica e de atualização de paradigmas. Só assim, os cursos jurídicos, que em 1997 comemoram 170 anos de criação, voltarão a desempenhar seu histórico e tríplice papel de propiciar base humanística no processo de formação jurídica, conhecimento jurídico-científico e know-how jurídico-profissional, delineando um novo perfil para o bacharel em Direito do terceiro milênio.

retirado de: http://www.oab.org.br/LCEJ8.HTM