Inviolabilidade, ética e subserviência nos textos da advocacia.
Felicíssimo Sena
Cada uma das profissões, entendidas
estas como
as atividades especializadas para
cujo exercício se supõe determinado
preparo, têm características
próprias que exigem dos que as praticam
uma linha específica de pensamento,
costume, ação, hábitos e
posturas.
Ao músico e ao piloto se cobra
acuidade auditiva e
visual, respectivamente. Ao poeta,
sensibilidade, ao trapezista
equilíbrio, ao monge exige-se
fé.
Como sabemos, a Advocacia é
a profissão da
palavra escrita ou verbalizada.
Dessa verdade incontestável é fácil
concluir que é preciso administrar
com certa precisão e equilíbrio a
dosagem lingüística
que se converte em nossa matéria prima de
trabalho.
Após o advento da Constituição
Federal de 1988,
cujo artigo 133 deu à Advocacia,
?status? de profissão
constitucionalizada e referência
expressa à sua inviolabilidade
profissional, cuja regulamentação
realizou-se através do § 2º do artigo
7º da Lei 8906/94, foi incrementada
a discussão sobre o conteúdo de
nossos textos porque o vigente Estatuto
emprestou melhor e mais
eficiente redação
a esse instituto de garantia da livre defesa que já
constava do inciso I do artigo 142
do Código Penal de 1940.
As interpretações restritivas
que excluem da
inviolabilidade profissional as
referências que alcancem o juiz da causa,
ou que deixem o ?thema? do conflito
processual, são inconsistentes do
ponto de vista jurídico e
irrelevantes para o raciocínio que aqui se
desenvolve.
Não se pode dar à sistemática
atual a mesma
interpretação que
se dava à regra do Código Penal, escrito em época
de
autoritarismo e sem a força
constitucional que o artigo 133 confere à
nossa profissão, como veículo
de realização da cidadania plena.
O notável Heleno Cláudio
Fragoso, cuja obra não
perde o brilho com o tempo, disse
com acerto que ao Advogado se
?exige independência, bravura
pessoal, capacidade de
improvisação e de
reação diante de abusos ...? (Jurisprudência
Criminal, págs. 205-206).
O Ministro Vicente Cernichiaro descarta
a hipótese
de que a inviolabilidade do Advogado
seja mero resultado do
corporativismo, como querem alguns,
reconhecendo-a, diversamente
disso, como instrumento de proteção
da liberdade e da justiça, valores
pelos quais a Advocacia desenvolve
seu ofício e a que tem a obrigação
de defender (Direito Penal na Constituição,
págs.183).
Entretanto, embora defenda a toda
conseqüência a
prerrogativa de dizer a verdade
sem custos adicionais, além daqueles
naturalmente impostos aos que praticam
essa virtude, rendo-me à
evidência de que a melhor
utilização da linguagem técnica reduzirá em
muito as incidências que nos
levam a precisar da ativação desse ?plus?
conferido à Advocacia.
A independência e a bravura
pessoal de que
falou Fragoso têm para a nossa
profissão um conceito diferente da
interpretação mais
trivial que se pode dar a esses indicativos de valor
da alma. Não admito confundir
essas saudáveis adjetivações
profissionais que nos recomendam
exaurir a discussão do direito que
nos é dado defender, com
o desequilíbrio verbal a que sempre somos
tentados a assumir.
Aqui, ser independente e pessoalmente
bravo
representa submissão aos
valores éticos sem meias concessões,
justifica a adoção
de postura que consiga exaurir, sem limitações,
todas as hipóteses de defesa
dos interesses que estejam sob nossos
cuidados. A independência
e a bravura devem ter o toque dos que
conseguem ser firmes sem, obrigatoriamente,
romper os padrões da
convivência civilizada.
O Advogado, como artífice
de resultados, deve
dosar sua postura segundo a conveniência
e a oportunidade, não
aceitando represálias indevidas
sem a proporcional reação, mas
também não produzindo
situações que inviabilizem a solução
pretendida. Não raro, todavia,
é preciso assumir atitudes enérgicas para
evitar que se instale limitação
indevida ao exercício da defesa ou da
tese.
A Advocacia, caracteriza-se como
profissão de
coragem e de resistência.
Uma fácil remissão histórica prova que as
inovadoras decisões judiciais
não teriam ocorrido não fossem as fortes
e, muitas vezes, repetidas ousadias
dos requerimentos. Segundo Clito
Fornaciari Jr., ?a coragem deve
ser cúmplice e parceira do
advogado, posto que a este o constituinte
busca quando o
conflito é mais candente,
quando os interesses em jogo
fervilham? (Em Defesa do Advogado
- págs. 12).
Paulo Lôbo, na obra Comentários
ao Estatuto da
Advocacia, `2ª ed. às
págs. 52, enuncia:
?Os atos e manifestações
do advogado, no
exercício profissional, não
podem ficar vulneráveis e sujeitos
permanentemente ao crivo da tipificação
penal comum. O
advogado é o mediador técnico
dos conflitos humanos e, às
vezes, depara-se com abusos de autoridades,
prepotências,
exacerbações de ânimos.
O que, em situações leigas, possa
considerar-se uma afronta, no ambiente
do litígio, ou do ardor
da defesa, devem ser tolerados.
Os excessos que transbordem
dos limites admitidos pelo Código
de Ética e Disciplina e pelo
Estatuto, serão punidos disciplinarmente
pela OAB.?
Entretanto, as eventualidades e circunstâncias
específicas de prepotência
e exacerbação a que se reporta o autor
citado, devem ser tratadas como
tal, sem generalizações, como
exceções que são
e não através das regras gerais de comportamento.
O princípio da inviolabilidade
definido no § 2º do
artigo 7º da Lei 8906/94 deve
ser entendido como garantia conferida a
todos quantos precisem de uma defesa
ampla, sem embaraços ou sem
impedimentos. O Advogado é
apenas o executor exclusivo do ofício que
caracteriza a ?ampla defesa? a que
se reporta a Constituição, não é seu
beneficiário direito. Ao
profissional da advocacia cumpre, entretanto, o
poder-dever de exercitá-la
com firmeza e sabedoria.
A transigência piegas contraria
o postulado da
defesa plena, particularmente porque,
conforme escreve Clito Fornaciari
Jr. ?A parcialidade do advogado
é tudo quanto de que a parte
precisa e quer.? (Em Defesa do Advogado
- págs. 11)
São muitas as dificuldades
para manter o padrão
ético de linguagem literária
verbalizada ou escrita, particularmente
quando somos instados por nossos
constituintes a quebrá-la em razão
de suas decepções
emocionais, das frustrações comerciais acumuladas,
da ira de seu amor convertido em
ódio e até mesmo pela provocação de
tantos que, por equívoco,
ignorância ou conveniência, entendem a
nossa profissão como se ela
fosse pistolagem intelectualizada.
O exercício da advocacia exige
maturidade
saudável e coragem sóbria,
na medida em que todos os envolvidos na
missão de realizar justiça
devem se despir de sensibilidades
exacerbadas ou de melindres corporativistas,
aí incluída a magistratura
e o Ministério Público,
este em lua de mel com o poder.
Elcias Ferreira da Costa, com acuidade
e precisão,
diz: ?Se a arrogância, a empáfia,
se a petulância do advogado no
relacionamento com os magistrados
redunda em ridículo, a
subserviência é inconciliável
com a dignidade profissional e, com
a altivez inerente à finalidade
da profissão? ( Deontologia Jurídica,
págs. 110).
No trato inter-classe, não
raro encontramos
petições que, escondendo-se
na referência às partes, constituem
autêntico repositório
de agressões motivadas ou não. Curiosamente, é
fácil constatar que os freqüentes
agressores aos colegas, bajulam as
?autoridades? vinculadas ao feito,
parecendo sugerir-lhes uma
?recompensa? processual à
desconfortável subserviência a que se
expõem.
Com freqüência, encontramos
petições recursais
que, contrariando a lógica
jurídica, elogiam as decisões contra as quais
se insurgem, tecendo loas a seus
prolatores, embora ao final peçam sua
anulação ou reforma.
Nalguns casos, cabível até a aplicação do artigo
503 do CPC em face da ?aceitação
tácita? do ?decisum questionado?.
A ?venerável? sentença
de que se recorre, o
?notável? autor da decisão
questionada, demonstra a essência de
adjetivações desnecessárias,
autênticas manifestações de inferioridade,
demonstração cabal
de insegurança,