® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

Tenhamos fé na Justiça

Carlos Velloso*

                            Assumo a presidência  do Supremo Tribunal Federal reafirmando a profissão de fé no Judiciário brasileiro. Reitero o firme propósito de lutar para fazê-lo cada vez mais forte, independente e respeitado. Porque no dia em que os juízes tiveram medo, a sociedade correrá perigo.
                             O Judiciário tem as suas mazelas e os juízes não são anjos. Por isso, um ou outro se corrompe, um ou outro não honra a toga. É preciso afastá-los dos cargos. Porque não é possível que a imensa maioria dos juízes, composta de homens dignos, pague pelo mau comportamento de alguns. Também por isso, sustento a necessidade da criação do Conselho Nacional da Magistratura, que realizaria o controle de qualidade dos juízes e dos serviços da Justiça. E, no que toca ao Judiciário da União, deteria a autonomia financeira deste, elaborando o orçamento e efetivando a gestão orçamentária.
                             De outro lado, a crise na Justiça não será solucionada com a criação de novos tribunais. Falar, por exemplo, na criação de uma corte constitucional, nos moldes das cortes constitucionais européias, é um contra-senso. Os europeus estão, em termos de controle de constitucionalidade, na metade do caminho. Nós praticamos, além do controle concentrado, desde 1965, o controle difuso, segundo o modelo norte-americano, a partir da República.
                             Reconheço, entretanto, que é preciso retirar do Supremo Tribunal competências de direito comum, a fim de que possa a corte constitucional do Brasil debruçar-se sobre os magnos problemas constitucionais que vêm ao seu julgamento no recurso extraordinário e no controle concentrado.
                             Numa época em que cada vez mais há especialização do direito, falar na extinção da Justiça do Trabalho, ou na extinção de seu Tribunal Superior, é outro contra-senso. A extinção do TST, passando os recursos de revista ao STJ, simplesmente xigirá a especialização, naquela corte, de mais uma seção. É dizer, desmancharíamos o que está pronto para fazer tudo de novo. Precisamos, sim, aperfeiçoar a prestação jurisdicional trabalhista. Por exemplo, a representação classista não mais se justifica; Tribunais Regionais do Trabalho, podem ser extintos, voltando-se ao sistema de regionalização; e os recursos processuais devem ser reduzidos.
                             Não há falar, também, em extinção da Justiça Militar. Ela tem a sua razão de ser. Se claudicar a disciplina, aquelas corporações podem se transformar em bandos armados. É claro que o conceito de crime militar deve ser aperfeiçoado, em termos científicos. De outro lado, o número de juízes dos tribunais militares, inclusive do STM, pode ser reduzido.
                             O verdadeiro mal da Justiça brasileira é a lentidão, que, muita vez, leva à ineficácia da prestação jurisdicional. Essa mazela, entretanto, se atacada convenientemente, pode ser afastada.
                             Ponho em mesa, para debate, algumas idéias: o efeito vinculante poderia eliminar a massa de processos repetidos, no Supremo Tribunal e nos Tribunais Superiores. O Supremo Tribunal já recebeu, este ano, perto de 19 mil processos. As leis processuais precisam ser simplificadas e o sistema de recursos, racionalizado.
                             É preciso, por exemplo, impor ônus na sucumbência recursal. Quem perde o recurso deve pagar os honorários do advogado do vencedor. Recursos podem ser suprimidos, e os recursos interpostos de decisões não terminativas devem ser julgados quando da apreciação do recurso da decisão final.
                             A sentença deve ter caráter  mandamental, vale dizer, precisamos acabar com a ação de execução. Tudo deve ser feito numa só fase, a fase de conhecimento. É necessário repensar, também, a execução fiscal.
                             A possibilidade de a questão constitucional controvertida, em certos casos, ser levada imediatamente à apreciação do Supremo Tribunal é importante. A arguição de relevância precisa ser adotada. Ao Supremo Tribunal deve ser deferida a faculdade de conferir efeitos “ex tunc” ou “ex nunc” à declaração de inconstitucionalidade, tendo em vista a segurança jurídica, a equidade ou o interesse público, como ocorre no Tribunal Constitucional de Portugal.
                             Reconheçamos o verdadeiro valor do juiz de 1º grau. Ele vive a realidade da causa. Cerca de 30% a 40% das demandas podem ser decididas, em definitivo, quanto à matéria de fato, no 1º grau. O recurso, nessas causas, a partir daí, seria puramente jurídico: ofensa à lei.
                             Não tenho a pretensão de apresentar idéias acabadas. Ao contrário, conclamamos a comunidade jurídica nacional ao debate, Afinal, é preciso restabelecer a fé na Justiça, tornando a prestação jurisdicional rápida e eficaz. A sociedade brasileira merece.
 

* Presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi presidente do Tribunal  Superior Eleitoral (1994-1996). É professor titular aposentado da UnB (Universidade de Brasília) e autor do ensaio “Do Poder Judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico. Efeito vinculante e outros temas”.

- ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL “A FOLHA DE SÃO PAULO”, DO DIA 27 DE MAIO DE 1999, CADERNOS 1 PÁGINA 3