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A igualdade jurídica como um princípio fundamental
do estado constitucional de direito

Petiana: Adriana Dallanora



1.Considerações Introdutórias.2. O Princípio da Igualdade no Modelo Garantista. 2.1 O primado do ponto de vista externo:  A igualdade postulada mediante a Tolerância e o valor da pessoa. 2.2. A igualdade como um princípio fundamental: contrapontos com o direito patrimonial. 2.3. As questões de gênero frente ao princípio da igualdade.  3. A igualdade na aplicação do Direito e na criação do Direito. 4. A Democracia como pressuposto da efetiva igualdade. 5. O princípio da Igualdade como fundamento dos Direitos Humanos. 6 A Igualdade como critério de justiça. 7.Considerações Finais. 8.Referências Bibliográficas.

   “ (...)A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever-ser. Enquanto teorias filosóficas, as primeiras afirmações dos direitos do homem são pura e simplesmente a expressão de um pensamento individual: são universais em relação ao conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo, mas são extremamente limitadas em relação à sua eficácia, na medida que são ( na melhor das hipóteses) propostas por um futuro legislador.”
 
 

1. Considerações Introdutórias.
 

A igualdade, proclamada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e em todas as cartas constitucionais, apresenta uma interpretação completamente diversa em um modelo garantista de Direito, aparecendo não como tese descritiva, mas como um princípio normativo, não como asserção, mas como prescrição, não no sentido do ser, mas do deve-ser, como expõe Ferrajoli na sua Teoria Garantista do Estado de Direito em “Derecho y Razón”.

A partir dessa idéia de igualdade ( não como fato, mas como valor), surge a primazia axiológica do ponto de vista externo, ou seja, dos valor das pessoas, bem como do respeito às suas diversas identidades. E nesta acepção, está inserida a moderna tolerância, ou seja, o respeito por todas as diferenças existentes entre as pessoas. Neste contexto, a diferença sexual pressupõe um valor baseado nesta tolerância, postuladora das diferenças.

O princípio da igualdade está implícito em todos os direitos fundamentais, que por sua vez são postulados como valores extra-jurídicos, e por essa razão, as garantias democráticas cabíveis devem ser idôneas de tal modo que, sobre esses princípios não possam recair a regra da maioria, pelo fato de serem legitimadores dos direitos fundamentais, considerados historicamente invioláveis. Desse modo, ao formarem a base de uma igualdade en droits, os direitos fundamentais possuirão distintos valores dos direitos patrimoniais, reconhecidos por Ferrajoli como direitos que se exercem excludendi alios.

Ronald Dworkin   considera o direito a ser tratado como igual, um direito fundamental, onde a igualdade é referida a todos os seres humanos, sem haver distinção de qualquer gênero. Neste contexto, Dworkin deduz todos os outros direitos do sistema de referência ao direito de todos os homens possuírem igual consideração e respeito. No entanto, este conceito não pode ser generalizado pelo fato de que o respeito como valor fundante não está inserido apenas no valor da igualdade, mas também em outro vários princípios, como o da dignidade humana.

Ao ser postulado como um critério de justiça, o princípio da igualdade incorpora diversas dimensões,com uma distinta formulação: por um lado através de um modelo social, que concerne à igualdade material, e por outro, um modelo liberal que considera a igualdade através dos méritos e  de iguais oportunidades a todos. Assim , John Rawls, através  da formulação de princípios de justiça, em  Theory of Justice, admitirá, primeiramente a exigência de igualdade através de uma democracia liberal, bem como uma liberdade política ( como o direito de votar e desempenhar cargos públicos), e consequentemente, havendo desigualdade de oportunidades, através de vantagens econômicas e sociais, deve-se tentar amenizá-las em face da existência de menos bens a repartir.

Neste contexto, é realmente questionável formular critérios de justiça acerca da igualdade, pelo fato de tal princípio incorporar valores meta-jurídicos, inseridos em uma acepção normativa e prescritiva, mas que, no entanto, deve ser considerado o alicerce para todo e qualquer ordenamento jurídico que tenha como primordiais valores aqueles inseridos nos direitos fundamentais.
 
 

2. O Princípio da Igualdade no Modelo Garantista.
 

2.1. O primado do ponto de vista externo: a Igualdade postulada mediante a
        Tolerância e o valor da pessoa.
 

 O princípio da igualdade constitui-se em um princípio normativo e dinâmico a partir do qual é possível a realização de juízos de valor que justifiquem determinadas opções jurídicas pelos mesmos, considerando-se o valor da igualdade como um dever-ser, termo normativo e prescritivo.

 Luigi Ferrajoli, partindo de uma análise meta-teórica -do ponto de vista externo-, postula que a primazia axiológica deste equivale à primazia da pessoa como valor, ou seja, do valor da pessoa e de todas as suas identidades e pluralidades de pontos de vista externos. Dessa forma, sobre esse valor irá basear-se a tolerância, que corresponde ao respeito de todas as identidades pessoais e de pontos de vista. “A tolerância pode ser definida como a atribuição de idêntico valor a cada pessoa” , opondo-se, assim, à intolerância que postula a violação dos direitos fundamentais, bem como a  desigualdade.

A  igualdade jurídica , assim, possui por corolário a tolerância, que por sua vez constitui-se em um princípio complexo, que inclui as diferenças pessoais e exclui as diferenças sociais. Assim, o valor da igualdade pode então ser analisado através de duas acepções: a primeira consiste no igual valor correspondente a todas as diferentes identidades que fazem de cada pessoa um indivíduo diferente dos demais e de cada indivíduo uma pessoa como as demais.  Neste contexto, a tolerância reside na admissibilidade de violações destas identidades. Em uma segunda acepção, a igualdade desvaloriza o gênero das diferenças econômicas e sociais, que constituem privilégios e discriminação social, capazes de erradicar as identidades e determinar as desigualdades, estas intoleráveis.

A partir destas duas acepções, o princípio da igualdade possuirá uma dupla estrutura, que consiste na igualdade formal e política e na igualdade substancial e social.

O princípio da igualdade assumirá na primeira acepção a centralidade, a tolerância e a intangibilidade das diferenças pessoais  e identidades estendidas como pressupostos da pluralidade de pontos de vista pessoais que conformam o ponto de vista externo, constituindo-se em uma igualdade formal e política, onde “a igualdade e as diferenças não só não são antinômicas, senão que se implicam reciprocamente”.  O fato de excluir as diferenças sociais e econômicas conserva as diversas identidades pessoais, assim como condena os privilégios e discriminações sociais que deformam a identidade e determinam as desigualdades, sendo nesta acepção inserida a igualdade substancial e social.

Em ambas as acepções, o princípio da igualdade não é uma “tese descritiva”, senão um princípio normativo, não um juízo de fato, mas um juízo de valor, ou um valor mais precisamente, postulado porque se reconhece a distinção existente entre os homens.

A igualdade jurídica seria um dos primeiros princípios consensuados no pacto social, de onde são deduzidas prescrições na forma de normas precisas e critérios de validade e legitimidade de modelos jurídico- político determinados, pressupondo que todos os homens são , por natureza  iguais e livres, e o pacto de união é firmado por indivíduos igualmente livres, em todas as suas identidades e pontos de vista, deduzida de uma relação de paz que deve se concretizar na condição política. A passagem do estado de natureza para a condição política, pressuposto lógico e não fato histórico, faz de indivíduos atomizados uma totalidade.

A partir da formulação de igualdade no modelo garantista, é possível definir os direitos fundamentais, assim como as técnicas mediante as quais a igualdade esteja garantida. Dessa forma, as garantias dos direitos de liberdade - direitos de - asseguram a igualdade formal e política, bem como os direitos sociais - direitos a - asseguram a igualdade substancial e social. Os direitos de liberdade correspondem, então aos direitos à diferença, onde cada pessoa difere das demais preservando suas identidades. Já os direitos sociais são aqueles direitos que pretendem compensar e minimizar as desigualdades.

A essencial relação entre a tolerância e a igualdade com os direitos fundamentais, justificará uma peculiar natureza jurídica dos direitos com o centro do ordenamento, expressando um valor, condicionando um modelo de Estado de Direito que garanta a igualdade, e ao mesmo tempo, incorporando limites precisos aos poderes públicos, tanto negativos, como positivos, assim como fins que pressupõem garantias, através de toda atividade jurídica.
 
 

2.2. A Igualdade como um princípio fundamental: contrapontos com os direitos patrimoniais.
 

Na base do paradigma do Estado de Direito, bem como na democracia tanto formal quanto substancial, há uma estipulação de direitos fundamentais - políticos, civis, de liberdade e sociais - enquanto fonte de legitimação e justificação externa, bem como limitação interna dos poderes ( públicos e privados), atuando como parâmetros de igualdade dos sujeitos enquanto pessoas e cidadãos.

Tais direitos fundamentais apresentam pelo menos três diferenças estruturais com outros direitos, que, não obstante, respeitam os direitos patrimoniais.

 Primeiramente, é evidente a universalidade de tais direitos, que materializam o princípio da igualdade baseado em uma igualdade en droits,  dado que, tanto os direitos de liberdade e os direitos civis, como os políticos e os sociais, pertencem a todos em igual medida.

 Em segundo lugar, enquanto os direitos fundamentais são indisponíveis,  inalienáveis e invioláveis, sendo raramente alterados pelo seu exercício, os direitos patrimoniais possuem natureza alienável e transferível, pelo fato de não haver subtração tanto da decisão política quanto do mercado, distintamente dos primeiros.
 E, finalmente, enquanto os direitos patrimoniais podem produzir efeitos através dos atos negociais, os direitos fundamentais são sempre ex lege, a nível constitucional, e seu exercício é passível de produção de efeitos, exceto nos direitos civis e políticos.

No entanto, a concepção liberal postula que a própria igualdade de apropriação constitui-se em uma classe específica de Direitos fundamentais: os direitos civis da capacidade de agir e a autonomia privada, assim como o direito de voto e da autonomia na esfera pública são direitos universalmente reconhecidos a todos os sujeitos de maior idade enquanto cidadãos. Dessa forma, esses direitos não podem ser confundidos com os direitos de propriedade e outros direitos patrimoniais, que se baseiam na liberdade e esfera econômica, protegidas pela Constituições liberais.

Na verdade, a universalidade da qual fala Ferrajoli está sustentada por essa igualdade en droits, baseada em um traço estrutural e formal determinado pela quantificação universal da esfera de seus titulares: liberdade pessoal, habeas corpus , direito à vida, bem como os direitos políticos, civis e sociais, pertencentes igualmente a todos os cidadãos. E neste contexto, os direitos patrimoniais são naturalizados como exclusivos, pela quantificação existencial de seus titulares, enquanto os direitos fundamentais são inclusivos, através da igualdade en droits.

Quanto à igualdade no sentido de “tratamento igual perante a lei”, este outro é apenas um direito de igualdade, e por sua vez, um direito fundamental por causa da quantificação universal de seus titulares.

Ferrajoli deixa expresso em Derecho y Razón que “enquanto os direitos patrimoniais dividem, de fato, aquele fundamentais unem, e formam a base daquela interação entre afirmação de identidade individual e formação de identidade coletiva que caracteriza o desenvolvimento dos movimentos e alimenta a vida da democracia”.

“Os direitos fundamentais, de fato formam a base da moderna igualdade, que é precisamente uma igualdade en droits , na medida em que exibem duas características estruturais que os diferenciam de todos os outros direitos, a começar pelo de propriedade: antes de mais nada, a sua universalidade, pois respeitam a todos em igual medida, contrariamente aos direitos patrimoniais, que são direitos excludendi alios, dos quais um sujeito pode ser ou não titular e dos quais cada um é titular com exclusão dos outros; em segundo lugar, a sua indisponibilidade e inalienabilidade, quer ativa , quer passiva, que os subtrai ao mercado e à decisão política, limitando a esfera do decidível de um de outra e vinculando-se à sua tutela e satisfação.”
 
 

2.3. As questões de gênero frente o princípio Igualdade.
 

O valor da igualdade postulada na Constituição de qualquer Estado Democrático de Direito pressupõe uma generalidade de direitos que são universalizáveis, ou seja, estão implícitos em todas as pessoas, sem haver distinção. Neste contexto, as questões de gênero apresentam a incompatibilidade rigorosa que há entre o ser e o dever ser nas questões de igualdade entre homens e mulheres, que está presente de modo substancial em todo e qualquer lugar.

A diferença sexual está muito bem exposta no ensaio de Ferrajoli, extrato da obra  “Democrazia e Diritto”  , onde há uma densa discussão do autor relacionado ao movimento feminista europeu. Tal discussão concerne a um hipotético ordenamento jurídico dualista referente ao sexo, que seria reconhecido através de normas informais (que para Ferrajoli seriam válidas, mas não vigentes), amenizando assim de forma extrajudicial as desigualdades de gênero.

Ferrajoli ataca tais proposições afirmando que o princípio da igualdade torna-se falacioso, pois a desigualdade entre os sexos é um acontecimento fático, não podendo ser confundido com o seu dever-ser. Dessa forma, é a violação que deve ser contestada, e não o princípio violado, perante uma acepção garantista.

Do ponto de vista descritivo, a igualdade é falsa por considerar-se verdadeira apenas pela verificação de seus parâmetros definidos, e do ponto de vista prescritivo, ela torna-se um “ideal limite” ao legitimar diversos movimentos de luta por iguais direitos. Ferrajoli pensa ser equivocada a idéia de um ordenamento dualista, mesmo porque sob vários os aspectos valorativos, a luta das mulheres já obteve diversos resultados, que ultrapassam o princípio da igualdade, tal como a dignidade humana, bem como questões referentes ao aborto e maternidade.

Ferrajoli faz uma breve distinção entre quatro possibilidades de configuração jurídica das diferenças, baseando-se nos parâmetros de igualdade e  desigualdade.

a) Indiferença jurídica da diferença: que consiste na sujeição de fato da mulher ao poder masculino, na qual as diferenças não são valoradas, nem desvaloradas, tuteladas ou reprimidas, mas apenas ignoradas.

b) Diferenciação jurídica da diferença: nesta possibilidade há uma hierarquização das diferentes identidades, exprimidas na valorização de algumas e desvalorização de outras. Para Ferrajoli, estamos inseridos nesta categoria, na atualidade.

c) Homologação jurídica da diferença: neste modelo há um nivelamento, não levando-se em conta as diferenças, sendo que, através de um juízo de fato, normaliza-se a sociedade. A diferença feminina resulta, assim, não discriminada pela anulação das diferenças.

d) Igual valorização jurídica da diferença: esta possibilidade baseia-se no princípio normativo de igualdade, como um direito fundamental, e ao mesmo tempo um sistema de garantias capaz de assegurar a efetividade de tal princípio.

São traçados por Ferrajoli conceitos que distinguem  igualdade (como norma) e diferença (como fato), apesar de sua ligação recíproca. De um lado, a igualdade enquanto valor, não constitui um fato, nem uma asserção, mas uma prescrição, bem como é também um termo normativo, ou seja, onde o diferente deve ser respeitado e tratado como igual. De outro lado, a diferença constitui um termo descritivo, denotando as diferentes pessoas e identidades, sendo que todas elas devem ser tuteladas e respeitadas, bem como garantidas, em favor do princípio da igualdade. Dessa forma, se uma diferença é violada, como é o caso da diferença sexual, estará destinada à desigualdade e discriminação.

Por conseguinte, a valorização da diferença sexual tem como pressuposto o princípio normativo da igualdade, que consiste no igual valor da diferença, como constitutiva da identidade da pessoa e é como tal assegurada por sua universalidade. Cabe, então a elaboração teórica e a realização prática de garantias idôneas capazes de suprimir as discriminações, tarefa é problemática para qualquer política democrática de Direito.

Pois, enquanto norma, de fato, a igualdade é destinada a um grau mais ou menos elevado de inefetividade, não somente entre os sexos, pelo fato de que não deixa de ser uma “utopia jurídica”, apesar de não anular o seu valor normativo. Ao ser reduzida a incompatibilidade entre a normatividade e a efetividade, será atacada não a norma, mas o fato, não o princípio da igualdade, mas a sua violação.
 
 

3. O Princípio da Igualdade na Aplicação e na Criação do Direito.
 

A afirmação de que “todos são iguais perante a lei”, denota uma exigência de igualdade na aplicação do Direito, e ao constituir-se numa das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido, assume, dessa forma, relevância no âmbito da aplicação igual da lei pelos órgãos da administração e pelos tribunais.

Ser igual perante a lei não significa apenas aplicação igual da lei. A própria lei deve tratar de forma igual todos os cidadãos. O princípio da igualdade dirige-se ao próprio legislador, vinculando-o à criação de um Direito igual para todos os cidadãos.

Canotilho demonstra então três formas intrínsecas de criação de direito igual:

a) Criação de direito igual como princípio da universalidade ou princípio da justiça pessoal: a racionalidade prática aqui é postulada, sendo que para todos os sujeitos de direito com as mesmas características, prevê-se iguais situações ou resultados jurídicos. Nesta acepção, o princípio da igualdade permitiria a discriminação quanto ao conteúdo: todos os indivíduos de raça negra devem ser tratados igualmente em “escolas separadas” dos brancos. Através desse exemplo, percebe-se que em um sentido formal, tal princípio ficaria reduzido a um princípio  da prevalência da lei em face da jurisdição.

b) Criação de direito igual como exigência de igualdade material através da lei: nesta acepção, a exigência de igualdade material deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, reconduzindo a uma idéia de igualdade relacional.

c) Igualdade justa: a igualdade pressupõe um juízo e um critério de valoração. O critério de valoração não está inserido no âmbito das relações de igualdade ( ou desigualdade), bem como os juízos de valor, mas sim, encontra-se relacionado “à proibição geral do arbítrio”, onde haverá observância da igualdade quando os indivíduos (ou situações iguais) não são arbitrariamente tratados como desiguais, ou seja,  “o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade”.

A necessidade de valoração ou de critérios de qualificação bem como a necessidade de encontrar elementos de comparação relacionados ao princípio da igualdade implicam, segundo Canotilho ,a insuficiência do “arbítrio” como fundamento adequado de valoração e comparação, bem como na imprescindibilidade da análise dos fundamentos justificadores das soluções diferenciadas, incluindo a insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de natureza apenas “defensiva” ou “negativa”, ou seja, uma imposição à tutela deste princípio por parte da jurisdição, no sentido de suprimir a sua violação.
 
 

4. A Democracia como pressuposto da Igualdade.
 

A democracia, pelo fato de ser uma categoria histórica, se distingue por pressupostos simples e específicos, tais como o princípio da maioria, o princípio da liberdade, o respeito às minorias, bem como a independência e a intangibilidade da jurisdição. E é neste contexto que está inserido o princípio da igualdade, derivando do respeito às decisões democráticas que servem de alicerce para o Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, o exercício concreto dos direitos fundamentais do homem só se efetivará com o aperfeiçoamento das instituições democráticas. Já na Política de Aristóteles, há a afirmação de que a democracia é o governo em que reside a vontade do povo, ou seja da maioria, onde é assinalada que a alma da democracia consiste na liberdade, perante a igualdade de todos. A igualdade assegurada pelo autor grego é o primeiro atributo fundamental e finalidade da democracia, insistindo que quanto mais for pronunciada a democracia, mais haverá  um avanço na igualdade.

Os direitos proclamados na Declaração Universal de Direitos Humanos são pressuposto de uma democracia efetiva que tenta se aperfeiçoar até nossos dias, segundo Bobbio.  Pelo fato de constituir-se através de uma sociedade de cidadãos, os direitos fundamentais devem ser reconhecidos, bem como a igualdade, atribuindo-lhes valores absolutos. Bobbio fala de um valor absoluto como um estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem, válidos em todas as situações para todos os homems, sem haver qualquer distinção. Trata-se de um estatuto privilegiado, que depende de uma situação que se verifica muito raramente, que consiste na concorrência de alguns direitos fundamentais.

Torna-se impossível instituir um direito em  favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito concernente a outra categoria de pessoas. Em diversas situações ocorre a concorrência de dois direitos fundamentais, onde não poderá um deles ser protegido, sem inoperar o outro, como por exemplo, no direito de liberdade de expressão, contraposto ao direito de não ser injuriado ou enganado.  Em certos casos, então, deve-se falar em direitos fundamentais absolutos, porém relativos, no sentido de que a tutela de tais direitos encontra um limite insuperável na tutela do direito igua>


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Também, neste contexto, um Estado Democrático de Direito que queira postular garantias eficientes concernentes aos direitos fundamentais, deverá limitar a esfera de decisão sobre tais direitos. Ou seja, as garantias democráticas idôneas postulam a existência de certos direitos na qual nem a maioria pode decidir, pelo fato de serem invioláveis, inalienáveis e imprescritíveis, e neste sentido também não poderá ser violada a igualdade de direitos entre todas as categorias de cidadãos.

Ferrajoli confere à categoria de direitos sobre a qual não se pode decidir a “democracia substancial”, a qual respeita ao que não pode ou deve ser decidido pela maioria, e que é garantida pelas normas substanciais que das mesmas decisões disciplinam a substância ou o significado, vinculando-as, sob pena de invalidade, ao respeito dos direitos fundamentais e dos demais princípios axiológicos por elas estabelecidos , como é o caso do princípio da igualdade, aqui em sentido prescritivo e normativo.

Desse modo, a democracia pressupõe luta incessante pela justiça social, ou seja, ela não pode resignar-se a salários e condições de trabalho miseráveis, postulando desigualdade tanto formal quanto substancial. A democracia não pressupõe a perfeição, onde todos sejam instruídos, cultos, educados, mas há de distribuir a todos instrução, cultura, educação, bem como aperfeiçoamento e nível digno de vida.

A essência da democracia moderna está em que o poder reside no povo, que elege em eleições livres o governo, mas há de se observar que a relação povo-governo estabelece várias opções históricas. E hoje, a democracia deve buscar a libertação do homem das diversas formas de opressão tanto política, quanto econômica.

Bobbio deixa claro que há diversos empecilhos (implícitos na ilegitimidade de muitas decisões) para  chegar-se a uma democracia efetiva que dê suporte ao valor de igualdade, ao afirmar que “a democracia implica sentimento de pertencer a uma pátria comum, trata-se também do que hoje é chamado de patriotismo da Constituição ( mas é preciso que haja uma Constituição que não seja contestada, desprezada e ilegitimada, confiança nas instituições e nos homens que repentinamente as apresentem), não importa se no governo ou na oposição.”
 
 

5. A Igualdade como Fundamento dos Direitos Humanos.
 

A igualdade de Direitos dos cidadãos pode ser enfocada a partir da concepção encontrada na obra “Los derechos en serio”   de Dworkin, considerada a partir de dois pontos de vista: primeiramente do igual tratamento na distribuição de bens e oportunidades, bem como no fato do direito a ser tratado como igual, ou seja, a igual consideração e respeito.

 Neste contexto, Dworkin realmente propõe a igualdade como verdadeira fundamentação dos direitos humanos; no entanto, estes não deixam de depender dos direitos individuais e das diferentes liberdades. A igualdade consiste em um direito fundamental e formal que é o sistema de referência a todos os demais direitos humanos. Este sistema de referência em Dworkin é o direito de todos os homens a igual consideração e respeito. A partir dele, podem ser deduzidos todos os outros direitos humanos.

A formulação de que todo ser humano merece a mesma consideração e tratamento é um princípio, mas é também o resultado de outros vários princípios. A suposição de que uma só pessoa merece consideração estende-se à consideração das demais pessoas, resultando na prática da convivência social e política vinculada a um processo intelectual e ético.

A proposta dworkiniana de igual consideração e respeito como fundamento dos direitos humanos deve ser admitida, mas, no entanto, não basta apenas ditar e supor tal proposição, segundo Juan Castillo Vegas. Uma fundamentação dos direitos humanos possui também “base na dignidade da pessoa humana, que se constitui na excelência da pessoa humana pelo mero fato de sê-lo”. E por ser a mesma em todos os seres humanos, é também um princípio determinante e fundante da igualdade de consideração e respeito. Esta dignidade é qualidade essencial à sua natureza, e não depende de caracteres acidentais que possam ser numerosos pela complexidade das situações que possam afetar as pessoas.

A igualdade na dignidade e nos direitos humanos tem como causa e fundamento a igualdade na essência humana racional e livre em todos os homens. Ao ressaltar a universalidade e igualdade do respeito às pessoas, isto não possui apenas um fundamento racional e livre, mas também, condições políticas, econômicas, sociais e culturais. A unidade da essência e da espécie de todos os seres humanos fundamenta a dignidade comum a todos eles e a igualdade dos direitos fundamentais que lhe correspondem.

O princípio da igualdade adquire cunho ontológico e metafísico ao estabelecer um fundamento à igualdade, para que todos os homens tenham igual tratamento e consideração, onde cada ser humano reconheça e respeite os direitos do outro. Dessa forma, o princípio da igualdade não é isolado e único, mas unido aos princípios de racionalidade e dignidade. Na ausência de algum destes princípios, estará solapado o fundamento dos direitos humanos.

A vulneração do princípio da igualdade ante a lei requer a presença de pressupostos essenciais que não seja imotivado ou banido por uma motivação irracional e arbitrária. Uma igualdade isenta de fundamentos, comparações ou pressupostos racionais carecerá totalmente de eficácia jurídica e política; por sua vez encontra-se nesta ausência a raiz de toda e qualquer discriminação e desigualdade.

O reconhecimento da igualdade, juntamente com os valores de racionalidade, natureza e dignidade, de todos os homens, é fonte originária de direitos fundamentais e deveres correlativos. E como o cumprimento dos deveres e a obediência à lei há de estar sempre racionalizada e justificada , deduz-se que a igualdade necessita de tantas razões, quanto a sua obediência jurídica.

A igualdade de todos os homens consiste na universalidade dos direitos fundamentais a todos os cidadãos. No entanto, se o princípio que condiciona os direitos humanos for discriminatório, tampouco será universal a consequência jurídica, pelo fato de ser efeito de supostos filosóficos negadores da igualdade.
 
 

6. A Igualdade como critério de Justiça.
 

O princípio da igualdade possui substancial ligação à concepção de Estado Constitucional de Direito que traduza todos os seus valores, obtendo como supremos aqueles valores postulados pela Constituição. Assim considerada, a igualdade será consubstanciada como um valor primordial para fundamentar e legitimar os direitos fundamentais.

Um mito frequentemente utilizado para destacar a função “corretora” do Estado, concerne à justiça distributiva , que consiste em falar do marco das correspondentes quotas de igualdade concernentes aos cidadãos. Seguindo tal critério de justiça aristotélica, que exige que cada qual receba uma porção adequada a seus méritos, se estabelecerá uma relação proporcional dando mais a quem merece e menos a quem não merece. Dessa forma, sendo desiguais os méritos, os que governam devem receber o “adequado e devido” prêmio pelo fato de governar.

Um dos mecanismos formulados para solucionar as disparidades da democracia representativa, que legitima a desigualdade através dos méritos,   foram a democracia direta e a sociedade sem classes. A primeira forma implicava a eliminação dos representantes, conseguindo erguer a vontade popular, a expressão política. A segunda maneira, a sociedade sem classes, converteria todos os eleitores em automaticamente iguais, de tal maneira que não poderiam utilizar sua riqueza e seus bens para impor-se aos demais. Contudo, é certo que em uma sociedade sem classes subsistiriam ainda diferenças relativas à inteligência, sexo, saúde, dentre outras. Assim, o resíduo da desigualdade seria inevitável.

Neste contexto de igualdade absoluta para todos, a justiça poderia obter um papel controvertido, onde a concepção de justiça implica dar a cada um segundo as suas necessidades e méritos , tal como a concepção aristotélica de justiça distributiva ( onde o indivíduo contribui com respeito à sociedade também de forma proporcional). Desse modo, a justiça entendida como  “a todos por igual” acaba recaindo em desigualdade, e por sua vez em injustiça. Neste contexto, a sociedade sem classes não conseguiria gerar situações jurídicas igualitárias.

Partindo-se, então, para uma diferenciação entre um modelo social, e outro liberal, haverá fundamentalmente duas maneiras de se interpretar o valor da igualdade, inserida na distinção entre uma concepção socialista e outra liberal, de igualdade material e de oportunidades.

A concepção socialista de igualdade é considerada através da isonomia na participação dos benefícios sociais, independente de seus méritos, correspondentes às relações materiais de poder e igualando todas as situações econômicas existentes entre os cidadãos.

A concepção liberal de igualdade entende estar compatível com a justiça dar a cada um os seus méritos, relativizando até a igualdade de oportunidades. O sistema favorecedor das minorias raciais, por exemplo, ou mesmo outra categoria, alvo de discriminação, pode ser considerado, de certo modo, como uma aplicação do princípio da igualdade de oportunidades. Os partidários da meritocracia ( como pode também ser chamada a igualdade de oportunidades) defendem, em última instância que, o que a igualdade exige é retribuir igualmente o mérito também igual, sendo que os diferentes indivíduos, sendo desiguais em méritos, recebam recompensas diferentes.

John Rawls formula em sua obra Theory of  justice, princípios de justiça na qual os primeiros princípios dão ênfase aos direitos humanos fundamentais, que partem dos limites no contexto social, considerado regulador da estrutura básica da sociedade. Como fundamento, a principal finalidade do contrato social é a de reconhecer e garantir os direitos fundamentais. Como conteúdo, através deste contrato se possa articular a vigência histórica do exercício desses direitos. Como limite, o contrato deve respeitar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.

Rawls formula seus princípios a partir da representação de justiça, através de uma concepção normativa de pessoas que se encontrem reconhecidas em um modelo constitucional e democrático de Estado, afirmando que: a)cada pessoa deve possuir um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas, compatível com um sistema similar de liberdade. b) através da suposição de que há desigualdades sócio-econômicas, é preferível uma situação com desigualdades, mas com menos bens a repartir. Rawls, dessa forma, aceita que haja indivíduos melhores se for respeitado o princípio da igualdade de oportunidades. São evidentes então as exigências de liberdade nos primeiros princípios e as de igualdades  e justiça social nos segundos.

No entanto, se for apenas utilizado tal conceito de igualdade de oportunidades, tenderíamos a uma sociedade com poucos privilegiados, onde uma situação de legítima desigualdade geraria um grande fator destinado a uma intensa conflitualidade social.

Rawls, portanto, focaliza o senso de justiça em uma concepção pública de cooperação, onde cada pessoa doa apoio à estrutura social básica, e dela retira a obtenção de vantagem, em medida igual a cada cidadão. Assim, a igualdade de direitos e a reciprocidade de benefícios é a principal forma de formular princípios de justiça.

No entanto, torna-se uma tarefa difícil postular critérios de justiça social em um termo descritivo, ou seja, numa realidade de intensa desigualdade. Pensar em valores de igualdade, consiste em pensar em valores meta-jurídicos, em um sentido normativo e prescritivo, através de postulados nem políticos, nem jurídicos, mas sim históricos e filosóficos, para  poder ser alcançada uma igualdade efetiva dentro dos padrões que um Estado Constitucional de Direito delimitar.
 
 
 

7. Considerações Finais.
 

A Teoria do Direito, ao ser declarada prescritiva, legitima um certo ordenamento jurídico com essencial base em valores, ou seja, deriva as suas normas de um pressuposto axiológico.  Assim, em um Estado Constitucional de Direito, o direito implica  um instrumento de defesa e garantias fundamentais, externo a ele e por ele garantidos.

Partindo de tais axiomas, será o ponto de vista externo o responsável pela autonomia crítica e prescritiva sobre o Direito Positivo que faz com que este seja um meio para realizar os valores meta-jurídicos. E, neste sentido, no primado do ponto de vista externo está implícito “o igual valor das pessoas e a tolerância”, que consiste na valorização das diferenças, através de uma igualdade substancial e social, e a tentativa de minimizar e compensar as desigualdades através de uma igualdade formal e política.

Dessa forma, a igualdade postulada através da tolerância e valor da pessoa, será um princípio fundamental implícito em todos os direitos fundamentais, considerados inclusivos, não somente no sentido jurídico, mas também social.  Assim, os direitos fundamentais se constituem na garantia social da ação de todos para assegurar a cada um o seu usufruto, na sua garantia externa e extra-jurídica de tais direitos, ancorados em  uma igualdade en droits.

No entanto, o princípio da igualdade não é essencial e único à legitimação e tutela dos direitos fundamentais. Concomitante a ele, vários outros princípios fundamentam os direitos humanos, como o valor da dignidade humana, expressada em tais direitos, de forma que esta deva ser considerada em igual medida a todos os cidadãos.

Dessa forma, ao serem considerados tais princípios, os direitos constitucionalmente garantidos operam, não como fonte de legitimação, mas ao contrário, como fonte de deslegitimação do poder, dado que nenhuma maioria pode decidir contra tais direitos, pois eles são resultado de um processo histórico e político, advindo de um contrato social positivado na Constituição.

Portanto, ao ser violado o princípio da igualdade, estará havendo um distanciamento do Estado de Direito e da democracia substancial, em um modelo garantista, onde a igualdade jurídica, seja formal ou substancial, possa  ser definida como “igualdade nos direitos fundamentais”.
 
 

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