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Positivismo jurídico e a nova atividade legiferante

Ruben Schechter
Estudante de Direito (FMU/SP)

    Introdução.

    O Direito, a despeito de todas as acepções atribuídas ao vocábulo, nada mais é do que a sublevação de ensinamentos adquiridos pela convivência gregária, transformada em uma ciência humana, lastreada pela experiências adquiridas neste convívio, tendo em conta sua significação intrínseca.

    Analisando-se os aspectos básicos do Direito na tridimensionalidade normativa, fática e axiológica, chega-se à conclusão de que o enfoque dado pela hermenêutica deve levar em conta estes três prismas de observação apontados para um mesmo vértice, que, de forma intuitiva, mostra-nos quais são os caminhos daquilo que é e daquilo que deve ser.

    Destarte, o presente estudo tem por escopo o estudo da aplicabilidade dos fundamentos da escola positivista na nova tendência que surge para a concepção e elaboração das leis, notadamente, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Código de Defesa do Consumidor.

    Para o fiel e perfeito desenlace do tema, há de se observar, preliminarmente, alguns aspectos que eventualmente são alienígenas ao tema ensejador desta peça.

    Isto posto, vejamos então

    O fato social, político e filosófico na consideração da influência sobre o pensamento holístico jurídico.

    A Tradição Jurídica Mundial, desde a revolução filosófica do séc. XIX, tem sofrido constantes alterações e tem sido influenciada de maneira contumaz pelas realidades sociais, o que, anteriormente, observava-se com lentidão e passividade, de acordo com expoentes desta classe de pensamento naquela época.

    Com o passar dos anos, vislumbrou-se a necessidade de enfocar as realidades sociais em um contexto jurídico-prático, atrelando-se os aspectos axiológicos-sociais ao alto pensamento filosófico que aflorava no seio da comunidade.

    Desta forma, baseando-se nos novos ideais emergentes, admitiu-se uma nova forma de pensar, que se adapta de acordo com a evolução política e social, ocasionando, assim, uma alteração na valoração jurídica dada à Norma Fundamental.

    Sem embargo de divagar demoradamente sobre o assunto acima apontado, cumpre expor quais os seus reflexos e implicações na atualidade.

    Hodiernamente, têm-se levado em conta todos os aspectos que envolvem a lide, com o intuito de possibilitar aos Jurisdicionados o encontro da segurança e da celeridade; elementos constitutivos do paradoxo binomial do Direito, em menoscabo às raízes positivistas sustentadoras do ordenamento jurídico nacional.

    Nota-se que a política econômica brasileira tem propiciado às grandes empresas a possibilidade de fortalecimento e de ampliação da área de atuação, levando-se em conta a abertura política de Países como a China, e a criação de blocos econômicos, tais como o Mercosul, relevando-se, ainda, o chamado processo de globalização.

    Em termos internos, podemos observar o crescimento constante das empresas já estabelecidas e com forte atuação no mercado, em detrimento daquelas de menor porte.

    Ora, como se espera, a sociedade têm observado e participado deste processo evolutivo de forma contundente, estabelecendo, de acordo com as modificações e avanços, nova estrutura axiológica no sentido de substituir, constantemente, um dos pilares-mestres da cultura e da própria concepção gregária.

    Tal fenômeno social, acarreta diversos efeitos no mundo jurídico-filosófico, levando, desta feita, à concepção e adaptação de idéias antigas e atuais, vislumbradas sobre o prisma do acontecimento factídico.

    O pensamento holístico-jurídico teve sua gênese nesta espécie de enfoque dado ao fenômeno social como dirigente dos valores jurídicos a serem aplicados no caso concreto.

    Claramente, o levante deste pensamento nas discussões acadêmicas, nas manifestações judicantes e na atividade legiferante nacional estabeleceu uma nova ordem valorativa, concatenada e influenciada pela evolução do novo pensamento holístico.

    Agora e, já abordada a posta a questão alienígena a respeito deste novo pensamento, vejamos

    As características da holística jurídica e sua influência na criação da Lei nº 9.099/95.

    Observando-se os acontecimentos ocorridos nestes idos, têm-se que o enfoque dado às discussões e à busca de soluções dos problemas sociais, políticos e econômicos (bem como de todos os seus consectários lógicos) tem tomado rumo diverso daquele quando concebido os princípios jurídicos positivistas, no qual se lastreia nosso ordenamento jurídico.

    Um dos diversos novos temas que foram abordados, refere-se justamente a nova concepção da Lei perante a sociedade como a mais pura expressão de suas vontades, tendo em vista as conquistas sociais propinadas pela nova Carta Política de 1988.

    Ocorre que, a sociedade, talvez influenciada por um liberalismo exacerbado, fugiu dos parâmetros estabelecidos pela própria hermêutica, criando uma nova maneira de pensar e de atuar no mundo jurídico.

    Daí surge o Direito Alternativo (reflexo do pensamento holísitico).

    Tal posição, apesar de louvável, está eivada de considerações errôneas, tendo em vista que, para tal aplicação alternativa do direito, admite-se, inclusive, ferir o texto expresso de um dispositivo legal, qualquer que seja, em total menoscabo à concepção social e valorativa dada à Lei.

    Continuando, pois, tal pensamento alastrou-se de forma a atingir a brilhante mente da ínclita Magistratura Nacional, ensejando, portanto, sentenças que inclinam-se à tal " alternatividade jurídica", assumindo uma posição, que assim poderia se dizer, paternalista em relação ao pólo considerado "mais fraco", mas não necessariamente detentor de direito material passível de acolhimento.

    Com base no parágrafo anterior, pode-se criar um quadro da situação naquele momento, considerando-se as posições das partes dentro do procedimento adotado para a composição das lides ocorrentes:

    - Pólo "mais fraco" : busca, pelas vias judiciais, o reconhecimento de uma posição valorativa, lastreada na moral, que, por muitas vezes não se insere no ordenamento jurídico nacional, ou no certame estabelecido previamente com a outra parte.

    - Pólo "mais forte": detentor do direito em sua concepção pura, isto é, baseia sua defesa nos estritos parâmetros legais e contratuais.

    - Julgador: influenciado pela insurgência do pensamento holístico-jurídico, inclina-se, de antemão, ao acolhimento da teoria sustentada pelo Pólo menor.

    Ora, analisando-se a situação sobre este aspecto, é cediço notar que a discussão jurídica tomou proporções absurdas, pois Decisões Judiciais tangenciavam, de forma contumaz disposições legais e contratuais que, por vezes, eram a própria expressão do direito material discutido.

    Em vista deste fato, que causava indignação de um lado e aflorava o senso de uma fictícia justiça de outro, o legislador houve por bem laborar no intuito de criar o Código de Defesa do Consumidor, que, conforme interpretação que se extrai do texto inferido na Lei, respeitando-se, obviamente, os padrões do trabalho hermenêutico, é meramente a fixação da teoria holística no contexto do ordenamento jurídico nacional.

    Observado isto, chega-se à conclusão de que o escopo do legislador foi a realização da possibilidade da integração de tal pensamento no contexto jurídico positivo, a fim de poder abrir-se caminho às soluções que, como já demonstrado, assumiam as vistas da teratologia, sendo tal labor, porém, nada mais do que o reflexo do novo contexto social, trazido às cegas vistas de Têmis.

    Ocorre que, uma vez trazida ao ordenamento tal disposição, apercebeu-se da obstação de sua aplicabilidade, considerando-se a omissão do órgão legiferante em instituir regras de direito adjetivo capazes a dar operacionalidade necessária à Lei, eis que tal carta normativa foge, completamente, dos princípios de direito canônico em que está fundado o Codex processualista.

    Neste diapasão, necessária era a criação de um novo procedimento, que desse busca e viesse de encontro às novas regulamentações, sendo que, tal processualistíca deveria, por certo, coadunar-se com sentido holístico-jurídico reinante, ou seja, a gênese de todo o pensamento arraigado nas letras da nova Lei.

    Afora isto, objetivava-se, ainda, propiciar dentro dos mesmos padrões, a possibilidade de acesso mais simples e eficiente à solução efetiva dos conflitos de interesse, onde a resistência mostrava-se franca mas de intensidade mínima, a fim de se alcançar o já dito paradoxo binomial do Direito, que, ressalte-se, foi expurgado de sua verdadeira concepção e vilipendiado por considerações errôneas.

    Este trabalho de normatização sistemática de um procedimento específico é observado, hoje, na forma impingida à Lei nº 9.099/95, que, justamente, enfoca tal matéria de maneira profícua e acurada, apesar de considerar-se o fundamento lastreador de sua introdução ao mundo jurídico positivo um tanto quanto inadequado, como já dito inúmeras vezes.

    Prova disto, tão como da inovação da processualística, é o texto do artigo 2º da Lei nº 9.099/95, que segue infra-descrita:

    "Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,
    economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível a conciliação das partes"

    Em breve análise do dispositivo, observa-se a exaltação dos seguintes princípios, considerando-se o avilte sofrido pelas tradições jurídicas nacionais:

    - oralidade: o Código de Direito Canônico , influenciado pelo Direito Romano, assim se expressa : "quod non est in auctos, nos est in oc mundo" (realidade formal);
    - simplicidade e informalidade: atingem diretamente o due process of law e ampla defesa (CR art. 5º, LV);
    - economia processual e celeridade: elevada a economia processual ao grau máximo, oferecendo celeridade, mas ferindo a segurança, que deve ser o motivo básico da consolidação de qualquer jurisdição dentro do sistema positivo.

    Esgotado, neste ponto, nossa abordagem a respeito da influência holístico-jurídica, cumpre agora fazer menção aos

    Aspectos teórico-práticos da aplicação do positivismo jurídico em relação à Lei do Juizado Especial Cível.

    Hans Kelsen, um dos expoentes máximos do pensamento positivista, quando da abordagem do fato e sua interligação com o ordenamento jurídico, na sua obra "Teoria Pura do Direito" (Martins Fontes, 3ª edição), assim se expressa:

    "O fato externo, como elemento da natureza, não constitui objeto de um conhecimento especificamente jurídico - não é, pura e simplesmente, algo jurídico. O que transforma este fato num ato jurídico (lícito ou ilícito) não é sua facticidade...., mas no sentido objetivo a que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação, é recebido pelo fato em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, de forma que tal ato pode ser interpretado segundo esta norma"

    Estabelecido este axioma, discorre-se sobre o assunto e sua incidência sobre a Lei 9.099/95, admitindo-se os aspectos práticos.

    Em análise, temos a seguinte situação: o acontecimento natural, factídico, provocado ou não, surge como evento naturalístico, relevando-se o seu aspecto objetivo, no que se refere ao seu próprio surgimento, sem estar revestido de qualquer significação jurídica.

    O aspecto intrínseco do fato (lato sensu), por outro lado, tem a intenção de alcançar o Direito, de maneira à amoldá-lo a uma previsão normativa, prevista para, justamente, reger tal fato, sendo que, sob a significação subjetiva do acontecimento do referido fato, se pode ter a intenção de alcançar um objetivo, relevante jurídicamente num momento presente, prevendo suas consequências e a adaptação à previsão não impeditiva, prentendendo-se desta forma criar vínculo social que se traduz em significação jurídica (ato lícito), ou sob outro lado, ainda em conta da subjetividade do elemento social, com a não intenção de vincular-se (ato ilícito).

    Assim, conclusivamente, temos que a juridicidade não se impregna no fato pela sua condição objetiva, mas sim por assacamento psicológico feito para amalgamá-lo a uma disposição normativa criada, especificamente, para regê-lo e determinar suas conseqüências.

    Observando-se o acontecimento e sua significação jurídica sobre este prisma, &ea>


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que DEVE SER.

    Temos, pois então, que o DEVER-SER é o atingimento da significação jurídica do acontecimento, em vista do conteúdo filosófico-social intrínseco ao comando normativo previsto para aquele caso, coadunando-se seus aspectos objetivos e subjetivos, no intuito de dirigi-los a um fim específico, consignado este no próprio conteúdo do texto legal (hermeneuticamente), de maneira, porém, a expandir-se tal interpretação, eis que relevado o contexto axiológico em que figura o fato.

    Por outro lado, o SER é o que se observa como a posição efetivamente tomada na realidade concreta, em que pese considerar a tomada de uma atitude lastreada pela intenção de estabelecer-se um vínculo jurídico (de acordo com o já supra-mencionado), não significando esta intenção, necessariamente, a não equivalência ao DEVER-SER, cumprindo-se notar que o SER não corresponde ao DEVER-SER, mas sim o ser de algo que por um lado "É", que corresponde àquele algo, que por outro lado "DEVE-SER", sendo ambos, no evento abordado, equivalentes.

    Ocorre que, na aplicação prática do consignado na Lei nº 9.099/95 e do Código de Defesa do Consumidor, este posicionamento filosófico de interpretação normativa não vem sendo observado com proficuidade.

    Para mirar-se a prática da aplicação da Lei, o presente estudo estabelece um "case":

    Semprônio Numéreo firmou Contrato de Promessa de Cessão de Direitos com a firma Telefones Ltda., para aquisição dos direitos de uso de linha telefônica, dispondo o contrato o pagamento de um sinal de 40 % (quarenta por cento) do valor da atribuído à linha, diluído o valor restante em 10 prestações mensais e iguais, sendo que, no caso de rescisão, Semprônio perderá o valor do sinal, sendo-lhe restituído somente as prestações eventualmente pagas.

    Semprônio Numério quita 9 das 10 prestações, e na última, resolve rescindir o contrato, pretendendo a desconstituição de tal cláusula, a fim de que sejam restituídos os valores integralmente pagos, inclusive o sinal, acrescidos de juros e correção monetária, pleiteando em sede do Juizado Especial Cível.

    Em audiência de conciliação, instrução e julgamento, o Nobre Causídico da Telefones Ltda. expõe ao ínclito Julgador que a pretensão do Reclamante é impossível de ser atendida, considerando-se que o Reclamante, antes de firmar o contrato, teve acesso à todas suas cláusulas, não lhe cabendo, neste momento, qualquer tipo de discussão acerca do assunto, eis que amarrou-se, de forma voluntária, à tal disposição, sendo-lhe previsível a conseqüências de uma rescisão, considerando-se ainda a depreciação no valor da linha.

    O Nobre Julgador a despeito das alegações, julga procedente a ação, argumentando que a cláusula é abusiva e que não houve, por parte do Reclamado, qualquer proposta aceitável no intuito de alcançar-se a conciliação, condenando a Estelionato Telefones Ltda. ao pagamento integral dos valores, inclusive do sinal, acrescidos de juros e correção monetária.

    Vejamos os argumentos extraídos da pretensão do Reclamante:

    - invalidade da cláusula;
    - abuso do poder econômico;
    - imoralidade da referida cláusula;
    - dever da Empresa em restituir a integralidade dos valores

    Argumentos da Reclamada:

    - pacta sunt servanda;
    - livre arbítrio da parte em contratar;
    - impossibilidade restituir a totalidade dos valores pagos, tendo em vista taxas de admininistração
    e depreciação no valor do bem.

    Sentença:

    - Acolheu o pedido, com fundamento na invalidade da cláusula.

    Notamos a evidência do conflito entre a holística jurídica (tese e síntese) e o positivismo jurídico (antítese), em que pese a diferença de enfoque axiológico entre as duas escolas (holística: fim social considerando-se o momento / positivismo: fim social inerente à norma).

    Por fim, surge a grande máxima, verdadeira epopéia a qual nos projetamos: até aonde a Lei é necessária ?
 

Extraído de  http://www.carrier.com.br/~bpdir/artigo_07.htm