A doutrina social da Igreja
Celso Wash, scj
Ao falar das
questões sociais o Papa João Paulo II tem colocado em relevo
um aspecto muito importante do Ensino social da Igreja: as raízes
escriturísticas. A fundamentação nas Sagrada Escrituras
não era ausente, mas João Paulo II estabelece uma relação
muito intensa e constante com os textos sagrados. Isto torna mais claro
a iluminação que a Bíblia faz para a existência
concreta da pessoa. A sagrada escritura é fonte para o Ensino Social
da Igreja.
Desde os primeiros
livros da Bíblia há uma preocupação de Deus
com a justiça e pelos pobres. A comunidade concebida como bem de
todos, contrária à discrimação. É conclamada
a viver a fidelidade, a solidariedade, a justiça como respeito ao
direito dos outros, de maneira especial com os mais pobres.
Deus escuta
o clamor do povo no Egito. "Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que
está no Egito. "Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores;
pois conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo...."(
Ex. 3,7-8). Um Deus que não é imparcial mas que opta. Sai
em defesa do direito do pobre, da viúva, do orfão, do estrangeiro,
do assalariado mercenário.
O direito
de propriedade é visto dentro da exigência de que a mesma
seja acessível a todos, sobretudo os mais fracos.
A Bíblia
vai além de exigir reciprocidade no intercâmbio. Reconhece
o direito do necessitado pelo simples fato de ser necessitado. Uma dimensão
de justiça tantas vezes negada hoje. A justiça não
é em primeiro lugar o direito dos que possuem, mas o direito primordial
dos que não possuem.
O Antigo testamento
não cessa de recordar com vigor as exigências da justiça
e solidariedade, formulando um juízo severo sobre os que oprimem
os pobres e ameaçam contra os poderosos. A justiça em relação
aos homens são inseparáveis.
Na Nova Aliança
Jesus faz um chamado à conversão. Assume um estilo de vida
pobre e usará a voz para defender o direito dos pobres. Aceitar
Jesus significa aceitar ao pobre enfrentando suas necessidades (Mt 25).
Para quem tem bens, a conversão passa pela partilha com os pobres
e pela devolução a quem se defraudou (Lc 19,1-2). A novidade
do novo testamento se expressa pela superação da justiça
pelo amor. O amor que Cristo pede vai além do compartilhar para
chegar a doação de si mesmo ao irmão. O amor ao próximo
é maior que os sacrifícios (Mc 12,23). Por tráz das
inumeráveis exigências do Evangelho ( atenção
ao enfermos, feridos, bem-aventuranças, perdão....) encontra-se
o amor. O amor é critério da autenticidade do discípulo
(Jo 13,35).
A justiça
e o amor, especialmente com o pobre, como resplandecem na Bíblia,
devem certamente nos conduzir a sociedades longe da indiferença,
exploração e exclusão dos outros." Eu vim para que
todos tenham vida e a tenham em abundância".(Jo10,10).
O USO DA RAZÃO
Escrevendo,
no mês de Março, mostrávamos a Sagrada Escritura como
fonte do Ensino Social da Igreja. Mas não é a única.
Outra fonte do Ensino social é a razão humana. No exercício
da racionalidade, a reflexão sobre os problemas humano-sociais realizada
pelos teólogos, sobretudo os escolásticos ( S. Tomás
e outros), o recurso usado para a aproximação da realidade
foi a filosofia aristotélico-tomista. Como isto influi no Ensino
Social da Igreja? Só recentemente encontramos esforços para
fundamentar o Ensino Social em outras correntes filosóficas e, sobretudo,
buscar um diálogo com as ciênbcias sociais a fim de conhecer
melhor a realidade social. Em sua primeira época, O Ensino Social
da Igreja é marcado pelo caráter dedutivo, ligado à
racionalidade filosófica, na busca de princípios abstratos
de conduta moral aplicáveis, a cada momento, aos diversos problemas.
Assim, é pequeno o recurso às ciências sociais e fundamentação
bíblica. É neste contexto que o Direito Natural* recebe ênfase."A
lei natural é o fundamento sobre o qual repousa o Ensino Social
da Igreja" (Pio XII 25/09/1949). Convém lembrar um outro aspecto.
No Renascimento, temos a volta ao clássico não-cristão;
as descobertas científicas da época moderna e contemporânea
elevam a ciência. Percebe-se a progressiva descristianização
da sociedade. Também por isso se busca um discurso que não
esteja condicionado por convicções de grupos. Somente assim,
um pensamento poderia servir de base a um consenso social, independente
da profissão de fé. A hierarquia da Igreja sente-se na tarefa
de vigiar e interpretar os prioncípios da lei natural para orientar
a ação dos indivíduos, dos grupos e da sociedade.
Assim, numa primeira época, as referências evangélicas
ocupam um segundo plano no Ensino Social da Igreja. Elas servem mais para
confirmar verdades e posições já alcançadas
por outros caminhos. Atualmente, a fundamentação bíblica
do Ensino social da Igreja é muito mais forte.
Quando lemos
o Ensino Social da Igreja, é preciso ter presente a realidade dentro
da qual e para qual a Igreja quer uma luz cristã. Por exemplo, ao
lermos a encíclica Rerum Novarum.
de Leão XIII (1891),
temos presente os problemas do capitalismo do pós guerra ou da situação
do neo-liberalismo hoje. O mesmo se diga do capitalismo, da democracia
ou outro fenômeno sócio-econômico-político. Podem
ter muitos pontos em comum, mas o contexto, amplitude e consequências
também são diferentes. Por isso precisamos estar atentos
à realidade na qual e para qual o documento se dirige, a fim de
não sermos parciais na interpretação do mesmo. Os
documentos do Ensino Social da Igreja buscam à luz do Evangelho,
iluminar com critérios cristãos uma realidade dada, para
transformá-la.
* Direito Natural: Entende-se como lei natural que abarca todo o domínio do agir moral. É a ordem que o Criador colocou para o homem, inscrita na sua consciência, a fim de alcançar a sua plena realização; ordem que compreenderá com sua razão e irá respeitar no seu livre agir. É fundamento da ética cristã da existência. A fé a percebe com suas implicações.
DOCUMENTOS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
Temos escritos a respeito do Ensino Social da Igreja que nos trazem a Doutrina Social da Igreja? Sim! Abaixo um elenco que nos dá uma pequena amostragem.
1. 1891 - 15
de maio Encíclica:
Sobre a condição
dos trabalhadores ( em latim: Rerum Novarum: "Das coisas Novas"); do papa
Leão XIII (papa de l878 a 1903). Sigla: RN.
2. 1931 - 15
de maio Encíclica:
Quadragésimo
Ano ( do latim: Quadragésimo Anno); do papa Pio XI ( papa de 1922
a 1939). Fala das consequências da industrialização
afirmando a primazia do bem comum sobre os interesses estatais e classistas.
Sigla: OA
3. 1961 - 15
de maio Encíclica:
A questão
social nas novas condições dos tempos ( em latim: Mater et
Magistra: "Mãe e Mestra"); do papa João XXIII ( papa de 1958
a 1963) . Sigla MM
4. 1963 - 11
de abril Encíclica:
Sobre a paz
entre os povos ( em latim: Pacem in terris: "Paz na terra"); do papa João
XXIII. Sigla: PT.
5. 1965 - 7
de dezembro - Constituição Pastoral:
Sobre a Igreja
no mundo contemporâneo ( em latim: Gaudium et Spes: "Alegrias e Esperanças");
do Concílio Vaticano Ii. Sigla GS.
6. 1967 - 26
de março - Encíclica:
O desenvolvimento
dos povos ( do latim: Populorum Progressio); do Papa Paulo VI ( papa de
l963 a l978): Sigla PP.
7. 1971 - 14
de maio - Carta apostólica:
80º aniversário
da Rerum Novarum: Os novos problemas sociais emergentes ( em latim: Octogésima
adveniens); do Papa Paulo VI.
8. 1971 - 30
de novembro
A justiça
no mundo - Do sínodo sos bispos. Sigla JM.
9. 1981 - 14
de setembro -Encíclica:
O trabalho
humano ( do latim: Laborem Exercens; "exercendo o trabalho") do papa João
Paulo II ( papa desde 1978). Sigla LE.
10. 1987 -
30 de dezembro - Encíclica
Solicitude
social ( do latim: Sollicitudo Rei Socialis); do papa Joao Paulo II. Trata
da incompatibilidade da Doutrina Social da Igreja (DSI) com o l iberalismo
e o coletivismo estatal. Ressalta a dimensão ética do desenvolvimento
no contexto mundial ( solidariedade). Sigla SRS.
11. 1991 -
1º de maio - Encíclica:
Centésimo
ano ( do Latim: Centesimus Annus) do papa João Paulo II. Analisa
os novos acontecimentos, reafirmando a centralidade da pessoa humana na
sociedade. Sigla CA.
No elenco de
documentos acima, colocamos tanto o nome em português como em latim.
Contudo , lembramos que costumeiramente, os documentos são nomeados
pelo seu nome original latino. Assim a Encíclica de Leão
XIII sobre a condição dos trabalhadores é chamada
"Rerum Novarum".
Também
não são apenas esses documentos que trazem o Ensinamento
Social da Igreja. Existem ainda outros documentos: discursos, cartas, alocuções
e radiomensagens dos papas que também aprofundam ou complementam
o ensinamento que encontramos nesses documentos principais.
CEM ANOS APÓS A RERUM NOVARUM
Você
está empregado? Terá ainda seu emprego amanhã? Passados
mais de cem anos da divulgação da encíclica Rerum
Novarum, a questão do trabalho humano continua no centro das preocupações.
A superação de problemas levantados pela Rerum Novarum foram
só em pequena parte solucionados e não, em todos os lugares,
João Paulo Ii escrevera, em 1981, a encíclica O Trabalho
Humano. E, por ocasião dos cem anos da Rerum Novarum, escreveu
a encíclica Centesimus Annus (CA), em que usa como chave
de leitura a dignidade do trabalho humano (CA 6a); apresenta, depois, outros
direitos próprio e inalienáveis da pessoa humana e do trabalhador:
o direito de associação, de condições dignas
de trabalho, de um salário justo para sua família, o direito
de cumprit seus preceitos religiosos.
E não
é mais exclusivamente o preocupante problema da condição
dos trabalhadores, mas quase desesperadamente, a possibilidade de possuir
um trabalho. O horizonte da possibilidade de trablho no mundo atual, parece
cada vez mais estreito. A eliminação constante de postos
de trablho paira ameaçadora sobre tantos trabalhadores, criando
uma série de submissões, por parte do trabalhador e gerando
um contingente sempre maior ( e isso no mundo todo) de desempregados. Se
a chave da questão social é o trabalho, como encarar o processo
que transforma e destrói. Este processo é determinado pelo
capital e pelo mercado. Para a Centesimus annus, a marginalização
e a exploração são consequências de um sistema
econômico que assegura o predomínio absoluto do Capital (CA35a).
E é inaceitável que, diante da queda do socialismo, o capitalismo
seja o único modelo de organização econômica
(CA 35d). A pessoa e o trabalho não podem ser servos do Capital
A encíclica propõe pensar a sociedade baseada sobre o trabalho
livre, a empresa e a participação (Ca 35b). A atividade econômica
deve estar orientada por uma tríplice direção: a prioridade
da pessoa humana, que se realiza por meio de sua inteligência e liberdade;
a posse dos meios de produção que só se legitima se
serve para um trabalho útil; uma sociedade que se organize de forma
apta a criar oportunidades de trabalho para todos ( Ca 43). O capitalismo
atual proporciona um crescimento produtivo reduzindo so que dele participam,
aumentando o número de excluidos. Não interessm mais ao sistema.
Não nos iludamos com números de crescimento econômico.
Em termos de possibilidade de trabalho eles podem ser muito ilusórios.
E aqui tonra-se importantíssima a função do Estado.
Ele não pode se ausentar das relações econômicas,
do mercado, deixando que os mesmos sejam reguladospela lei do mais forte,
sem uma direçãoi ética do respeito à dignidade
de cada pessoa humana. E isto inclui a organização do mundo
do trablaho e a possibilidade do mesmo para aqueles que se encontram hoje
excluídos. Agindo indiretamente segundo o princípio da solidariedade
(Ca 15e), o Estado deve ter uma especial consideração com
os mais débeis e pobres (CA 10a), a fim de proteger a vida dos cidadãos
e não "lavar as mãos"diante de um processo que está
transformando todo o modo produtivo e as relações sociais.
(Artigo extraído
da revista IRaoPOVO de Fevereiro/97)
O TRABALHO HUMANO
A questão do trabalho sempre esteve presente nos documentos do Ensino Social da Igreja. Neste tempo que acontecem profundas mudanças no modo de trabalhar, é importante ter presente o seu significado para a pessoa, além do fato do acesso a uma renda. O Papa João Paulo II, em 1981, dedicou uma encíclica toda, a Laborens Exercens (LE), a essa questão.
Como João Paulo II pensa o trabalho
Por trabalho,
João Paulo II entende "toda atividade realizada pelo homem, tanto
manual como intelectual, independente das suas caracterísitcas e
das circunstâncias. Significa "toda atividade humana, que se pode
e deve reconhecer como trabalho, no meio de toda aquela riqueza de atividades,
para as quais o homem tem capacidade e está predisposoto pela própria
natureza, em virtude de sua humanidade"(LE-Intr).
Feito à
imagem e semelhnça de Deus, estabelecido para que dominasse a terra,
o homem é chamado ao trabalho. Podemos, assim, notar que o trabalho
não é só a atividade produtiva(reducionismo de uma
sociedade industrial), mas, acima disso, é atividade específica
do ser humano. "O trabalho, entendido como processo mediante o qual o homem
e o gênero humano submetem a terra, não corresponderá
a este conceito fundamental da Bíblia senão enquanto, em
todo esse processo, o homem, ao mesmo tempo se manifestar e se confirmar
como aquele que "domina"(LE 6).
O fundamento
do valor ético do trabalho está ligado, em primeiro lugar,
ao fato de quem o realiza é uma pessoa. O que valoriza o trabalho
não é o produto, mas a pessoa. O trabalho é "para
o homem"e não o "homem para o trabalho"(LE 6). A finalidade do trabalho,
mesmo o mais simples e monótono, permanece sempre o homem.
Em nossa época,
aparecem como grandes erros responsáveis pela "degradação
do homem como sujeito do trabalho"(LE 8) o economicismo e o materialismo.
Ambos contradizem esta prioridade do sujeito-pessoa em relação
ao objeto.
A fadiga faz parte do trabalho
O trabalho humano, mesmo na fadiga, é "um bem do homem - é um bem de sua humanidade - porque, mediante o trabalho, o homem não só transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homens e até, em certo sentido, se torna mais homem"(LE 9). É desse modo que se entende a laboriosidade como virtude, pela qual se dá, também, a realização de alguém como pessoa.
retirado de:http://www.cidadanet.org.br/dehonianos/dsi.htm