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Publicidade como condição de vigência da lei

(Revista Forense, vol. 322, p. 25/27)

Hugo de Brito Machado
Professor Titular de Direito Tributário da UFC
Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Publicação como condição de vigência 3. Forma de publicação. 4. A data da publicação. 5. Conclusões

1. Introdução

É tão induvidosa a necessidade de publicação oficial da lei, para que tenha início a sua vigência, que os publicistas em geral não se preocupam com o tema. Às vezes, porém, é necessário meditar sobre o mesmo em face de improvisações lamentáveis que o colocam em questionamento, como aconteceu com a Lei nº 8.383, de 31 de dezembro de 1991, publicada no Diário Oficial da União, do dia 31 de dezembro de 1991, posto que, como afirma a própria Imprensa Nacional, "a remessa do referido Diário Oficial para os assinantes ocorreu no dia dois de janeiro de mil novecentos e noventa e dois," não obstante tenha havido publicidade da lei por outros meios.

É sabido que, nos termos do art. 150, item III, da vigente Constituição, é vedada a cobrança de tributos "em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado" (letra "a"); como também, "no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou" (letra "b"). Assim, como se vê, leva problema a questão de saber se uma lei publicada no Diário Oficial da União, do dia 31 de dezembro de 1991, que somente circulou no dia 2 de janeiro de 1992, pode servir de base para a cobrança de tributo no exercício de 1992. Não se cogita, é claro, de tributo não alcançado pelo preceito constitucional em referência, mas de imposto de renda e proventos de qualquer natureza, ao mesmo submetido.
 
 

2. Publicação como condição de vigência

É lição ofertada no início de qualquer curso de graduação em Direito: a publicação da lei é requisito essencial da obrigatoriedade. Em outras palavras, dizemos que a publicação de uma lei é condição indispensável para que esta entre em vigor. É condição de vigência da lei.

A necessidade de publicação é intuitiva. enquanto esta não acontece, assevera ASCENSÃO, "o que existe, até então, é uma lei em potencial, despida de força obrigatória." Despida - dizemos nós - de possibilidade de vigência, posto que, sem publicação a vigência não pode começar.

É razoável mesmo admitir-se que a publicação faz parte do processo legislativo, sendo, assim, um requisito para a própria existência da lei. "A lei existe desde a sua publicação", assevera OSCAR TENÓRIO.

Não se venha argumentar que a publicação não obtém o conhecimento efetivo da lei por todos e, por isto, é pouco importante. Como esclarece DEL VECCHIO, a publicação destina-se menos a obter o conhecimento geral e efetivo da lei por todos do que a dar a cada um a possibilidade real de obter esse conhecimento. E essa possibilidade fica inequivocamente assegurada com a publicação.
 
 

3. Forma de publicação.

A publicação das leis geralmente é feita mediante jornal oficial. No dizer de ASCENSÃO, a publicidade dos textos de leis por outros meios, como a fixação destes à porta das igrejas, por exemplo, teve função idêntica. Pouco a pouco, diz o eminente jurista lusitano, "sobressaiu de entre todos um processo que, se não oferece o máximo de eficácia, oferece um máximo de certeza: a publicação num jornal oficial.

A necessidade de publicação situa-se no plano da Teoria Geral do Direito, e entre nós é dever do Presidente da República fazer publicar as leis." A forma de publicação é regulada pelo próprio Direito positivo. No Brasil, tal publicação há de ser feita no Diário Oficial da União que é o órgão oficial de publicação dos atos do Poder Público."Vale o texto que nele se publica." É inteiramente irrelevante a publicação por outros meios, ainda que mais eficientes, pois Direito positivo brasileiro optou pela presunção de conhecimento, que todos devem ter, de tudo quanto é publicado no Diário Oficial.

Pela mesma razão que se presume de todos conhecida uma lei publicada no Diário Oficial, presume-se desconhecida uma outra nele não publicada, embora publicada por outros meios. No dizer de ASCENSÃO, "sempre que for estabelecida uma forma de publicação que condicione a entrada em vigor, essa não pode ser substituída por nenhuma outra. Pode a aprovação da lei ter sido divulgada amplamente pela imprensa e pelo rádio, mesmo que com a indicação do dia em que entra em vigor, que isso não se verificará enquanto a forma legal de publicação se não observar. Inversamente, uma lei cuja publicação legal tenha passado despercebida não deixa por isso de ser plenamente vinculante"

"Enquanto não há publicidade do ato no órgão oficial e não flui o prazo da vigência nele assinalado, a lei não é, presumivelmente ao menos, levada ao conhecimento geral; o que existe, até então, é uma lei em potencial, despida de força obrigatória." Despida - dizemos nós - de possibilidade de vigência, posto que, sem publicação oficial a vigência não pode começar.
 
 

4. A data da publicação.

Questão de grande interesse prático reside em saber se a data a ser considerada, para demarcar o início da vigência, é aquela inserida no Diário Oficial, ou aquela na qual o mesmo efetivamente é levado ao público.

Segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, o Supremo Tribunal Administrativo português, já decidiu que "a data de publicação de uma lei não é a que figura no jornal oficial onde é inserta, mas sim a data em que esse jornal é posto à disposição do público", pois "publicar, não significa inserir ou imprimir, mas fazer saber ao público, dar a conhecer a todos." Opõe-se, é certo, àquele entendimento, sustentando que o mesmo implica a "desproteção de quem porventura confiou na data formalmente atribuída ao diploma e actuou na convicção de que ele estava já em vigor." Para ele, "a data impressa no jornal é um atestado oficial, que deve merecer crédito. Seus argumentos, como facilmente se percebe, são insubsistentes. O primeiro, porque a situação nele figurada é logicamente impossível. Se alguém toma conhecimento da data que consta da publicação oficial é porque já está de posse do jornal oficial. Isto só acontece depois de sua efetiva circulação, não se podendo, portanto, cogitar daquela situação. O segundo porque o "merecer crédito" é simples situação de fato. O "atestado oficial" merece crédito, não há dúvida, até que se prove o contrário.

Se não há qualquer controvérsia quanto ao fato de haver a circulação do jornal oficial ocorrido com atraso, não tem sentido falar-se daquele "atestado oficial".

A vigência da lei pressupõe o seu conhecimento por todos, o que na verdade não passa de uma ficção jurídica. É inadmissível que outra ficção se venha colocar, quanto à data em se verifica a publicação. Presume-se, é certo, que a publicação ocorre na data indicada no jornal oficial, mas tal presunção é relativa. Provado que a efetiva circulação deu-se em data posterior, prevalecerá esta.

Neste sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Cuidava-se de cobrança do Adicional do Imposto de Renda. A Lei Estadual que o instituiu foi publicada no Diário Oficial do dia 31 de dezembro de 1988, que todavia somente circulou no dia 18 de janeiro de 1989. O Desembargador José Vellinho de Lacerda, relator do caso, asseverou em seu voto: "somente com a efetiva circulação do órgão da imprensa oficial é que ocorreu a publicação da lei." E concluiu: "se a finalidade da publicação é tornar conhecida a lei para que ninguém possa alegar a sua ignorância, tal objetivo só pode ser alcançado com a circulação do veículo que a contém."

A tese segundo a qual não há de ser considerada a data do Diário Oficial, mas a de sua circulação, tem sido adotada inclusive pelo Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Votando no Agravo de Instrumento nº 76.280 - RJ, o Ministro RAFAEL MAYER reportou-se a precedente da Corte Maior, afirmando:

"De acordo com esses critérios, de todo corretos, tendo sido o acórdão recorrido publicado no Diário da Justiça, na sexta feira, dia 27.10, e como a circulação do órgão somente se processou normalmente, na segunda-feira, dia 30.10, então é certo que daí é que se conta o prazo para o recurso, mas atento ao princípio da exclusão do dia do começo. Ter-se-á, então, que o decurso do prazo de quinze dias se completou, exatamente, incluído o dia do vencimento, em 14.11, terça-feira, data da interposição. Logo, tempestiva."

Nos casos examinados pelo SUPREMO, cuidava-se de intimação dirigida a um pequeno número de interessados, especialmente a um interessado, o advogado do recorrente. Mesmo assim, entendeu, acertadamente, a Corte Maior, que a data a ser considerada não deve ser a do Diário Oficial, mas aquela em que o mesmo circulou normalmente. Com mais forte razão, portanto, se há de entender prevalente a dada em que ocorreu a circulação normal do jornal oficial, para o fim de determinar-se o início de vigência das leis, que a todos se destinam.

É certo que, segundo afirma a fonte oficial, o Diário Oficial da União, do dia 31 de dezembro de 1991, "foi retirado das dependências deste Órgão, a partir das vinte horas e quarenta e cinco minutos, por todas as emissoras de televisão que noticiaram e apresentaram, ao vivo, naquele mesmo dia, um exemplar do referido jornal". Coloca-se, pois, em primeiro lugar, a questão de saber se tendo havido publicação às vinte horas e quarenta e cinco minutos do dia 31 de dezembro de 1991, pode-se considerar que tal publicação se deu realmente naquele dia, para os fins de vigência da lei.

Apreciando a questão, em despacho liminar, José Antônio de Andrade Martins, MM.Juiz Federal da 18ª Vara de São Paulo, asseverou, com propriedade: "o horário de expediente no serviço público se conforma mediante normas cogentes, jamais por meras recomendações. A inflexibilidade, no caso, é regra de ordem e requisito de certeza e segurança dos atos do ofício. " E adiante acrescentou que usar o destempo contra o regulamento viola o princípio da moralidade administrativa, estereotipado no art. 37 da vigente Constituição Federal.
 
 

5. Conclusões

Em face de todas estas considerações, concluímos que (a) a publicação das leis é condição de vigência das mesmas; (b) tal publicação há de ser feita no Diário Oficial da União, sendo irrelevante a ocorrência de publicação por outros meios; e (c) a data inserida no Diário Oficial é, presumidamente, a data de sua circulação, entretanto, provado que esta se deu em data posterior, esta última é que prevalece para os efeitos da vigência das leis.