® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

Welfare State: trajetória e crise

Mestrando: Roberto Ribeiro Corrêa

Universidade Federal do Pará - IUPERJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA
Estado e Políticas Públicas
Professores: Eli Diniz e Renato R. Boschi
Belém-Fevereiro
1999

I - Introdução / 3
II - O Estado Providência/ 4
2.1. A lógica industrial / 4
2.2. A análise dos neomarxistas/5
2.3. Uma teoria alternativa a do destino manifesto/ 7
III - Formas de Relacionamento Estado x Sociedade Civil / 8
3.1. Três clusters, três trajetórias distintas do welfare state / 8
IV - A crise do Welfare State/12
4.1. Cenários do pós-guerra/12
4.2. Flexibilização dos costumes e do mercado de trabalho /12
4.3. A contabilidade social da economia global/15
4.4. Crise financeira e de legitimidade do welfare state/17
V - Conclusão/20
Bibliografia / 22

I - Introdução

"Both states and their policies are made and remade in never-ending flow of politics, and social scientists must ask questions and seek answers in ways that respect such historicity" (Skocpol & Amenta. 1996: p. 152)

Uma das muitas abordagens sobre o papel do Estado hodierno assenta-se no pressuposto da convergência do desenvolvimento econômico e social nos marcos da industrialização. Assim, no contexto das sociedades industrializadas, o desenho do estado e a natureza de suas políticas seriam resultado de uma variada gama de fatores, dentre os quais emergem a urbanização, o trabalho assalariado, a qualificação da força-de-trabalho, as necessidades de investimento em infra-estrutura social básica, como exemplos de demandas objetivas pertinentes a esse processo.

Para atender essas demandas, contudo, o estado precisa reinar soberanamente sobre um território e, no interior deste, dispor de instrumentos e de legitimação para impor taxas e impostos pelos quais extrai recursos das pessoas ali residentes. Como decorrência desse papel original, e tendo vista que a obtenção de recursos adequados depende da integridade territorial e do acúmulo de riqueza, todo o estado necessita enformar programas de ação no campo militar e econômico. A legitimidade do estado, contudo, não se apoia apenas nesses dois objetivos. Vai além porque intui o apoio da maioria, somente possível com políticas sociais que afetem, de forma diferenciada, grupos, famílias e indivíduos:

"If social policies are defined in the broadest possible terms as "state activities affecting the social status and life chances of groups, families, and individuals, " then states have always had social policies as well." (SKCOPOL & AMENTA, 1986: p. 132)

Com efeito, a inspiração das políticas sociais, historicamente, estão associadas a formas mais ou menos padronizadas de ajuda aos pobres e aos socialmente deslocados, tendo por exemplo histórico mais citado na literatura, a lei dos pobres da Inglaterra tudoriana no século XVI. Os estados modernos, entretanto, superando os limites do estigma filantrópico, avançaram, sobretudo a partir do século XIX, e com maior intensidade nos anos imediatamente posteriores a II Guerra Mundial, por caminhos de maior alcance estratégico de cidadania social, — organizando e regulando educação em massa, condições de trabalho, saúde, seguridade social e meio-ambiente.

Nos países do capitalismo avançado, as novas relações estado x capital x família seriam, doravante, substituídas pelas interação mercado-democracia-equidade (entre o "x" e o "-" o pressuposto de uma simbologia de relações diferentes em nível de conflito). Com efeito, esse novo patamar de competição elevaria, certamente, o grau de ambigüidade de um estado que, a despeito de induzir a acumulação capitalista e responder aos compromissos da guerra, era agora convocado a se fazer legítimo respondendo às crescentes demandas sociais geradas no interior desse mesmo processo.

Industrialization and urbanization, it was argued, inherently require human capital development and make it difficult for families to care for the disabled, ill, elderly, or unemployed. (SKOCPOL & AMENTA: 1986: p.133)

Cientistas sociais das mais diferentes tendências têm se dedicado ao estudo da origem, expansão e efeitos das políticas sociais. São estudos de "cross-nacional research" que buscam, na comparação de contextos de natureza histórica e conjuntural variados, entender os mecanismos redistributivos concebidos no âmbito da ação estatal. Abordagens teóricas, avalizadas ou não pela pesquisa empírica, são exaustivamente comentadas e analisadas por Skocpol & Amenta em States and social policies (1985). Dessas, discutiremos a seguir as que, num juízo desarmado, nos parecem as mais relevantes.

Com a aparente crise dos welfare states, a partir dos meados da década de 1970, houve um ressurgimento das teorias da convergência nas óticas da lógica industrial e do neomaxrismo. Essas serão, portanto as duas únicas abordagens discutidas neste trabalho, como preâmbulo de uma investigação exploratória sobre as relações do welfare state com a sociedade civil e as causas — recentes — de sua aparente perda de legitimidade.

II - O Estado Providência

2.1. A lógica industrial

A idéia de que a sociedade industrial a partir de um determinado patamar de desenvolvimento seria levada a uma convergência nas formas de conceber e implementar políticas sociais, para desse modo alcançar um mesmo padrão de welfare state, não encontra comprovação empírica. Existem mais divergências do que convergências entre países que não são explicadas pela economia, sobretudo quanto as nuanças das despesas públicas. O enfoque da convergência funciona até certo ponto nos estudos comparados que tenham por referência os anos 1940, 1950 e 1960, desde que adotem como variável dependente medidas altamente agregadas de despesas públicas no campo social. Para os períodos mais recentes, todavia, essa abordagem não funciona, pois não dá conta das particularidades de uma ampla gama de políticas sociais bem diferenciadas entre si (Skocpol & Amenta.1986). Estudos realizados por Flora & Alber (1981) são referidos por Skocpol & Amenta para alertar que a correlação entre níveis de industrialização, sincronizados com a adoção de programas de seguridade social (timing) , mostram-se irrelevantes para uma dúzia de países europeus estudados entre os anos 1880 e 1920. Esses argumentos encontram reforço em outros estudos que embora constatem grande semelhança nos gastos sociais como proporção do PIB, comprovam, igualmente, enormes diferenças quanto aos detalhes dos programas sociais. Na Inglaterra do período Tatcher, por exemplo, os gastos sociais aumentaram a expensas do desemprego. Feita essa constatação, podemos afirmar que os governos Tories são mais sociais-democratas do que os governos Whigs? Os estados socialistas, por exemplo, conceberam formas de seguro social e de políticas habitacionais ligadas a disciplina na fábrica e a controles da imigração. Por outro lado, enquanto o seguro desemprego é importante para muitos dos países do capitalismo avançado, as economias industrializadas dos países socialistas, por seu turno, não oferecem qualquer forma de renda para o trabalhador temporariamente desempregado. Trata-se, a rigor, de um disparate explicável apenas pela inserção do emprego entre os alegados direitos outorgados aos seus cidadãos pelo estado socialista. Ante essa evidência, cabe perguntar se eram estados do Leste Europeu economias de orientação social-democrata? Ou seja:

"... the contemporary welfare state is not merely a passive by-product of industrial development." (Esping-Andersen.1990: p.221).

2.2. A análise dos neomarxistas

Uma interpretação concorrente mais similar ao industrialismo-lógico vem dos neomarxistas. Para eles os requisitos do estado moderno para a produção de políticas públicas dependem do grau de desenvolvimento do capitalismo, ou melhor, do processo de transição de sua fase concorrencial para a fase monopolista. Para tal corrente, essa lógica explica a convergência das políticas públicas rumo a um padrão único. Ao se reportarem às novas demandas geradas no processo de monopolização da economia, os neomarxistas identificam os requisitos da reprodução social, tanto da força-de-trabalho em operação como da futura. A reprodução de todo o arcabouço institucional é, pela iniciativa estatal, indispensável a manutenção da ordem capitalista num ambiente em que a colaboração entre capital e trabalho se manifesta através de um conflito historicamente objetivo: a partilha do valor criado (mais-valia) entre salário e lucro. Trata-se, portanto, de um papel dúbio a ser desempenhado por um estado que é chamado a presidir a acumulação e, ao mesmo tempo, preservar sua legitimidade por meio da arbitragem desse conflito que sublima o atendimento de demandas sociais crescentes.

"Social policies tend to be specifically categorized by neo-Marxists as responses by states to the 'social reproduction' needs of advanced capitalism . These have both accumulation-promoting and legitimating aspects, for 'social reproduction' includes the need to prepare appropriately motivated and skilled wage workers, the need to allow employees and their families to consume adequate goods and services for daily and generational renewal, and the need to preserve economic and political order in the face of possible discontent from (or about) the fate of the displaced, injured, sick, or elderly people who necessarily appear in market economies and who cannot be cared for by families alone." (SKOCPOL & AMENTA: 1986: pp.134-135)

A despeito das diferentes terminologias, existem coincidências entre o industrialismo-lógico e o neomarxismo quanto ao entendimento das necessidades societárias vis-à-vis alocação de recursos públicos em políticas sociais. A grande diferença entre os enfoques reside na ênfase que os neomarxistas atribuem às necessidades do controle da força de trabalho.

A dimensão econômica, todavia, não é a única a permear a análise neomarxista. Alguns teóricos dessa escola admitem que a economia e a política, enquanto sistemas, respondem às exigências da acumulação, promovendo o deslocamento dos conflitos da esfera estritamente econômica para a esfera política, viabilizando, assim, soluções de compromisso entre trabalho e capital. O processo de acumulação exerce, de conformidade com o seu ritmo, efeitos de arrasto sobre a eficácia das políticas sociais do welfare state. A esse respeito, todos os neomarxistas estão de acordo:

"Despite such variations, however, all neo-Marxists agree that both initial expansions and eventual 'crises' of welfare-state interventions should follow the rhythms of capital accumulation and related transformations in class relations." (SKOCPOL & AMENTA: 1986: p.135)

O grande problema com a abordagem neomarxista é que ela não dá conta das variações do welfare-state entre as nações do capitalismo avançado, nem tampouco consegue identificar os atores que deram início a esse arranjo institucional. Mesmo aquelas formulações que apontam este ou aquele ator chave, não conseguem evidências (Skocpol & Amenta. 1986).

Claro fica, portanto, que os variados perfis do Estado e das políticas públicas no campo social dependem, para maior entendimento, de uma abordagem plural que ultrapasse os limites estabelecidos pela dependência funcionalista. Ao admitir uma certa autonomia do Estado e dos atores que a ele se juntam, quer por vínculo formal ou de apelo (conflito), estaremos ao mesmo tempo admitindo a importância de desviar nossa análise para as relações estado x sociedade cifvil. É pois, saber como e em que circunstâncias históricas esses atores sociais foram moldando o estado moderno a ponto de estabelecer crenças e valores — éthos — na superfície da sociedade, ora vetando ora promovendo a cidadania social, enquanto produto final de um mundo que tende a ser, com o passar dos séculos, politicamente tridimensional em termos de mercado, democracia e equidade. (Boschi, R . aula em 10-08-98). Com efeito, subsiste a pergunta: — as políticas públicas são resultados da dominação de classe ou da concorrência entre grupos de interesse?

2.3. Uma teoria alternativa a do destino manifesto

A tese da convergência volta e meia retorna. Na globalização há essa idéia de que a convergência estaria embutida nas reformas orientadas para o mercado (market oriented). Essa tese, entretanto, não é empiricamente comprovada uma vez que as respostas em termos políticos e sociais variam na dependência do contexto, onde a oportunidade (timing) das ações governamentais joga importante papel. A convergência e a homogeneização dos procedimentos de adaptação e reação às crises econômicas não ocorrem, necessariamente, com a industrialização. Os fatos vieram demonstrar que os marxistas exageraram ao afirmar que as políticas sociais serviam apenas para atender a reprodução da força-de-trabalho, no interesse do capital. Essa visão unilateral da construção do Wefare State não consegue abarcar toda a realidade. Como explicar a existência de variações nacionais? A simplificação marxista não dá conta de que os atores envolvidos produzem efeitos sobre a condução das políticas sociais — daí as diferenças dos welfare states. (Boschi, R - aulas. agosto de 1989)

Por outro lado, é importante fazer referência ao papel da democracia como espaço institucional que viabiliza a competição entre os atores numa sociedade capitalista, formatando e reformatando o estado e as políticas sociais de acordo com as contingências do momento. A aceitação das regras democráticas permitem que a barganha produza escolhas variadas que resultam em modelos diferenciados de welfare states, tanto no tempo como no espaço. O destaque para orientação social-democrata é altamente significativo na valorização do jogo subjacente às relações entre o estado e a sociedade civil. Aquele estado vigilante, repressivo, guardião da lei e da ordem, é agora uma instituição predominantemente preocupada com a produção e distribuição de bem-estar social. Portanto, estudá-lo, é um meio de entender a sociedade capitalista contemporânea (Esping-Andersen.1990: p.3), perguntando: "Is the state smart or stupid? "(Katzenstein, P. J. 1985: p.19)
 
 

III - Formas de Relacionamento Estado x Sociedade Civil

3.1. Três clusters, três trajetórias distintas do welfare state

Uma interessante abordagem do relacionamento do estado com a sociedade civil e, no rastro desse processo, as relações entre as classes sociais na busca de um pacto redistributivo que estruture variadas versões de welfare state, tem em G¢sta Esping-Andersen, o paradigma de uma análise sobre as causas das variações das matrizes de cobertura social, centrada numa abordagem interativa, que tem por núcleo o papel histórico das classes sociais na construção de coalizões. O autor indaga se é possível, por meio de um arranjo institucional, socialmente convergente, orientar a sociedade capitalista no rumo da equidade. Preocupa-se, em suma, com a identificação dos fatores históricos causais do desenvolvimento e da diferenciação dos welfare states.

"The historical forces behind the regime differences are interactive. They involve, first, the pattern of working-class political formation and, second, political coalition-building in the transition from a rural economy to a middle-class society. (Esping-Andersen.1990: p. 32)

Sua primeira pergunta é: — qual o papel do estado numa sociedade? Seu interesse não enfoca a simples prerrogativa de gastar ou tributar inerente a qualquer estado, nem mesmo sua maior ou menor capacidade de reduzir as desigualdades entre seus cidadãos. Esping-Andersen reclama a necessidade de comparar os welfare states a partir da história das lutas e alianças entre agentes voluntários de sua construção. Ou seja, a comparação de experiências concretas não se resume em aferir a dosagem de maior ou menor eficiência do estado quanto a provisão social, mais do que isso, o importante para esse autor é chegar a uma tipologia dos welfare states que tenha por referência o papel que essas macro-instituições desempenham nas sociedades onde se encontram incrustadas.

Essa classificação dos estados em regimes distintos, tem como variáveis explicativas, em primeiro lugar, o modelo de formação política da classe trabalhadora; em segundo, a edificação de coalizões políticas durante a transição de uma economia rural para uma sociedade de classe média. Em terceiro e último lugar, o autor considera de importância paramétrica as reformas pretéritas que influenciaram a institucionalização das preferências de classes e do comportamento dos que se dedicam a política. Trata-se, a rigor, de uma abordagem alternativa — the state-centered approach — à visão do estado enquanto arena de conflitos políticos ou do estado como sendo apenas um instrumento amorfo a ser modelado de acordo com a vontade do grupo social vencedor. Esping-Andersen, na verdade, busca re-conceituar e re-teorizar o estado a partir de novas bases. O estado como ator parcialmente autônomo mas ao mesmo tempo resultante das estruturas e do jogo político (Skocpol. 1986:147). Em certo sentido, Esping-Andersen está afirmando que as escolhas políticas dos partidos no poder são cruciais para explicar as diferenças dos resultados políticos do welfare state. A existência de programas sociais e a quantidade de recursos financeiros mobilizados, não estão em tela de juízo para o autor. O mais importante para ele é discutir desmercantilização, estratificação social e emprego, — segundo ele, aspectos chaves da identidade de um welfare state (Esping-Andersen.1990:). Para a experiência escandinava, seu modelo cai como uma luva nestes tempos de restrição fiscal e de reformas orientadas para a (re)mercantilização das relações capital/trabalho:

"Seeking to explain why the Danish Social Democratic party and welfare state are losing support, while their Swedish counterparts are proving more resilient in the face of fiscal stringencies, Esping-Andersen does detailed analyses of the political effects of major policies instituted in each country, including pensions, employment policies, and housing programs. He shows that the policy choices made by parties in power are crucial. Over time, policies affect various social groups in visible ways: the policies thus either undermine or help to consolidate and extend the electoral coalitions on which depend the future fortunes of parties that authored the policies in the first place. This approach to analyzing policy feedback — thorough their effects on parties and electoral coalitions — can be applied far beyond the Danish and Swedish materials discussed by Esping-Andersen (Skocpol & Amenta. 1986:p.151)

Como exemplo de trajetórias distintas de welfare states, Esping-Andersen refere-se a três clusters, cada um deles resultante de diferentes arranjos entre estado, mercado e família.

Tabela I - Características dos Welfare States em Esping-Andersen
 

 

Pobreza

Seguridade 

Clientela

Desmercantilização

Liberal Assistência modesta. Exigência de atestado. As regras de acesso aos benefícios são geralmente associadas ao estigma (Poor-relief) Transferências universais modestas. Reforma social severamente limitada. O estado subsidia esquemas privados de previdência. Principalmente os baixa renda, em geral a classe trabalhadora ou dependentes do estado. Baixa desmercantilização. O estado encoraja o mercado através do estigma para os que se habilitam aos benefícios sociais. Os subsídios concedidos a seguridade privada e os baixos rendimentos da previdência oficial encorajam as pessoas na direção do mercado..
Corporativo Moldados pela Igreja a assistência aos mais carentes é basicamente residual. O objetivo central de qualquer ajuda é a preservação da família. O estado só ajuda quando a família for declaradamente incapaz de dar assistência a qualquer de seus membros. Transferências universais. Direitos ligados a classe e ao status. Todos os que trabalham e seus dependentes. Comprometido com a preservação da família tradicional. Impacto redistributivo é desprezível.
Social-democrata (escandinavo) Praticamente inexistente devido aos efeitos da ampla reforma social centrada na igualdade com melhores padrões da classe média. Universalista,Todas as camadas são incorporadas ao sistema universalista. Benefícios graduados de acordo com os ganhos habituais. Todos os cidadãos. O mercado é excluído em troca da vontade solidária de todas as classes em favor do welfare state. Fusão entre o serviço social e o trabalho. Garantia de pleno emprego.

Primeiro, os regimes corporativistas, onde a previdência social, ao promover distinções hierárquicas de status para os beneficiários, terminou por cimentar a lealdade da classe média a um tipo peculiar de welfare state. Segundo, o paradigma liberal como produto do casamento da classe média com o mercado. Terceiro, o escandinavo, onde os êxitos da social-democracia forjou a instituição de um wefare state de classe média. Um aspecto interessante dessa trindade pode ser visto através do custo desses welfare states medidos pela carga tributária como proporção do PIB (Gráfico 2). Pela classificação proposta por Esping-Andersen, não surpreende que Suécia e Dinamarca estejam entre os mais caros welfare states do mundo, ao lado da Holanda, todos com carga tributária efetiva acima de 50% do PIB. O Brasil e os Estados Unidos estão praticamente no piso, com cargas tributárias efetivas ao redor de 30% do PIB. No espaço intermediário está a maioria dos estados: França, Israel, Austrália, Espanha, etc.

Esping-Andersen chama atenção para as ofensivas contra o welfare state. Para ele, tais reações estão menos associadas a elevação da carga tributária do que a redução nas despesas com direitos adquiridos, fruto amargo das reformas. A reação ao welfare state depende de quanto esse estado está próximo a maioria da população. Quanto mais residual for o contingente usuário ou beneficiário dos serviços desse estado, maior será a reação contra ele a quando da escassez de recursos. A esse respeito, comenta:

"The risks of welfare state backlash depend no on spending, but on the class character of welfare states. Middle-class welfare states, be they social democratic (as in Scandinavia) or corporatist (as in Germany), forge middle-class loyalties. In contrast, the liberal, residualist welfare states found in the United States, Canada and, increasingly, Britain, depend on the loyalties of a numerically weak, and often politically residual, social stratum. In this sense, the class coalitions in which the three welfare-state regime-types were founded, explain not only their past evolution but also their future prospects. (Esping-Andersen. 1990: 33)

Como o próprio autor comenta na introdução de seu The three worlds of welfare capitalism, sua opção por um enfoque amplo obriga-o a começar pela economia política e dedicar o último terço da obra ao desemprego e aos rumos da macroeconomia. Por essa razão inicia, trazendo a questão do welfare state para o interior da tradição intelectual da economia política. Em certo sentido, seu propósito é, uma vez superada a linearidade dos modelos industrialista e neomarxista, "sociologizar" o estudo dos welfare states, aferindo, por meio da extensão e qualidade dos direitos sociais, sua capacidade de de-commodification, ou seja, de fazer as pessoas construírem seus padrões de vida independente do mercado. Duas visões opostas emergem da leitura de Smith e dos clássicos: de um lado, os que hipertrofiam a mão invisível do lassez-faire; e de outro, os que hipertrofiam o papel do estado. No meio, um mix entre mercado (propriedade) e estado (democracia). A abordagem inicial de Esping-Andersem está lastreada na tradição estruturada pela economia política do século XIX, em suas vertentes liberal, conservadora e marxista, que tinha por centro de suas formulações teóricas argüir sobre a possibilidade de compatibilizar o capitalismo com o bem-estar social. A par do legado clássico, o neoliberalismo contemporâneo seria, para o autor, apenas um eco da tradição liberal em economia —, o pânico dos que vêem no avanço da democracia e na concessão de direitos sociais uma ameaça ao mercado. Um eco, sem dúvida, derivado da idéia de que só a eficiência do mercado pode acabar com as diferenças sociais: "The state upholds class; the market can potentially undo class society "(Smith. Apud, Esping-Andersen. 1990:9).

IV - A crise do Welfare State

"...a scientific revolution occurs when proponents of a new paradigm oust the avocates of orthodoxy from university chairs and editorial boards of professional journals."(Kuhn, apud Piore & Sabel. 1984: p. 44)

4.1. Cenários do pós-guerra

O vertiginoso crescimento das relações internacionais foi o traço marcante da economia capitalista do pós-guerra. Fluxos de mercadorias e de capitais, em escala crescente, trouxeram novos problemas, novas regulamentações e novas estratégias para os estados nacionais. Para o conjunto dos países mais pobres, o impacto dessas transformações resultou na superação do estágio autárquico de subsistência em direção a uma economia voltada para a exportação de produtos primários. Para os países industrializados do Terceiro Mundo, as mudanças trouxeram a diversificação das estruturas econômicas e o aumento da presença das empresas multinacionais em setores lideres, bem como, um crescente influxo de capital financeiro. Nos países centrais, como Estados Unidos, Japão e Alemanha, coube um papel mais expressivo para as grandes corporações que, liderando amplos setores das indústrias de ponta e das finanças mundiais, passaram a auferir a maior parte de seus lucros com investimentos realizados no exterior (Evans. 1985:p. 192).

A intensificação das relações econômicas internacionais, todavia, foi impondo, pouco a pouco, o estabelecimento de cadeias de interdependência (linkages) entre as economias nacionais. Nesse contexto, o papel econômico do estado expandiu-se reforçando as formas de controle dos mercados locais em países do Terceiro Mundo, ampliando as formas de sua presença na sociedade e na produção de serviços e bens. A celebre tríade, capital estrangeiro, capital estatal e capital nacional, davam tom ao ritmo do crescimento econômico do pós guerra, com diferentes repercussões sobre o perfil dos welfare states. Os governos aderiram ao keynesianismo e proclamaram, oficialmente, ser o objetivo do planejamento econômico estatal a realização e manutenção do pleno emprego. A comunidade de países socialistas, sob a liderança ou não da União Soviética, parecia ser para sempre.

4.2. Flexibilização dos costumes e do mercado de trabalho

Por volta dos anos 60, todavia, emerge a idéia de sociedade pós-industrial associada as profundas transformações que começam a ocorrer na tecnologia, na administração, nos padrões de consumo e no mercado de trabalho. Uma nova sociedade era agora anunciada como reino dos tecnocratas e do consumo orientado para os serviços (Esping-Andersen. 1990:p. 191). Entrementes, no final dessa mesma década, eclode um movimento de massas, liderado pelos jovens, o qual propõe a ruptura com o conservadorismo da velha sociedade. Além de ser uma revolução nos costumes, contrária ao velho padrão autoritário do século XIX presente nas relações de família, igreja, escola e fábrica; esse movimento também reivindicava mecanismos mais amplos de promoção social, tais como a universalização do ensino superior e a garantia de pleno emprego. Tratava-se, portanto, de uma pressão adicional, não desprezível, dos que sendo os retardatários da sociedade industrial, lutavam por um lugar ao sol. Os muitos sucessos da expansão do pós-guerra, entre os quais o modelo do welfare state, iniciavam, a partir desse momento, sua trajetória de crise.

Na verdade chega ao fim a fase expansiva de um longo ciclo econômico baseado num conjunto de tecnologias (siderurgia, eletrônica, química e petroquímica), numa fonte de energia abundante e barata e num determinado arranjo institucional em torno do padrão-dólar. Esta virada do ciclo anuncia a fase de declínio em que mergulha a economia mundial desde início dos anos 70. Esgota-se, assim, o modelo de desenvolvimento fundado na produção em massa de novos produtos de consumo durável, acompanhada de um consumo maciço, assegurado por um modo de regulação salarial sincronizado com a produtividade crescente do trabalho, onde o welfare state desempenha papel importante, quer como agente patrocinador dos investimentos em infra-estrutura, quer como regulador social e agente distributivo.

A recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão, a expansão da capacidade instalada das indústrias dos países em desenvolvimento, a emergência de novos produtos e novos processos, tudo pavimentava o caminho para a crise internacional de competição, que teria início a partir dos anos 1970, acabando por destruir o compromisso forjado no período imediato a II Guerra Mundial (Gourevitch.1986:29). As políticas mistas de administração da demanda, regulação e corporativismo, não faziam mais parte da retórica do mundo político e tampouco do mundo real. O mercado chegava para cobrar de cada um sua quota de sacrifício, exigindo adaptação às novas regras, mesmo dos governos nos quais os trabalhadores estavam representados. As antigas alianças entre trabalhadores, agricultores e comerciantes soçobraram ante as desconfianças de que os custos diretos e indiretos com a mão-de-obra poderia comprometer a competitividade. O novo caminho, agora, chamava-se lucratividade (Gourevitch.1986:30).

Com a perda de seus aliados históricos, os trabalhadores ficaram na defensiva. Suas propostas resumiam-se em defender as posições existentes em termos de salários, previdência social e trabalho. Por outro lado, comerciantes e agricultores, no impedimento de formularem políticas mais consentâneas aos seus interesses, terminam aderindo a onda neoliberal. Os socialistas franceses, sob Miterrand, mudam os rumos da estratégia de nacionalização, equidade social e estímulos fiscais, substituindo-a por uma orientação de austeridade e retorno ao mercado. Pressões semelhantes desabaram sobre os socialistas suecos e contribuíram para a fragmentação dos trabalhistas ingleses, democratas americanos e sociais-democratas alemães. A política econômica, no Primeiro Mundo, passaria a flutuar doravante, entre a mão invisível do mercado e a mão intervencionista do estado. Entre um extremo e outro se estabeleceria um amplo escopo de políticas adotado pelos estados nacionais de acordo com as contingências do momento.

"... between the neoclassical revival on one side and market regulation and social welfare on the other" (Gourevitch.1986:31).

No mundo desenvolvido, por exemplo, a Suécia ainda que aceitando os sinais do mercado internacional, continuou intervindo mais do que outro qualquer país na defesa do mercado de trabalho, favorecendo a consulta aos trabalhadores durante o processo de reestruturação. Na Europa Ocidental, o sistema de proteção social e a proteção ao mercado de trabalho permaneceram bem mais desenvolvidos do que nos EUA. A política industrial francesa permaneceu mais ativa do que nos EUA e na Inglaterra. Os EUA, todavia, sob Reagan, usaram mais estímulos fiscais do que a Europa — era a side supply policy, uma forma liberal, pseudo keynesiana, de combater a recessão por meio de um alívio na carga tributária do setor privado, na esperança de que tal medida estimulasse a retomada dos investimentos.

Essas diferentes formas de resolver o confronto entre o welfare state e as novas exigências do mercado internacional se devem, naturalmente, as diferentes relações entre atores sociais em cada um dos países apontados, sendo a organização e a força dos trabalhadores importante referência.

Uma percuciente análise desse período de rápidas mudanças na economia global pode ser creditada a Katzenstein (1985). Para esse autor, uma série de fatores explicam a amplitude e a profundidade das mudanças operadas desde os anos 1970: inflação mundial, explosão dos preços da energia, recessão prolongada, crescimento da rivalidade no comércio internacional, volatilidade do mercado internacional de divisas, disparada das taxas de juros, crescimento das dividas dos estados nacionais e, agravando, os efeitos da restruturação global sobre as formas consagradas de organização do trabalho, renda e emprego.

Nessa mesma década, por exemplo, Washington reduziu, de forma sistemática e unilateral, a cotação do dólar, permitindo maior competitividade para os produtos americanos nos mercados internacionais, em prejuízo da Europa Ocidental e do Japão. Nos anos 80, a administração Reagan, às voltas com um surto inflacionário, restringiu o crédito e aumentou as taxas de juros, provocando substancial defasagem de rendimentos entre as carteiras de títulos e de ações. Um procedimento que estimulou, ainda mais, a especulação nas bolsas, levando os grandes aplicadores internacionais a preferirem títulos ao invés de ações. Uma vez instalado o clima de desconfiança, sobreveio o colapso do mercado acionário de Nova York, em 19 de outubro de 1987, uma queda que, em razão do entrelaçamento cada vez maior dos poderosos mercados financeiros internacionais, espalhou-se pelas principais bolsas do mundo, afetando a já combalida autonomia dos estados nacionais na condução de suas respectivas políticas macroeconômicas. Tais desequilíbrios e rupturas, em combinação com um mercado cada vez mais desregulamentado e global, atingiu em cheio os países em desenvolvimento, cobrando programas de estabilização e de ajuste estrutural que ao longo da década de 80 e 90 oneraram, pelo desemprego, redução de rendas, tributos e taxas, as sociedades desses países.

4.3. A contabilidade social da economia global

Um exemplo dessa crescente adversidade pode ser captado através do Figura 1 (Krugman. 1997), que compara a produtividade e a renda nos EUA entre dois pós-guerras (II Guerra Mundial e Guerra do Vietnã). Nos demais países avançados o cenário não foi diferente como demonstra a Tabela 3.1.. Em quatro períodos, apresenta o desempenho econômico (1983-1992/1964-19730), a produtividade geral (1981-1990/1961-1970), a produtividade industrial (1983-1992/1964-1973) e o desemprego (1983-1992/1964-1973). Claramente, para os países membros do G-7, houve piora significativa nos fundamentos de suas economias.

Para os países do Terceiro Mundo a situação não foi diferente em termos de PIB per capita, como denota a Tabela 3.2. , elaborada por Barro (1995) para as economias da Ásia e América Latina.

Da segunda metade dos 1980 até 1996, período em que os países da região realizaram ajustes estruturais, percebe-se um crescimento consistente nas taxas de desemprego como mostra a Tabela 3.3.

4.4. Crise financeira e de legitimidade do welfare state

Evidentemente que a ação política mesmo sendo importante não é decisiva na solução de um problema econômico que, no contexto da abordagem até agora desenvolvida, encontra-se no campo da acumulação e da regulação. No primeiro campo, da acumulação, via queda na lucratividade do setor real da economia com efeitos expansivos nos lucros financeiros auferidos na especulação bursátil. No segundo campo, o da regulação, pela inadequação e defasagem das regras e normas de alcance mundial frente ao fenômeno da globalização financeira. O processo de acumulação de cada região, país ou estado-nação, depende entre outros fatores, da interação de sua economia com o conjunto da economia mundial. Em tempos de economia globalizada essa interação tornou-se dramaticamente decisiva para o contexto das nações não hegemônicas. Ou seja, se ocorre uma recessão nas economias avançadas, logo essa recessão também chega ao restante dos países, em razão da integração dos mercados.

Na abordagem da questão do emprego, por exemplo, duas fases são propostas para melhor esclarecer o grau de interação sistêmica do capitalismo. A primeira, do final da década de 1950 até 1973, chamada de expansão do capitalismo; a segunda, pós-1973, corresponde a emergência da economia global (Esping-Andersen. 1990:163). Essas transformações trouxeram uma nova dimensão política ao debate sobre o papel do estado na sociedade pós-industrial. Apesar desse debate de ter se iniciado na década de 70, ele só veio a tomar impulso na década de 80, quando a análise passa a centrar-se na chamada crise financeira e de legitimidade do estado.

Os argumentos dessa análise buscam, no esgotamento do ciclo expansivo, as causas das restrições à atuação do estado como instância de regulação econômica e social. A crise, por sua amplitude e profundidade, atinge indistintamente todos os países em maior ou menor escala, reduzindo os excedentes econômicos e, por via de conseqüência, a capacidade financeira dos governos para fazer face às demandas sociais e aos investimentos necessários à acumulação. Tal situação agravou-se, sobremaneira, nos países devedores, onde a quase completa paralisia do estado acarreta desmoralização, perda de prestígio e de legitimidade. Nesses países, os desequilíbrios estruturais das contas do setor público assumem um paradoxo, ou seja, déficits são financiados deficitariamente.

Em contrapartida ao desgaste do estado, cresce, em todo o mundo, a influência do pensamento liberal questionando as mais elementares formas estatais de interferência na economia. FMI e Banco Mundial recomendam austeridade fiscal e monetária. Em conseqüência, vive o continente a década perdida, como assim foram denominados os anos 1980 para a maioria dos países da América Latina (Gráfico 2 e Tabela 3.3.). No entanto, o panorama dessa época não foi menos cinzento para os países avançados, com a diferença de que além do baixo desempenho da economia, devido a queda de produtividade, esses países viram expandir, de forma acelerada, a taxa de desemprego.

O Gráfico 1 resume o perfil da crise de produtividade da economia americana entre dois períodos (1947-1973 e 1973 a 1994) e seus efeitos sobre a renda média. A Tabela 3.1, oferece uma visão mais completa do panorama das economias avançadas. A sincronização entre taxas de crescimento econômico, produtividade e desemprego, deixa bastante visível a relação entre elas na caracterização da crise de crescimento que teve início a partir dos anos 1970.

Uma vez admitido — como sugerido no início deste artigo — que o processo de acumulação exerce efeitos sobre performance do welfare state, é plausível também admitir que o papel do estado e sua legitimidade tenham sido drasticamente atingidas pelos efeitos de sua crise financeira, mas e principalmente devido a crise de acumulação expressa nos dados de produtividade, renda média e emprego.

V - Conclusão

Iniciamos este trabalho com a discussão das teorias que enfocam as razões da emergência, semelhança e dessemelhanças entre os welfare states. Damos maior relevo a teoria dos três clusters, de G¢sta Esping-Andersen, por ser a que mais se presta a uma análise política das diferentes trajetórias perseguidas por cada um desses arranjos institucionais, com destaque para as coalizões de classe que lhes deram sustentação. Em seguida, tratamos de examinar a alegada crise dos welfare states em face das transformações recentes ocorridas com o processo de globalização, destacando o cenário do pós-guerra, o fim da rigidez social e de mercado, e a contabilidade social da economia global.

Dessa análise ficou evidente que a globalização, embora tenha algo a ver com a erosão do welfare state, não chega a ser suficiente para explicar tudo. Uma explicação adicional importante pode estar nas transformações ocorridas no processo de distribuição geográfica da produção — máxime para os blocos econômicos — e no novo perfil da demanda por mão-de-obra. No primeiro caso, a produção com alta tecnologia tendeu a ficar circunscrita às economias do norte, provocando o surgimento de um mercado de trabalho cada vez mais seletivo em termos de qualificação. A composição desses dois fatores produz o crescimento do desemprego nos segmentos de mercado onde o trabalho de baixa qualificação é ofertado em abundância, criando uma forte pressão sobre os já elevados gastos do welfare state. As repercussões desse processo em países do Terceiro Mundo tende a reproduzir o fenômeno das economias maduras, nos chamados nichos de progresso econômico. Tal processo se viabilizou com a abertura dos mercados desses países, o que permitiu as grandes empresas ali instaladas, importar tecnologias de ponta visando estratégias competitivas no mercado internacional. Essa opção gera, sem dúvida, desemprego em larga escala, comprometendo o balanceamento entre os fluxos de entrada e saída de recursos de transferência, cujo o saldo, como sabemos, é vital para o suporte das instituições do welfare state.

Neste ponto é crucial que se diga que a provisão de recursos para saúde, seguro desemprego, e outras instituições de bem-estar social, dependem, para seu custeio, da taxa de crescimento da massa salarial que, por sua vez, é função da taxa de emprego da economia. Eis aí uma importante conexão (linkage) entre welfare state e mercado de trabalho.

Vimos que são três as formas de encarar o problema do desemprego, todas elas em função do maior ou menor grau de desmercantilização da força de trabalho. Nos países da social- democracia, as alianças de classe forjaram uma mentalidade favorável ao welfare state, permitindo que os problemas sociais sejam enfrentados com altos índices de desmercantilização do mercado de trabalho. Uma opção que se desdobra numa elevada carga tributária, superior a 50% do PIB. Nos países do corporativismo, a situação aponta uma desmercantilização mitigada, com reflexo nos índices de desemprego e de pobreza urbana crescentes. Nos países do liberalismo, a flexibilização do contrato de trabalho e a derrogação de um acervo de leis de proteção social, resultaram num progressivo aumento da miséria, da marginalidade e da violência urbanas. No Brasil, onde parece vigorar um misto de corporativismo e liberalismo (liberal-corporativismo), a situação tem se agravado de forma assustadora com aumento espantoso da violência urbana.

Num esforço de conclusão, podemos afirmar que o desemprego nos países desenvolvidos termina eqüivalendo a um imposto adicional que recai sobre toda a sociedade, com a elevação da carga tributária proporcionalmente ao número médio de desempregados, multiplicado por um salário mínimo médio definido ética e politicamente por amplo acordo das classes sociais. Exemplo dessa abordagem vem da social-democracia escandinava, onde o desemprego é reduzido ao máximo pelos efeitos de sustentação da renda e consumo em padrões de classe média. Nos países do liberalismo, esse salário por ser menor e associado ao estigma do atestado de pobreza, termina favorecendo uma queda no preço da mão-de-obra. Ou seja, como o seguro desemprego tem o valor muito baixo para os padrões do Primeiro Mundo, o mercado de trabalho reage ofertando salários também mais baixos, incentivando, dessa forma, a emergência do emprego precário. Em países como o Brasil, todavia, em que existe um consenso adverso com relação ao problema do desemprego (para alguns ainda uma questão de polícia), o imposto resvala para a informalidade alimentando formas bizarras de geração de renda: flanelinhas, pedintes, rifas, ambulantes, propinas, privatização da segurança pública, etc.

V - Bibliografia

Barro, R. J. & Sala-i-Martin, X,. Economic growth. Mc Graw-Hill, Inc. N.Y. 1995

Esping-Andersen, G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Princeton, Princeton University Press, 1990.

Evans, Peter, "Transnational Linkages and the Economic Role of the State: An analysis of Developing and Industrialized Nations in the Post-World War II Period", in . Evans, P; Rueschemeyer, D e Skocpol, T (orgs), Bringing the State Back in, Cambridge, Cambridge University Press, 1985)

Gourevitch, P. Politics in hard times: comparative responses to international crises. Ithaca, Coarnell University Press, 1986

Katzenstein, P. J. Small states in world markets. Industrial policy in Europe. Cornell University Press, 1985

Krugman, Paul. The age of diminished expectations. MIT press. 1997

Piore, M. J. e Sabel, C. F. The second industrial divide: possibilities for prosperity. New York, Basic Books, 1984

Skocpol, T e Amenta, E. "States and Social Policies", Annual Review of Sociology, vol 12, 1986.

rocorrea@uol.com.br