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O poder emana do povo!
Alysson Oliveira de Almeida
Acadêmico de Direito da UCSal
               Recentemente, ao ler um artigo num jornal, deparei-me com a seguinte 
frase: Tomara que os legisladores não comecem a editar leis neste sentido (...). A 
partir de então, auscultando diversos textos redigidos por indivíduos do povo, observei 
como soem estar presentes pensamentos da mesma natureza, e percebi o quanto o 
povo teme o legislador brasileiro.
                Não é para menos, haja vista o inaudito desrespeito deste para com 
aquele, que o elegeu como seu representante, desde o momento em que apresentam 
projetos de lei que visam, direta ou indiretamente, suprimir ou deduzir direitos 
constitucionalmente outorgados ao indivíduo. Não se trata, entrementes, unicamente 
de desrespeito ao povo, mas sim de despojar-se, tal legislador, de qualquer resquício 
de dignidade humana, abeberando-se, a posteriori, na amaldiçoada fonte da 
mesquinhez, tornando-se nada mais nada menos que um tirano, déspota, abusando 
do seu poder para submeter o povo a um domínio arbitrário, tendo em vista apenas a 
"aisance" própria.
                Ante tal ato dos nossos representantes, já tão corriqueiros 
hodiernamente, temos nos limitado a aceitar e silenciar, ou, através de um diminuto 
setor social, falar. Não obstante falar, continuam os desrespeitos às leis e ao povo, e 
faz-se necessário, neste final de século, agir com veemência por todos os meios para 
que possamos pôr termo a esta usurpação por parte dos legisladores.
                Objeto de escárnio por parte de muitos, a nossa Constituição, Lei maior 
do nosso país, que neste ano de 1998 completará, aos 05 dias do mês de outubro, 10 
anos de existência, é, no Direito Constitucional Comparado, uma das maiores 
expressões de um texto constitucional democrático, de cunho progressista, voltado ao 
bem-estar social e respeitador da cidadania (chamada, inclusive, de Constituição 
Cidadã, por Ulysses Guimarães). Infelizmente, aqueles mesmos políticos que outrora, 
quando da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, disseram que através da 
Constituição o leite e o mel iriam jorrar pelas bicas, hoje lutam para modificá-la, 
extirpando-lhe, quiçá, este modelo de Constituição Progressista, que visa, ainda, o 
Estado de bem-estar social.
                Não podemos permitir que tal mudança seja feita, já que nesses dez 
anos de existência da Carta Magna ainda não chegamos a aplicá-la em sua plenitude, 
muita vez devido à falta de instrução dos próprios indivíduos membros da sociedade, 
ignorantes dos direitos que possuem, ou até mesmo devido a obstáculos impostos 
pelos próprios governantes, desejosos de manter o "status quo".
                "Ex vi" do § único, do art. 1º, da CF/88, "Todo o poder emana do povo, 
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta 
Constituição". O povo é soberano e a ele pertence o poder. Não vivemos numa 
monarquia absolutista, onde tudo pertence ao soberano e, por isso mesmo, sobre ele 
não poderá incidir qualquer responsabilidade. A  forma  institucional  do nosso  Estado 
é a República,  palavra derivada do latim "res   publicae", no seu sentido originário de 
coisa pública, ou seja: coisa do povo e para o povo, como bem proferiu Cícero.
                Com a fantástica complexidade das relações intersubjetivas, 
atualmente, seria impossível a tomada de decisões concernentes a uma grande 
parcela social, como um Município, Estado ou União, ser realizada diretamente pelos 
indivíduos membros, a todo o instante, como acontecia em antanho. Destarte, com a 
finalidade de representar o poder de decisão e edição de leis desses indivíduos 
membros da sociedade é que são eleitos os Vereadores, Prefeitos, Deputados 
Estaduais, Governadores, Deputados Federais, Senadores e Presidente da República.
                Todos esses representantes supracitados deverão ter e manter em 
mente que são representantes do povo, e não estão naquele cargo para satisfazer os 
seus respectivos egos ou de seus familiares. São representantes da sociedade e 
devem respeitá-la acima de tudo, buscando, ao máximo, concretizar suas promessas 
eleiçoeiras.
                O que vem acontecendo é membro do Poder Legislativo aprovando lei 
que vai de encontro à vontade popular e membro do Poder Executivo aquiescendo e 
promulgando normatividade no mesmo sentido, com o objetivo exclusivo de satisfazer 
às suas necessidades ou de pequenos grupos a eles ligados. Em meio a tudo isto, jaz 
o povo timorato, como em afasia, sendo tratado com desdém. Estas leis, entrementes, 
poderão ser legais, mas nunca legítimas.
                Como bem ilustra o Prof. José Afonso da Silva, o princípio da legalidade 
só pode ser formal na exigência de que a lei seja concebida como formal no sentido de 
ser feita pelos órgãos de representação popular, não em abstração ao seu conteúdo e 
à finalidade da ordem jurídica. Lembra bem D'Entrève: "Legalidade e legitimidade 
cessam de identificar-se no momento em que se admite que uma ordem pode ser 
legal, mas injusta".
                O povo, portanto, ao se deparar com normatividade não condizente com 
a sua vontade, deverá lutar no sentido de desarraigá-la do nosso sistema jurídico 
positivo, lembrando-se, sempre, que é ele o titular do poder constituinte. Não deverá 
lamentar-se, somente, como se apenas fosse um mero lacaio.
                É a vontade do povo que confere legitimidade à norma, à lei; entretanto, 
a legalidade formal é tão somente o preenchimento dos requisitos formais e 
organizacionais na sua feitura em todas as suas fases. Deve-se, por conseguinte, 
haver um liame, uma relação, entre legalidade e legitimidade. No momento em que 
coincidirem, identificando-se, haverá a norma justa, derivada da vontade popular e 
promulgada conforme o sistema jurídico positivo.
                Para que o povo tenha consciência disto, todavia, torna-se necessária a 
sua presença, cada vez maior, no círculo de intérpretes das normas positivadas, 
principalmente da Constituição, para que tenha conhecimento e saiba exigir os seus 
direitos. Há diversos princípios que norteiam o intérprete do texto constitucional, sendo 
um deles o Princípio Interpretativo da Coloquialidade, segundo o qual o intérprete, ao 
analisar o texto constitucional, deverá fazê-lo levando em conta que aquela é uma 
linguagem coloquial, procurando, ao máximo, afastar-se de uma linguagem técnica, o 
que dificultaria a apreensão da sua essência pelos indivíduos da sociedade que não 
estivessem, de algum modo, envolvidos com a linguagem técnico-jurídica. Dependeria 
de maior nível intelectual e cultural o alargamento do círculo de intérpretes da 
Constituição se não fosse a linguagem constitucional coloquial.
                Outro princípio de suma importância é o princípio da máxima efetividade 
(Canotilho) ou da força normativa da constituição (Hesse), que, como bem pontifica o 
Ilustre Mestre Mestre Manoel Jorge e Silva Neto, representa a escolha de uma solução 
conferidora do máximo de operatividade quando em dúvida o intérprete a respeito de 
adotar o caminho da plena aplicabilidade ou da limitada eficácia da norma 
constitucional.
                Destarte, há um caminho à luz, há a esperança de termos nossos 
direitos garantidos de fato, e não somente de direito. No exato momento em que todos 
do povo, através de um mínimo de educação e maior informação, titulares do poder 
constituinte do Estado, tiverem a consciência de que aqueles legisladores e 
governadores são representantes seus, e tiverem o conhecimento de que as normas e 
leis deverão ser, além de legais, legítimas, traduzindo a vontade popular como um 
todo, teremos um país melhor, onde o respeito à democracia, à cidadania e ao bem-
estar social sobressairá. E a partir de então, não permitiremos mais a usurpação do 
poder por aqueles detentores do mesmo e asseguraremos uma maior efetividade do 
texto constitucional, garantindo que todos os direitos por ele previstos não sejam 
simples letra morta.
retirado de apriori.com.br