A questão da interpretação das leis
Paulo A. Soares de Carvalho
Advogado
A função
primordial do Estado moderno é a pacificação social,
possibilitando a
convivência
harmônica entre os homens, atribuindo-se a si a exclusividade na
solução dos
conflitos
de interesses, como tentativa de realização de Justiça
através de um sistema de
normas imperativo-atributivas.
Dessa forma,
realça sobremaneira a atividade dos juízes, órgãos
estatais incumbidos do
exercício
da jurisdição, uma vez que toda norma a ser por eles aplicadas
ao caso concreto,
dirimindo
as lides, é passível de interpretação.
Logo de início,
declara-se ser inaplicável o brocardo "in claris cessat interpretatio",
uma
vez que tanto
as leis reputadas claras quanto as dúbias comportam interpretação,
como bem
ressaltou
Maria Helena Diniz.
Ao buscarmos
o significado etimológico da palavra interpretar, iremos encontrar,
segundo o
dicionário Aurélio, “ajuizar a intenção, o
sentido de”, e ainda, “explicar, explanar ou
aclarar o
sentido de (palavra, texto, lei)”. Na vida jurídica, interpretar
é confrontar o texto
frio da lei
com os fatos e litígios a que tem de ser aplicada , e, para este
fim, a investigação do
exato sentido
do mesmo texto, isto nas palavras de Cunha Gonçalves, Ou, ainda,
revelar o
pensamento
que anima as palavras da lei, como quer Clóvis Beviláqua..
Do estudo sistemático da
interpretação
cuida a Hermenêutica jurídica.
A bem da verdade,
a ciência do direito não pode prescindir de eficazes métodos
de
interpretação
da lei, como pressupostos de sua justa e perfeita aplicação,
lembrando que
interpretar
e aplicar são tarefas distintas, uma vez que a segunda pressupõe
o conhecimento
do sentido
e alcance da norma jurídica (portanto, prévia interpretação).
A princípio,
acreditou-se que, para interpretar a lei, antes de mais nada, era necessário
perquirir
a vontade do legislador, daí por que o uso no Direito Romano da
interpretação
unicamente
literal. Essa escola exegética cedeu espaço em virtude da
própria dinâmica dos
fatos sociais
que reagem sobre o direito, bem como da evolução dos institutos,
que exigiram a
flexibilidade
e o alcance que hoje nos ministram seus intérpretes.
A lei, como
fonte principal do direito, aquiesce com vários sentidos e, vigorando
indefinidamente,
acena com a possibilidade de ter mais de uma interpretação
ao longo dos
tempos, desde
que seja esta a cada tempo racional e visando unicamente o bem comum. Tal
pensamento
contribuiu para uma nova orientação na interpretação
das normas, surgindo então
a escola teleológica
ou finalista.
Em sede de
interpretação das leis, podemos dividir a matéria
quanto aos órgãos de que
emana, quanto
à maneira, e quanto ao resultado ou efeito.
Em relação
aos primeiros, temos que a interpretação é autêntica
quando emanada do
próprio
legislador. Assim, se o legislador a interpreta no próprio corpo
da lei, tem-se a
interpretação
contextual e, se assim não o faz, temos a interpretação
posterior. Pode ser
ainda judicial
quando feita por juízes ou tribunais, distinguindo-se da anterior
(autêntica) por
não
ter caráter obrigatório. Tem-se ainda a doutrinária
ou doutrinal, caracterizando-se por
seu imenso
prestígio, uma vez que realizada por escritores, jurisconsultos
e estudiosos da
matéria.
Quanto à
maneira (ou técnica, processo, método, etc.), há diversas
classificações que,
entretanto,
podem ser resumidas aos seguintes meios: gramatical (ou literal), lógico
(ou
científico),
sistemático e histórico.
O método
gramatical consiste na apuração da significação
exata das palavras e da
linguagem,
utilizando os elementos puramente verbais, analisando-as individualmente
e na
sintaxe. Enfim,
completa-se com a análise do texto.
Já o
lógico (ou científico, como querem alguns doutrinadores)
insere o intérprete nos
meandros da
mecânica social, na história da formação da
lei e da evolução do direito,
identificando-se
com o espírito do legislador que a elaborou. Busca atingir o sentido
e alcance
da norma.
É, como disse Ihering, “procurar o pensamento da lei na alma do
seu autor, passando
por cima das
palavras”.
A interpretação
de maneira sistemática analisa a lei atendo-se ao fato de que o
direito
é organizado
em princípios informadores e hierárquicos, que subordinam
as leis em um
conjunto harmônico.
Portanto, para que sejam as leis por esse modo interpretadas, há
que se
examinar a
sua relação com as demais leis que integram o ordenamento
jurídico.
Por fim, o
método histórico, onde a interpretação é
feita através da perspectiva
histórica
da formação da lei, desde seu projeto, justificativa, exposição
de motivos, emendas,
aprovação
e promulgação, assimilando-se os anseios da sociedade à
época de sua criação e,
ainda, sua
evolução através do tempo para, por fim, chegar a
uma justa aplicabilidade da
norma. É
hoje destituído de valor científico, como assinala Caio Mário
da Silva Pereira,
concordando
com Kohler para quem, na interpretação, os trabalhos preparatórios
e a discussão
parlamentar
são destituídos de valor, servindo apenas para indicar as
condições históricas do
povo e os
impulsos, que determinaram a criação da lei, como remédio
para atender as
necessidades
do momento.
Ressalte-se
que alguns autores não aceitam tal classificação,
acrescentando outros
tópicos
(comparativo, sociológico, teleológico) ou resumindo-os ou,
ainda, fundindo-os.
Interessante
acrescentar que tais processos interpretativos não se excluem, mas,
ao
contrário,
completam-se em um processo mental para atingir um resultado final de
interpretação
mais seguro e que se aproxime da justiça real
Quanto ao resultado,
a interpretação divide-se em declarativa, ampliativa (ou
extensiva)
e restritiva, embora alguns não admitam essa divisão, ao
argumento de que toda
interpretação
é declarativa, não podendo ampliar ou restringir o conteúdo
da lei.
É declarativa,
como induz o próprio nome, quando da interpretação
da lei redunda o
exato sentido
que contém suas palavras, não acrescentando ou limitando
os casos que não
estão
incluídos em seu sentido literal, o que resultaria numa interpretação
ampliativa ou
limitativa,
respectivamente.
Enfim, esta
são nossas breves considerações sobre o assunto, de
fundamental
importância
aos estudiosos do Direito, remetendo os interessados para a doutrina para
maior
aprofundamento
no tema.