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O instituto da desapropriação frente à realidade brasileira
 
 

Henrique Mota Feitosa
Advogado





O "caput" do Art. l84 da C. F. de 88 diz que é da competência da União a desapropriação para fins de reforma agrária. Repete-se o que já se prescrevia na Constituição anterior, modificada pela Emenda Constitucional nº l0, que, ao atribuir à União a capacidade de legislar sobre o Direito Agrário, retirou dos Estados essa competência.

A desapropriação para fins de reforma agrária só pode ser motivada pelo interesse social, entendendo-se este como sendo o interesse de terceiros, no caso, a comunidade, isto é, a ordem econômica deixa de estar sob a égide do individualismo e passa a ter um destino social, devendo trazer benefícios a todos.

Dessa forma:

(...) a desapropriação é um ato de direito público mediante o qual a administração, com base na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, desvincula um bem de seu legítimo proprietário para transferir sua propriedade a um ente estatal ou a particulares, com prévia e justa indenização.

Está-se diante de um ato de Estado, em que este, tendo por base o princípio de que o interesse público prevalece sobre o interesse privado, transfere bens para seu domínio, mediante indenização.

J. Cretella Júnior vê o instituto de desapropriação em dois sentidos:

Em sentido amplo, para nós, desapropriação é o ato de direito público pelo qual a Administração, fundamentada na necessidade pública, ou no interesse social subtrai ( em benefício próprio ou de terceiros ) direitos do proprietário sobre esse bem, mediante indenização.

Em sentido restrito, desapropriação é o ato pelo qual o Estado, necessitando de um bem para fins de interesse público, subtrai ( em benefício próprio ou em benefício de terceiros ) direito do proprietário sobre esse bem, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

Analisando o conceito do instituto de desapropriação, Cretella Júnior elenca uma série de seis elementos que entram na composição de sua definição.

O primeiro elemento é o ato ou procedimento, unilateral, emanado de determinada pessoa jurídica pública, atingindo determinado objeto, que em geral é privado, mas, também podendo ser público.

O segundo elemento é o Estado: " a desapropriação é um ato, mas ato de império, ato de poder público, ato do Estado, da Administração -- nunca ato particular".

O terceiro elemento é a existência do bem a ser desapropriado, pertencente ao particular ou ao próprio Estado.

O quarto elemento é a supressão-aquisição do bem, "que passa das mãos de uma pessoa ( privada ou pública ) para as mãos de uma pessoa pública ( desapropriação por necessidade ou utilidade pública ) ou para as mãos de pessoas privadas ( desapropriação por interesse social )".

O quinto elemento é a finalidade, que é de natureza pública, pois há no ato expropriatório a preponderância do interesse público sobre o privado, portanto, jamais pode ser de natureza privada.

Já o sexto elemento é a indenização, que é a compensação oferecida pelo Estado ao sacrifício imposto à propriedade particular, podendo ser prévia, justa, em dinheiro, ou ainda, em títulos.

No caso em tela, a desapropriação se faz visando a mudança na estrutura fundiária, de forma a atacar os problemas advindos de sua má distribuição.

Entretanto, como bem salienta Torminn Borges:

(...) no fundo, o instituto da desapropriação não atinge o direito de propriedade em sua característica mais avultada, que é o seu valor econômico. Há apenas uma permuta de valores: substitui-se um bem - objeto do direito de propriedade - por outro bem - o seu preço em dinheiro ou equivalente.

Ao se garantir a expressão econômica do bem, garante-se a integridade do patrimônio da pessoa.

A desapropriação tanto pode ser por necessidade ou utilidade pública, como por interesse social. No primeiro caso, não há uma distinção entre o que seja por necessidade ou de utilidade pública, mas é justificada pelo autor do Código Civil, Clóvis Bevilaqua, em termos de maior gravidade e urgência das hipóteses relativas à necessidade pública. Tanto é assim, que o Código Civil, no Art. 590, § 1º, arrola as hipóteses da necessidade pública: I - A defesa do território nacional; II - A segurança pública; III - Os socorros públicos, nos casos de calamidade; IV - A salubridade pública.

Já as causas de utilidade públicas são elencadas no § 2º desse mesmo Art. 590: I - A fundação de povoações e de estabelecimentos de assistência, educação ou instrução pública; II - A abertura, alargamento ou prolongamento de ruas, praças, canais, estradas de ferro e, em geral, de quaisquer vias públicas; III - A construção de obras, ou estabelecimentos destinados ao bem geral de uma localidade, sua decoração e higiene: IV - A exploração de minas.

Com o Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de l941, é eliminada essa dualidade, passando todas a serem de utilidade pública.

A busca do bem-estar coletivo levou a aparecer na Constituição de l946 a desapropriação por interesse social. Já nessa época despontavam os problemas sociais oriundos da má distribuição das terras, a formação de grande contingente populacional da área rural sem terra e sem trabalho, vivendo em péssimas condições, levando o poder público a intervir no setor. Juridicamente só foi possível com a criação desse instituto.

Agora, mais precisamente relacionado ao princípio da função social da propriedade, é na Constituição de l934 que vai aparecer primeiro, quando no Art. ll3, § l7, prescrevia que a propriedade não poderia ser exercida contra o interesse social ou coletivo.

Já a Constituição de l946, em seu Art. l41, § 16, reafirmava o direito à propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. O Art. l47 condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social.

Para a efetivação desse preceito inovador, a Lei nº 4.l32, de 10 de setembro de l962, passou a regular a desapropriação por interesse social, reconhecidamente insuficiente no tocante aos imóveis rurais para fins de reforma agrária.

Para Olavo Acyr de Lima Rocha,

Foi com as modificações de fundo inseridas na Carta Magna de l946 pela Emenda nº l0, de l0- ll- 64, que se tornou possível a efetiva execução em nosso país da reforma agrária com mais de 40 anos de atraso em relação àquelas levadas a efeito na Europa, na segunda década do século, e cerca de vinte anos depois das empreendidas na Ásia, notadamente no Japão, após o término da Segunda Guerra Mundial, com a interferência do General MAC ARTHUR.

Ainda conforme o Art. 2º da referida Lei, a sua aplicação não se dirigia tão somente aos bens imóveis, estendendo-se também ao meio urbano, como no caso de manutenção de posseiros em terrenos urbanos ( IV ), construção de casas populares (V), proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais (VII ) e por fim a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas. Dessa forma, a lei teve deficiências em formular instrumentos que ensejassem a desapropriação do imóvel rural, de modo que se modificasse a estrutura fundiária.

Entre as modificações introduzidas pela Emenda nº l0, destaca-se a atribuição de competência à União para legislar sobre o direito agrário; transferência dos Estados para a União a competência para decretar impostos sobre a propriedade rural; mudança na forma de indenização dos imóveis rurais desapropriados que, em vez de ser pagamento à vista e em dinheiro, passou a ser em títulos da dívida pública, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos; a União passa a ter competência exclusiva para promover a desapropriação agrária.

Foram passos importantes, mesmo provindos de um regime autoritário que, pelo menos em tese, se devidamente levados à risca, permitiriam importantes avanços na luta pela modificação da estrutura fundiária. Para alguns autores, o mais significativo foi o novo tratamento dado às indenizações.

O problema estava no condicionamento da desapropriação à justa e prévia indenização em dinheiro, o que exigiria dos poderes públicos um montante muito expressivo, fazendo com que não se levasse à prática esse instituto. A partir da Emenda Constitucional nºl0, de l0 de novembro de l964, a desapropriação de propriedades rurais para fins de reforma agrária ficava condicionada a uma prévia e justa indenização, só que pelo pagamento em títulos especiais da dívida pública, hoje denominados títulos da dívida agrária.

Com essas mudanças estruturais na legislação em nível constitucional, o caminho ficou aberto para a proposição de uma lei agrária e, ela surge com a promulgação a Lei nº 4.504, de 30/ ll/ l964, o Estatuto da Terra.

O Estatuto, em seu artigo l7, dispõe que o acesso à propriedade rural pode se dar pela desapropriação por interesse social, cujas finalidades são dispostas no artigo seguinte:

Art. l8. A desapropriação por interesse social tem por fim:

a) condicionar o uso da terra a sua função social;

b) promover a justa e adequada distribuição da propriedade;

c) obrigar a exploração racional da terra;

d) permitir a recuperação social e econômica de regiões;

e) estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica;

f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais;

g) incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural;

h) facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias.

Esse elenco de finalidades demonstra o interesse em modificar profundamente a estrutura fundiária, dando-lhe uma nova configuração e direcionando as propriedades para o cumprimento da função social. E isso só poderia ser possível através da desapropriação, inflingindo perda ao proprietário sinecurista, ao mesmo tempo que recupera a propriedade para o interesse da comunidade, distribuindo-a àqueles que desejam torná-la um bem de produção.

Mas não poderia qualquer propriedade ser passível de desapropriação, como se verá a seguir, ao se fazer a leitura do Art. 20 do E. T.:

Art. 20. As desapropriações a serem realizadas pelo Poder Público, nas áreas prioritárias, recairão:

I - os minifúndios e latifúndios;

II - as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto;

IV - as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir seus objetivos;

V - as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros;

VI - as terras cujo uso atual não seja comprovadamente, através de estudos procedidos pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária ( atual INCRA ), o adequado à sua vocação de uso econômico.

Ao enumerar que tipos de propriedades seriam passíveis de desapropriação, o legislador nomeou aquelas que não estariam voltadas para a produção, tidas apenas como reserva de valor, esperando uma valorização futura, muitas vezes por obra de investimentos públicos, para serem vendidas por preços bem acima daqueles atribuídos quando de sua aquisição. Dessa forma, ficaram a salvo as propriedades voltadas para a produção, por nelas prevalecerem uma qualificação que interessa a comunidade: produtividade.

Já o Art. 24 do E. T. vai designar como podem ser distribuídas as terras desapropriadas: sob a forma de propriedade familiar (I); a agricultores cujos imóveis sejam comprovadamente insuficientes para o sustento próprio e de sua família (II); para formação de glebas que contemplem associações de agricultores organizados sob a forma de cooperativas (III); para fins educativos, de pesquisas, experimentação, assistência técnica e de organização de colônias-escolas, a cargo de órgão público (IV) ou, para fins de reflorestamento ou de conservação de reservas florestais a cargo da União, dos Estados ou dos Municípios (V).

Mais tarde, vieram à lume a Lei nº 4.947, de 6 de abril de l966, e o Decreto-lei nº 554, de 25 de abril de l969, normativizando o processo de desapropriação para fins de reforma agrária.

Com o advento da Constituição de l988, passaram a ser as seguintes as legislações a vigorarem sobre desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária:

a) Constituição Federal de l988, artigos l84 e l85;

b) Lei nº 4.504, de 30/ ll/ 64, o Estatuto da Terra, artigos lº, § lº, e l6 a 23;

c) Lei Complementar nº 76, de 6/7/93;

d) Lei nº 8.629, de 25/2/93;

e) Decreto nº 95.7l5, de l0/2/l988.

Dado que os artigos l84 e l85 da Constituição Federal e os artigos lº, § lº, e l6 a 23 do Estatuto da Terra já foram objetos de análise, quanto às desapropriações, tratar-se-á a seguir mais especificamente das outras legislações.

A Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de l993 vai dispor sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, em conformidade com o previsto no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.

Toda propriedade rural que não cumprir a função social prevista no Art. 9º da Lei 8.629 é passível de desapropriação ( Art. 2º ), competindo à União o exercício desapropriatório (§ lº ), através de órgão federal competente. Para levar a efeito a desapropriação, é necessário um prévio decreto do Presidente da República, declarando o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária ( Art. 5º, § 2º).

É o INCRA ( Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) o órgão federal responsável para executar a reforma agrária, o qual está autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamentos de dados e informações, com prévia notificação ( § 2º ). É através desse exame preliminar, verificando o nível de produção exercitado na propriedade, que se determinará quais serão passíveis de desapropriação.

Importa realçar que são insuscetíveis de desapropriação, para fins de reforma agrária, a pequena e a média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra ( § único do Art. 4º ), bem como a propriedade produtiva ( Art. l85 C. F. ).

Quanto à indenização, a terra nua terá uma prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária ( Art. 5º ), enquanto que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro ( § lº ).

Art. l2. Considera-se justa a indenização que permita ao desapropriado a reposição, em seu patrimônio, do valor do bem que perdeu por interesse social.

§ lº A identificação do valor do bem a ser indenizado será feita, preferencialmente, com base nos seguintes referenciais técnicos e mercadológicos, entre outros usualmente empregados:

I - valor das benfeitorias úteis e necessárias, descontada a depreciação conforme o estado de conservação;

II - valor da terra nua, observados os seguintes aspecto:

a) localização do imóvel;

b) capacidade potencial da terra;

c) dimensão do imóvel.

§ 2º Os dados referentes ao preço das benfeitorias e do hectare da terra nua a serem indenizadas serão levantados junto às Prefeituras Municipais, órgãos estaduais encarregados de avaliação imobiliária, quando houver, Tabelionatos e Cartórios de Registro de Imóveis, e através de pesquisa de mercado.

A indenização quase sempre será objeto de questionamento, em função de o proprietário entender que o valor arbitrado é inferior àquele que pressuponha valer. Mas é através de uma ampla pesquisa, inclusive mercadológica, que o INCRA deve estabelecer o valor da propriedade. Se houver um arbitramento em valores bem abaixo do mercado, o proprietário pode questioná-lo no andamento da ação desapropriatória. Em casos de valores abusivamente acima do mercado, está-se diante de um crime de corrupção, em face de vantagens pecuniárias dada ao funcionário para obter benefícios, fazendo-se necessária a intervenção do Ministério Público, para apuração de responsabilidades.

Após efetuada a desapropriação, o INCRA terá um prazo máximo de 3 ( três ) anos, contados da data de registro do título translativo de domínio, para destinar a respectiva área aos beneficiários da reforma agrária, admitindo-se, para tanto, formas de exploração individual, condominial, cooperativa, associativa ou mista ( Art. l6 ).

Conforme o disposto no parágrafo terceiro do Art. l84 da Constituição Federal, o Congresso Nacional aprova a Lei complementar nº 76 de 6 de julho de l993, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para as desapropriações de imóveis rurais para fins de reforma agrária. Ao optar pelo rito sumaríssimo, o legislador demonstra preocupação com a celeridade do ato expropriatório.

Art. lº O procedimento judicial da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, obedecerá ao contraditório especial, de rito sumário, previsto nesta Lei Complementar.

O que se quer com esse procedimento contraditório especial é assegurar aos litigantes uma ampla defesa, bem como evitar prejuízos ao expropriado em virtude de uma prolongada demanda judicial.

Como já se viu anteriormente, a competência para a propositura de desapropriação é da União ( no caso o INCRA ), tendo a Lei Complementar nº 76 determinado que seja a ação de desapropriação processada e julgada por juiz federal ( § lº ),precedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária ( Art. 2º ).

Em sendo declarado o interesse social sobre determinado imóvel rural pela publicação do decreto, o expropriante está autorizado a promover a vistoria e avaliação do imóvel, podendo contar inclusive com o auxílio da força policial, mediante prévia autorização do juiz, responsabilizando-se por eventuais perdas e danos que seus agentes vierem a causar, sem prejuízo das sanções penais cabíveis ( Art. 2º, § 2º ).

Após a publicação do decreto declaratório, a ação de desapropriação deverá ser proposta no prazo de dois anos (Art. 3º ), devendo constar na petição inicial a oferta do preço.

Vê-se nesse Artigo 5º que, para ser o imóvel rural declarado de interesse social para fins de reforma agrária, deve passar por um processo de vistoria e avaliação, cujo laudo deve conter uma descrição detalhada, com todas as características do imóvel, o presumível preço, de modo a permitir que o Juiz tenha diante de si as informações necessárias para o despacho da petição inicial.

Em conformidade com o Art. 6º dessa mesma Lei, o Juiz deve despachar a petição inicial, no prazo máximo de 48 ( quarenta e oito ) horas, quando autorizará o depósito judicial correspondente ao preço oferecido ( I ), mandará citar o expropriando para contestar o pedido e indicar assistente técnico, se quiser ( II ) e, por fim, expedirá mandado ordenando a averbação do ajuizamento da ação no registro do imóvel expropriando, para conhecimento de terceiros ( III ).

Após efetuado o depósito do valor do preço oferecido, o autor será imitido na posse do imóvel ( Art. 6º, § lº ). Já a citação do expropriando será feita na pessoa do proprietário do bem, ou de seu representante legal, obedecido o disposto no Art. l2 do Código de Processo Civil ( Art. 7º ).

Dispõe ainda o Art. 9º desta lei que a contestação deve ser oferecida no prazo de l5 ( quinze ) dias e versará matéria de interesse da defesa, mas, em relação ao ato expropriatório, é excluída a apreciação quanto ao interesse social declarado, restando discutir, então, o preço ou a condição de propriedade produtiva. Como a norma constitucional impede a desapropriação da propriedade produtiva ( Art. l85, II C. F. ) e, ainda, o procedimento do INCRA deve ser precedido de uma avaliação rigorosa sobre a propriedade, resta, a princípio, discutir somente o preço.

Mas, a realidade processual das desapropriações de imóvel rural para fins de reforma agrária tem sido outra. Na sua maioria são interpostos recursos por parte dos proprietários, seja através de mandado de segurança ou ação cautelar, questionando a qualificação de "improdutiva" dada ao imóvel pelo INCRA.

Em função desses recursos, os juízes, ao determinarem a realização de nova perícia para o imóvel desapropriado para o confronto dos dados fornecidos pelo INCRA, dão início a uma pendenga judicial que pode se arrastar por um bom par de anos, impedindo, assim, o governo de tomar posse imediata do imóvel e fazer a consequente partilha e distribuição.

Da sentença que fixar o preço, caberá apelação com efeito simplesmente devolutivo, quando interposta pelo expropriado e, quando for pelo expropriante, nos dois efeitos ( Art. l3 ).

O valor da indenização é estabelecido em sentença, devendo ser depositado em dinheiro para as benfeitoria úteis e necessárias e, em Títulos da Dívida Agrária para a terra nua ( Art. l4 ).

No caso de aumento do valor da indenização por reforma de sentença, o expropriante será intimado a depositar a diferença, no prazo de l5 (quinze) dias ( Art. l5 ).

Art. l7. Efetuado o levantamento, ainda que parcial, da indenização ou do depósito judicial, será ratificada a imissão de posse e expedido, em favor do expropriante,no prazo de l0 ( dez ) dias, mandado translativo do domínio, para registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, sob a forma e para os efeitos da Lei de Registros Públicos.

Não poderão ser objeto de ação reivindicatória aqueles imóveis rurais desapropriados, uma vez registrados em nome do expropriante ( Art. 2l )

Todas as ações ora em curso no País seguem o disposto nessa Lei, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil ( Arts. 22 e 23 ).

Quanto à Lei Complementar Nº 76, pode-se dizer até certo ponto que os fatos sociais ocorridos no período subseqüente à sua promulgação, mais precisamente no ano de 95 em diante, coincidente com o início do governo Fernando Henrique, geraram contestações quanto à sua eficiência em relação à celeridade das desapropriações de imóveis rurais para fins de reforma agrária.

Criada para estabelecer o rito sumário, na prática o que se vê é o contrário, tendo em vista que os proprietários expropriados, ao fazerem uso de expedientes recursais, seja mandado de segurança ou de liminares, conseguem retardar consideravelmente a ocupação das áreas desapropriadas, inclusive, impedindo judicialmente a imissão de posse por parte do Estado.

Nesse sentido, as críticas à atual legislação vêm de todos os lados, seja de parte dos trabalhadores inconformados com a lentidão do processo, seja da parte dos proprietários que alegam o direito de contestarem o ato expropriatório, ou, ainda, das próprias autoridades encarregadas de executarem a reforma agrária, alegando não disporem de instrumentos mais eficazes para tocá-la adiante, e em especial, acusam a lentidão do judiciário em dar solução aos casos contestados judicialmente.

Corroborando tal tese, o atual governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei visando estabelecer um outro rito sumário de desapropriação para fins de reforma agrária, por entender que a atual legislação não é eficaz para imprimir a celeridade necessária e desejável para o ato expropriatório.

Tanto é assim que, em 23 de dezembro de 1996, é promulgada a Lei Complementar nº 88, que vem de alterar a redação dos arts. 5º, 6º, 10 e 17 da Lei Complementar nº 76.

No art. 5º, na petição inicial deverá constar também o comprovante do lançamento dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento de terra nua ( V ), bem como o comprovante do depósito em banco oficial, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e necessárias.

Já as modificações maiores foram dadas ao art. 6º, como se pode ver a seguir:

Art. 6º...................

I - mandará imitir o autor na posse do imóvel;

II - determinará a citação do expropriando para contestar o pedido e indicar assistente técnico, se quiser.

................................

No curso da ação poderá o Juiz designar, com o objetivo de fixar a prévia e justa indenização, audiência de conciliação, que será realizada nos dez primeiros dias a contar da citação, e na qual deverão estar presentes o autor, o réu e o Ministério Público. As partes ou seus representantes legais serão intimadas via postal.

Aberta a audiência, o Juiz ouvirá as partes e o Ministério Público, propondo a conciliação.

Se houver acordo, lavrar-se-á o respectivo termo, que será assinado pelas partes e pelo Ministério Público, propondo a conciliação.

Integralizado o valor acordado, nos dez dias úteis subseqüentes ao pactuado, o Juiz expedirá mandado ao registro imobiliário, determinando a matrícula do bem expropriado em nome do expropriante

A audiência de conciliação não suspende o curso da ação.

Aqui se observa a intenção do legislador em determinar a imediata imissão de posse ( I ), bem como de propor uma audiência de conciliação ( 3º ) para facilitar o andamento do ato expropriatório através de um entendimento entre as partes pela via do acordo.

Já o Art. 10, é acrescido de um parágrafo único, na qual havendo acordo, o valor que vier a ser acrescido ao depósito inicial por força de laudo pericial acolhido eplo Juiz será depositado em espécie para as benfeitorias, juntado aos autos o comprovante de lançamento de Títulos da Dívida Agrária para terra nua, como integralização dos valores ofertados.

Art. l7 Efetuado ou não o leva ntamento, ainda que parcial, da indenização ou do depósito judicial, será expedido em favor do expropriante, no prazo de quarenta e oito horas, mandado translativo do domínio para o Cartório do Registro de Imóveis competente, sob a forma e para os efeitos da Lei de Registros Públicos.

Parágrafo único. O registro da propriedade nos cartórios competentes far-se-á no prazo improrrogável de três dias, contado da data da apresentação do mandado.

Nesse artigo 17 se diminui o prazo de emissão do mandado translativo de domínio para o Cartório do Registro de Imóveis, de 10 (dez ) dias para quarenta e oito horas, ao mesmo tempo em que o registro far-se-á no prazo improrrogável de três dias.

Com essas modificações, acredita o poder público que os processos desapropriatórios terão maior rapidez, de modo a facilitar o andamento da reforma agrária.

Por outro lado, poder-se-ia pensar todo o processo desapropriatório a partir dos interesses dos Estados e Municípios. É uma alternativa que começa a surgir no horizonte, em função das dificuldades que têm o poder central de conhecer a realidade de cada estado, ou ainda, dos municípios. Através de emenda constitucional, seria delegado poderes para que o próprio Estado realize a reforma agrária, ao mesmo tempo em que as Justiças estaduais também receberiam a competência para avaliarem o devido processo nos casos que assim o exigirem.

As dúvidas a essa alternativa seriam quanto à questão dos recursos, como poderiam estar à disposição dos Estados, se seriam alocados pelo Governo Federal ou se seriam originários da cobrança do próprio Imposto Territorial Rural que, em vez de ser um imposto federal, passaria a ser estadual, compondo então o fundo necessário para que os Estados desencadeassem a reforma agrária a partir dos interesses de cada unidade federada.

Para alguns, outro modo de se executar a reforma agrária no Brasil poderia ser pela via fiscal, a partir de uma taxação pesada sobre a propriedade improdutiva, aumentando consideravelmente a alíquota incidente do Imposto Territorial Rural, de modo a tornar inviável a sua manutenção para fins meramente especulativos.

Taxando pesadamente a propriedade improdutiva, o governo poderia em pouco tempo reverter o quadro vigente. O Imposto Territorial Rural ( ITR ) é atualmente, contrariando a própria Constituição, um instrumento tributário mal utilizado. Não pune o latifúndio; não estimula a produtividade no campo; sua aplicação tem encontrado empecilhos de todos os lados, numa situação em que o discurso demagógico se confronta com a insensibilidade social.

A tributação progessiva da propriedade improdutiva é prevista pela própria Constituição ( Art. 153, § 4º ), de forma a desestimular a se ter terras como reserva de valor. A partir de uma taxação elevada, tornar-se-ia impossível ao proprietário mantê-las sem as utilizar, obrigando-o, ou a torná-las produtivas, ou a vendê-las, o que levaria forçosamente a um barateamento do preço da terra, facilitando a sua compra.

Caminhando na direção dessa alternativa, foi promulgada a Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, o qual vem dispor sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural ( ITR ). As mudanças introduzidas pelo legislador visam taxar com alíquotas bem expressivas as grandes propriedades consideradas improdutivas. Tanto é assim que, uma propriedade que tenha acima de 5000 ( cinco mil ) hectares, cujo grau de utilização ( GU ) seja na ordem de 30%, a alíquota será de 20% aplicado aobre o Valor da Terra Nua Tributável ( VTN ) conforme p previsto no art. 11 da referida Lei. Isso significa que uma propriedade nessas condições, obrigaria o proprietário a pagar o seu valor total em cinco anos, obrigando-o, ao menos teóricamente, ou torná-la produtiva ou vende-la a outrem que quiser explorá-la.

Tal modo de se pensar, apesar de ser correto quanto ao aumento de taxação, não significa que os trabalhadores rurais sem terra possam adquiri-las, pois forçosamente teriam que ter aporte de capitais para fazê-lo, o que não é o caso. Difícilmente se pode dizer que, por essa via, é possível realizar a reforma agrária, mas pelo menos é mais um dispositivo legal a disposição dos governos, desde que queiram efetivamente colocá-lo em prática.

Após a desapropriação, será feita a distribuição das glebas, conforme preceitua o Art. l89 da C. F.:

Art. l89. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.

Parágrafo Único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei.

Aqui o legislador tenta evitar um problema levantado pelos contrários à reforma agrária. Estes alegam que a inexistência de uma política agrícola consistente por parte do governo federal dificulta em muito a possibilidade de o agricultor assentado produzir suficientemente para garantir o sustento de sua família, com o que, em pouco tempo, se vê obrigado a vender sua gleba, voltando, então, à sua condição anterior, novamente participando do grande contingente de trabalhadores rurais sem terra. Ao instituir um prazo mínimo de dez anos, tenta-se evitar a repetição desse problema.

Outro ponto importante é a concessão do título de domínio tanto para o homem como para a mulher, o que significa, antes de mais nada, proteção à família camponesa, sendo irrelevante quem esteja a sua frente.

A Lei nº 8.629 é a que determina como se fará a distribuição das novas glebas de terra e quem serão os beneficiários.

Art. l9. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente de estado civil, observada a seguinte ordem preferencial:

I - ao desapropriado, ficando-lhe assegurada a preferência para a parcela na qual se situe a sede do imóvel;

II - aos que trabalham no imóvel desapropriado como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários;

III- aos que trabalham como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários, em outros imóveis;

IV - aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da propriedade familiar;

V - aos agricultores cujas propriedades sejam, comprovadamente, insuficientes para o sustento próprio e o de sua família.

Parágrafo único. Na ordem da preferência de que trata este artigo, terão prioridade os chefes de família numerosa, cujos membros se proponham a exercer a atividade agrícola na área a ser distribuída.

Observa-se que, na ordem preferencial para distribuição dos imóveis, há uma escala que começa priorizando aquele que é o detentor original, a qual lhe caberá uma gleba, desde que não possua outra, ficando-lhe assegurada a sede do imóvel. Depois os beneficiários são aqueles que já trabalham no imóvel desapropriado e, só então, atingirá os posseiros, os assalariados, parceiros e arrendatários de outros imóveis, que, a princípio, devam estar localizados na região.

Por fim, e só em não tendo mais a quem distribuir, serão beneficiados os proprietários de pequenas frações de terra, cuja dimensão é mínima, não atingindo nem a condição de propriedade familiar.

Agora, é ilusório supor que na realidade das desapropriações levadas a efeito pelo governo é essa a ordem obedecida na distribuição dos imóveis. Deve-se levar em conta que o contingente de trabalhadores rurais sem terra é muito grande, beirando a l2 milhões de famílias, dispersos em várias regiões do País, participando em movimentos organizados, cujas ações políticas pressionam constantemente o governo, obrigando-o a fazer constantes desapropriações na tentativa de desafogar a pressão mais contundente do movimento. A regra seguida pelo INCRA tem sido a de organizar listas de assentamento levando em conta os acampamentos montados ao longo das estradas pelo Movimento dos Sem-Terra.

Ou seja, a pressão política leva o governo a atender primeiro aos grupos sociais organizados, os quais são em grande número, e dos mais variados tipos. O Movimento dos Sem-Terra ( como o próprio nome diz, são aqueles que lutam por um pedaço de terra ) juntamente com os do posseiros ( aqueles que têm a terra mas não tem o título legal ) são os que mais se destacam na luta pela reforma agrária. Os últimos governos básicamente têm atuado em duas frentes: na distribuição de títulos para legalizar a posse e nos conflitos oriundos da invasão de terras pelo MST, através de desapropriação para fins de reforma agrária. Dessa forma, a seqüência estabelecida pelo Art. l9 da Lei Nº 8.629, não é seguida ao pé da letra.

Outro ponto importante é o compromisso que tem o beneficiário de título de domínio ou de concessão de uso, de cultivar obrigatoriamente o imóvel direta e pessoalmente, ou através de seu núcleo familiar, mesmo que seja através de cooperativas ( Art. 21 ). Aqui reside um dos problemas mais delicados na política agrária. Muitos dos assentados, ao receberem seus lotes para se instalarem e produzirem, não conseguem levar adiante o sonho de se tornarem produtores independentes. Dessa forma, abandonam a terra e colocam à venda os seus lotes. É justamente a desistência e o abandono que geram as críticas mais contundentes à política de reforma agrária.

No levantamento feito pelo consultor Internacional da FAO, Carlos Enrique Guanziroli, relatado no Relatório FAO sobre os indicadores sócio-econômicos dos assentamentos realizados no período l985-l990, essa questão foi examinada e foi constatado, no cômputo geral, que o percentual médio de desistência dos beneficiários foi de aproximadamente 22%. Esse percentual é fruto de desistências ocorridas na região Norte, em especial no estado do Pará, onde estimou-se a ocorrência de até 40%. Elas se deram em função de vários problemas, dentre eles a questão do meio ambiente e do desmatamento ( com o declínio da fertilidade da terra, ele vende seu lote para fazendeiros pecuaristas ou ele mesmo torna-se pecuarista ); outra questão é o extremo isolamento, o que dificulta a comercialização dos produtos, levando ao empobrecimento do agricultor; por fim, a própria tradição migratória, que é extremamente acentuada nesta região do País.

Segundo o autor desse relatório, o percentual em torno de 20% de desistências não pode ser considerado muito alto e nem atenta contra o programa de reforma agrária. Ao mesmo tempo, afirma que não tem acontecido a reconcentração de terra, pois as vendas dos lotes têm acontecido entre os próprios parceleiros, portanto, não há uma volta à situação anterior à desapropriação, pois a venda para latifundiários não tem sido significativo.

Conclui Guanziroli:

"Em suma, pode-se afirmar que nos assentamentos visitados, apesar de suas inúmeras carências, um número considerável dos beneficiários originais, tem preferido ficar na terra a migrar para as cidades, provavelmente devido à baixa absorção de força de trabalho que se verifica atualmente, ou a migrar para outras regiões onde não teriam acesso à terra."

Repensando toda a problemática colocada em tela, podemos concluir que a história do movimento pela reforma agrária confunde-se com a própria história da humanidade. Na era moderna houve a eclosão reformista em muitos recantos do mundo. Evidentemente, voltada para modificações na estrutura fundiária, isto é, a existência de uma estrutura onde uma minoria é detentora da maior parte das terras disponíveis para a produção, enquanto que a grande massa de trabalhadores rurais detém uma parcela mínima, impele o poder público a intervir para que se corrija essa distorção, visando alcançar uma situação de justiça social no campo. Para tal, o instrumento de que se lança mão é o da reforma agrária, um instituto histórico, que acompanha a humanidade desde os primórdios da civilização. Pode-se até dizer que, onde existiram sociedades agrárias, sempre existiram conflitos em torno do uso e da posse da terra. O que significa dizer que, desde a antiguidade, passando pelo Império Romano, a Europa Feudal até chegarmos aos tempos modernos, a solução de conflitos sempre passou pela modificação da estrutura fundiária, surgindo, então, o instituto da reforma agrária.

Na América Latina não foi diferente. Desde o período da colonização, as elites locais caracterizaram-se por serem detentoras de grandes extensões de terras. Pouca terra sobrou para o pobre colono agricultor. Isso gerou uma situação de conflito permanente entre uma grande massa de pequenos agricultores e os "barões" da terra.

Essa é uma situação que perdurou por largo período em vários países da América Latina.. No México, em Cuba, na Nicarágua, no Peru, na Venezuela, na Bolívia, como em muitos outros lugares desse imenso continente, a "questão agrária" se fez presente no desenrolar da história de seus povos, de modo nem sempre pacífico.

As expressões "reforma agrária", "revolução", "direito à terra", "transformação da sociedade", "democratizar a sociedade", foram forjadas no braseiro das lutas pela conquista da terra e transformadas em bandeiras de luta.

A bibliografia sobre a questão agrária começa a aparecer de forma consistente, tanto no Brasil como nos outros países da América Latina, concomitantemente com os processos reformistas colocados na prática por movimentos vitoriosos. Esses movimentos, além de transformarem as estruturas agrárias vigentes, colocaram em xeque as velhas estruturas oligárquicas em vigor.

No Brasil, a disputa pela terra é acompanhada desde a colonização, mas, contemporaneamente, é a partir da década de 30 que ela passa a receber um tratamento mais sistematizado teoricamente, passando a receber foros de institucionalização através de sua inserção em documentos legais.

Os movimentos pela terra explodem na década de 50, alcançando seu maior pique na de 60, levando as autoridades públicas a dar à reforma agrária um tratamento jurídico específico, o que vai acontecer com a promulgação pelo governo militar do Estatuto da Terra em l964.

Este instrumento legal normatizava as relações concernentes ao uso e posse da terra, ao mesmo tempo em que definia o que é "reforma agrária", dispunha como ela seria possível, ao nomear que tipo de propriedades seriam passíveis de desapropriação para esse fim.

Mesmo tendo à mão esse diploma legal, sabe-se que a autoridades públicas não se dispuseram a colocar em prática a reforma agrária, trilhando outros caminhos, mais convenientes aos interesses das elites dominantes.

Após a redemocratização do país, elabora-se uma nova Carta Magna em l988, por um Congresso Constituinte eleito. O instituto da reforma agrária recebe uma atenção especial do constituinte, sendo incluído no Título VII, da Ordem Econômica e Social, integrando o Capítulo III, que trata Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária.

Os movimentos reivindicatórios pelo direto à terra estão novamente colocando na pauta governamental a reforma agrária. Apesar de ser um princípio constitucional, as divergências sobre seu entendimento continuam a existir. Maior ainda é a controvérsia de como colocá-la em prática. Novamente alega-se obstáculos legais para a sua efetivação prática. Com isso, posterga-se mais uma vez a sua realização, frustando o desejo histórico de uma parcela considerável da população brasileira.

É como se estivéssemos andando em círculos, retornando sempre ao mesmo ponto. Parafraseando uma popular propaganda de uma caderneta de poupança: o tempo passa... o tempo voa... e a reforma agrária sempre vem à tona!

Ademais, apesar de a estrutura fundiária brasileira, com suas graves distorções de distribuição, apresentar pré-condições para o enfrentamento da reforma agrária, não significa, necessariamente, que isto vai acontecer.

No dizer de José Eli da Veiga, é uma condição necessária, mas não suficiente.

"Encontramo-nos, portanto, numa situação semelhante à que engendrou todas as reformas agrárias de que se tem notícia. Mas não se deve concluir daí que ela esteja prestes a se impor como única solução do problema agrário nacional. Não é uma fatalidade do desenvolvimento capitalista a adequação das estruturas agrárias através da distribuição de terras desapropriadas por estarem improdutivas. Ele oferece aos latifúndios a alternativa de se transformarem em modernas empresas agrícolas ou pecuárias."

Em outras palavras, é necessário mudar a orientação das políticas públicas para o meio rural. Em vez de privilegiarem somente a um estrato, no caso os grandes proprietários, deve-se pensar numa reestruturação de toda a malha fundiária, de forma que a grande massa de trabalhadores rurais consiga realizar seu sonho, o de ter a sua própria terra.

"A necessidade primeira do ser humano é a alimentação. A ação administrativa de qualquer governo racional deveria dar prioridade número um à garantia de alimentação suficiente e adequada a todos os habitantes do país. Considerando a situação dos brasileiros neste aspecto, a primeira tarefa de uma política agrícola seria aumentar e coordenar a produção de alimentos para que a população brasileira possa comer melhor. No entretanto, não é isso que tem ocorrido."

( Argemiro Jacob Brum, in Modernização da Agricultura: trigo e soja. )

Aluno da Escola Superior da Magistratura – Campina Grande

RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS:

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BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2º volume. São Paulo, Saraiva, 1989.

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retirado de: http://www.datavenia.inf.br/artigos/desapropriacao.html