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MOVIMENTO DE DIREITO ALTERNATIVO: CONSTRUÇÃO DE UMA UTOPIA NO
INTERIOR DE MATO GROSSO
 

Armando do Lago Albuquerque Filho e
Antonio Armando Ulian do Lago Albuquerque

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
 

A Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) é fruto de nossa época, nasce
em meio a crise de paradigmas pela qual a ciência jurídica vem atravessando nos últimos anos. A
Faculdade de Direito da UNEMAT surge nesse turbilhão de transformações societais em que o
neo-liberalismo parece ser a bola da vez para a economia globalizada, embora as últimas eleições
no continente europeu provam o contrário, apontando a social-democracia como germe de uma
nova transformação societal, quiçá mais voltada para a manutenção das garantias sociais da
classe trabalhadora.

Assim, eis que a Instituição não poderia, como não o faz, se imiscuir dessa discussão
contemporânea, pois mais do que nunca necessitamos de soluções inovadoras para problemas
bastante arcaicos.

Consoante o ex-reitor prof. Carlos Alberto Reyes Maldonado,

“Somos fruto de todo o processo de edificação de
esperanças pelo qual passou a sociedade brasileira nos
últimos quinze anos. Acreditamos nas possibilidades mais
ingênuas, defendemos com o ardor dos amadores as teses que
o tempo tratou de profligar, sustentamos até o limite do
possível a vontade de fazer o novo, na busca do melhor e do
certo” .
O Ensino Jurídico fora criado pelos Estatutos de Visconde de Cachoeira nos idos de
1825, e em 11 de agosto de 1827 eram fundadas as primeiras Escolas de Direito do Brasil,
respectivamente em São Paulo e Olinda. A necessidade imperiosa da Corte Lusa em ter uma
burocracia cada vez mais qualificada para atender aos seus interesses fazia-se premente, o curso
de Direito atendeu a essa necessidade. Pretendia-se formar bacharéis hábeis para as atividades
estatais, assim como, magistrados, dignos políticos e em último plano advogados. Confirma-se o
exposto pela leitura do disposto nos Estatutos:
(...) “formar homens hábeis para serem um dia
sábios magistrados e peritos advogados de que tanto se
carece; e outros que possam ser dignos deputados e
senadores e aptos a ocuparem os lugares diplomáticos e mais
empregos do Estado” .
Faz-se necessário um ensino jurídico que se desvincule do seu objetivo inicial de
criação, ou seja, um ensino voltado não para a ocupação de cargos políticos e administrativos,
mas, antes de tudo, um ensino crítico formador de profissionais atuantes no meio social,
operadores jurídicos em total consonância com os anseios populares. Consoante Amilton Bueno
de Carvalho um ensino formador de “juristas orgânicos” .
Sérgio Adorno entende que os cursos jurídicos no Brasil tinham como objetivo
“formar uma elite coesa, disciplinada, devota às
razões do Estado, que se pusesse à frente dos negócios
públicos e pudesse, pouco a pouco, substituir a tradicional
burocracia herdada da administração Joanina” .
O Movimento de Direito Alternativo teve seu impulso oficial na Universidade do
Estado de Mato Grosso/Faculdade de Direito desde o seu nascituro em março de 1994, quando na
cadeira de Filosofia Geral, o prof. Hélcio Corrêa Gomes, advogado militante-Cuiabá/MT
indicava, a até então única turma de Direito, a leitura da Revista organizada pelo prof. José
Geraldo Souza Junior: O Direito Achado na Rua.

Hodiernamente, alguns juristas conservadores em algumas regiões do Estado de Mato
Grosso negam-se à compreender o verdadeiro significado do Direito Alternativo ou Movimento
de Direito Alternativo, mas sabemos que o tempo amadurece e alarga os horizontes, se hoje há
pedras pelo caminho, amanhã rosas florescerão e delas o odor exalado ao vento conquistará os
horizontes daqueles que ainda ousarem serem meros espectadores da História do Direito.

1. Direito Alternativo: Alguns Conceitos Essenciais na Formação dos Estudantes de Direito

Faz-se premente a fixação de algumas noções basilares a respeito do Movimento de
Direito Alternativo posto que:
1) é discordante a teoria acerca da conceituação do “Direito Alternativo”;
2) há forte deturpação, consciente ou inconsciente, ou até mesmo por ignorância, do
seu verdadeiro sentido.

Diz o prof. Amilton Bueno de Carvalho, embora a citação seja longa é de uma clareza
insuperável, vejamos:

“O movimento caracteriza-se pela busca
(desesperada e urgente) de um instrumental prático-teórico
destinado a profissionais que ambicionam colocar seu
saber/atuação na perspectiva de uma sociedade radicalmente
democrática. Uma atividade jurídica comprometida com a
utópica vida digna para todos, com abertura de espaços
democráticos visando a emancipação popular, tornando o
Direito em instrumento de defesa/libertação contra qualquer
tipo de dominação, ou seja, o direito enquanto concretização
da liberdade.”
Mas qualquer movimento seja político, social, econômico ou jurídico, geram seus
efeitos. Resta-nos perguntar, para onde aponta esse Movimento? Para a democratização ou é
mantenedor do status quo?

Num primeiro momento, 1990, o Movimento vislumbrava que o novo que surgia,
estava em que o operador começava a aterrissar o saber consagrado teórico, procurava trazer à
prática forense o pensamento crítico, ao mostrar o desgaste do pensamento vigente, apontando,
portanto, soluções inovadoras.

Os ensinamentos da corrente psicanalística, da sociologia jurídica, da filosofia
jurídica, começavam a chegar aos litígios, politizando-os, transfigurando-os para mais além da
atuação técnica embasada em silogismos. Porém, hodiernamente, há algo mais que apenas isso.
Atualmente, o teórico desce do pedestal de detentor do saber consagrado e preocupa-
se com a técnica. Ou seja, a crítica procura dar respostas a partir da própria técnica. “É o técnico
buscando socorro na crítica e a crítica procurando dar respostas através da técnica.”

É nesta relação, quase que simbiótica, que o novo transformador poderá chegar ao
jurídico. Aí sim, vislumbra-se a possibilidade da criação de uma “teoria realmente latino-
americana, que responda às nossas contradições e angústias, comprometida com esta sociedade
periférica.”

No Estado de Mato Grosso, quase não se percebia a discussão a respeito do
Movimento. Há alguns críticos nas Universidades do Estado, mas que não ampliam as suas
discussões para polemizá-las no meio acadêmico e popular. Ou seja, não democratizam as críticas
ao Movimento seja por quais meios forem, a fim de gerar uma grande discussão entre os dois
lados. Mas por qual razão?

Talvez, a nível de Brasil, dá-se mais importância ao Movimento de Direito
Alternativo do que ele realmente tenha. Para uns, ele destruirá o saber jurídico e as instituições,
para outros, representa o Cristo Salvador. Nem um nem outro, a alternatividade é apenas uma
corrente a mais no campo de atuação do jurídico.

Ocorre que alguns artigos publicados, causaram mal-estar para muitos juristas e
grupos dominantes, porque possibilitaram, a nível público, a demonstração de que os juristas,
digam ou não, tomam posição de classe, são parciais e não há a neutralidade a qual o Direito se
curva.

Ao atuar, todos comprometemo-nos com determinada utopia, ao contrário do que
sempre se ensinou, ou seja, que o jurista está acima dos conflitos dos ditos seres humanos.
Parece e comprova-se pelo tempo passado que quanto mais o movimento é agredido,
mais se fortalece e ganha adeptos conscientes de seu papel socializante no contexto social a qual
estão inseridos. A palavra de ordem para nós alternativistas parece ser só uma: criar com todos os
riscos que a criação encerra.

Alguns dos pressupostos dos alternativistas, transcreveremos dos ensinamentos do
prof. Amilton, são os seguintes:

“manifestação de luta de classes e serve ao processo de
emancipação da classe trabalhadora; nega a apoliticidade,
imparcialidade e independência dos juízes; o interprete deve
sacar das normas critérios de valoração progressista; utiliza
de incoerências, lacunas e contradições do direito em favor
dos menos favorecidos; busca no limite do possível o direito e
os juristas ao lado dos que não possuem poder; o direito,
embora seja vontade da classe dominante, às vezes é justiça
ante sua ambivalência, quando resume conquistas políticas e
éticas ou expressa exigências sociais democráticas; o direito
é terreno válido à luta de classes e não território abandonado
à dominação; não se cuida de fazer revolução através do
direito, mas de desenvolver interpretação jurídico-
progressista, restituindo aos trabalhadores a capacidade
criadora da história; é proposta de caráter prático-teórica de
utilizar e consolidar o direito em uma direção emancipadora,
privilegiando interesses e práticas dos dominados; tomada de
consciência da função política do direito, sua
interdependência com as relações sócio-econômicas e sua
idoneidade como fator de mudança social; utiliza e consolida
o direito diversamente do usual predominante; busca
ampliação dos espaços democráticos do ordenamento
jurídico” .
Enfim, o alternativista rompe com o saber consagrado positivista-legalista. Não tem o
direito como neutro, mas como expressão da vontade de determinada classe, dessa forma,
também expressa conquistas populares. O alternativista abandona qualquer atitude vinculada ao
dogmatismo e não à dogmática, pois repudia as verdades ditas “definitivas”, que muitas vezes
estão consubstanciadas nos Códigos Comentados, que não possibilitam a interpretação do mundo
jurídico contextualizada com a experiência de vida que o leitor do Código tenha tido.
Consoante o prof. João Baptista Herkenhoff:
“A nosso ver só é direito justo, o Direito das
maiorias, aquele que beneficia quem produz, o Direito dos
que hoje são os oprimidos.”
Os juristas clássicos entendem o Direito como expressão estatal, assim sendo, ele não
existiu antes da emergência do Estado. Tendo em vista que o Estado é fruto da “evolução” do
mundo, o Direito tende sempre a progredir, a aperfeiçoar-se. Esta é uma visão de mundo tanto
quanto a-histórica, colonialista e preconceituosa e que, a todo instante é transmitida aos
estudantes, pasmem, também é o ideal da maioria dos operadores jurídicos, tanto os renomados
quanto os desconhecidos do nosso país.

A-histórica, pois não considera a possibilidade do direito surgir em sociedades sem a
presença onipotente do Estado, sendo fruto, portanto das lutas e culturas emergentes dessa
sociedades. Desconsiderando as regras sociais elaboradas, implementadas e sancionadas pelo
conjunto na sociedade organizada. Colonialista porque considera o tempo presente, o agora,
como sendo sempre o ponto central da história, desprezando as fases pretéritas. Preconceituosa,
pois não se permite as diferenças e o surgimento do novo.

Destarte, as normas indígenas não são direito, mas costumes. Do mesmo modo,
aqueles que pensam o Estado como transitório e perverso são rotulados de comunistas,
anarquistas ou utópicos.

Amilton Bueno de Carvalho parafraseando Eduardo Galeano demonstra-nos para que
serve a utopia:

“Caminhamos dez passos atrás dela e ela se
afasta dez passos, caminhamos trezentos metros atrás dela e
ela se afasta trezentos metros, mas, então, para que serve?
Para isso, para continuarmos a caminhar atrás da civilização
e humanização.”
Muitos juristas consideram como única fonte do Direito o Estado. Na crua visão
Monista Estatal, não há lugar para a pluralidade jurídica, para os conflitos sociais, para as
marginalizações. Para eles de nada adianta que se escancare o concreto, evidenciando a diferença
ao mundo estagnado e abstrato ao qual são arraigados. De nada adiante a pesquisa de campo, pois
isto é coisa de “advogado de pobre” ou “advogado sociologizado”. Não compreendem que o
mundo não é aquilo que concebemos, mas aquilo que podemos observar e descobrir.

A utilização da denominação “Direito Alternativo” decorre do fato do juiz gaúcho
Amilton Bueno de Carvalho ministrar na Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul,
cadeira assim denominada. Mas essa expressão deve-se mais à imprensa, quando da divulgação
de um trabalho em conjunto elaborado por cinqüenta juízes gaúchos, o que ocasionou polêmica e
deturpações da imprensa destinadas a “queimar” o movimento. Assim também entende o prof.
Dr. Lédio Rosa de Andrade .

O Direito Alternativo comporta duas frentes de luta, diversas, porém complementares
entre si. A primeira é a luta desenvolvida a nível do direito instituído, a segunda é a luta
desenvolvida a nível do instituinte (direito insurgente). Ambas frentes formam o Direito
Alternativo Lato Senso , denominação do fenômeno como um todo. Este engloba o positivismo
de combate, o uso alternativo do Direito e o direito alternativo strito senso.

A “positivação combatida” é uma espécie de “guerrilha” a fim de que as leis
beneficiadoras da maioria populacional tenham realmente sua efetividade. Consoante Horácio
Wanderlei Rodrigues o positivismo de combate, ou como quer o prof. Amilton, a “positivação
combatida”:

“visa dar eficácia concreta aos direitos
individuais e sociais já inscritos nos textos legais e que não
vem sendo aplicados em favor das classes populares. ”
Devemos preocupar-nos com a situação com que se encontra o povo, não nos
afastando do social. Normas boas são aquelas que efetivam os princípios gerais de direito, onde
se assentam as conquistas populares.

O “uso alternativo do direito” ou como quer o prof. Edmundo “Uso do Direito”
(origem na Itália, fins de 60) é uma ação interna ao direito positivo, buscando a interpretação
extensiva da norma, de forma a propiciar uma maior aproximação com a democracia e com os
interesses das classes e grupos menos privilegiados pelo contexto social. Nesse nível as lutas são
travadas no âmbito da hermenêutica. Ou seja, a partir do que está instituído busca-se na
normatização existente, através de uma interpretação adequada e ampliada, a abertura de espaços
que leve os avanços legais existentes à maioria populacional deste país.

O Direito Alternativo strito senso é o reconhecimento de que não é só o Estado que
cria o Direito, mas o caminhar da sociedade, caminhar histórico desse direito insurgente, paralelo,
achado na rua, emergente.

Nesse ponto não há consenso entre os Alternativistas, uns acreditam que o trabalho
do “jurista orgânico” deva se comprometer com o direito instituído, ou seja com o direito posto,
porém esses alternativistas estão muito além de entenderem o ordenamento jurídico centrando-se
na visão Monista São juristas que reconhecem a pluralidade jurídica existente no meio social,
mas discordam que essas normas para-estatais se sobreponham às normas estatais. Como bem diz
o prof. Lédio

“Se o Direito Comunitário deve superar o estatal,
como saber quais as construções legais ou comunitárias
formarão esse novo direito? Quem vai decidir quais as
normas que foram produzidas pela sociedade? Quando
entram em vigor e quando revogam uma outra?
Ao nosso ver há na sociedade ordenamentos internos sobre os quais o Aparelho
Estatal não o reprime, mas também não o reconhece em sua plenitude. Exemplo disso, são as
comunidades indígenas. Pelo Código Civil os integrantes dessas sociedades são considerados
relativamente incapazes, sendo, portanto, tutelados pelo Estado. Ora, negamos a plena cidadania
ao cidadão dos cidadãos!, por uma imposição estatal arcaica, não reconhecedora da
plurietniciedade e diversidade cultural existente no nosso meio, dissonante do apelo das classes
menos favorecidas!

Resta-nos, para melhor ilustrar o caso em tela, narrar um acontecimento transmitido a
nós pela bolsista do Núcleo de Assuntos Indígenas da UNEMAT, Joana Saira de Sousa, sob a
Coordenação do Prof. Msc. Elias Renato da Silva Januário e profs. Luciano da Silva e Renata
Bortoletto. Qual seja: Numa comunidade indígena dos Karajás - Alto Araguaia/MT ocorreu um
homicídio praticado por um índio da aldeia sobre outro índio. A “pena” para esse tipo de “delito”
é o banimento do índio e o ostracismo de sua família, ou seja, o índio jamais poderá retornar à
comunidade a qual de origem pertencia, sua casa e seus pertences são queimados, já a sua família
poderá retornar à aldeia após algum tempo.

Ocorre que após o banimento desse índio, sem qualquer investida por parte da Polícia
Federal em adentrar à comunidade indígena para “aprisioná-lo”, após a permanência do mesmo
durante alguns instantes na cidade próxima à aldeia que o recepcionou, ele fora preso pela Polícia
Civil.

Ambas comunidades, tanto a de origem quanto a que o recepcionou, protestaram
frente à Delegacia pelo desrespeito ao seu próprio rito de puní-lo e tiveram seus direitos
preservados, ou seja, o índio “agressor” foi solto, num claro respeito, ainda que inconsciente o
conscientemente, ou ainda pressionadamente, ao seu próprio “ordenamento” interno.
Pensamos que o caminhar do Direito seja o da democratização radical humanística,
pois nós não somos democráticos, o direito não é democrático. A democracia tem como essência
o reconhecimento do outro com a dignidade necessária ao ser humano, assim não podemos
abortar o movimento marginal popular, seja indígena ou favelados, pois assim procedendo
estaremos abortando a transformação social. O importante é respeitar o outro, temos que redefinir
o direito com o máximo de respeito ao outro.

A verdade que verificamos atualmente é que o direito cada vez mais centraliza a
regra, centraliza o não, a negatividade, onde tudo é proibido. Pensamos que o Direito tem de
atuar no afirmativo, em prol da liberdade, centrando-se cada vez mais nos princípios e não nas
regras. Esperamos e lutamos para que no terceiro milênio o Direito seja mais forte na sua
humanização, na sua radicalização democrática, no seu compromisso para com a sociedade dos
excluídos.

2. Reminiscências Históricas

A história do Movimento de Direito Alternativo na Faculdade de Direito da
UNEMAT em Cáceres/MT, se entrelaça à história acadêmica recente dos seus discentes e
docentes.

Em 1994 surge a Faculdade de Direito no exato momento em que se discutia o
Currículo Mínimo do Curso de Direito, devido a crise do ensino jurídico brasileiro. Instante
ímpar para no seio da 1ª Turma de Direito discutirmos o que esperávamos, o que pretendíamos e
qual o objetivo de estarmos cursando uma Faculdade de Direito. Para quem ela serviria, e a quem
atenderia?

Em 1994 ocorre em Cuiabá na Universidade Federal de Mato Grosso o I Fórum de
Debates da Faculdade de Direito da UFMT, entre os palestrantes encontravam-se os profs.
Edmundo Lima de Arruda Jr. e Horácio Wanderlei Rodrigues que evidenciaram os problemas
referentes ao ensino jurídico no Brasil. Ademais, pudemos ter a primeira compreensão do que se
pretendia com o Movimento de Direito Alternativo até então pouco discutido e divulgado no
Estado de Mato Grosso, salvo a recente constituída Faculdade de Direito/UNEMAT que através
da cadeira de Filosofia Geral mantinha discussões sobre o tema.

Com alguns conhecimentos básicos adquiridos nas cadeiras de Sociologia Geral e
Filosofia Geral e através da leitura dos livros Ensino Jurídico e Sociedade - Fornação, Trabalho
e Ação Social do prof. Edmundo Lima de Arruda Júnior e Ensino Jurídico e Direito Alternativo
do Prof. Horácio Wanderlei Rodrigues, pudemos participar de modo direto nas discussões que
afligiam os estudantes e professores da Faculdade de Direito da UNEMAT. Assim como,
iniciamos a divulgação entre os acadêmicos e professores da existência do Movimento de Direito
Alternativo e seus principais caracteres.

De fato não foi, e não é fácil convencer os operadores do Direito de Cáceres de que o
Movimento de Direito Alternativo não pretendia, como não pretende, ir contra a lei, ou rasgar os
Códigos, ou que os Alternativistas eram e são juristas comprometidos com a maioria
populacional do país. Embora não houvesse o conhecimento a respeito do “Direito Alternativo”
por todos os docentes, alguns docentes insistiam e insistem em mal dizê-lo, e sempre com
infundadas sustentações de que seria contra a lei e todo aquele discurso de jurista desinteressado
para com os anseios da classe popular.

Encontramos sustentáculos em dois professores da Faculdade de Direito que ousaram
discutir, conversar e se inteirar sobre a proposta do Movimento, quais sejam: o atual Chefe de
Departamento prof. Armando do Lago Albuquerque Filho e o atual Diretor da Faculdade de
Direito prof. Levy Silva Alt.

Com a reciprocidade e entusiasmo de ambos professores pelo Movimento, em 1996
criamos em conjunto com o prof. Levy Silva Alt um grupo de estudo sob a denominação de
Direito Social, com a finalidade precípua de estudar as propostas do Direito Alternativo através
de artigos publicados na Revista de Direito Alternativo e na Revista Direito Achado na Rua. A
denominação deve-se à influência da leitura do livro de Bonzan de Morais: A idéia de Direito
Social: O pluralismo Jurídico de Georges Gurvitch.

Lembremos que na mesma época outros alunos reuniam-se com o amigo Amarildo
Borges de Oliveira para investigarem esse mesmo assunto, embora ambos grupos não tivessem
conhecimento recíproco das reuniões esporádicas, na realidade tinham o mesmo objetivo.

3. A adesão de estudantes ao Movimento de Direito Alternativo

O ano de 1997 foi decisivo na formação de uma Faculdade que apontava para a
criticidade do mundo jurídico posto. Dois eventos marcaram o ano, o primeiro em meados de
setembro; a III Semana Jurídica do Departamento de Ciências Jurídicas, com a presença de
grandes juristas do país, entre os quais os alternativistas prof. Edmundo Lima Arruda Jr. e profª.
Katie Argüelo, e o segundo em meados de outubro; menos de um mês da realização do primeiro;
o I Seminário de Assuntos Jurídicos e Sociais, discutindo o Tema Cidadania e Direitos Humanos,
com a maciça presença dos estudantes que com maestria foram conduzidos ao aprendizado pelas
célebres aulas do prof. João Baptista Herkenhoff, símbolo de jurista resistente à Ditadura Militar
e uma das vozes originárias do Movimento de Direito Alternativo.

Estava assim consolidando-se uma tendência futura bastante clara. A Faculdade de
Direito de Cáceres, formaria profissionais hábeis na técnica jurídica sim, mas sobretudo formaria
jovens críticos, extremamente críticos do papel socializante a ser desempenhado por eles no
mundo jurídico hodierno.

No ano que se finda, 1998, a Faculdade de Direito da UNEMAT/Cáceres foi coroada
pelo Instituto de Direito Alternativo/SC e Departamento de Ciências Jurídicas com o III Encontro
Nacional de Direito Civil Alternativo, com a presença de grandes nomes do cenário jurídico
alternativista do país, entre os quais o prof. Sérgio Sérvulo da Cunha, prof. Edmundo Lima
Arruda Jr., prof. Lédio Rosa de Andrade, prof. João Protásio, prof. Ruy Samuel Espíndola, Prof.
Reinaldo Pereira e Silva e Laerte Gshwenter.

Importante salientar que a idéia e coordenação do evento partiu dos formandos da 2ª
Turma de Direito/9º semestre da UNEMAT, com a finalidade precípua de fomentar a discussão
de “Direito Alternativo” no Estado.

Atualmente, é bastante claro o rumo a ser trilhado, quiçá continuado, pela Faculdade
de Direito da UNEMAT, ainda que muitos professores não concordem com o Movimento de
Direito Alternativo e tendem, tendenciosamente, a denegrir o seu propósito, resta perdida essa
finalidade, pois o Movimento partiu dos próprios acadêmicos do curso e há cada dia ganha mais
adeptos e interessados em discutir e produzir sobre o tema.

Entre as muitas pretensões almejadas pela Faculdade de Direito, encontra-se a
principal que é a de se tornar um pólo irradiador do Estado e do país na formação de “juristas
orgânicos”, extremamente críticos em relação ao mundo jurídico-político-social ao qual
pertencemos.

Aos juristas conservadores resta-nos o ditado: “uma cobra que não muda de pele não
é cobra, um homem que não muda de opinião não é um homem.”
 

CONSIDERAÇÕES CONCLUDENTES

O sonho engrandece o homem, nós um dia sonhamos transformar a Faculdade de
Direito da UNEMAT num ponto de referência para o país, seja na sua concepção crítica do
mundo jurídico, assim como na sua acepção técnica jurídica.

Para ser grande é preciso ousar, ainda não somos grande, mas continuamos a ousar,
continuamos a quebrar os princípios jurídicos arcaicos e que legam ao Direito o título de um
curso superior conservador; continuamos a lutar por uma sociedade mais equilibrada, mais
humana, mais fraterna, mais altruísta; continuamos a conquistar mais espaços democráticos,
porém, para que as conquistas progressitas do mundo jurídico se efetivem, é preciso que os
Operadores do Direito estejam em constante crítica do mundo ao qual pertencem e ao qual
pretendem pertencer, é necessário que se abram para o novo; que esqueçam a concepção
exegética-legalista que o ensino jurídico os legou.

A expectativa para os próximos meses na Faculdade de Direito é a criação de uma
extensão do Instituto de Direito Alternativo de Florianópolis (UFSC) em Cáceres/MT, louvável a
pronta colaboração e atenção do prof. Edmundo Lima de Arruda Júnior, intelectual orgânico
comprometido com a sociedade e com a Ciência Jurídica. Pretende-se ainda criar uma disciplina
eletiva oferecida a todos os acadêmicos de Direito sob a denominação de “Direito Alternativo”.
Pensamos o Movimento de Direito Alternativo como uma corrente jurídica crítica que
se propõe a estabelecer novos paradigmas para a Ciência Jurídica, pois aquele Direito que
acredita no individualismo do ser humano, na neutralidade, na imparcialidade, na justiça do “belo
e do justo”, que acredita mais nas teorias alienígenas, aquele Direito que não reconhece o
caminhar próprio da sociedade brasileira está fadado ao esfacelamento.

Manoel Bomfim talvez o primeiro grande intelectual orgânico brasileiro que se
propôs a criticar ferrenhamente as elites brasileiras. Quando publicou em 1905 a América Latina:
Males de Origem, ele estava muito a frente de seu tempo, enquanto Euclides da Cunha e Sílvio
Romero empolgavam com suas doutrinas racistas para a época, ele culpava as elites e não o povo
pelo atraso dos países latino-americanos, via na instrução popular o caminho para o
desenvolvimento e a verdadeira educação nacional. Assim dizia:

“Dir-se-ia que tais homens são incapazes de
acompanhar os fenômenos sociais até a sua origem, e por isto
pretendem colher os frutos, sem preparar a sementeira;
constroem à chinesa: fazem doutores, para boiar sobre uma
onda de analfabetos. Sem a instrução da massa popular, sem
o seu realçamento, não é só riqueza que nos faltará, é a
própria qualidade de gentes. Pouco importa o que está
inscrito nas constituições, que as camadas políticas vão
depositando nos armários oficiais. Como estamos, não somos,
nem nações, nem Repúblicas, nem democracias” .
O mais incrível é que o meio acadêmico não conhece Manoel Bomfim, não se fala
sobre sua obra, se a comentam, deturpam seu verdadeiro sentido, ele foi o primeiro a defender
uma concepção de mundo a partir de sua própria história, de seu próprio contexto social,
analisando a sociedade a qual estava inserido, enquanto outros intelectuais tinham a visão do seu
próprio país prejudicada pelas teorias alienígenas.

O Movimento de Direito Alternativo tem suas peculiaridades voltadas para o nosso
país, preocupa-se com os problemas que aflige a maioria populacional deste país, assume o lado
da maioria excluída, não compactua com a classe dominante, mas acima de tudo o Movimento
mantém viva a chama da utopia para que possamos caminhar sempre na busca de uma sociedade
radicalmente democrática.

“Se chega o momento da indispensável revolução,
para que esta seja eficaz, deve fazer-se a substituição integral
das fórmulas diretoras e do respectivo pessoal. Se queremos
saber o que vale efetivamente a atualidade de uma nação,
basta-nos aferir o valor dos seus dirigentes. Aí está a história
mostrando-nos que, em todos os tempos, as grandes crises
políticas são deficiências dos governantes, assim como as
verdadeiras crises são retardamentos e anquiloses das
classes dominantes, emperradas, degradadas, mentecaptas, já
incapazes de realizar, e, até, de compreender as novas formas
de vida, com as concomitantes necessidades” .
 
 
 
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