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O Direito como ciência
ROY REIS FRIEDE (*)
Magistrado Federal – RJ

 

Não obstante a tese segundo a qual o Direito se constitui em efetivo ramo científico ter sido negligenciada no passado por expressiva parcela de estudiosos, na atualidade contemporânea é praticamente unânime (senão, pelo menos, amplamente majoritária) a posição doutrinária que entende o Direito como autêntica e genuína ciência autônoma.(1,2)

Ainda que se possa discutir se o Direito constitui-se na própria ciência efetiva ou, ao contrário, é apenas o objeto de uma ciência (a chamada ciência do direito) (3), a verdade é que poucos são os autores que ousam desafiar a visão dominante do Direito como ciência e suas principais conseqüências,(4) especialmente após o advento da notável obra de Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, em que o autor logrou demonstrar, como mentor do positivismo jurídico moderno, a pureza jurídica do Direito em seu aspecto tipicamente científico.

Mesmo assim, entre nós ainda existem aqueles que simplesmente defendem o ponto de vista do Direito como uma forma não-científica, desafiando não só o caminho lógico-evolutivo do estudo do Direito, mas, particularmente, a acepção mais precisa (e correta) da expressão ciência (5).

"(...) não é rigorosamente científico denominar o Direito de ciência. (...). As pretensas ciências sociais, com ranço comtiano, onde se costuma incluir o Direito (...) não oferecem princípios de validez universal que lhes justifiquem a terminologia (...)".

(Paulino Jacques "in" "Curso de Introdução ao Estudo do Direito", págs. 10/11) (6).

"O Direito não é ciência, mas arte; como também ramo da moral" ("Geny in "Science et Téchnique en Droit Privé Positif", 2ͺ édiction, Tome I, Paris, 1927, págs. 69/71 e 89)

"As regras do Direito são preceitos artísticos, normas para fins práticos, determinações, ordens, que se impõem à vontade. Não se confundem com as afirmações científicas, que se dirigem à inteligência." (Pedro Lessa "in" "Estudos de Philosophia do Direito", Rio, 1912, pág. 46)

"A ciência jurídica é considerada ora como scientia, pelo seu aspecto teórico, ora como ars, pela sua função prática. Outros ainda dão ao problema uma solução eclética." (Maria Helena Diniz "in" "A Ciência Jurídica", 3ͺ ed., Saraiva, SP, 1995, pág. 6)

1 – Conceito de ciência

A questão central, nesse contexto de atuação, ao que tudo indica, parece ser, sob o prisma de sua própria especificidade, os múltiplos e variáveis conceitos de ciência, bem como as possíveis e diferentes traduções do vocábulo em epígrafe.

Nesse sentido, resta oportuna a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr. (in "Direito, Retórica e Comunicação", Saraiva, SP, 1973, págs. 159/160), para quem "a expressão ciência não é unívoca; não obstante de com ela se pretender designar um tipo específico de conhecimento, não há um critério único e uniforme que determine sua extensão, natureza e caracteres, devido ao fato de que os vários critérios têm fundamentos filosóficos que extravasam a prática científica."

De qualquer sorte, o que caracteriza a ciência, na acepção atual, não pode ser, em nenhuma hipótese, como deseja Paulino Jacques, uma pretensa e utópica validez universal de seus princípios, independentemente de meridianos e paralelos, uma vez que, de forma absolutamente diversa, a noção contemporânea de ciência reside no escopo próprio de sua atuação, ou seja, na busca, constante e permanente, pela verdade (ou, ainda, em outras palavras, na perene explicação evolutiva dos diversos fenômenos naturais e sociais) (7).

Em essência, – é oportuno ressaltar –, inexiste, de forma insofismável, a efetiva possibilidade de se ter fato gerando normas de validade sinérgica, acima de qualquer possibilidade de contestação no espectro temporal-evolutivo.

Muito pelo contrário, o que a ciência realiza, no âmbito de sua atuação, é exatamente conceber, caracterizando e criando através de interpretações próprias (porém, com escopo de generalização), a melhor explicação de um dado fenômeno particular (natural ou social), em um considerado momento histórico (no qual aspectos culturais, geográficos, organizacionais, etc. necessariamente possuem sua esfera, maior ou menor, de influência).

[Assim é que nos primórdios da Física, a melhor explicação científica para o fenômeno da queda de um objeto em direção ao chão não passava pela atual e complexa teoria da gravitação universal, preferindo, por ausência de melhor interpretação, os "cientistas" da época entender o fato (na qualidade de efetivo acontecimento no mundo real) através da singela concepção da existência de uma pretensa "mão invisível" que simplesmente empurrava todo e qualquer objeto em direção ao solo.

Mas mesmo com todo o desenvolvimento da Ciência da Física, o homem ainda não foi capaz de explicar, de forma inequívoca, o simples fato da queda de um objeto em direção ao chão, considerando, sobretudo, que a vigente lei da gravidade (corolário da teoria da gravitação universal) parte de um princípio básico de validez universal amplamente contestável e que poderia ser resumido, não obstante algumas complexidades que deixaremos ao largo, da seguinte maneira: um corpo de massa menor é sempre atraído em direção ao corpo de massa maior, determinando, em conseqüência, que qualquer objeto (de massa relativa desprezível) simplesmente "caia" em direção ao centro do planeta (que possui massa infinitas vezes maior), sendo contido apenas pelo obstáculo natural que é exatamente a sua superfície (ou seja, o chão).

Como o pressuposto básico da atração gravitacional como concebida na atualidade contemporânea pressupõe a existência de corpos com massa, a Física de hoje simplesmente não é capaz de explicar a descomunal atração gravitacional que exercem os chamados "buracos negros", na qualidade de corpos celestes desprovidos de matéria e, por conseqüência, de massa.]

A concepção básica de ciência (incluindo seu conceito específico), por efeito conseqüente, não pode considerar a existência de princípios de validez universal, tendo em vista que a validade intrínseca dos princípios e pressupostos científicos é sempre mutável no tempo e no espaço, em decorrência da própria e necessária evolução dos conceitos científicos.

[É evidente que os denominados Princípios Gerais do Direito não são universais ou mesmo permanentes (até porque os fenômenos sociais que os instruem são nitidamente mais complexos que os fenômenos naturais, objetos de outras ciências), muito embora, no mundo atual de notável capacidade de comunicação e intercâmbio, essa realidade tenda naturalmente a um ponto de aproximação semelhante a pretensa universalização de concepções tipicamente estudadas pela Física, Química, Astronomia, etc. O próprio conceito axiológico de justiça, como valor intrínseco do Direito, é conveniente ressaltar, vem sendo nitidamente universalizado, não obstante as diversas culturas e os diferentes estágios evolutivos das várias sociedades em convivência temporal comum.]

Por efeito conseqüente, a ciência não pode, sob pena de sublime subversão lógico-conceitual, ser encarada como algo que se traduz por uma verdade absoluta, mas, ao contrário, necessariamente deve ser entendida como algo que busca, de forma constante e permanente, a verdade (em sua acepção plena), aproximando-se cada vez mais da mesma, porém sem nunca poder atingi-la, ou mesmo tangenciá-la com plena segurança.

[É exatamente neste sentido que alguns autores observam a existência, em matéria científica, das denominadas "verdades relativas", ou, em outras palavras, "verdades" com validez limitada ou restrita, no tempo e no espaço, a uma dada e/ou considerada situação fática.]

2 – Classificação binária das ciências

Se é plenamente correto afirmar, nesse diapasão, que as ciências, de modo geral, não se traduzem em verdades absolutas (ou, sob outra ótica, em princípios imutáveis e intangíveis de validez permanente e universal), mas apenas e limitadamente na busca incansável por estas mesmas verdades (no sentido da explicação correta e absoluta para cada fenômeno natural ou social), não menos acertada se mostra, nesse contexto, a afirmação segundo a qual o raciocínio binário humano (8) se constitui no principal fator limitante do próprio desenvolvimento científico.

[Sob uma ótica puramente matemática, neste sentido, seria até mesmo lícito afirmar que o raciocínio binário corresponde, como uma sinérgica limitação humana, a uma progressão geométrica de razão igual a dois. Em essência, o número a índice n, último numeral da progressão, corresponderia ao infinito, demonstrando, claramente, a efetiva possibilidade humana de desenvolvimento. Porém, a velocidade deste mesmo desenvolvimento, correspondente à razão q da progressão, seria a menor possível, ou seja dois, equivalente numeral ao raciocínio binário].

Como a contingência (ainda que eventual) de superação da limitação binária tem se mostrado, nos inúmeros séculos de desenvolvimento da humanidade, tarefa impossível de ser concretizada, restou, de forma inexorável, ao gênero humano conceber e adaptar todos os modelos de desenvolvimento científico (9) a esta forma única e exclusiva de pensar.

Por efeito conseqüente, todas as classificações de cunho científico forçosamente tiveram de se adaptar, – e efetivamente se adaptaram –, à imposição do binarismo, incluindo, no desenvolvimento peculiar de sua atuação, neste particular, a própria classificação das ciências no sentido amplo.

Nesse contexto, as ciências, quanto ao seu objeto, passaram, de maneira amplamente majoritária, a ser classificadas em dois principais grupos: as denominadas ciências da natureza (cujo foco de observação são fenômenos naturais) e as chamadas ciências da sociedade (cujo foco de observação cinge-se a fenômenos sociais). As ciências naturais, por sua vez, passaram a admitir uma subdivisão peculiar em ciências do macrocosmo (10) (cujo foco de observação são fenômenos naturais externos aos seres vivos) e em ciências do microcosmo (11) (cujo foco de observação são fenômenos naturais internos aos seres vivos), ao passo que as ciências sociais (12), por seu turno, passaram a acolher subdivisão em ciências não-hermenêuticas (13) e em ciências hermenêuticas (ou interpretativas) (14).

No primeiro grupo (ciências naturais do macrocosmos), encontramos a física, a química, a astronomia etc.; no segundo grupo (ciências naturais do microcosmos), nos deparamos com a medicina, com a biologia etc.; no terceiro grupo (ciências sociais não-hermenêuticas) achamos a sociologia, a antropologia etc. e, finalmente, no quarto grupo (ciências sociais hermenêuticas) encontramos o Direito.

Muito embora os menos avisados possam questionar onde estaria, neste espectro classificatório, posicionada a matemática, a verdade é que esta pseudo-ciência, por não possuir o escopo próprio de atuação das ciências (ou seja, a valoração intrínseca (e interpretativa) de um fato (15) (natural ou social), concebendo uma norma), melhor se encontra classificada como genuína linguagem científica ou, como preferem alguns, efetiva ciência instrumental (16).

3 – Classificação da ciência do direito

Num quadro analítico mais amplo, a ciência do direito tem sido corretamente classificada como efetiva ciência social (17) hermenêutica, considerando, especialmente, não só possuir foco de observação em fenômenos sociais, mas, sobretudo, por desenvolver um sistema peculiar de interpretação de fatos sociais que não se limita, de nenhuma maneira, a simples valoração intrínseca dos mesmos, concebendo norma (fase legislativa), mas, ao contrário, permite ultrapassar a concepção fundamental interpretativa, reprocessando a conclusão (ou, em outras palavras, a própria norma) e concebendo, desta feita, uma segunda norma (de aplicação) no contexto de um sinérgico processo hermenêutico (fase judicial) (18).

[A verdade é que o Direito, como ciência, possui, numa aproximação para fins didáticos, dois diferentes momentos interpretativos. O primeiro, – comum a todas as ciências e que se processa através da tríade fator/valor/norma, – caracteriza um processo tipicamente legislativo de criação da própria norma abstrata. O segundo, – peculiar à chamada ciência jurídica – , desenvolve um processo genuinamente judicial de aplicação efetiva da norma abstrata por meio da caracterização (através de um complexo hermenêutico de mecanismos de interpretação da norma jurídica) da norma concreta (ou efetiva)]

Todavia, não obstante a inerente complexidade do assim concebido processo hermenêutico, o Direito, sob o prisma classificatório, não pode se restringir (e de fato não se restringe) a simples designação de ciência social hermenêutica, posto que a denominada ciência jurídica (20) também se caracteriza, de forma diversa das demais ciências, por ser uma ciência particular de projeção comportamental (ou, como preferem alguns autores, ciência de projeção de um mundo ideal (meta do dever-ser ) (21) e por ser uma ciência inexoravelmente axiológica (valorativa) (22).

[Sob a ótica axiológica, em particular, cumpre esclarecer que o Direito se exterioriza, no âmbito científico, através de um específico e complexo processo de valoração factual que inclui parcelas intrínsecas (notadamente a segurança das relações sócio-político-jurídicas e a busca da justiça (ou da decisão justa)), cuja ponderação se concretiza, de maneira diferenciada, por intermédio dos diversos ramos científicos do Direito. Assim, o Direito Processual, que incontestavelmente se constitui em uma sinérgica unidade (como sempre defenderam os unitaristas (ou monistas), como Hans Kelsen), passou a ser dividido em Direito Processual Penal, – onde, no eventual confronto entre os valores axiológicos da justiça e da segurança, prepondera o valor da justiça (razão pela qual inexiste prazo decadencial para o ajuizamento da competente ação autônoma de impugnação (revisão criminal) contra sentença condenatória transitada em julgado (23)) – , e em Direito Processual Não-Penal (Direito Processual Patrimonial ou Civil "Lato Sensu"), – onde, no mesmo confronto, prepondera o valor da segurança (razão pela qual há, no âmbito do processo civil, prazo decadencial de dois anos para o ajuizamento da competente ação autônoma de impugnação (ação rescisória) contra sentença transitada em julgado na esfera cível).]

4 – Axiologia jurídica e projeção comportamental do direito

Inegavelmente, as características axiológica e de projeção comportamental (meta do dever-ser) do Direito, muito mais do que a própria vertente hermenêutica, foram responsáveis, por muitos anos (e mesmo séculos), pela grande dúvida no tocante ao específico posicionamento enciclopédico do Direito. Havia no passado remoto razoáveis dúvidas (e algumas com sobrevida mesmo no passado recente) a respeito dessas características particulares da ciência jurídica, notadamente no que alude a sua específica operacionalidade prática, forjando, em conseqüência, uma forte incompreensão quanto à efetiva possibilidade de se ter, no espectro classificatório, uma autêntica ciência social de projeção de um mundo ideal, a partir de premissas valorativas (de cunho nitidamente axiológico), inerentes a um quadro de idéias (com forte feição ideológica), presentes e decompostas no mundo real.

Entretanto, o que aparenta ter sido dúvida primaz no passado, parece ter se transformado em inconteste certeza no presente, permitindo que o Direito – a par de toda a sorte de inegáveis especificidades – se posicione, com invejável segurança, na atualidade contemporânea, em um tipo particular de ciência, com características especiais (hermenêutica, comportamental (projeção de mundo ideal (meta do dever-ser)) e axiológica), mas nem por isso distante do factum característico fundamental de todas as ciências, ou seja, a busca permanente e contínua pela verdade, através da interpretação de fatos (naturais ou sociais), por intermédio da necessária e insuperável valoração intrínseca de um dado fenômeno, originando uma norma ou tese (explicativa e/ou comportamental).

Notas:

1. Concepção Mecanicista de Ciência

É importante salientar, em virtual oposição ao magistério dos chamados autores exclusivamente teóricos (e filosóficos) que, de nenhuma maneira, é possível, no contexto próprio e específico (e sobretudo contemporâneo) do conceito efetivo de ciência, entender, como deseja, por exemplo, Eros Roberto Grau (in Direito, "Conceitos e Normas Jurídicas", Revista dos Tribunais, SP, pág. 25 e segs.) que o "conceito rigoroso de ciência permite afirmar que os enunciados científicos são apodícticos, o que quer dizer que são verdadeiros e podem resistir contra qualquer tentativa de demonstração de sua falsidade", posto que, num mundo real de permanentes e constantes mutações, impossível seria admitir algo que, por si só, fosse perfeitamente estático e, por conseqüência, imutável.

A verdade é que a ciência, em uma linguagem objetiva, é um simples compromisso com a busca de uma certeza, que, em uma análise realística, sequer existe de fato.

2. Ciência do Macrocosmo

A ciência do macrocosmo (designação técnica) também é conhecida, em linguagem coloquial, como ciência exata, não obstante a tradicional denominação comportar, em si mesma, flagrante paradoxo, uma vez que a pretensa exatidão de uma ciência significaria simplesmente o reconhecimento da existência de uma verdade absoluta, destruindo o próprio objetivo (ou seja, o compromisso insuperável) de todas as ciências, que é exatamente a busca, – permanente, contínua e eterna – , por esta mesma verdade.

3. Ciência do Microcosmo

A denominada ciência do microcosmo é reputada, sob o ponto de vista terminológico, tradicionalmente como ciência biomédica, embora esta designação limite sobremaneira o vasto campo de atuação da ciência, que tem como foco de observação fenômenos naturais internos aos seres vivos.

4. Ciências Sociais

As ciências sociais também são conhecidas, em linguagem não-técnica, como ciências humanas lato sensu. O equívoco da denominação se encontra exatamente no fato de que toda e qualquer ciência é fruto de observação (de cunho interpretativo) humana, não sendo possível a existência de uma ciência que, sob este aspecto, não seja efetivamente humana.

5. Ciência Não-Hermenêutica

Toda ciência é, em síntese, interpretativa, tendo em vista que o escopo de atuação científica se processa exatamente através da interpretação de fenômenos naturais ou sociais.

Nesse contexto, a chamada valoração intrínseca de um dado fato (natural ou social) criando uma tese ou norma, nada mais é do que o resultado último de uma interpretação em sentido amplo.

Por efeito, quando se afirma que uma determinada ciência é classificada como não-hermenêutica, isto não significa dizer que inexiste, in casu, interpretação, mas apenas que não se processa, na hipótese, um mecanismo de "sobre-interpretação" (ou dupla interpretação), caracterizadora do denominado processo hermenêutico.

6. Ciência Hermenêutica

A denominada ciência hermenêutica, a que o direito é o melhor exemplo, se caracteriza pela existência de um processo complexo de interpretação. Inicialmente há, como em todas as demais ciências, a valoração intrínseca de um fato criando uma dada norma ou tese. Todavia, de forma diversa das demais espécies científicas, a norma produzida pelo sistema interpretativo básico não pode ser, de imediato, aplicada, sendo necessário uma espécie de "sobre-interpretação" (ou seja, a norma concebida originariamente é reinterpretada através de um novo e diferente processo) para se chegar, finalmente, à interpretação final e definitiva (no contexto específico de uma "verdade relativa").

7. Ciência Instrumental Matemática

Por se tratar de uma linguagem científica, a matemática tem sido referida por diversos autores como autêntica ciência instrumental, uma vez que, – embora não possua como escopo de atuação a valoração intrínseca de uma fato concebendo uma norma (ou uma tese) –, a mesma se efetiva como um indispensável instrumental para o conhecimento (e a compreensão) plena de, praticamente, todas as ciências (ainda que com ênfase nas ciências naturais), complementando o espectro de apoio analítico das ciências, ao lado das denominadas linguagens não-matemáticas, como o chamado direitês, o economês e outras linguagens técnicas (derivadas das diversas linguagens de comunicação (português, inglês, francês etc.).

8. Ciência Jurídica e Ciência do Direito

Muito embora expressiva parcela de estudiosos do Direito comumente utilize, como sinônimos, as expressões ciência jurídica e ciência do direito, a verdade é que mais correta é a última designação, considerando que o Direito não se limita a um conteúdo meramente jurídico, permitindo, ao contrário, ilações ou inferências no mundo meta-jurídico.

9. Ciência de Projeção Comportamental (ou de Projeção de um Mundo Ideal (meta do dever-ser)

Diferentemente de todas as demais ciências que analisam fenômenos (naturais e sociais) no contexto do mundo como ele efetivamente se apresenta (mundo do ser), projetando normas que se limitam ao mesmo (ou seja, a realidade posta), o Direito busca a análise de fatos sociais, com o exclusivo intuito de projetar comportamentos em que esses mesmos fatos se repitam (através das chamadas normas conservadoras (ou reprodutoras de condutas) ou não se repitam (por intermédio das denominadas normas de reprovação de condutas (referentes a juízo próprio e específico de reprovabilidade), caracterizando um mundo ideal e, por conseqüência, uma meta do dever-ser (e, por conseqüência, uma realidade pressuposta).

10. Ciência Axiológica

Da mesma forma que o Direito se caracteriza, sob o prisma hermenêutico, como uma ciência de "duplo processo interpretativo" (ou sobre-interpretação), igualmente se processa como uma ciência de valoração factual ampliada, ou mesmo de "sobre valoração".

Isto significa, em linguagem objetiva que, no âmbito da ciência do direito, o processo de valoração intrínseca de um fato, concebendo uma dada norma, não se restringe a um espectro valorativo (de cunho científico) nitidamente objetivo (ou exclusivamente interpretativo), mas, ao contrário, necessita da imposição de valores sociais (derivados da ética, da moral etc. e que necessariamente são mutáveis no tempo e no espaço) e de valores intrínsecos (tais como segurança, justiça, ordem etc.).

Como os valores axiológicos do Direito podem, inclusive (em dadas circunstâncias), ser antagônicos (segurança versus justiça, por exemplo), incumbe ao processo valorativo (de feição axiológica) particular do Direito a busca permanente de uma solução conciliadora, representada, em última análise, pelos diferentes ramos científicos do Direito (Direito Penal, Civil, Tributário etc.) que ponderam, de maneira propositadamente desigual, os diferentes valores intrínsecos em cada dada situação efetiva.

11. Sentença Transitada em Julgado

Não obstante ser comum na linguagem forense a expressão "sentença transitada em julgado" no sentido da imutabilidade da decisão judicial, a mesma não pode ser interpretada (como aliás nenhuma regra ou norma de Direito) sob o prisma exclusivamente literal, considerado, neste particular, que o trânsito em julgado (e seu conseqüente efeito preclusivo) cinge-se ao conteúdo da sentença (rectius: decisum) e não propriamente a seu continente, que pode ser rescindido através de ação própria.

 


(*) – Reis Friede é Professor-Adjunto da Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO, Mestre e Doutor em Direito e ex-Promotor de Justiça.

 

Texto retirado de http://www.mp.sp.gov.br/(11)ODireitocomociência.html