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Aplicação do Código de defesa do Consumidor aos serviços públicos

 

Davi Stanley

 

 

Interessante é trazer à voga este, que talvez possamos chamar de questionamento ou até mesmo resposta aos anseios de uma sociedade, execrada pelo abandono e descaso das autoridades públicas. Há muito tempo paira sobre nós revolta indignação quanto à prestação do serviço público. Não são poucas as vezes que sempre numa roda de conhecidos, começamos a discutir sobre o governo, seja na esfera, Municipal, Estadual ou Federal, mais que isto, como são tratadas as pessoas que efetivamente precisam do ente público para sobreviver.

Poderíamos discorrer sobre muitos serviços que deveriam ser prestados a nós cidadãos brasileiros, serviços estes “essenciais “, conforme preconiza o art. 10 da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, que assim transcreve:

“Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII telecomunicações;

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;

XI – compensação bancária.”

Todos, alguns mais outros menos, mas, que deveriam ser prestados a rigor, com mais dedicação e respeito à sociedade brasileira.

Sempre nos comparam, e as vezes até nós mesmos inculcamos isto no nosso convívio, que somos país de terceiro mundo. É vergonhoso que ainda façamos isto, diante de uma legislação como o Código de Defesa do Consumidor, que é hoje adotado em muito outros países, menosprezamos a nós mesmos, muitas vezes por desconhecimento, outras e aqui abro um parêntese especial “POR QUE NÃO REINVIDICAMOS NOSSSOS DIREITOS”, esta é a real diferença entre ser e querer ser, afinal, muitas vezes agimos como anencefálicos, ou ainda como cegos, ou pior preguiçosos, pois falta-nos o compromisso de lutar pelo que entendemos justo e aplicável a qualquer cidadão nascido na terra Brasilis.

O artigo 22 do CDC esparge a obrigatoriedade de “fornecer serviços públicos”, e aqui não só o ente, público, mas também aqueles que por ele foram sub-rogados à estes serviços, através de permissão, autorização ou outra forma de empreendimento citado pelo aludido artigo.

Porém, queremos nos ater apenas àqueles serviços prestados pelos entes Municipais, Estaduais e Federais que serão o escopo da nossa missão qual seja, a de ver a aplicabilidade da regra consumerista aos serviços públicos obrigatórios dos entes governamentais.

Em Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto, Zemo Denari assim comenta: “ RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO – Nos termos do art. 3º do CDC, as pessoas jurídicas de Direito Público – centralizadas ou descentralizadas – podem figurar no pólo ativo da relação de consumo, como fornecedoras de serviços. Por via de conseqüência, não se furtarão a ocupar o pólo passivo da correspondente relação de responsabilidade.”

 

EFICIÊNCIA NO SERVIÇO PÚBLICO

 

Não leitor, não é estória em quadrinhos, isto é obrigatório. Parece distante, mas, como defendemos a total aplicabilidade do CDC aos serviços públicos, EFICIÊNCIA, é palavra de ordem. Afinal, quem é o patrão?

Esta é uma pergunta que não cala. A Ministra Ângela Calmon à época de sua posse como Ministra do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista a Revista Consulex foi clara direta e incisiva “NOSSO PATRÃO É O POVO”, além de soar forte, é o que queremos ouvir, principalmente por ser ela a primeira mulher a ser elevada aquela Corte.

O princípio da eficiência, descrita como “aquele que tem partes com as normas de ‘boa administração’, indicando que a Administração Pública, em todos os seus setores deve concretizar a atividade administrativa predisposta à extração do maior número possível de efeitos positivos ao administrado”. Acreditamos assim que esta eficiência poderia sim, ser a alavanca mestra para um tratamento honrosa para com o cidadão.

O eminente jurista Hely Lopes Meireles preconiza que a eficiência é um dever imposto a todo e qualquer agente público no sentido de que ele realize suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. A eficiência foi inserida no caput do Art. 37 da Constituição Federal através da Emenda Constitucional 19 de 1998, talvez quem sabe, o legislador tentou amenizar a vergonha do ente público diante do seu administrado, afinal, ainda existem pessoas que sabem e cobram daqueles a quem um dia foi dado um voto de confiança.

Então podemos consignar que a eficiência no serviço público é concretizada a partir da supressão da necessidade do cidadão, neste momento hiposuficiente e ainda pela caracterização da sua adequação.

Neste sentido o Art. 6º da Lei 8.897/95 dispõe que “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Este serviço essencial deverá também ser observado sob o prisma da continuidade bem como da urgência

 

EFICIÊNCIA X URGÊNCIA

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Temos na prática a desorganização neste sentido. Vejamos os exemplos que são passados de pai para filho por gerações, bem como através dos meios de imprensa, em que o Estado deveria atender rapidamente uma pessoa através do serviço de saúde. Isto não ocorrendo, mesmo que seja para apenas uma pessoa, o serviço não foi eficiente, pois, não houve urgência. Num exemplo concreto, temos que todos são iguais perante a lei, afinal não é isto que preconiza o caput do Art. 5º da CF:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

Temos aqui o corolário da segurança à vida e a outros direitos pátrios, assim continuando o nosso exemplo, um cidadão, sem distinção conforme o legado constitucional, desloca-se para uma unidade hospitalar no intuito de ser socorrido devido a um infarto, e ao chegar ao local, por não ter um plano de saúde, sempre procura as unidades do governo, este cidadão não recebe com urgência o tratamento, vindo a falecer. Houve falha na eficiência, pois, ela não foi urgente, ou seja, um ato está ligado ao outro necessitando, portanto, de junção entre eles.

 

EFICIÊNCIA X CONTINUIDADE

 

Outro fator que não poderá em hipótese alguma ser esquecido é o da continuidade, afinal, eficiência, urgência sem continuidade é no mínimo, descaso para com outros que vierem a necessitar do serviço público.

A Lei 8.987 de 14 de fevereiro de 1995 traz em seu bojo, especificamente no §3º do art 6º a possibilidade de interrupção do serviço público: “Art. 6º ....

§3º Não caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso: quando:

I – motivada por rações de ordem técnica ou de segurança das instalações, e,

II – por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade.”

O que vemos hoje, não se encaixa em nada da previsão legal, a descontinuidade se dar por vários outros fatores, menos os elencados no artigo supra. O que temos hoje é um verdadeiro descaso. Quem prestará contas, em decorrência deste descaso, quem será punido, onde estão os funcionários, os médicos, o atendente para dar-me a informação que preciso, porque tenho que aguardar uma consulta por dias, meses e até anos, se um dia paguei para receber este tratamento quando chegasse a minha hora. Estas são questões que não tem resposta, e não tem porque não sabemos a quem recorrer. Afinal os órgãos públicos se sentem inatingíveis diante da legislação atual, pois, acreditam que o CDC não se aplicaria a estes órgãos.

Não temos dúvidas quando a aplicabilidade. Mas quem poderá nos representar. É fácil, o Ministério Público, seja na escala municipal, estadual ou ainda o Ministério Público Federal contra os órgãos da esfera federal.

 

GARANTIA CONSTITUCIONAL

 

Seria ótimo se todos conhecessem a Constituição Brasileira, é ela nossa voz. Os usuários dos serviços públicos deveriam ter em sua bolsa, ou bolso, pelo menos alguns artigos da CF, isto serviria para intimidar muitos funcionários públicos, de qualquer esfera. Vejamos algumas coisas garantidas pela constituição:

• Inviolabilidade do direito à vida (Art. 5º caput)

• Educação

• Saúde

• Segurança

• Previdência social

• Assistência aos desamparados (todos os itens anteriores estão no caput do Art. 6º)

• Prestação dos serviços públicos (art. 175)

Pararemos por aqui, pois, o trabalho se restringe a aplicabilidade do CDC aos Serviços Públicos, mas o que percebemos que todos estes direitos que poderemos chamar de serviço público, são garantidos constitucionalmente, e como temos uma lei que cobra, além de outros serviços, o fornecimento do serviço público, mais uma vez demonstra-se arrazoável que a este serviço deva-se aplicar o CDC, vejamos o que diz o Art. 22 da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 – CDC:

“Art. 22 Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficiente, seguros e quanto aos essenciais, contínuos. (grifo nosso)

Parágrafo Único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.”

Esta é a resposta legal, para os céticos que deixam de brigar e lutar pelos seus direitos constitucionais.

Buscamos mais um vez o conhecimento daqueles que um dia tiveram a iluminação divina, na criação do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, Zelmo Denari, com o comentário sobre a FALTA DO SERVIÇO PÚBLICO , prescreve:

“Como assinala com acuidade Aguiar Dias, a responsabilidade do Estado pelo mau funcionamento do serviço público tem sido confundida, no Brasil, com a falta de determinado funcionário, e ‘a aplicação de tal doutrina resulta na negação de responsabilidade, sempre que não seja possível estabelecer a culpa do funcionário, muito embora se defronte caso autêntico de defeito do serviço’.

Continua o autor-

No entanto, as idéias civilistas – ainda prevalentes em nossa legislação – não impediram o desenvolvimento de uma teoria da falta do serviço público, caracterizada, segundo Paul Dues, em sua clássica La responsabilité de la puissance publique, pelos seguinte pontos essenciais;

1º - a responsabilidade do serviço público é uma responsabilidade primária, vale dizer: a administração pública age através de seus agentes e com eles se confunde em termos de representatividade;

2º - a falta do serviço público não depende de falta do agente. A responsabilidade do Estado é decorrência imediata do funcionamento defeituoso do serviço que presta aos administrados;

3º - o que dá lugar à responsabilidade do Estado é a falta e não o fato do serviço, pois não tem acolhida, nesta sede, a teoria do risco;

4º - por via de conseqüência, só o serviço defeituoso acarreta responsabilidade do Estado. A defectibilidade é variável segundo a natureza do serviço, tempo e lugar da respectiva prestação.”

Ratificamos assim a obrigatoriedade da aplicação do CDC ao Serviço Público.

 

CONSUMIDORES OU CONTRIBUINTES

 

Neste diapasão é bom entendermos as duas figuras. Para a aplicação do CDC, faz-se necessária a figura do cidadão como consumidor. Neste sentido há entendimentos que posto o serviço público à disposição, o administrado que o recebe se confunde com a figura do consumidor, onde aplica-se a regra acima.

Não podemos olvidar que existem outros entendimentos, porém, para o presente, debruçaremos nos aspectos legais que entendemos ser consistentes para a apreciação.

Assim temos as normas que são claras, todas no CDC:

“Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 17 Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. (Observação do autor – a Seção que se refere o artigo é o DA PROTEÇÃO À SAUDE E SEGURANÇA)

Art. 29 Para fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. (Observação do autor – o Capítulo é o DA QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS, DA PREVENÇÃO E DA REPARAÇÃO DOS DANOS)

Importa-nos dizer também que nesta relação existe o fornecedor, e este está devidamente elencado no caput do Art. 3º do CDC:

“Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (grifamos)

Não há assim dúvidas quando a condição do Estado e do administrado, o primeiro é fornecedor, o segundo é consumidor.

Como comenta o ilustríssimo autor Antonio Rizzato , não há alternativa: se, na relação jurídica estabelecida, de um lado estiver o consumidor, que recebe um serviço (público ou privado), e de outro o fornecedor do serviço, que o presta, a relação e típica de consumo e esta protegida pelas regras do CDC.

 

CONCLUSÃO

 

Não poderia ser mais límpida, diante do exposto, afinal, somos consumidores, como tal devemos ser respeitados. Como em qualquer outra relação de consumo, Oxalá tenhamos a atenção devida, o respeito. Respeito este dado hoje, por grandes empresas que querem continuar no mercado, o famoso SAC. Seria notável que um dos nossos governantes, qualquer deles, prefeito, governador, presidente, obtivesse uma iluminação divina, quiçá, punitiva, diante dos anseios de uma sociedade. Que com certeza aos poucos se levantará e assumirá o verdadeiro papel, o de CONSUMIDOR de serviços públicos.

Todos, indistintamente, da criança ao ancião, requerendo os seus direitos. Uma mobilização harmônica e sustentável, para ser ouvida. E caso não fosse, utilizaria o CDC, como escudo diante dos torrenciais abusos que vemos no nosso dia a dia.

A partir deste dia, teremos um Brasil, bem Brasileiro, afinal somos os criadores deste respeitado e internacional CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

 

 

 

STANLEY, Davi. Aplicação do Código de defesa do Consumidor aos serviços públicos. Disponível em: < http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?t=2634>. Acesso em: 20 out 2006.