® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Da desnecessidade de contratar o segundo
provedor de acesso à Internet e as liminares favoráveis ao consumidor
Renato F. Baccaro*
Este breve
texto tem a proposta de contornar algumas questões sobre a "venda
casada" que alguns fornecedores de serviços de acesso à internet via banda
larga estão impondo aos consumidores. Em outras palavras, para utilizar esse serviço,
os fornecedores estão exigindo que os consumidores contratem terceiro com
função meramente figurativa, ao passo que esse terceiro ofereceria a venda de
conteúdo webjornalístico ou outros serviços disponíveis que nada tem a ver com
o meio físico necessário para se estabelecer conexão à internet via banda
larga, conforme se infere dos contratos de prestação de serviços
disponibilizados e firmados pelas partes, nos casos que seguem.
Fazendo
uma interpretação análoga, exigir e colocar como precondição a contratação
desnecessária de uma segunda empresa para ter acesso à internet (por exemplo,
de conteúdo webjornalístico) seria o mesmo que exigir do consumidor que ao
comprar um sanduíche, adquira, também, o refrigerante ou um segundo sanduíche
do vendedor conveniado como precondição para a venda do primeiro sanduíche.
Tem-se,
neste pequeno estudo, como premissa a seguinte afirmação: as empresas são
obrigadas e capazes de por si só de fornecer o acesso à internet, pois possuem
o meio físico estrutural necessário para a conexão à grande rede. Tenta-se
pensar em outra premissa, entretanto, pergunta-se: se essas empresas não são
capazes de fornecer o acesso à internet isoladamente, então qual é o papel
delas nessa relação comercial? São apenas figurativas? Ainda não se tem uma
resposta clara para essa pergunta, a qual dependerá de prova pericial.
Assim,
em virtude da "venda casada" que os fornecedores pretendem impor aos
consumidores, resta aos últimos recorrerem ao Poder Judiciário para obterem o
serviço de conexão à internet via banda larga, para se verem desobrigados da
necessidade contratação de um terceiro, quando este se faz desnecessário do
ponto de vista técnico-informático, conforme se presume da simples leitura dos respectivos
contratos.
Delineada
a relação de consumo, deve-se observar o estipulado pelo Código de Defesa do
Consumidor para os casos desta natureza. Contudo, essa prática dos fornecedores
("venda casada") é vedada pelo inciso I do artigo 39 do Código de
Defesa do Consumidor, in verbis:
"Art. 39 - É
vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
I - condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou
serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;"
Do
ponto de vista jurisprudencial, embora o tema seja recente, a Sexta Câmara do
Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo (1º TAC/SP), reconhece
a provável ilicitude da conduta dos fornecedores, conforme decisão em sede de
Agravo de Instrumento que visava cassar a liminar deferida em primeira
instância em favor do consumidor:
"TUTELA
ANTECIPADA - REQUISITOS - SERVIÇO ´SPEEDY´ - Constatação - Verossimilhança da
Alegação: prestação de acesso à ´internet´ - Possibilidade de Dano Irreparável
ou de difícil reparação: suspensão do serviço que impediria a usuária de
desenvolver, regularmente, suas atividades - Pertinência jurídica quanto ao uso
de provedor é de ser enfrentada no desenrolar da lide, com a análise dos
argumentos de fundo - Decisão que concedeu parcialmente a antecipação de
tutela, a fim de que a concessionária fornecesse à autora o serviço ´speedy´,
independentemente, de cadastro junto a provedor, até a data em que o contrato
completasse 12 meses, é de ser mantida - Recurso improvido." (Agravo de
Instrumento nº 1.066.636-3, da Comarca de Ribeirão Preto. Agravante Telesp
Comunicações de São Paulo S.A., e agravada Ana Maria Capucho Rodrigues)."
Ademais,
infere-se que, além dos fornecedores tentarem praticar a "venda
casada", o juiz Marco Fábio Morsello, do Juizado Especial Cível da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, no processo nº 01.214222-0, considerou,
em decisão de primeira instância, que no contrato firmado não havia uma
cláusula obrigando a contratação de uma segunda empresa, conforme exige o
Código de Defesa do Consumidor. Vide parte da decisão in verbis:
"(...) Ante o
exposto, JULGO PROCEDENTE a ação proposta, e por via conseqüente, condeno a reclamada
a prestação de serviços de acesso à internet, por meio do "speedy",
sem a necessidade de contratação de provedor, para a transmissão e recepção de
dados, sob pena de fixação de multa diária de R$ 50,00, até o limite de alçada
de R$3.600,00, convertendo-se, posteriormente em perdas e danos, em sede de
execução por quantia certa (...)."
Outrossim,
o Sr. Dr. Juiz Luiz Fernando Parreira Milena, do Juizado Especial Cível -
Vergueiro, da Capital do Estado de São Paulo, no processo que este autor move
pessoalmente contra a empresa Telefonica, a qual pretende fazer a "venda
casada" de um segundo provedor de acesso para que se possa continuar tendo
acesso à internet por intermédio de seus próprios equipamentos, despachou o
seguinte, em pedido liminar:
"Presentes os
requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC, mormente aquele que diz respeito à
possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, defiro
a antecipação da tutela, determinando à ré que se abstenha de suspender o
serviço ´speedy´ prestado ao autor, sob pena de pagar multa diária de R$200,00.
No mais, já designada audiência de conciliação, cite-se e intime-se a ré, com
urgência, inclusive do teor da presente decisão" (28/05/2002)
A
doutrina já caminhava para o mesmo sentido, conforme expõe a ilustre obra de
Ada Pellegrini Grinover e outros na obra "Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor", 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998, cujo
teor resumidamente define que a "venda casada é feita quando a empresa
nega a fornecer um produto ou serviço a não ser que o consumidor concorde em
adquirir também um outro produto ou serviço."
Ainda
nesse diapasão dispõe a cartilha do CADE - CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA
ECONÔMICA, órgão do Ministério da Justiça:
"Venda Casada:
Consiste na prática de subordinar a venda de um bem ou serviço à aquisição de
outro. O praticante da venda casada produz barreiras à entrada de concorrentes
potenciais no mercado ou empecilhos à expansão dos concorrentes já presentes. A
subordinação proporcionada pela venda casada gera uma restrição de liberdade de
comprar e vender por pressão, por coação, sem que haja qualquer benefício para
o consumidor na aquisição vinculada."
Nessa
ação que dependendo do caso pode ser de obrigação de fazer ou de não fazer,
existe a possibilidade de requerer-se a antecipação dos efeitos da tutela, sob
pena de pagamento de multa diária, caso o consumidor dependa fundamentalmente
da internet para desenvolver sua atividade profissional, no intuito de evitar
que a injusta imposição cause-lhe prejuízos irreparáveis ou de difícil
reparação, desde que comprovada a verossimilhança das suas alegações. Tal
requerimento vem baseado nos artigos 273 e 461 do CPC, que dizem:
"Art. 273. O
Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os
efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique
caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu.
(...)"
"Art. 461 - Na
ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o
juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
(...)
§ 3º - Sendo
relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante
justificação prévia, citado o réu.A medida liminar poderá ser revogada ou
modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4º - O juiz
poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao
réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com
a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
(...)"
Diante
das fontes do direito trazidas à baila, bem como da interpretação delas tirada,
infere-se que a imposição da "venda casada" pretendida no presente
caso, ou qualquer outro, afronta uma das principais conquistas do homem
civilizado: A LIBERDADE, valor fundamental e assegurado constitucionalmente.
Portanto,
a exigência da contratação de um segundo provedor de acesso - considerando que
a empresa que faz essa exigência seja o primeiro -, está em descompasso com os
preceitos constitucionais e legais brasileiros, na medida em que fere a
liberdade de contratação do consumidor, coagindo-o a adquirir serviço
prescindível ao o objetivo maior que intenta: o acesso à informação via grande
rede de computadores.
*Advogado em São Paulo, professor universitário, coordenador da Revista Digital Tributario.com, mestre em Direito pela Universidade Mackenzie, mestrando em Filosofia pela USP
BACCARO, Renato F.. Da desnecessidade de contratar o segundo provedor de acesso à Internet e as liminares favoráveis ao consumidor . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3010>. Acesso em: 02 out. 2006.