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ACP contra cortes de eletricidade sem
observância da legislação
Alexandre Lima Raslan*
EXCELENTÍSSIMO
SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA DA COMARCA DE MARACAJU-MS
O
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por seu Promotor de Justiça ao final
assinado, no uso de suas atribuições legais, vem perante V. Exª. para, com
fulcro no art. 129, incs. II e III, da Constituição Federal, no art. 1º, inc.
IV, última parte, nos arts. 3º, 11 e 12, da Lei n. 7.347/85, propor a
presente
AÇÃO
CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR
em
face da EMPRESA ENERGÉTICA DE MATO GROSSO DO SUL – ENERSUL, pessoa
jurídica de direito privado inscrito no CNPJ/MF sob o n. 15.413.826/0001-50,
com endereço na Av. Gury Marques, s/n, em Campo Grande-MS, pelos motivos de
fato e fundamentos de Direito que seguem:
I – DAS
PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES À AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Com
o conhecimento por parte do Ministério Público Estadual de que a Ré não cumpre
a legislação estadual e as próprias normas federais relativas à interrupção
ou suspensão ("corte") do fornecimento de energia elétrica, dois
pontos devem ser examinados para que recebam a proteção judicial adequada: o
primeiro, de que a Lei Estadual n. 2.042/99 precisa ser respeitada; o
segundo, que a Lei n. 8.987/95 e a Resolução ANEEL n. 456/2000, devem ser
estritamente observadas quando for caso de "corte" no fornecimento
desse serviço essencial.
Instaurado
o Inquérito Civil n. 002/2001, expediram-se requisições legais em busca de
subsídios fáticos acerca da conduta da Ré, vindo aos autos informações por ela
própria prestadas que configuram confissão inequívoca de que não pretendem
cumprir as normas de proteção do consumidor.
Consoante
se vê das NOTIFICAÇÕES expedidas pelo Ministério Público Estadual e dirigidas à
empresa Ré, foram requisitadas as seguintes informações (f. 14):
a)
qual o procedimento adotado em caso de atraso no pagamento da fatura relativa à
prestação do serviço público de energia elétrica;
b)
qual é a norma legal que autoriza a empresa a proceder à suspensão do serviço
essencial no caso do item "a";
c)
remeta a esta Promotoria de Justiça relação nominal, com endereços, código do
cliente etc. dos consumidores que tiveram o fornecimento do serviço suspenso
por falta de pagamento no período compreendido de 06.12.99 até a data da
prestação das informações, além:
c)
i) da informação de quanto era o valor da fatura que ensejou a suspensão do
fornecimento de cada um desses consumidores;
c)
ii) da data em que o consumidor foi prévia e formalmente comunicado,
remetendo-se documento comprobatório deste ato;
c)
iii) da data em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido;
c)
iiii) da data em que o fornecimento de energia elétrica foi restabelecido.
Examinemos,
então, as duas situações, separadamente.
II – DA
CONDUTA LESIVA AO CONSUMIDOR FRENTE À LEI ESTADUAL N. 2.042/99
A
Lei Estadual n. 2.042, de 03 de dezembro de 1999, publicada no Diário
Oficial do dia 06.12.1999, diz que a suspensão ou a interrupção do
fornecimento de energia elétrica, água e serviços de telefonia no
âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, pelas concessionárias ou
permissionárias, por mora ou inadimplência dos usuários, não poderá ser
efetuado às sextas-feiras, vésperas de feriados e em quaisquer dias precedentes
a datas em que, por qualquer razão, não haja expediente bancário normal e
deverão ser precedidos de notificação ao usuário.
A
descoberta de que a Ré descumpre a legislação estadual veio de declarações de
consumidores que compareceram à Promotoria de Justiça do Consumidor, tal como
APARECIDA DONIZETTI DA SILVA que informou ter o fornecimento de energia
elétrica que servia sua residência interrompido, por inadimplência, em
16.02.2001 – uma sexta-feira!!! (f. 06/08).
Diante
disso, o Ministério Público Estadual expediu NOTIFICAÇÃO que, dentre outras
requisições, estavam as seguintes (f. 14 e 21):
c)
remeter a esta Promotoria de Justiça relação nominal, com endereços, código do
cliente etc. dos consumidores que tiveram o fornecimento do serviço suspenso
por falta de pagamento no período compreendido de 06.12.99 até a data da
prestação das informações, além:
c)
iii) da data em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido;
A
data de 06.12.99 foi eleita como termo inicial para as informações em razão da
vigência e eficácia da Lei Estadual n. 2.042/99, sendo interessante observar A
RELAÇÃO DE CLIENTES CORTADOS E RELIGADOS enviada ao Ministério Público
Estadual, onde se observa o desrespeito a esta Lei.
A
observação pode ser feita a partir do início da relação quando a tabela
elaborada indica as datas das interrupções no campo "Data do
corte" (f. 34), merecendo atenção os destaques em "amarelo"
por toda a lista e que denunciam os dias em que o "corte" não
poderia ter sido realizado (f. 34/56).
Para
deixar sem qualquer dúvida quanto às datas vedadas pela Lei Estadual para o "corte",
segue abaixo uma relação das sextas-feiras e vésperas de feriados.
RELAÇÃO
DE DIAS EM QUE A INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA É PROIBIDO
Lei
Estadual n. 2.042, de 03.12.1999
ANO
DE 2000
Janeiro/2000
Sextas-feiras:
07, 14, 21 e 28.
Fevereiro/2000
Sextas-feiras:
04, 11, 18 e 25.
Março/2000:
Sextas-feiras:
03,10,17, 24 e 31.
Abril/2000:
Quinta-feira:
20 – véspera do dia 21 de abril (feriado nacional)
Sextas-feiras:
07, 14 e 28.
Maio/2000:
Sextas-feiras:
05, 12, 19 e 26.
Junho/2000:
Sextas-feiras:
02, 09, 16, 23 e 30.
Julho/2000:
Sextas-feiras:
07, 14, 21 e 28.
Agosto/2000:
Sextas-feiras:
04, 11, 18 e 25.
Setembro/2000:
Quarta-feira:
06 – véspera do dia 07 de setembro (feriado nacional)
Sextas-feiras:
01, 08, 15, 22 e 29.
Outubro/2000:
Quarta-feira:
10 – véspera do dia 11 de outubro (feriado estadual).
Sextas-feiras:
06, 13, 20 e 27.
Novembro/2000:
Quarta-feira:
01 – véspera do dia 02 de novembro (feriado nacional).
Terça-feira:
14 – véspera do dia 15 de novembro (feriado nacional).
Sextas-feiras:
03, 10, 17 e 24.
Dezembro/2000:
Sextas-feiras:
01, 08, 15, 22 e 29.
Assim,
se vê pela própria confissão da Ré que não há respeito pela Lei Estadual n.
2.042/99, seja no ano de 2000 ou no ano de 2001.
III –
DO DESRESPEITO À RESOLUÇÃO DA ANEEL N. 456/2000
DO
PRAZO MÍNIMO ENTRE A NOTIFICAÇÃO E A INTERRUPÇÃO
Segundo
a Resolução ANEEL n. 456/2000, no seu art. 91, § 1º, letra "a", para
que a suspensão ou interrupção seja efetuada nos casos de atraso no pagamento
da fatura o consumidor deverá ser comunicado por escrito, com
especificidade, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias.
Pasme-se,
pois a exigência de prévia notificação para interrupção do fornecimento de
energia elétrica, segundo a Resolução da ANEEL n. 456, de 29.11.2000,
não vem sendo respeitada, pois, conforme pode ser visto na NOTIFICAÇÃO DE
SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO dirigida à consumidora APARECIDA DONIZETTI GARCIA a data
de emissão é 15.02.2001 e o "corte" foi realizado no dia 16.02.2001
(f. 08).
Um
absurdo!!!
DA
INEXISTÊNCIA DE PROVA DA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA PARA A INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO
Outra
ilegalidade manifesta é o fato de que os consumidores não são devidamente
notificados, como deseja a Lei Estadual n. 2.042/99 e a Resolução da
ANEEL n. 456, de 29.11.2000, não havendo prova de que realmente os usuários
foram comunicados da interrupção.
A
Lei Estadual n. 2.042/99, em seu inc. II, do art. 1º, exige que o consumidor
seja notificado pessoal ou através de postal com aviso de recebimento.
Diante
disso, o Ministério Público Estadual expediu NOTIFICAÇÃO que, dentre outras
requisições, estavam as seguintes (f. 14 e 21):
a)
qual o procedimento adotado em caso de atraso no pagamento da fatura relativa à
prestação do serviço público de energia elétrica;
c)
remeta a esta Promotoria de Justiça relação nominal, com endereços, código do
cliente etc. dos consumidores que tiveram o fornecimento do serviço suspenso
por falta de pagamento no período compreendido de 06.12.99 até a data da
prestação das informações, além:
c)
ii) da data em que o consumidor foi prévia e formalmente comunicado,
remetendo-se documento comprobatório deste ato;
A
Ré, em sua prestação de informações, responde à letra a, da seguinte
forma:
"Quanto a
indagação constante no item "a" da notificação, esclarecemos que o
procedimento adotado pela concessionária, em caso de atraso no pagamento das
faturas de energia elétrica das unidades consumidoras, é a suspensão do
fornecimento, precedida de aviso de corte, com pelo menos 15 dias de
antecedência entre o aviso e a execução da ordem de corte".
Vê-se,
então, que a Ré afirma realizar uma conduta legal, porém isso não deve ser
aceito como verdade absoluta.
A
comprovação da conduta ilegal da Ré vem estampada no caso concreto da
consumidora APARECIDA DONIZETTI GARCIA, bem como na omissão dolosa em deixar
de responder integralmente à requisição contida na letra "c)
ii)" que exigia a comprovação documental idônea das prévias notificações
aos consumidores.
Por
que a Ré não apresentou ao Autor as notificações exigidas pela legislação
federal e estadual? Simplesmente porque não as possui. Contudo, se estas
notificações surgirem no decorrer da demanda estaremos diante de conduta que
pode ser punida criminalmente pelo art. 10, da Lei n. 7.437/85.
Vê-se,
então, que não há como tolerar a renovação deste desrespeito ao consumidor.
IV – DO
DIREITO DAS NORMAS JURÍDICAS INFRINGIDAS
É
dicção constitucional de clareza solar a eleição do bem-estar e da justiça
social como princípios a serem respeitados, consoante o art. 193, da
Constituição Federal, inseridos no Título VIII "Da Ordem Social",
Capítulo I, "Disposição Geral":
"Art. 193. A
ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e
a justiça sociais".
Neste
diapasão vem a proteção específica aos consumidores em geral, reconhecida sua
fragilidade (hipossuficiência jurídica, técnica, econômica etc.) perante aqueles
que detêm poder econômico suficiente para fazer valer os seus mesquinhos
interesses privados em detrimento da evolução da sociedade de consumo,
aviltando a dignidade da pessoa humana.
Visando
a proteção do consumidor a Constituição Federal, animada pela busca da
cidadania como aspecto supremo da sociedade moderna, inseriu no Título II
"Dos Direitos e Garantias Fundamentais", no Capítulo I "Dos
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", o art. 5º, inc. XXXII, que se
afigura norma ostentadora importância ímpar que fixou como meta a proteção do
consumidor:
"Art. 5º....
XXXII – o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor....".
De
atentar-se para o que consta no Título VI "Da Ordem Econômica e
Financeira", no Capítulo I "Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica", que erigiu a defesa do consumidor como princípio da ordem
econômica instaurada em nosso País, verbis:
"Art. 170. A
ordem econômica, (...) tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
...
V – defesa do
consumidor;...".
Assim,
em atenção ao art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o
Congresso Nacional elaborou a Lei n. 8.078/90, conhecida como Código de Defesa
do Consumidor que, em seu art. 1º, já demonstra para que veio.
Em
reforço à exegese constitucional, veio o art. 4º, do Código de Defesa do
Consumidor, inserido no Capítulo II "Da Política Nacional das Relações de
Consumo", que, entre outras:
"Art. 4º A
Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
I – reconhecimento
da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II – ação
governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa
direta;
b) por incentivos à
criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do
Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia
dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança,
durabilidade e desempenho;
III – harmonização
dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da
proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem
econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
IV – educação e
informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres,
com vistas à melhoria do mercado de consumo;
V – incentivo à criação
pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de
produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de
conflitos de consumo;
VI – coibição e
repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo,
inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações
industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam
causar prejuízos aos consumidores;
VII –
racionalização e melhoria dos serviços públicos;
VIII – estudo
constante das modificações do mercado de consumo".
Explicitadas
as normas gerais e as finalidades das normas que visam proteger o consumidor,
passamos a detalhar aspectos relevantes que encontram seu respectivo suporte
fático na conduta da Ré.
O
art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor, define quem deve ser entendido como
consumidor:
"Art. 2º.
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço
como destinatário final".
Ao
interesse desta demanda, por envolver uma universalidade de pessoas, calha bem
ao fecho o que consta do parágrafo primeiro, do art. 2º, do Código de Defesa do
Consumidor que diz:
"Art. 2º....
Parágrafo único.
Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis,
que haja intervindo nas relações de consumo".
Vê-se,
então, que o Código de Defesa do Consumidor, em atendimento aos imperativos da
Constituição Federal de 1988, prestigiou não somente aquele consumidor que pode
ser identificado como célula componente da estrutura relacional de consumo de
produtos e serviços, mas, do contrário, indo muito além, protegeu às escancaras
toda aquela coletividade que participa como destinatário final dos bens do
comércio.
Assim,
a população de um determinado município, Estado, ou, até mesmo de nosso País,
está abrangida pelo espectro protetivo do Código de Defesa do Consumidor.
Confirmando
a conclusão deste raciocínio é a lição contida na obra Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor, editora Forense Universitária, 4ª edição, Rio de
Janeiro, 1995, p. 31, de autoria dos elaboradores do projeto de lei
respectivo:
"Desta forma,
além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em mira no
parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor é a universalidade,
conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe
ou categoria deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou
serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é
natural que se previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços
perigosos ou então nocivos, beneficiando-se assim abstratamente as referidas
universalidades e categorias de potenciais consumidores".
Patente
está, pois, a inaceitabilidade atual da convivência entre a universalidade dos
consumidores e fornecedores que não cumprem as normas que visam garantir os
direitos daqueles.
Deparando-se
com a definição de "fornecedor", trazida pelo art. 3º, do Código de
Defesa do Consumidor, tem-se que assim pode ser entendido:
"Art. 3º.
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
Então,
desrespeita a Ré, impunemente até o momento, as mais comezinhas normas
ordenadoras das relações de consumo, infringindo direitos do consumidor que são
inalienáveis, conforme o art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor que diz:
"Art. 6º. São
direitos do consumidor:
IV – a proteção
contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou
desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços;
VI – a efetiva prevenção
e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII – o acesso aos
órgãos judiciários e administrativos, com vista à prevenção ou reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a
proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados";
As
normas constitucionais e infraconstitucionais acima referidas cuidam da criação
de uma variedade de garantias aos direitos dos consumidores que devem ser
observadas compulsoriamente pelos entes federativos, seja quando atuem
diretamente no fornecimento de produtos e serviços ou através de concessões
públicas, como é o caso da Ré.
Uma
destas mais importantes garantias advindas com o Código de Defesa do Consumidor
é a possibilidade jurídica da inversão do ônus da prova a favor do
consumidor, o que se apresenta cabível nesta demanda.
Diz
o art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º. São direitos
básicos do consumidor:...
VIII – a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências;... "
Vê-se,
então, que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor depende de
dois requisitos: for verossímil a alegação ou quando o consumidor for
hipossuficiente.
A
inversão do ônus da prova pode ser assim entendida: é direito à facilitação
da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da
prova, se e quando o julgador estiver em dúvida. É dispensável caso forme sua
convicção, nada impedindo que o juiz alerte, na decisão saneadora que, uma vez
em dúvida, se utilizará das regras de experiência a favor do consumidor. Cada
parte deverá nortear sua atividade probatória de acordo com o interesse em
oferecer provas que embasam seu direito. Se não agir assim, assumirá o risco de
sofrer a desvantagem de sua própria inércia, com a incidência das regras de
experiência a favor do consumidor (ob. cit., p. 129-130).
Ora,
logicamente que a notificação ou comunicação, formal e por escrito, com
recebimento pessoal ou postal com aviso de recebimento, são de incumbência da
própria Ré, tanto em expedi-las como em guardá-las para a exibição em razão de
contestação a elas relativas.
DA
LEI ESTADUAL N. 2.042/99 E A PROIBIÇÃO DE INTERRUPÇÃO
Sabendo
disso o Autor requisitou todas notificações exigidas pela Lei Estadual n.
2.042/99 e pela Resolução ANEEL n. 456/2000, porém não veio aos
autos nenhuma delas, comprovando que a Ré não cumpre, como deveria, as normas
que regem a concessão, salvo quando a beneficia.
Assim
reza o art. 1º, da Lei Estadual n. 2.042/99:
"Art. 1º O
corte ou interrupção do fornecimento de água, energia, elétrica e serviços de
telefonia no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, pelas concessionárias ou
permissionárias, por mora ou inadimplência dos usuários, não poderá ser
efetuado às sextas-feiras, vésperas de feriados e em quaisquer dias precedentes
a datas em que, por qualquer razão, não haja expediente bancário normal e
deverão ser procedidos de notificação ao usuário que:
I – seja anterior
ou pelo menos 10 (dez) dias, ao ato do corte;
II – seja pessoal
ou postal com aviso de recebimento".
De
clareza solar a dicção do dispositivo acima, dispensando maiores esclarecimentos,
somente sendo de se argumentar que se a norma estadual restringir direitos do
consumidor deve ser aplicada a norma federal.
Em
outras palavras: se a Lei Estadual n. 2.024/99 determina o prazo mínimo de 10
(dez) dias e a Resolução ANEEL n. 456/2000 impõe o prazo mínimo de 15 (quinze)
dias, deve ser aplicada a que melhor atender os interesses dos consumidores,
especialmente porque esta Resolução regulamenta a Lei Federal n. 8.987/95 (Lei
Geral das Concessões de Serviço Público), sem prejuízo do que consta no art.
6º, do Código de Defesa do Consumidor.
DA
RESOLUÇÃO ANEEL N. 456/2000 E A LEI ESTADUAL N. 2.042/99 E AS FORMALIDADES DA
NOTIFICAÇÃO
O art. 91, inc. I, da Resolução
ANEEL n. 456/2000, diz:
"Art. 91. A
concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comunicação formal
ao consumidor, nas seguintes:
I – atraso no
pagamento da fatura relativa a prestação do serviço público de energia
elétrica;...".
Em
seguida, o § 1º, letra "a", da Resolução ANEEL n. 456/2000,
determina como deve ser a notificação e o prazo mínimo entre a sua efetivação e
o "corte":
"Art. 91....
§ 1º. A comunicação
deverá ser por escrito, específica e de acordo com a antecedência mínima a
seguir fixada:
a) 15 (quinze) dias
para os casos previstos nos incisos I, II, III, IV e V;...".
O
art. 1º, da Lei Estadual n. 2.042/99:
"Art. 1º O
corte ou interrupção do fornecimento de água, energia, elétrica e serviços de
telefonia no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, pelas concessionárias ou
permissionárias, por mora ou inadimplência dos usuários, (...) deverão ser
procedidos de notificação ao usuário que:...
II – seja pessoal
ou postal com aviso de recebimento".
Da
conjugação dos dispositivos acima transcritos temos, induvidosamente, que se a
Ré tem o direito de suspender ou interromper o fornecimento em razão de mora ou
inadimplência das faturas de energia elétrica, poderá faze-lo desde que
notifique o consumidor formalmente e por escrito, pessoalmente ou com aviso de
recebimento, com antecedência mínima de 15 dias.
Não
agindo desta forma estará a Ré agindo em desconformidade com as normas
pertinentes e já referidas, e, sobretudo, estará ferindo direitos e garantias
do consumidor que estão salvaguardados na Constituição Federal e no Código de
Defesa do Consumidor, o que é inaceitável.
Se
a Ré desrespeita o consumidor, não cumprindo ou burlando as normas que o
protegem, deve ser coagida legalmente a cumprir as leis aplicáveis, sob pena de
imposição de multa.
Imperiosa,
portanto, é a imposição à Ré que cumpra as determinações legais que protegem os
consumidores e não somente as que socorrem os interesses econômicos da
concessionária.
A
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL OS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS E
OS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Por
imperativo constitucional cabe ao Ministério Público a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, ex
vi do art. 129, III, da Constituição Federal.
HUGO
NIGRO MAZZILLI, em sua obra A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo,
Saraiva, 7ª edição, São Paulo, 1995, p. 08, assevera que:
"Em sentido
lato, ou seja, de maneira mais abrangente, podemos dizer que os interesses coletivos
compreendem uma categoria determinada, ou pelos menos determinável de pessoas,
distinguindo-se dos interesses difusos, que dizem respeito a pessoas ou
grupos de pessoas indeterminadamente dispersas na coletividade".
Pois
então, o Ministério Público Estadual não pode deixar de lançar uso de suas
prerrogativas e dos instrumentos legais que estão à sua disposição, abandonando
a coletividade que de há muito - e mais hodiernamente - é a razão de ser da
Instituição.
O
cumprimento da lei e o amparo aos hiposuficientes (juridicamente, tecnicamente
etc.) – notadamente os consumidores – é atributo indelegável do parquet,
reprimindo de todas as formas juridicamente possíveis qualquer ofensa ao
direito e aos interesses difusos e coletivos – e de igual modo os individuais
homogêneos.
Legitimado
o Ministério Público Estadual, nos termos do art. 82, inc. I, do Código de
Defesa do Consumidor, resta tão somente sair em busca da defesa dos interesses
dos jurisdicionados.
DA
NECESSIDADE DA CONCESSÃO DE LIMINAR
A
liminar pleiteada é procedimento acautelador do direito, justificado pela
iminência de dano irreversível ou de lesão de direito de qualquer natureza,
para cessar a malsinada causa, imediatamente.
Na
obra Teoria e Prática da Ação Civil Pública, Saraiva, 1987, São Paulo, p. 29,
os autores da obra, ANTONIO LOPES NETO e JOSÉ MARIA ZUCHERATTO, com precisão
dizem:
"Se é certo
que a liminar não deve ser prodigalizada pelo Judiciário, para não entravar a
atividade normal, também não deve ser negada quando se verifiquem os seus
pressupostos legais, para não se tornar inútil o pronunciamento final, a favor
do autor".
Os
requisitos autorizadores da concessão da liminar encontram-se presentes,
saltando aos olhos.
A
relevância do fundamento da demanda, exigida pelo § 3º, do art.
84, do Código de Defesa do Consumidor, evidencia-se pela obrigação indeclinável
de respeitar a legislação pertinente, principalmente àquelas encravadas na
Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor, nas legislações
Federal (art. 6º, inc. III à VIII, do CDC, e Resolução ANEEL n. 456/2000) e
Estadual (art. 1º, da Lei n. 2.042/99).
Comente-se,
ainda, que este requisito é tão presente na atualidade quando se fala em
qualidade dos produtos e serviços postos ao consumo, que é até mesmo
constrangedor entender que ele não está patente na questão em apreço.
O
receio da ineficácia do provimento se deferido somente ao final da
demanda, imprescindível pela dicção do mesmo § 3º, do art. 84, do
Código de Defesa do Consumidor, demonstra-se à saciedade quando a cada dia que
passa os direitos e as garantias contempladas na legislação vigente – e cogente
– acima transcritas sofrem aviltamento em progressão geométrica, deixando os
consumidores e suas famílias à mercê do poder econômico detido pela Ré, que
recalcitra impunemente até o momento.
DA
OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER A CONCESSÃO DA MULTA LIMINAR
O
art. 11, da Lei n. 7.347/85, prescreve:
"Art. 11. Na
ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o
juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação
da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa
diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento
do autor".
A
inversão de prioridades demonstrada com a conduta da Ré é de todo reprovável,
pois amesquinha os direitos e as garantias de uma universalidade de cidadãos,
contrariando a Política Nacional das Relações de Consumo e os princípios
constitucionais respectivos, especialmente quando, burlando a Lei Federal n.
8.987/95 e a Resolução ANEEL n. 456/2000, além da Lei Estadual n. 2.042/99, sorrateiramente
fere o consumidor de forma a não lhe proporcionar o exercício de qualquer de
seus direitos garantidos no art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor.
Impõe-se,
initio litis, que a Ré seja compelida a não mais realizar suspensão ou interrupção
("corte") no fornecimento de energia elétrica nas sextas-feiras,
vésperas de feriados (federal, estadual ou municipal) e em quaisquer dias
precedentes a datas em que, por qualquer razão, não haja expediente bancário
normal (obrigação de não fazer).
De
igual modo, soleiramente, cabe impor à Ré que, sempre que a pretensão de
suspensão ou interrupção ("corte") no fornecimento de energia
elétrica estiver fundada em mora ou inadimplência da fatura do serviço
essencial, proceda previamente à notificação pessoal ou através de postagem com
aviso de recebimento, formal e por escrito, do consumidor devendo haver entre a
data da notificação e a data do "corte", no mínimo 15 (quinze) dias
(obrigação de fazer).
Cumpre,
ainda, que a Ré mantenha em arquivo as notificações para futura apresentação no
curso desta lide, especialmente porque desde já se requer a inversão
do ônus da prova em favor do consumidor sobretudo por caber ao notificante
a prova de que a notificação se realizou conforme a lei.
Muitas
vezes – e esta é uma delas – um comportamento ilegítimo, ilegal e irregular
somente tem seu iter interrompido com a imposição dessa sanção.
O
objeto desta ação civil pública é a proteção do consumidor na cidade de
Maracaju-MS, fazendo cessar atividade aviltante ao consumidor (obrigação
de não fazer), podendo o Juiz impor o cumprimento sob pena de execução
específica ou de cominação de multa diária ou multa liminar, com
adequação que melhor servir ao caso concreto.
Ferramenta
que busca dar real eficácia à prestação jurisdicional a cominação
soleira de multa liminar é admissível no bojo de qualquer ação que trate de
interesses difusos e coletivos, inteligência do art. 21, da Lei n. 7.347/85.
HUGO
NIGRO MAZZILLI, a respeito do tema, assevera (ob. cit., p. 343):
"Esse
tratamento processual mais minudente trazido pelo Código do Consumidor é de
aplicação subsidiária na defesa de quaisquer interesses difusos e coletivos, e
não apenas daqueles relacionados com a defesa do consumidor".
A
multa diária é aquela que é fixada na sentença, para forçar o
cumprimento do comando da prestação jurisdicional.
Já
a multa liminar, prevista nos art. § 2º, do art. 12, da Lei da Ação
Civil Pública e no §§ 3º e 4º, do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor, é
aquela fixada initio litis que, embora somente exigível após o trânsito
em julgado da decisão que julgar procedente o pedido, já será devida desde o
momento do descumprimento da cominação liminar (ob. cit., p. 436 e segs.).
Vê-se,
pois, que a situação hostilizada nesta demanda civil pública tem caráter de urgência,
necessitando de que V. Exª. adote a multa liminar a título de acautelar
o cumprimento das decisões.
III –
DO PEDIDO
Diante
do exposto, requer o Ministério Público Estadual:
1.como
pedidos imediatos, a concessão de liminares, nos termos da lei,
determinando que a Ré em caso de mora ou inadimplência relativa à fatura do
serviço essencial de energia elétrica: a) se abstenha de realizar
suspensão ou interrupção ("corte") no fornecimento de energia
elétrica nas sextas-feiras, vésperas de feriados (federal, estadual ou
municipal) e em quaisquer dias precedentes a datas em que, por qualquer razão,
não haja expediente bancário normal (obrigação de não fazer); e, b)
proceda previamente à notificação pessoal ou através de postagem com aviso de
recebimento, formal e por escrito, do consumidor devendo haver entre a data da
notificação e a data do "corte", no mínimo 15 (quinze) dias
(obrigação de fazer);
2.a
imposição por V. Exª. de multa liminar, no valor de R$5.000,00 (cinco
mil reais) por fato que constitua desobediência à decisão judicial, para que
seja garantida a satisfação integral dos pedidos constantes do item 1;
3.seja
determinada a citação pessoal da Ré, na pessoa de seu representante legal, com
a autorização expressa do art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil;
4.para
que possa o consumidor ver protegido seu direito, direta ou indiretamente
decorrente da relação com a Ré, seja invertido o ônus da prova;
5.ao
final, como pedido mediato, a procedência dos pedidos com a condenação da Ré
que sempre em caso de mora ou inadimplência relativa à fatura do serviço
essencial de energia elétrica: a) não realize suspensão ou interrupção
("corte") no fornecimento de energia elétrica nas sextas-feiras,
vésperas de feriados (federal, estadual ou municipal) e em quaisquer dias
precedentes a datas em que, por qualquer razão, não haja expediente bancário
normal (obrigação de não fazer); e, b) realize previamente à notificação
pessoal ou através de postagem com aviso de recebimento, formal e por escrito,
do consumidor devendo haver entre a data da notificação e a data do
"corte", no mínimo 15 (quinze) dias (obrigação de fazer);
6.a
imposição de multa diária, a ser fixada oportunamente na sentença e em
valor não inferior ao da multa liminar, para que seja garantida a satisfação
integral dos pedidos mediatos constantes do item 4;
Protesta
o Ministério Público Estadual pela produção de todos os meios de prova em
direito admitidos, especialmente o depoimento pessoal do representante legal da
Ré, a testemunhal, a juntada de documentos etc.
Para
efeitos fiscais, dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (mil reais).
Pede
Deferimento
Maracaju-MS,
25 de junho de 2001
ALEXANDRE
LIMA RASLAN
promotor
de justiça
* Promotor de justiça promotor de justiça do consumidor em Maracaju (MS).
ACP contra cortes de eletricidade sem observância da legislação. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=486>. Acesso em: 28 set. 2006.